sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Ateísmo, materialismo e ética II - O problema

II O problema


Um dos temas tidos em conta de mais relevantes pelo homem contemporâneo é certamente a Ética.

Subministrou-nos o Cristianismo Papista uma Ética 'religiosa' até meados do século XVI quando abalado pela Revolução protestante.

Desde então passaram a existir duas éticas religiosas em conflito e devemos desde já reconhecer que nenhuma delas era perfeita ou plenamente satisfatória. A própria ética papista havia se deixado contaminar por elementos judaicos, pagãos e muçulmanos no decorrer do processo histórico, adquirindo uma forma problemática.

Tanto pior a ética protestante que associada aos interesses imediatos das elites que apoiaram a reforma nasce já problemática.

Desde Maquiavel há uma busca por uma ética naturalista ou secular em termo racionais, a qual se prolonga até o século XVIII e busca sua expressão mais completa no deísmo dos iluministas, quando alguns sistemas são esboçados. 

A esse tempo buscaram os primeiros ateus e materialistas produzir a sua. Pelo que De Holbach e La Metrie brindaram-nos com o utilitarismo individualista hedonista! Primando pela coerência!

As decorrências no entanto tornaram tal sistema inadmissível para a maior parte dos filósofos, a ponto de nem mesmo os ateus e materialistas estarem dispostos a resgata-lo.

Sempre foi hábito enterrar a carniça e ocultar a podridão.

Apenas alguns psicopatas como M Stirner e Ayn Rand ousaram levar a frente um sistema tão desumano e insensível. 

Ao tempo que os deístas construíam seus sistemas naturalistas tomando por guia o racionalismo, I Kant iniciou suas críticas racionalistas a razão ou ao racionalismo, decretando a inutilidade da metafísica. Num primeiro instante os ateus, que eram poucos mas não menos fanáticos e pretenciosos, vibraram pois Kant havia 'desmantelado' as famosas provas em torno da existência de Deus... Já num segundo momento derramaram amargas lágrimas pois o mesmo Kant genial, afirmava que a existência de Deus é absolutamente necessária no campo da ética ou dos valores.

Por simples questão de opinião e vontade o Kant da primeira crítica passou a ser considerado um pensador de primeira grandeza, enquanto que o Kant da razão prática passou a ser encarado como um simplório!!! Desde então os ateus principiaram a repetir que a metafisica era inutil, sem jamais se preocuparem com as reflexões kantianas em termos de ética.

Aos agnósticos e positivistas estava reservado levantar a outra ponta do véu e denunciar os ateus como metafísicos por terem ultrapassado a barreira traçada por Kant. Se os deístas pretendiam conhecer o que estava para além de nossas capacidades os ateus não menos...

Durante todo este tempo, optaram os ateus por não por a mão no vespeiro.

Tampouco fizeram-no os primeiros positivistas ou positivistas ortodoxos fiéis a Comte. Os quais incluiam a moral ou a ética em sua classificação científica. Litreé no entanto fez escola ao perceber na ética certa qualidade metafísica ou aspecto imaterial e decreta-la igualmente inutil. Desde então foi ela substituída pela biologia, coroando o sistema cientificista. E ficou a ciência entronizada como suprema forma de conhecimento humano, acima da qual não há qualquer outra.

Em termos históricos foi a Ética defenestrada - pelos positivistas - pelos idos de 1860.

Foi justamente neste ambiente completamente vazio em termos de ética e em que já não havia qualquer elemento unificador e coordenador em termos objetivos (Comte já havia descrito deste modo o cenário cultural de seu tempo 1840) que afloraram os sistemas Comunista, Nazista e fascista. Nem eram o ceticismo, o subjetivismo e o relativismo reinantes capaz de condena-los como viciados e desumanos. Adormecido neste berço esplêndido o liberalismo econômico e formal prolongou sua dominação até 1914, buscando convencer as massas de que viviam no melhor dos mundos possíveis...

Foi quando o grande Cataclismo da guerra destruindo as ilusões todas com o liberalismo fascinara os povos, preparou a afirmação e triunfo daqueles pavorosos sistemas anti humanos. Os quais no entanto haviam sido concebidos e nutridos no contexto de uma sociedade fortemente influenciada pelos pressupostos do segundo positivismo e portanto numa ordem sem ética, bem a gosto do ateísmo e do materialismo crasso.

Não havia espírito de humanidade ali porque o ateísmo e o materialismo haviam banido o espírito e se negado a reconhecer sua existência mesmo em conexão com o elemento material. Assim os elementos unificadores passaram a ser compreendidos em termos de classe, raça ou estado e estes elementos não podiam ser julgados em termos de bem ou mal porque o bem e o mal passaram a ser tido em conta de relativos aos indivíduos.

Em meio a todas estas convulsões não foram os paladinos geniais do materialismo e do ateísmo capazes de propor qualquer tipo de solução efetiva em termos de elemento unificador capaz de coordenar as ações humanas ou de uma ética objetiva! Eis uma demanda que jamais puderam satisfazer. Antes nos mesmos termos do velho e ultrapassado liberalismo continuaram a sustentar como verdades absolutas as anti verdades do ceticismo, do subjetivismo e do relativismo...

Nem podia o materialismo por defeito de essência fornecer-nos um elemento unificador qualquer.

Somos todos materiais! E daí??? Que relevância tem isto em termos de Ética? Afinal também as pedras e pranchas de madeira são materiais...

Da materialidade constituitiva dos seres não podemos inferir quaisquer princípios ou valores.

Alias sendo a materialidade fragmentária e compósita como poderia fornecer-nos um elemento unificador e coordenador?

Acaso não é fragmentado o universo dos elementos ou substâncias?

Grosso modo podemos dizer que em termos de princípios e valores a materialidade é impotente para oferecer qualquer elemento comum. Sendo assim fragmenta os homens e produz indivíduos tão alienados uns dos outros quanto os átomos. O materialismo atomiza o pensamento e a vontade, dispersa e separa os seres humanos, aliena e isola os mortais; é de todo incapaz para produzir uma Unidade...

Nega a imaterialidade, nega a cultura imaterial, nega a relevância da idealidade e portanto a possibilidade de construirmos uma ética objetiva. Enfim jamais poderá ultrapassar as barreiras fixadas pela lógica positivista!

Kant ousa propor uma ética fundamentada no teísmo ou deísmo... os neo kantianos dão-lhe as costas...

Comte e os ortodoxos concedem foros de cidade a moral... Litreé e seus seguidores abatem-nos.

Marx esboça certa inclinação humanista e um certo viez de moralidade (tomado ao Cristianismo)... Weber denuncia-o como metafísico e Lênin 'chuta o pau da barraca'.

Um após o outro os apóstolos do positivismo, do materialismo e do ateísmo foram negando a dimensão ética da condição humana...

Pelo que as ciências humanas tornam-se meramente descritivas, limitando-se a determinar como a Sociedade é e não como deveria ser. Mesmo Weber que não era estritamente positivista, não pode deixar de tecer esta fina observação sobre as pretensões acalentadas por Marx no sentido de transformar a Sociedade. Do ponto de vista do materialismo coerente só podemos dizer o que é, jamais decretar o que deva ser!

Nem é possível tecer qualquer crítica a realidade existente ou questiona-la sem resvalar no subjetivismo e por-se fora do terreno da ciência.  A qual de certo modo justifica o que descreve...

Percebem como o materialismo é de todo impotente para engendrar uma ética em oposição ao economicismo liberal ou capitalismo, pelo simples fato de te-lo gestado???

Assim se o positivismo ortodoxo ousa faze-lo (com Comte não Litreé) até certo ponto é porque não passa de um Catolicismo secularizado, cuja moralidade reproduz quase que integralmente. Buscais a doutrina social da Igreja Romana? Dareis com ela nas obras de A Comte...

Assim se o marxismo de Marx ousou faze-lo, é porque incorporou princípios metafísicos ou éticos de origem Cristã tomados a Weitling, o qual tendo sido educado na igreja romana, tomou seus princípios ao Pe Lammenais, ou seja, ao Catolicismo social.

Tanto Comte quanto Marx beberam direta ou indiretamente nas fontes éticas do papismo, enquanto Kant fazendo volta ao parafuso tornou ao teísmo ou a fé protestante...

Uma vez que em termos de materialismo crasso a elaboração de um sistema objetivo de ética faz-se sempre impossível.

Nem mesmo Bentham e Mill com seu utilitarismo SOCIAL, fogem a esta regra. Pois o que constrange-nos a buscar o bom ou o útil para o MAIOR NÚMERO DE PESSOAL ao invés de busca-lo apenas para nós mesmos? Stirner e Rand não só fizeram esta bela pergunta como elencaram diversos argumentos plausíveis - do ponto de vista deles materialistas e ateus - em sentido oposto ou seja em favor da utilidade meramente individual. Nada do ponto de vista material ou natural obriga-me a pensar no outro ou a respeita-lo... Nada em absoluto- se não há vontade externa e superior a minha - pode obrigar-me a abdicar de meus interesse e de minha comodidade ainda que estejam em oposição ao interesse ou a comodidade geral.

Nada na natureza do mundo tem o condão de fazer-me optar pela espécie ou o gênero humano ao invés de optar por meus próprios interesses! Nada em absoluto!

Direis com Kropotkin que o apoio mútuo obriga-me a tanto! Confesso que o apoio mútuo ou a solidariedade natural entre os animais seja um fato! Devemos apreciar no entanto o outro lado da moeda e ter em mente que o apoio mútuo ocorre apenas em situações normais ou comuns, em que os suprimentos bastam a todos. Do contrário, como percebeu Darwin e após ele Spencer, em faltando suprimentos os animais devoram-se literalmente, como combatem as vezes mortalmente até, no período do acasalamento...

Além disto possui o homem outras ambições, como a aspiração imoderada pelo lucro, que o apoio mútuo ou a tal solidariedade natural não destrói como nem mesmo logra conter.

Direis que devemos identificar-nos uns com os outros. Direi que nada na materialidade dos elementos ou na ordem natural do mundo constrange-nos a fazer.

Nada na natureza obriga-nos a pensar sempre em termos de sociedade ou a identificar-nos com o outro.

Exata e precisamente por isso o materialismo não pode deixar de encontrar sua mais rematada expressão ética em Stirner e Rand ou seja na 'ética' do egoísmo.

Agora que resta para além disto em termos de ética?

Nada, nada, nada...

Pois na esteira dos positivistas os materialistas consequentes dirão que tudo quanto há para além disto é puramente subjetivo e relativo. Assim o bem, a justiça, a paz, a vida, etc nada de objetivo ou de universalmente válido e verdadeiro há aqui e 'Fora Sócrates' é o grito de guerra!

O materialismo e o ateísmo, em que pesem os geniais esforços de alguns de seus defensores, não podem sair disto ou fornecer-nos algo mais consistente.

Agora nem pode essa ética aberrante conter a arrancada do Comunismo, do Fascismo e do Nazismo COMO NÃO PÔDE, NEM PODE 'A POSTERIORI' condena-los como essencialmente maus! Então condenamos os nazistas, fascistas e comunistas e denunciamos seus crimes contra a humanidade em nome do que??? De meras opiniões subjetivas e relativas???

Caro leitor se uma ética não pode suster a essencialidade objetiva dos direitos humanos ou da dignidade da pessoa estamos diante de uma ética miserável!

Se não podemos condenar os sistemas acima citados como essencialmente vis e criminosos qualquer cidadão se sentirá plenamente livre para abraça-los amanhã!

E de fato ressurgem estes três espectros tenebrosos na mesma medida em que o discurso cético, subjetivo e relativista é insistentemente retomado não só pelos ateus e materialistas, mas até mesmo pelos neo católicos!

Afinal se cada qual pode ter sua verdade por que o nazista não pode ter sua verdade nazista, e quem somos nós para critica-lo???

E se cada qual tem o direito de definir o que é bom por que ao fascista é negado o direito de ter o fascismo em conta de bom???

E se o critério de beleza é o indivíduo apenas por que raios o Benedito não pode achar beleza no comunismo?

Amigo leitor condenar relativamente o mal, o vício ou o crime é condena-lo muito levemente.

Atinge apenas a aparência das coisas não a essência delas.

Não é em nome da Sociedade, nem da opinião comum, nem da vontade individual que devemos condenar a cultura de morte. Ou vibramos sobre ela uma condenação essencial, objetiva e transcendente ou renascerá mais uma vez como as cabeças da Hidra cortadas por Hércules.

É em nome de um elemento unificador e coordenador da ação humana que devemos anatematizar tais monstros! É em nome de uma cultura imaterial comum que devemos esconjurar tais fantasmas! É em nome de um espírito, de uma consciência, de um ideal que devemos exorcismar tais espectros! E não em nome de vontades individuais e flutuantes...

Agora não haveis de pedir tais recursos ao materialismo crasso ou ao ateísmo que ele não vos pode conceder. E este 'não poder', esta reserva, esta impotência face a gravidade do mal, é sua falência e sua suprema miséria!

Percebem como Kant não foi estúpido?

Como Marx e Comte foram 'incoerentes'...

E como Litreé, Lênin e sobretudo Stirner e Rand foram absolutamente lógicos...

Já ouço dizer algum ateu gritando:

E no entanto há ateus bons!

Como não muçulmano ou não pentecostal como haveria de nega-lo???

Claro que a ateus bons, até santos ateus.

A propósito de que vem tal existência?

Qual o nexo?

Qual a relação em termos de essência?

Foi o ateísmo que tornou tais pessoas boas? São produtos duma escolástica ateística ou dum ateísmo ruminado, digo refletido? Nasceram num ambiente ateu? São elementos constituintes de uma cultura ateia?

Na maior parte das vezes não.

São ateus convertidos, ex espíritas, ex judeus, ex católicos, ex deístas, etc que continuam vivendo como viveram, segundo os princípios e valores determinados pelas velhas crenças ou pela convivência, ou pela cultura. A que o ateísmo ou teoria ateia nada acrescenta...

Produziu o ateísmo algum impacto ético na vida de alguém tornando tal pessoa mais solidária ou aumentando sua consciência social?

Ignoro supinamente que tal tenha ocorrido.

Via de regra o ateísmo herdado, transmitido a gerações, cultivado e portanto raciocinado e levado escolasticamente até as últimas consequências (a pondo de produzir uma nova cultura) mostra-se quase sempre solidário com o liberalismo econômico, quando não assume plenamente os pressupostos desumanos do darwinismo social, chegando a Stirner, Rand e a 'moral' do egoísmo...

Isto é o que tenho testemunhado no decurso da vida.

A exceção é claro do credo marxista com seu conteúdo ético tomado ao Cristianismo... Credo no entanto é credo, sendo a força do marxismo ortodoxo dogmática e coercitiva. Agora se deixassem nosso comunista raciocinar livremente sobre seu materialismo e seu ateísmo... lá chegariam eles ao Stirner e a Rand. Único fim a que materialismo e ateísmo podem levar-nos por via de inferência lógica.

Há por fim a solução radical de Camus, que é o nihilismo absoluto, a respeito do qual discutiremos noutra oportunidade.

Aqui os problemas e são tantos...

Fico aqui esperando algum profeta do ateísmo delucida-los para mim...

Afinal para eles tudo são flores...

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