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sábado, 11 de março de 2023

Reflexões sobre o protestantismo, o antigo testamento, o odinismo e o Evangelho.





Acabo de ler mais uma obra de Georges Goyau intitulada 'Os Católicos alemães e o Império Evangélico' (Apud 'Revue des deux mondes' Vol XXXIV, 1916 ps 721 sgs). 

Curioso o meio porque cheguei a esta curiosa obra, atualmente que por completo esquecida.

Numa das minhas últimas idas a capital, tendo passado no Sebo do Messias, pus-me a garimpar diversas estantes, assim as de História, Sociologia, Filosofia, etc E já havia reservado diversas preciosidades quando numa pilha afastada e composta por obras sem capa, despedaçadas, sujas, etc deparei com um oitavo, cuja encadernação, por ser antiga e bela, chamou-me a atenção. Tratava-se de uma alentada publicação francesa, coisa dumas novecentas páginas, cujo título 'Pendant la guerre' vinha numa lombada pessimamente conservada. Bastante incrédulo folheei e percebi que se tratava duma coletânea - De cinco volumes. - de Sermões, pronunciados no Oratório de Saint-Honoré, pelos principais membros do clero protestante francês> Wilfred Monod, Charles Wagner, Henri Monnier e Jean Viénot dentre outros, e todos tratando da mesma temática: A primeira grande guerra mundial, então no auge.

A edição é de Fischbacher, Paris e as brochuras datadas todas elas de 1915.

Interessado folheei e li, com bastante atenção um dos Sermões pronunciados por Monnier 'Devant L'avenir'. Surpreendido com o conteúdo levantei a bibliografia desse pastor, falecido em 1941, e dentre as diversas obras citadas deparei com o seguinte título 'O deus alemão e a reforma protestante.'. Durante a infrutífera tentativa de localizar e examinar tão curiosa obra, dei com a de Goyau, pelo simples fato deste aludir a Monnier.

Já conhecia esse filão. 

Porém como meus estudos concentram-se nas áreas de Civilizações orientais, Civilizações clássicas, Literatura clássica, Filosofia clássica, Patrística, etc jamais havia reservado mínimo tempo para examinar tais obras mais de perto. Tendo a coleção da Fishbacher - Porque paguei míseros trinta reais (Está cotada em mais de mil reais!) - em mãos aproveitei e li, em um dia, a de Goyau.

Não é ocioso registrar que li, há algum tempo, as Atas dos julgamentos de Nuremberg editadas pela Ediouro.

Todas essas leituras transportaram-me a mente ao tempo em que não passava de um jovem adolescente, frustrado, desapontado, confuso e aspirando conhecer mais a História do protestantismo, fé ancestral em que fora criado... A bem da verdade eu jamais simpatizará com essa fé. No entanto, apesar de meu criticismo 'diabólico' resolverá dar ao menos uma chance a velha crença...

Para tanto, como é sabido, aprendi espanhol, italiano, francês e inglês - E devorei imensa quantidade de publicações de diversa lavra: Papistas, protestantes, espíritas, liberais, comunistas, fascistas, anarquistas, ateístas, etc

Nem preciso dizer que após ter passado por tão denso cipoal, dele saí completamente incrédulo e sem pingo de fé.

Após minha conversão a igreja romana, adquiri os nove volumes das Obras seletas de Lutero em espanhol...

Eis porque, ao chegar a Faculdade de História, na qual obtive Bacharelado e Licenciatura, tinha a opinião consolidada: Ao contrário do que me haviam dito os professores do ensino médio e essas porqueiras chamadas livros didáticos, o protestantismo me parecia, sob diversos aspectos, mais insidioso do que a Igreja romana ou a Igreja antiga (Católica Ortodoxa.). 

Costumo dizer e repetir ainda hoje que caso o Lachatrê - O qual escreveu uma alentada Enciclopédia sobre os crimes cometidos pelos papas romanos - quisesse poderia ter escrito uma Enciclopédia muito maior sobre os crimes cometidos pelos 'deformadores' protestantes e seus colaboradores, inclusive sem demasiado esforço, tal a fartura do material disponível.

Os comunistas, anarquistas e nazistas centraram suas baterias na igreja das sete colinas apenas porque nada temem das seitazinhas protestantes... O que por sinal pode ser um erro terrível... Mesmo velha e caduca (Após o Vaticano II) a igreja papalina ainda é bastante forte, e assusta. 

Uma coisa no entanto é absolutamente certa - E apenas ela explica o desencanto experimentado por tantos e tantos protestantes instruídos > Se Roma é de fato ruim, o protestantismo é muitíssimo pior. 

Leitura após leitura tenho constatado isso, e já a cabo de quase trinta anos.

Por isso sua derradeira e rematada expressão de politicagem barata - O Bolsonarismo, não me surpreende. 

Mesmo quando sabemos que parte do lixo carismático, a exemplo de parte dos papistas alemães durante a primeira e a segunda grande guerra, apoiou o tirano assassino, é fato estabelecido e indiscutível que o grosso de seus apoiantes - Inclusive dos golpistas que depredaram nosso patrimônio bem como dos militares e policiais omissos! - eram fundamentalistas bíblicos... Com a velha mentalidade teocrática, outra face de qualquer imperialismo político.

Ora isso não é coincidência ou fruto do acaso, mas uma espécie de Karma histórico ou de samsara acionada por João Calvino e que até hoje não tem cessado de girar e de esmagar, e de espatifar e de aniquilar milhões de seres humanos! 

Mesmo quando admitamos que ao menos parte daqueles que abraçaram e apoiaram a reforma protestante aspiravam por um retorno a puridade do Evangelho de Cristo, não há como negar que o próprio Lutero teve de pagar tributo político aos poderosos e que para escapar ao Papa romano caiu nas mãos dos príncipes alemães... Temo que a emenda tenha saído pior do que o soneto...

Quanto aos príncipes, caso num primeiro momento tenham crido, apressaram-se logo em despojar a igreja velha de suas riquezas multi seculares, para em seguida gasta-lo com torneios, orgias e guerras, principalmente guerras... Quanto ao bom povo, como frisam os socialistas, sequer viu umas migalhinhas. Tornando-se sua condição, inclusive, mais servil - O que servirá. inclusive, para formar a mentalidade bisonha e servil do alemão médio que partiu para Sadowa, Sedan e os campos das duas grandes guerras.

Lutero era de Paulo e Paulinista, portanto estatólatra de marca maior e partidário da opressão - Bastando ler seu livro Contra as hordas bárbaras de camponeses para ter ânsias de vómito. E esse Lutero pançudo, que tanto nos impressionava na juventude, é de fato uma florzinha, e sequer chegamos ao sisudo Calvino, o mentor intelectual de tudo e mestre dos matadores!

Em breve passarão nossos auto intitulados 'evangélicos' de Jesus ou de Paulo ao antigo testamento sob o brado de 'Toda bíblia' ou 'A bíblia toda', o qual, desgraçadamente ainda ecoa por aí - Pois o Bolsonarismo é eco seu!

Quando chegaram esses neo Cristãos ao antigo testamento, colocando-o em pé de igualdade com o nosso Evangelho ou mesmo acima dele consumou-se a desgraça. 

A grande prova disso é que mesmo os meigos luteranos, herdeiros desse Lutero por vezes tão tradicional e vanguardista, ao passo das gerações transformaram-se em autênticas bestas feras. 

Explico - Antes de concluírem por essa aberração sinistra que é a superioridade racial ou ariana, haviam eles (Guiados por uma leitura calvinista ou fundamentalista do Antigo testamento!! - Marquem isso!!!) chegado a crer que haviam sido predestinados para reformar o Cristianismo ou predestinados para receber o dom divino do luteranismo. Passado algum tempo concluíram os pastores luteranos que os alemães haviam recebido a dádiva da Reforma porque dentre todos os homens eram certamente os melhores, porque eram superiores... Linguagem que tornou-se recorrente nos púlpitos luterânicos, e que repercutia mais e mais no coração do homem médio ou comum...

Ainda me recordo de como outro George - Santayana traçou essa evolução, a que certa fé ou religião, pretensamente superior não é nem um pouco indiferente.

Pois quando essa religião puramente subjetiva principiou a declinar, cedendo passo ao positivismo cientificista ou ao comunismo ateu, parte significativa dos homens comuns, de espiritualmente superiores, passaram a crer que eram racialmente superiores. Por uma passe de mágica o espiritual cedeu espaço ao biológico... Quanto ao luteranismo, de modo geral servil e submisso ao Estado, apresentou-se ele mesmo como a outra face do pan germanismo e consequentemente do odinismo crasso, porquanto o próprio conceito de Deus fora esvaziado e preenchido uma dúzia de vezes - Ainda aqui com o beneplácito dos pastores luteranos! 

Vejamos agora com que palavras o luterano F X Foerster descreve tal quadro: 'Esse novo Império nasceu do espírito pagão, de um individualismo totalmente nacional e egoísta, a primeira posse da humanidade após a Renascença, o qual encontrou em Bismarck seu construtor mais genial e consequente, o qual deveria chegar fatalmente a uma catástrofe. E por que... Como sói tudo quanto o mundo aspira e constrói contra o espírito da verdade Cristã!" Goyau opus cit pp 756

Excelentes as iniciativas do papista Goyau e do protestante Monnier, os quais deram voz - Na França e no mundo! - a tais pastores, núncios do pan germanismo e do odinismo!

E no entanto a voz de um Streicher clamou até 1946 - Apontando para Lutero como o responsável por cada um desses transtornos. Serei generoso: Absolvo Lutero, não os luteranos degenerados ou o protestantismo. Lutero limitou-se a impulsionar ou a acionar um movimento cujo mais extremo fim não lhe era dado divisar... O protestantismo no entanto por suas consequências políticas, mostrou ser uma calamidade - Enquanto vetor ideológico de tantas e tantas guerras, batalhas e conflitos, a ponto de despejar um oceano ou dilúvio de sangue sobre a terra.

Natural que hajam guerras. Bizarro que a religião as deflagre. Monstruoso que a fé tire qualquer benefício ou proveito dela. 

Não tenho dificuldade alguma para no âmbito da política secular ou da profanidade, concordar com Sorel e admitir que a violência possa servir como meio a uma causa justa, o que alias foi antecipado por Agostinho, aqui acertadamente. Não é o caso de condenar a violência de modo absoluto - Não somos maniqueus! Outro o caso, totalmente distinto, da religião apelar a violência ou estimular a agressão com objetivos religiosos ou espirituais. Aqui temos a lição suficientemente clara do Evangelho, percebida dentre outros por um Bossuet (Nas Lições de política ao príncipe!): Quanto a questão das guerras nos devemos guiar pela luz do Evangelho e não pela lei dos judeus...

Outro o caso do protestantismo, cuja degradação foi dupla; uma vez que adulterou tanto a condição natural < Igualitária >
 dos seres humanos - Postulando (Com Calvino, aluno de Agostinho.) uma eleição espiritual restrita e particular, a exemplo da que reivindicavam os antigos hebreus! - quanto o caráter paternal, amoroso e benevolente da divindade.

Por um lado o protestantismo, com Calvino e o calvinismo (Cuja influência estendeu-se por todas as seitas, mesmo pela luterana!) estabeleceu um grupo de fiéis 'superior', os eleitos ou predestinados e um grupo de pessoas inferiores, os réprobos. Nos termos que tanto apreciam, os calvínicolas introduziram no jardim do Evangelho a distinção entre 'israelitas espirituais' e cananeus, ferezeus, amorreus, filisteus, etc 'espirituais': Os romanistas, os franceses, os índios norte americanos, o negros da África do Sul, os comunistas, etc pois o calvinismo sempre precisa de alguém ou melhor de algum grupo para demonizar e oprimir...

Como já foi dito, ao cabo de séculos os luteranos alemães e mesmo parte dos episcopais ingleses assimilaram tais conceitos, já porque massageiam o ego, já porque podem entrar como parte do enredo político e econômico, exatamente como as Varnas na Índia. E um aspecto curioso, tristemente curioso por sinal, deste processo é que na Alemanha Luterana os 'eleitos' espirituais ou da fé acabaram por voltar-se contra os pretensos eleitos originais i é, o povo judeu, o qual, sem ter relação com tudo isso, foi sacrificado - E o cutelo de sacrifício dos judeus outro não foi que o livre exame de Lutero e Calvino, por meio do qual o pretenso eleito original é substituído por um eleito espúrio, o qual no entanto, para reforçar sua posição, deve eliminar o eleito original...

No entanto ficaria a transformação do homem incompleta ou incompleto o sistema caso o Pai de Amor e bondade do nosso Evangelho não ceda espaço ao deus predestinador da Tanak ou da Torá, o terrível javé, parente próximo de Assur, Alla e Odin ou Wotan... 

Sendo assim, na medida em que o conceito de inspiração funcional é substituído pelo conceito de inspiração plenário/Linear... E que o conceito de Evangelho é substituído pelo conceito de bíblia unitária (Ou Corão 'cristão') a figura daquele Ser benevolente a que chamamos Jesus de Nazaré é paulatinamente substituída pela figura do velho rancoroso, vingativo e cruel javé - Senhor das guerras, lapidando o conceito monstruoso de uma jihad Cristã, no sentido de que pode a religião agredir ou atacar seus oponentes.

Aqui nada semelhante ao conceito medieval de cruzada, pautado no conceito de guerra justa ou defesa/resposta face a uma Jihad ou ataque que partiu do islã. 

Trata-se aqui da instituição Cristã tomar a iniciativa de atacar (E atacar em sua acepção primária ou literal: Fisicamente!) com propósitos religiosos ou espirituais - Algo totalmente estranho ao Evangelho, ao novo testamento ou na Tradição Cristã mas assente no antigo testamento ou na religião judaica, bem como no islamismo.

O protestantismo a partir do Calvinismo e de sucessivas transformações produzidas pelo conceito de bíblia unitária e livre exame 'cria' por assim dizer esse novo conteúdo agressivo e a partir dele dá suporte a uma série de eventos catastróficos que se prolongam até nossos dias com imenso saldo de mortes e sofrimento. 

Principiou esse quadro sinistro com a própria reforma quando particularmente na tentou suprimir a religião antiga na França ou quando logrou suprimi-la na Suíça e na Escócia. Para não mencionarmos certas paragens da Alemanha ou na Inglaterra Eduardina. O recurso a violência começou aí... Enquanto o Cristianismo primitivo iniciou sua marcha por meio do martírio. O protestantismo, guiado pelo antigo testamento, faz o caminho inverso - O da Jihad!

A partir daí a sangria protestante não para mais.

Pois temos a guerra dos trinta anos. A Revolução Inglesa. Os infames ataques a Irlanda por parte de O Cromwell. O Sonderbund em 1848. Sadowa. Sedan. A erradicação dos índios Norte Americanos pelo 'faroeste', a criação da KKK, as duas grandes guerras mundiais, o Apartheid, etc 

Aqui os cananeus são os irlandeses, ali os ferreseus são os franceses, austríacos ou belgas, mais adiante os índios são os filisteus e os negros do Sul da África os assírios, enquanto que eles, os protestantes - Calvinistas ou luteranos calvinizados com suas bíblias nas mãos - são sempre os predestinados, superiores, portadores das luzes e da civilização... 

Seja qual for o conflito o pano de fundo é sempre o mesmo: Os eleitos ou predestinados combatendo os réprobos ou 'inimigos de deus'... O inimigo aqui e acolá, muda de face ou nome. O herói ou mocinho é sempre o mesmo: O homem da bíblia com sua espada ou trabuco nas mãos a levar o novo e estranho evangelho...

Quiçá você, amigo leitor, não tome a sério minhas palavras ou creia que estou exagerando. 

Resta dizer-me que durante a primeira grande guerra o Kaiser Alemão Guilherme II (+1941) convocou todos os protestantes do mundo para associarem-se ao Império Evangélico alemão em sua cruzada contra a França papista e a Inglaterra liberal e semi Cristã...

Daí o título de uma obra publicada pelo pastor protestante francês Jean Viénot em 1915
  • Réponse à l’appel allemand aux chrétiens évangéliques de l’étranger, Paris

Como se pode ver o título acima já diz tudo -

A obra de Goyau tem o mérito de mostrar ao grande público o impacto causado por tal processo no seio do luteranismo - O qual, como já disse, é uma forma mais amena e civilizada de protestantismo. - alemão. 

Com que tato logrou ele, apesar de papista, vincular essa catástrofe ao vício protestante de priorizar a leitura do Antigo Testamento e desconecta-la do Evangelho e consequentemente de Jesus Cristo, provendo-a de uma autonomia que não tem e jamais poderia ter num contexto Cristão. 

Com que tato não diagnosticou G G a enfermidade de que padece o protestantismo e sua causa: A judaização e a leitura despreparada e irresponsável do antigo testamento sob a alcunha de bíblia. E só poderia ter sido mais exato caso aponta-se a crença na inspiração plenária/linear como sendo a grande responsável por tal calamidade. Caso tivesse identificado o conceito de bíblia unitária ou 'corão cristão' como o pivô sua abordagem teria sido absolutamente perfeita. 

Pois na medida em que Cristo, nosso Bom Jesus, cede passo ao javé guerreiro, vai-se abrindo - Ao menos na Alemanha Luterana - o caminho até o 'primo' Odin ou Wothan, deus guerreiro ou belicoso e ao odinismo i é a ideia de que a guerra é um bem desejável ou mesmo querido por Deus. O que corresponde a um recuo do conceito de Lei natural ou de racionalidade, ao padrão da força defendido já por Trasímaco, na República, como pelo próprio Nietzsche, filho e neto de pastores luteranos, no contexto por nós indicado. Ora o próprio Nietzsche não escondia sua admiração pelo teor violento do antigo testamento, face ao teor benevolente do Evangelho, o qual para ela equivalia a indignidade e fraqueza.

Há 1.500 anos aproximadamente, um Bispo alemão, Wulfilas, ariano, parece ter antevisto tais possibilidades. Pois aos que lhe perguntavam porque não traduzirá os livros dos Reis e das Crônicas ao gótico, respondeu que caso seus Alemães lessem ou ouvissem tais relatos de guerras e morticínios jamais abandonariam seus costumes bárbaros e odinistas - Profundo esse Wulfilas não... (E hoje entregamos traduções desses livros grosseiros a qualquer analfabeto tarado...)

Resta-me dizer que o antigo testamento é muito maior ou mais amplo que o Novo testamento, de que Nosso Evangelho - O livro dos Cristãos!!! - é parte. Que resultará caso tudo misturemos e confundamos numa só amalgama... O Evangelho se diluíra como uma gota de mel num barril de fel... O Cristo será perdido de vista e confundido com uma multidão de homens vulgares... A Lei do amor será perdida de vista e - O Cristianismo reverterá a judaísmo antigo (Antigo - Quem tem ouvidos para ouvir ouça!!!), os odres rebentarão, o vinho se perderá... e esses odres rasgados é Calvinismo, não Cristianismo.

O luteranismo, por diversas vias, assimilou isso e o resultado dessa assimilação, mesmo quando secularizado ou ao menos em parte secularizado, resultou em duas tremendas grandes guerras - 

Certo é que como dizem os Comunistas, o fator econômico também ali estava presente, em contato com o religioso ou ideal, e interagindo com ele. Agora o que não podemos fazer é ocultar ou ignorar o elemento religioso, mesmo quando certas formas religiosas limitaram-se a encobrir interesses políticos e econômicos, como que a sanciona-los socialmente. Ainda aqui, enquanto usado pelo poder secular, deve o elemento religioso ser questionado. Mormente quando um século depois o protestantismo continua a acusar hipocritamente a tudo e a todos - Em especial a igreja romana. - e a desfilar como herói diante da plebe inculta e analfabeta. 




domingo, 1 de março de 2020

Nótulas sobre o pensamento contemporâneo

- Como já dissemos nem Descartes nem Spinoza foram iconoclastas no sentido de negar por completo o passado ou o pensamento antigo. Criaram algo novo, novos espaços e setores, os quais todavia conectaram aquele passado. Tampouco Hume ou mesmo La Mothe Vayer, assim Montaigne criaram algo que fosse radicalmente novo, remontando sempre aos céticos do passado ou a tradição agostiniana. Kant é quem criou algo de novo ou um novo sistema, merecendo ser classificado como Copérnico ou Lutero da Filosofia. Foi ele que, buscando elaborar uma solução de compromisso entre o ceticismo e o dogmatismo, produziu o idealismo transcendental ou crítico condenando o exercício da Metafísica ou melhor da Teodiceia e buscando justificar o conhecimento derivado do empirismo, do que resultou a ideologia positivista. Buscou assim Kant evadir-se ao materialismo, ao espiritualismo, ao teísmo e ao ateísmo, lançando as bases do agnosticismo.

No entanto este mesmo Kant, enquanto pensador do conhecimento ou gnoseológico, fugiu a simples empiria e praticou a especulação metafísica. Resulta disto que não repudiou a Metafísica como um todo, e que fez um recorte, focalizando sua crítica na Teodiceia i é em Deus e por ext na imortalidade da alma, com o objetivo de apresentar tais problemas como intangíveis ao intelecto e assim como insolúveis. Agora por que fez Kant este recorte, fixando arbitrariamente (Onde achou ou quis.) as "Colunas de Hércules" da reflexão? Para dar competente resposta a indagação acima devemos ter em mente que esse tão aclamado Kant era Luterano - Jamais rompeu formalmente com essa fé - e que Lutero, irracionalista e fideísta (Agostiniano), tinha Aristóteles, a Filosofia greco romana, o pensamento clássico, a Teodiceia naturalista e a própria razão em conta de seus principais inimigos (Mais do que o Papa romano). Lutero queria tudo atribuir a fé e Kant seguiu-o, atribuindo o tema de Deus a religião, a fé ou aos livros religiosos, e dando todos os antigos gregos por perfeitos estúpidos. Kant foi um imitador de Pirro no sentido de buscar justificar metafisicamente ou filosoficamente um preconceito de origem religiosa, no primeiro caso o Luteranismo e no segundo o Busdismo... a dinâmica é a mesma - A Epoché continua sendo budista (Assim a ataraxia) e o fideísmo gnoseológico continua sendo luterano, sem que haja verdadeiro conteúdo filosófico em tais afirmações. No primeiro caso temos apenas uma mutilação arbitrária e no segundo uma fuga face a reflexão filosófica. (cf Kant e a Teologia)

- Quanto a linguagem ou expressão, bastante complexa, com que nos deparamos na obra de Kant há muita crítica injusta e destemperada. Que hajam graves contradições - Apontadas com habilidade pelo Pe Thiago Sinibaldi - em seu pensamento é assente e demonstrável, que tenha cunhado expressões ocas nos parece exagerado e injusto. Kant visava dar golpe de misericórdia na escolástica (A qual recusava-se a estudar - O que nos parece bem pouco filosófico). Para tanto foi a suas fontes mais remotas i é a Aristóteles (Campeão da Teologia natural) cujo vocabulário técnico, bastante complexo, adota e assume. Kant não tem culpa de que os modernos ou pós modernistas ignorem supinamente o aparato conceitual aristotélico.

- Resta dizer que quem é por Kant, esta em conflito aberto com tudo quanto o antecede, assim com Parmenides, Anaxágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Speusipos, Straton, Dikaiarkos, Xenócrates, Crantor, Zenon, Antioco, Cícero, Sêneca, Filiponos, Eurígena, Aquino, Scottus, Phleton, Ficcino, Pomponnazi, Telésio, Erasmo, Bacon, Descartes, Spinoza...

- Outro é o caso de Hegel, metafísico confesso, o qual prosseguiu decididamente na senda traçada por Leibnitz, construindo expressões ainda mais grotescas, pomposas e vazias (cf Schopenhauer)  Criou uma Filosofia de bolha de sabão ou bexiga, a custa de tais expressões sem sentido e disto resultou outro sistema bastante aclamado em torno do Estado, o qual a partir de um lento processo imanente identifica com o pensamento divino. Deste homem confuso e desorientado partiram todos os idealistas alemães como Fichte, Schelling e aqueles tão criticados por Marx na 'Ideologia alemã', cada qual apresentando uma versão própria da 'filosofia' e pagando tributo a um subjetivismo desbragado. A reação, como não poderia deixar de ser, foi a 'inversão' de Marx, i é, em termos já de materialismo/ateísmo ou de positivismo. Em certo sentido Hegel, pela via da compulsão, conduziu a metafísica alemã ao colapso e a morte, fortalecendo a posição dos kantianos e marxistas.

- Marx, não se satisfazendo com a metafísica materialista mecanicista dos iluministas franceses (Helvetius e De Holbach), adicionou alguns temperos hegelianos e a partir de uma análise histórico social, formulou sua doutrina do materialismo dialético. O preconceito materialista seja sob um ou outro rótulo, cegou-o e desviou-o para sempre de um são realismo. Ele jamais pode reconhecer, em pé de igualdade com as forças materialistas de produção, o potencial concreto das ideias fossem ou não religiosas. Concedemos que deparou com uma Sociedade materialista e economicista e com uma religiosidade - Representada pelo protestantismo - derrotada e servil... No entanto este encontro não justifica a generalização abstrata com que pretendeu, a partir desta realidade particular ou específica, explicar todo processo histórico, desde a História primitiva, incluindo a Antiguidade e a I Média. Fugiu aos limites do simples recorte e metafisicou.

A simples existência dos mártires Cristãos dos primeiros séculos ou da substituição do paganismo antigo pelo Cristianismo, a dinâmica do islamismo ou do Japão e China budistas e o significado do socratismo deveriam te-lo alertado a respeito de suas precipitações. Especialmente após Fustel de Coulanges - Antecipando Weber, Graves, Dawson, Butterfield e Voeglin - ter publicado sua monumental 'Cidade antiga'.

- Atenuando as críticas nem sempre justas e sensatas de Popper convém admitir que a obra de Marx possui dois aspectos: Um objetivo ou como dizem científico que é sua análise crítica do capitalismo mormente representada pelo Capital. Esta não apenas permanece válida como foi utilizada por J M Keynes. O outro aspecto parece fugir a sua orientação - Não a nossa! - materialista, pré positivista, anti metafísica, etc é seu apelo a uma normatividade ética ou ideal ou seu futurismo. Marx, ao contrário dos demais empiristas/materialistas ressente, ao fim de tudo, uma influência Socrático/Cristã. Pelo simples fato de não contentar-se com uma realidade dada (O que é) tida em conta de injusta, ousando crítica-la e substitui-la por uma outra ordem, a qual só pode ser derivada de princípios ou valores ideais. Disto resultou a Ideologia Comunista, a qual apesar de seus equívocos monstruosamente bizarros, foge ao conformismo anti ético e até cruel de seus críticos ateus, materialistas, positivistas e cientificistas. Ora os humanistas e Cristãos, mesmo discordando quanto aos métodos propostos por Marx e seus colaboradores, não podem acompanhar os ateus, materialistas, positivistas e cientificistas quanto a aceitação passiva de uma realidade ingrata ou injusta. E por isso, em que pesem os erros gravíssimos do comunismo, ousam declarar que a posição de parte de seus críticos é ainda pior e mais grave.

- Já aludimos diversas vezes ao erro de Freud. Como Marx ele fugiu aos limites do recorte e dando com uma realidade cultural ou particular, abstraiu do tempo do tempo e do espaço, elaborando uma metafísica pan sexualista posteriormente emendada ou reformada com base nas sensatas críticas elaboradas por seus ex discípulos. De modo que num determinado momento o próprio Freud - Sem jamais retratar-se formalmente - rompe com o paradigma sexualista e admite outros princípios de regulação. Sua abstração metafísica, como a de Marx, é grotesca. Não seu método ou o caráter relativo de suas constatações, menos ainda o resultado de sua crítica ao puritanismo/moralismo vigente. Claro que a partir de suas críticas parte da Sociedade passou ao extremo contrário, i é a um sexismo desbragado, com sérias consequências sociais, políticas e culturais. Em que pese este desvio continuamos buscando utopicamente por um padrão de equilíbrio em que a sexualidade humana seja aceita com naturalidade, mas, sem ser deificada ou exaltada acima de tudo.

- Darwin alias é anterior a Freud. Porém queríamos estabelecer uma conexão entre o erro de um e de outro. Darwin não pertence aos domínios da Filosofia ou do pensamento abstrato posto que pesquisador ou naturalista. Era ele um homem do empirismo. No entanto sua formulação teorética - já antecipada por Lamarck, St Hillaire e outros - não poderia deixar de incidir sobre todos os domínios do pensamento humano - Psicologia e teologia, passando pela economia e pela sociologia. Foi a partir dele que o naturalismo converteu-se num paradigma, mais do que a própria evolução. Assim ele coroa a obra de Copérnico, Agricola, Newton, Hutton e Buffon/Lamarck/St Hilaire, demonstrando que o corpo humano esta inserido na ordem natural e que também este homem vaidoso não passa de um animal, ainda que racional. Não é o centro do universo, tampouco o centro da terra e sequer o centro da vida. Destarte terá este homem de procurar sua particularidade gloriosa na capacidade perceptiva e racional para a reflexão e para a apreensão das verdades metafísicas. A Filosofia é que lhe trará o sentido especial que sempre buscou por caminhos errados. É este homem um dentre tantos animais, vagando sobre um grão de pó na periferia do espaço... E no entanto, como dizia Pascal nos 'Pensamentos', tem consciência de si ou pensa, enquanto que nem Júpiter, nem o Sol, nem Arcturo tem consciência de si ou capacidade para pensar. É um caniço, um verme, um grão de poeira ou uma átomo perdido na imensidão do universo, e ainda assim caniço, verme, poeira ou átomo pensante...

- Einstein, o qual jamais supos que sua teoria física da relatividade geral fosse gnoseologicamente relativa ou duvidosa, demoliu o mito do espaço absoluto. Tudo quando temos em nosso universo é uma relação entre corpos em movimento. Neste universo que se expande ou amplia tudo esta em movimento, pois o estado de repouso é relativo a certas situações vividas por nós humanos. Este computador bem pode estar em repouso com relação a mim... Move-se no entanto caso esteja eu num trem. Move-se com as placas tectônicas, com o planeta, com a galáxia, com o universo... Tudo é movimento. E o tempo uma propriedade deste universo em expansão. Por isso nosso referenciais de tempo são relativos a terra ou ao sol, não absolutos. Quiçá o aspecto mais interessante da teoria da relatividade geral não seja a teoria em si - Simples dedução com base nas experiências feitas por Morley em 1881 - mas sua expressão (Tomada a Descartes e Newton) em termos matemáticos cujo sentido e exatidão pouquíssimos intelectuais foram capazes de compreender.

sexta-feira, 6 de julho de 2018

As fontes espirituais do Nazismo!

Antes de concluir a série de artigos sobre o Nazismo e o Papismo cumpre repassar o quanto já sabemos sobre o assunto - O protestantismo, enquanto crença responsável por ter lançado os fundamentos do nazismo foi muito mais vulnerável a ele do que a igreja romana, tendo colaborado em maior escala e sido perseguido em escala menor.

A Igreja romana esboçou uma resistência bem maior a Hidra nazista, a pondo de ser, mais uma vez, apontada como inimiga número um do povo alemão, como traidora, etc Discurso editado em 1543, em 1870 (kulturkampf) e pelos nazistas desde 1937/38.

Para compreendermos o pôrque do nazismo se ter afirmado a partir do protestantismo temos de acompanhar Nisbet apud "Os filósofos sociais" caput "A comunidade religiosa." top Lutero.  Que nos diz ele?

Lutero principiou enaltecendo a fé e mesmo espiritualidade individual, para acabar endossando o estatismo, o absolutismo, a tirania e o erastianismo/cesaropapismo... Ao afirmar que a igreja importavam apenas as coisas da fé de modo algum separou-a do Estado, antes criou condições ainda mais atraentes no sentido do Estado abraçar a fé que ele anunciará, pelo simples fato desta mesma fé auto suficiente, abandonar tudo mais nas mãos do estado - Assim a moralidade/ética, a orientação política e o serviço social, o qual alias não foi assumido pelo estado, cessando de existir com o abandono da fé antiga. De fato ao protestantismo primitivo, diz Cobett, pouco interessava assumir a demanda social, ao menos em parte, assumida pela igreja medieval. Vindo as antigas instituições - Asilos, orfanatos, dispensários, hospitais, escolas, etc a colapsar num primeiro instante e, num segundo instante, a compor um enorme exército de reserva, entregue a miséria mais abjeta ou a mendicância. É um fato - A 'magnífica' reforma protestante lançou multidões a sarjeta.

Tudo quanto o estado quis assumir foram os bens materiais da igreja antiga - dos quais as massas sofridas não viram um cobre furado! - e o controle não apenas sócio, político e econômico, mas moral ou ético daquelas sociedades. É claro que ao revindicar semelhante controle - O controle da consciência - numa perspectiva ética, tal estado tornou-se absoluto ou totalitário. Sem a concorrência ou rivalidade exercida pelo Bispo, o senhor, rei ou príncipe assume o controle de todos os aspectos da existência humana, e Lutero dirá que este senhor deve ser obedecido dócil e cegamente ou seja, sem qualquer questionamento... Antes o Bispo era uma espécie de rei ou monarca espiritual, agora o rei é uma espécie de Bispo profano. Da noite para o dia é o senhor ou o príncipe descrito como um servo ou representante de Deus face ao qual é terminantemente proibido resistir, quanto mais rebelar-se.

Nisbet dirá que o luteranismo, demolindo a noção de comunidade religiosa - responsável pela afirmação de valores éticos destinados a inspirar as diversas esferas da ação humana - converte o estado ou a organização política numa 'igreja secular'. E desta noção de uma igreja secular deriva toda uma mística construída em torno do Estado Alemão, que degenera na estatolatria nazista, no momento em que - por via de Hegel - este estado é divinizado ou passa a ser compreendido como uma manifestação divina. Negando que a igreja antiga, externa, visível e comunitária seja algo Lutero converte o estado em tudo... Em fonte de princípios e valores, numa instância responsável pela afirmação da ética e da moral.

Como o Luteranismo não se ocupa de absolutamente nada além da fé, e de uma fé sem obras ou apartada da ética, o estado alemão ocupa o vácuo deixado pela igreja antiga. Substitui-a e herda parte de seu prestígio.

Isto na menos pior das hipóteses pois em algumas regiões da Alemanha, nem mesmo a fé permanece nas mãos da Igreja, na medida em que o príncipe ou rei, que segundo Lutero, enquanto Cristão é também sacerdote, passa a portar as duas espadas ou a exercer a autoridade religiosa. Este acumulo de poder é concebido e teorizado pelo luterano T Erasto. Por meio do erastianismo o estado torna-se Onipotente. E nada se lhe pode opor ou resistir, pois resistir-lhe equivale sempre a um pecado ou a uma heresia. Submeter-se passivamente aos caprichos de um soberano protestante converteu-se em dever religioso e rebelar-se numa tremendo sacrilégio, como podemos ler no panfleto sobre as Hordas dos camponeses fanáticos, os quais ele, M Lutero, manda trucidar em no nome de Deus...

Paulo dissera que TODO governante era ministro de Deus empossado por ele. Os protestantes, sem pingo de vergonha, declaram que o rei Católico poder ser legitimamente derrubado (Knox) enquanto que a majestade protestante deve ser obedecida em todas as coisas. Por isso que governante 'cristão' algum conseguiu ser mais despótico do que um Calvino ou um Cromwell... Lutero, Calvino, Erasto, Cromwell... Cada líder protestante adicionou um tijolinho a este 'muro' e mesmo quando a fé deixou de existiu, ele sobreviveu enquanto construção secularizada. Fragilizado, o luteranismo tornou-se ainda menos resistente a este novo poder. A partir do século XIX vai se tornando ainda mais vulnerável a ele. Assim o único obstáculo que resta em 1870, é, de novo, a velha igreja romana, e assim em 1937... A velha igreja sempre se reencarna na mente germânica, religiosa ou secularizada, como representante do mal. Na medida em que se opõem as místicas totalitária, racista e neo pagã.

Lutero consagrou suas forças a abater a igreja 'paganizada', Bismarck a combater - por meio da Kulturkampf - a igreja ultramontana e Hitler e seus comparsas a igreja judaizada... Foi um combate comum ou sem quartel porque desde Lutero, como diz Santayana, o que se estava a construir-se eram uma religião secularizada ou uma mística germânica. Se é certo que durante algum tempo a seita solifideista dos luteranos aspirou substituir a organização papista ou veio a substituí-la breve e ocasionalmente, quem substituiu a velha igreja de fato foi o Estado Alemão criado por Bismarck. Após 1870 a própria palhoça luterana passou a ser considerada como rival pelos primeiros teóricos do sistema e se não foi perseguida e satanizada quanto a igreja romana é porque foi demasiado colaboracionista. Nem podia uma organização desprovida de Bispos, substituir com sucesso a igreja medieval... predissera Melanchton, deplorando da decisão tomada por Lutero, de extinguir a ordem episcopal. Grosso modo o Bispo sempre fora um contrapeso ao poder real ou secular, e uma autoridade paralela a que os fracos e oprimidos podiam recorrer...

Desde Lutero, uma igreja presidida por Reis e senhores, tornou-se uma força a mais nas mãos dos ricos e poderosos. No momento em que os príncipes se tornaram Bispos a opressão assumiu um nível jamais conhecido em qualquer parte da Europa - Ali na Alemanha de Lutero, onde o feudalismo assumiu formas ainda mais consistentes e manteve-se firme até 1800, quando foi abatido por Napoleão Bonaparte. Como já dissemos, o absolutismo só se tornou mais forte nos cantões calvinícolas, onde os líderes religiosos - como Calvino, Knox ou Cromwell - exerceram o poder, direta ou indiretamente. Por meio do protestantismo todos os antigos pontos de equilíbrio foram rompidos e se com Lutero, na Alemanha, forma-se uma religião estatal ou uma mística secular, com Lutero e o Calvinismo, a democracia (Suiça por exemplo) converte-se em teocracia, segundo o modelo judaico ou vetero testamentário que os nazistas deploram. E pode-se dizer que ainda aqui, o protestantismo criou e alimentou dois modelos extremistas: O cesaropapismo erastiano que deu lugar a estatolatria nazi e a teocracia Calvinista, sendo o homem esmagado num e noutro caso, em nome da liberdade e do individualismo - movidos contra a religiosidade comunitária do passado...

Quanto a questão do nazismo racismo, a explicação é semelhante. Mais do que a velha igreja romana, apresentou-se a comunidade Luterana como um Novo Israel, já espiritual, já sucessor do antigo. E esta consciência de ser um novo Israel, juntamente com o apreço ao antigo testamento, foi crescendo de uma tal maneira até tornar-se obsessiva, o que de modo algum ocorrera na igreja antiga. No seio do luteranismo esta identidade mística atingiu uma dimensão tal que a simples existência do Israel físico ou histórico - na Inglaterra irrelevante - levou os 'piedosos' luteranos ao paroxismo do ódio.

E quando o luteranismo colapsou, os alemães de origem luterana, enquanto comunidade étnica, passaram a encarar a si mesmos como um povo ou uma raça naturalmente superior a todas as outras. Mesmo quando o sentido religioso desapareceu o sentido de superioridade permaneceu, assumindo uma conotação naturalista. Não se tratava mais de um povo eleito para Deus, no sentido de salvar-se no além. Mas de um povo destinado a fazer grandes coisas neste mundo e a deslocar os povos inferiores, como o israel carnal deslocara os antigos cananeus. Os alemães, por via do luteranismo, perderam o sentido universal ou Católico do Cristianismo, assumiram uma ideologia judaica e levaram-na as últimas consequências. É o que diz Santayana. E foi uma catástrofe.




sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Religiões: Sintomas de vida e morte... A agonia do Cristianismo e o fim da civilização humanista I

Definições necessárias:

  1. Maniqueísmo: Ideologia que encara negativamente a matéria, o corpo, a nudez e a sexualidade.
  2. Moralismo: Ideologia que coloca a moral, ou os costumes individuais, acima de tudo.
  3. Puritanismo: Moralismo exacerbado.

Moralmente falando o Catolicismo jamais foi uniforme. Destarte podemos dizer que ao menos em parte não era um sistema moralista ou de moralidade estreita. Embora nele houvessem moralistas e um setor moralista. No entanto até e dealbar da Reforma protestante este setor moralista enquistado no Catolicismo não foi hegemônico.

A crítica posta pela reforma protestante no entanto foi em grande parte moralista e moralizadora.

Paradoxalmente nem Lutero nem Zwinglio eram moralistas. Lutero por sinal como 'solifideista' era anti nomiasta e contrário a própria lei moral, bem como a vida ética. Ao menos não salientava a existência de quaisquer vínculos essenciais entre religião e virtude e afirmava um salvação no pecado, jamais do pecado.

A maior parte da reforma no entanto segui a opinião, tanto mais saudável, de João Calvino o qual não só era moralista ou melhor puritano, como buscava a fontes de sua moralidade na cultura judaica ou seja na Tanak ou na Torá, do que resultou uma moralidade sectária e judaizante até o legalismo. E todo conteúdo dessa reformação lança raízes no terreno do maniqueísmo.

Nesta perspectiva eram os Católicos de modo geral, e em especial aqueles cujos costumes eram ainda medievais, encarados como mundanos e permissivistas pelo simples fato de beberem sobriamente, de ouvir música, de dançar, de praticar algum esporte, de vestir roupas consideradas demasiado 'curtas' ou coloridas, etc

E ai no calvinismo damos com as fontes do farisaísmo pentecostal e desta religiosidade externa cujo foco é a comida, a bebida, a sexualidade, o traje, etc

Agora se contemplamos atentamente a situação da igreja romana percebemos que desde os séculos XVIII e XIX, e mais ainda hoje, a balança vem pendendo para o lado do moralismo.

Pelo que temos de nos perguntar: Será isto bom???

Em termos de História e Sociologia a resposta já esta formulada: O florescimento ou assunção de uma religião qualquer da-se em termos teológicos ou especulativos e seu declínio e morte em termos de moralismo.

A igreja romana foi teológica no primeiro milênio desta era enquanto parcela do Catolicismo Ortodoxo e ainda após o cisma, durante quase toda Idade Média e mesmo alguns séculos após o advento da reforma justamente devido a polêmica travada com os protestantes. No entanto após o Concílio do Vaticano II optou por mergulhar ainda mais no pântano do moralismo... Desde então sua teologia entrou em crise ou eclipse e o moralismo assomou em todos os setores em que pese a resistência e a atuação de um setor marcadamente liberal.

E com que guarra os Católicos afetando lemingues cerram as fileiras do moralismo insípido de par com os ministros protestantes!

De fato eles não são capazes de perceber que esse reducionismo moralista implica o empobrecimento da religiosidade e sua destruição. E concentrando-se apenas na vontade, bem ao sabor do agostinianismo, vemos que o papismo abandonou por completo os setores do intelecto e da estética... bem como o da ética ou da doutrina social. Deixou de ser espírito e vida para converter-se em receita de bolo comportamental...

Falaciosa é a interpretação tradicional que apresenta a 'contra reforma' como um movimento de oposição ao espírito protestante, quando foi no mínimo um movimento de conciliação. A maior parte dos Católicos confrontados com a metralhadora bíblica do protestantismo (mosaica e paulinista) não tardaram por entrar em crise e fazer um dramático 'mea culpa'. Sob um dilúvio de citações imbecis tomadas a Torá chegaram a ponto de reconhecer que seus ancestrais não passavam de uns vis depravados.

E assumiram uma 'reformação moral' na perspectiva dos maniqueus e puritanos. Tal a perspectiva de Trento, da qual o papismo jamais viria a afastar-se nos quatro séculos subsequentes. Foi um acolhimento receptivo da crítica protestante e uma incorporação atenuada de princípios protestantes. Tal o motor da moralização que se seguiu. E a orientação foi o abandono das alegrias mais inocentes relacionadas com os sentidos, a ocultação do corpo e a adoção de um código sexual cada vez mais exato e estreito.

Desde então o papismo passou a insistir obstinada e desastrosamente em temos como: a perenidade do matrimônio, o patriarcado masculino, a monogamia, a heteronormatividade, a vinculação prazer sexual - procriação, a separação dos sexos na sociedade, a adoção de figurinos ou trajes 'sóbrios', a condenação sistemática da gula e da embriagues, a 'satanização' da música profana bem como das danças... O que de algum modo remete-nos a 'santa Genebra' do assassino e ditador Calvino com as centenas de leis, normas, regras e dispositivos de controle postos para a uniformização do comportamento externo, e consequentemente para a criação ou reprodução de cópias humanas.

Surpreende-nos que o papismo tenha engolido esta isca feita com confeitos tomados ao judaismo antigo e lançada pelo reformador francês. A bem da verdade os católicos não apenas engoliram como degustaram o confeito calvinista até o deleite...

Por volta do século XIX a igreja romana era uma instituição marcadamente puritana e os liberais em matéria de moralidade um seleto grupo de rebelados mantidos sob vigilância. No entanto ainda havia alguma vida teológica. Porque ao menos no setor doutrinal e ritual havia oposição face ao protestantismo. O puritanismo no entanto é sempre conciliador, de modo que sem perceber a igreja romana foi engolindo mais e mais linha até aproximar-se mais e mais do protestantismo e assimilar outros tantos princípios e valores seus. E aqui esta a fonte do relativismo ecumênico, da RCC e de todas as sucessivas desgraças que abateram a infeliz igreja romana.

A porta de entrada de todas as bruxas foi a absorção do moralismo puritano. Não foi em vão que a igreja romana converteu-se em baluarte da causa no século XIX e numa Colônia do protestantismo cem anos depois (1960). A maior parte dos Católicos assumiu um sentimento de culpa que não era seu e desde então, ao menos inconscientemente, passou a admitir que de certo modo ou de certa forma - por ter provocado a contra reforma e a reformação moral - que a Reforma protestante havia salvo a Igreja romana (!!!). Surpreendente conclusão!

Agora se é mesmo assim por que vossos papas não canonizaram os reformadores ou melhor os salvadores da Igreja ao invés de terem-nos excomungado e anatematizado???

Aqui os Papa infalíveis não tiveram gota ou pingo de bom senso ao excomungar homens providenciais, digo os heroicos reformadores...

Então eles vieram prestar bons serviços a igreja demolindo toda sua vida sacramental e o culto mariano???

Mas quem é que ensinou os neo Católicos que uma mesma fonte pode deitar água doce e salobra ou que uma mesma árvore pode dar figos e espinhos???

Perceba-se a que situação vexatória o moralismo conduziu a antiga igreja romana???

E ela não pode sair deste abismo hiante porque mesmo os decantados tradicionalistas assumiram no mais alto grau este ideário protestante, post reformado, moralista e puritano...

E como a igreja assume padrão de autoridade, veio o moralismo a tornar-se legal ou a institucionalizar-se. Desde então a resistência liberal adquiriu 'status' de marginalidade.

Curiosamente tal não se deu no seio da corrente rival, o protestantismo. Ja por ser um sistema subjetivista e individualista. O que possibilitou a sobrevivência da tradição luterana ou antinomiasta em alguns setores e diversas tentativas de conciliação entre a fé e a moralidade natural contemporânea, ao menos na Europa e EUA. No protestantismo, devido ao livre examinismo, tais setores não ficaram marginalizados.

Na igreja romana, desastrosamente, a emenda saiu pior do que o soneto pelo simples fato de não oferecer outras opções de 'moralidade' como o protestantismo. Desde o século XIX, logo ela que possuia um lastro de moralidade liberal ou como dizem hoje de 'imoralidade' e contra cultura fundamentado nas idades Média e Antiga, passou a ser identificada como o que havia de mais reacionário e atrasado na Sociedade européia.

Continua

sábado, 19 de setembro de 2015

O agostinianismo e a não realização do Cristianismo III - A expansão do agostinianismo e o conflito teológico no Ocidente medieval

 III - A expansão do agostinianismo e o conflito teológico no Ocidente medieval


No momento em que Agostinho enunciou sua teoria gracista e maniquéia muitos poucos dentre os ocidentais, mesmo elderes, foram capazes de aquilatar o impacto daquilo que estava sendo anunciado e como tais doutrinas viriam subverter por completo o sentido da vida cristã. Apenas uns poucos como o já citado Juliano, o diácono Anianus e o monge Celestius foram capazes de antever o futuro tenebroso da Cristandade.

Combalida em parte pelo abandono do ideal heroico da santidade e da perfeição e em seguida pela conversão aparente dos últimos pagãos, alias os mais obstinados, tornou-se a instituição Cristã meramente teórica, tombou no fideísmo e ficou irrelevante em termos de imanência.

A cidade de Cristo foi substituída pelo céu, o paraíso ou o além túmulo e este mundo abandonado as forças tenebrosas do mal e do pecado. Satanaz tornou-se de fato o 'deus' deste mundo, mundo que deveria te-lo banido em nome de Cristo e entrado numa nova ordem, a ordem ética do Evangelho. No entanto esta ordem deixou de ser instaurada e transferida para além dos umbrais da eternidade. Considero esta postergação uma tragédia, a suprema tragédia porque passou a humanidade.

O Oriente mais do que o Ocidente, por uma questão de cisão cultural e a precariedade dos meios de transporte e comunicação, tardou a dar-se conta do que estava acontecendo. No entanto quando veio a informar-se melhor não tardou a descortinar suas origens, caráter e suas decorrências. S Fócio, que é considerado um dos grandes esteios da Ortodoxia Cristã, apesar de ter Agostinho em conta de homem santo não deixou de precaver seus colegas a respeito de sua teologia equivocada. Em seu 'Mirabiblion' encontramos um fragmento de uma obra já perdida composta por Teodoro de Mopsuestes um dos maiores expoentes da teologia grega.

Neste fragmento Teodoro classifica o Bispo de Hipona como professor maniqueísta. Mesmo sem apreciar o gênio de Teodoro, S Fócio foi obrigado a concordar com ele e a declarar que os ensinamentos de Agostinho sobre o impacto do pecado ancestral eram incompatíveis com a tradição Cristã. Apesar disto até um russo como Berdiaeff acabou assimilando seus ensinamentos pessimistas.

Pessimistas porque Agostinho em sua teologia concede mais espaço ao pecado do que a graça, apresentando como Lutero, uma graça frágil e insipiente, sempre incapaz de consertar a essência do homem e de torna-lo Bom como Deus é Bom. Concede portanto mais espaço ao mal que transtorna o Bem do que ao Bem que jamais acontece neste mundo e concede mais espaço ao diabo ou anti Cristo a quem atribui o poder ou a capacidade de alterar radicalmente a ordem divina e de impossibilitar a concretização do plano divino no mundo material. Não posso ver otimismo nisto...

Foi com Agostinho que o neo Cristianismo aprendeu a anunciar mais o pecado, o diabo, o mal, o inferno, etc do que a verdadeira 'Boa Nova' centrada na virtude, em Cristo, no bem, no paraíso, etc. Desde então converteu-se o Cristianismo numa nova má e indesejável. A ponto de enunciar a rejeição por parte do próprio Deus, da maior parte de suas criaturas racionais predestinadas ao inferno... Por fim esse anuncio do abandono havia de engendrar mesmo a descrença, o materialismo, o ateísmo, o capitalismo, o comunismo, o fascismo e preparar os caminhos do pentecostalismo e do islã...

Seja como for menos de um século após a morte de Agostinho (529) e um período ainda mais amargo em termos de controvérsias, quando o SINODO (assim classificado com toda razão pelo teólogo protestante R Olson) de Orange - presidido pelo fanático Cesário de Arles discípulo de Próspero, cognominado 'o segundo Agostinho' - pretendeu impor aos latinos uma visão ainda mais estreita e rigorista do que a do Bispo de Hipona e já bastante próxima do calvinismo.

Todavia, graças a instalação do monge grego João Cassiano na cidade de Marselha, recebeu o agostinianismo as merecidas críticas. João Cassiano era discípulo de S João Crisóstomo e paladino da legítima teologia Cristã, semi pelagiana. Foram discípulos seus o Dr Faustino de Riez e S Vicente de Lerins 'pai' de todos os tradicionalistas ocidentais.

Alias, o 'Commonitorio' com sua ênfase a respeito do princípio da tradição e sua condenação feroz ao espírito da inovação no terreno da teologia, teve por escopo denunciar o agostinianismo como uma invenção desprovida de qualquer fundamento histórico. O que de certo modo reporta a S João Crisóstomo e seu sentido da tradição.

Por dois ou três séculos ainda, graças a atuação dos monges de Lerins, avançou esta controvérsia. Atalhando os passos do Agostinianismo e dos orangistas, que no século IX encontraram um campeão no monge Gottschalk, uma espécie de Agostinho redivivo ou de Lutero, Calvino ou Jansenio antecipado. Desda vez no entanto as coisas não foram assim tão bem para os adeptos do gracismo, pois apesar de apresentar-se como mero repetidor de tudo quanto dissera o hiponense, Gottschalk foi encerrado num mosteiro por ordem do metropolita S Himcmar. O qual classificou sua teoria a respeito da dupla predestinação como essencialmente ímpia e blasfema.

Passados mais alguns séculos no entanto já era o tal sínodo de Orange apresentado como Concílio Ecumênico e imposto a todos os fiéis pela igreja barbarizada de Roma. Sabemos no entanto que este sínodo provincial jamais recebera a aprovação de todos os Bispos gauleses, quanto mais de todos os Bispos latinos e que jamais fora conhecido, quanto mais aprovado pela parte Oriental ou grega da Igreja Católica. E no entanto foi graças a sua apresentação como Concílio ecumênico, e logo infalível e inquestionável, que o agostinianismo conseguiu quebrar todas as resistências e impor-se como a única teologia autorizada. Tudo graças a uma confusão ou farsa que subsistia ainda por ocasião do 'Concílio' Tridentino.

Forçoso é reconhecer, no entanto, que mesmo após a imposição do falso Concílio pelo papa romano e os esforços feitos por Bernardo de Clairvoux o agostinianismo não granjeou o status de teologia majoritária e muito menos de teologia única.

Apesar de estarem constrangidos a receber formal, mecânica e externamente decretos de Orange, parte dos teólogos latinos buscou elaborar soluções de compromisso ou de meio termo entre o agostinianismo e a teologia Ortodoxa. Esta busca por soluções de compromisso prolongou-se de Tomas de Aquino a Alberto Pighius em 1530. Muito papel e tinta foram gastos e surgiram tantos sistemas quanto cabeças, uns mais próximos do orangismo como o Tomismo e outros do semi pelagianismo como o de Cajetanus. Foi um esforço tão inutil quanto titânico mas que não foi capaz de impedir a reversão luterana de 1521.

Mesmo após o Concilio Tridentino, que limitou-se a fixar alguns decretos igualmente vagos e conciliatórios, jesuítas e dominicanos não exitaram e classificar uns aos outros como heréticos, tal e qual os franciscanos e dominicanos haviam se tratado alguns séculos antes pelo mesmíssimo motivo. Afinal a teologia jesuíta concedia amplo espaço a natureza enquanto que a dominicana, sem ser rigorosamente orangista, pendia para o agostinianismo (um agostinianismo suavizado).

O próprio Concílio Tridentino fora vago, superficial e conciliatório - se bem que simpático ao Orangismo - porque a par dos jesuítas chefiados por Lainez tomaram parte nele os dominicanos, os franciscanos e os carmelitas além é claro dos agostinianos. Os franciscanos inclusive é que assumiram o legado espiritual do Bispo de Hipona antes mesmo que a ordem agostiniana fosse fundada, formando uma frente com os agostinianos e os carmelitas em Trento. Os dominicanos ficaram no centro e os jesuítas, adversários jurados do luteranismo e da reforma protestante, no extremo oposto, vindicando os pressupostos do semi pelagianismo só que com uma terminologia distinta tomada a Filosofia.

Levado a cabo somente pelos jesuítas é possível que o Concilio de Trento tivesse de fato estabelecido uma verdadeira contra reforma anto agostiniana ou humanista. Todavia a presença dos 'orangistas' resultou em definições demasiado vagas e genéricas ou numa indefinição em torno da questão da graça. A qual não pode tornar a ressurgir alguns anos depois.

Tendo em vista acabar com tais discussões o papa declarou a questão insolúvel e proibiu os latinos de abordarem-na. A bem da verdade a igreja romana não fora capaz de sacrificar a doutrina daquele que encarava como uma espécie de super padre ou padre por excelência. E tampouco de prestar contas a razão, que revindicava os direitos da natureza... Diante disto ficou posta entre Cila e Caribdes ou como a sogra de pedro suspensa entre os céus e a terra.

Tal não se deu no entanto no espaço em que os orangistas - fossem franciscanos, agostinianos ou carmelitas - haviam conseguido vindicar por completo a reputação de seu mestre e impor sua malsinada teologia. Vindo este espaço a ser ocupado pela reforma protestante.

Por meio da reforma protestante as opiniões do Bispo de Hipona não são apenas retomadas mas desenvolvidas e impostas como dogma. Trata-se dum retorno completo, não ao Evangelho de Cristo mas ao agostinianismo, que é formalmente assumido. No caso do luteranismo por sinal, o triunfo foi completo e podemos defini-lo, sem medo de errar, como um sistema mais agostiniano do que cristão.

Outro é o caso do Calvinismo, que jamais veio a assumi-lo por completo até conhecer uma  significativa reversão levada a cabo por Tiago Ariminius. Tiago Arminius representa a busca por uma solução de compromisso por parte das consciências mais nobres que haviam aderido a revolução protestante. O agostinianismo nu e cru de Lutero conseguiu fixar-se apenas na Alemanha e Escandinávia e não deixa de ser assaz curioso o fato de que os povos do estremo Norte da Europa tenham pautado suas crenças nos ensinamentos de um padre africano. Prova de que as ideias circulam!

Mesmo após o concílio de Trento ainda houve na igreja romana um partido agostiniano ortodoxo chefiado pelo Dr Berti e pelo cardeal Henri Noris os quais sustentavam a condenação de eterna de todas as criancinhas não batizadas e com um pouco mais de sutileza e prudência a dupla predestinação, escudando-se quase sempre nas palavras do próprio Agostinho e apresentando-as como mera opinião teológica...

A este partido pertencia o teólogo Belga Jansenius. Após ter estudado exaustivamente a obra do Bispo de Hipona Jansenius ressuscitou os erros de Próspero, Cesário, Gotteschalk, Lutero e Calvino enunciando formalmente e como artigo de fé a doutrina da dupla predestinação. Disto resultou uma corrente ou grupo que chegou a conquistar certo número de adeptos na França de Luis XIV, até constituir-se formar uma seita cismática em Utrech na Holanda.

Uma após a outra, de Tomás de Aquino a Nicole e Duvergier foram tais discussões semeando dúvidas nos corações dos Cristãos mais simples e de boa vontade. Por fim, a reforma protestante e o jansenismo com suas disputas intermináveis em torno de Agostinho, da graça e da vontade, do monergismo e do sinergismo, do solifideismo e da virtude... saturaram a consciência Cristã e lançaram os fundamentos da incredulidade reinante. Pois enquanto o protestantismo assumia sua irracionalidade a igreja romana oferecia mais um mistério desnecessário a sua clientela.

Resta-nos esclarecer uma dúvida.

Se da divulgação e progressos do Agostinianismo na antiguidade, como sustentamos, resultou uma abandono do ideal heroico e dum estilo de vida rigorosamente Cristão por que tanto o calvinismo quanto o jansenismo constituíram sistemas excessivamente moralistas ou rigoristas?

Tal anomalia se deu por que tanto os Calvinistas quanto o Jansenistas - ao contrário dos Luteranos - recusaram-se a seguir Agostinho até o fim, professando na verdade um meio agostinianismo marcadamente no que diz respeito ao estado do homem antes de sua conversão ou da predestinação positiva para o inferno (dupla predestinação). Quanto a condição do convertido ambos os partidos admitiam que havia uma recuperação parcial (não total como ensinavam os semi pelagianos) por parte da natureza. Eis porque calvinistas e jansenista adotavam uma disciplina extremamente austera; tendo em vista a consolidação desta recuperação ou cura parcial. Eles acreditavam que uma disciplina rigorosa era capaz de restringir as ocasiões de queda ou pecado.

Eles bem podiam ter reproduzido o são equilíbrio da igreja episcopal. Não fosse a doutrina da dupla predestinação, a ignorância a respeito do próprio estado e o estado de angústia que disto decorre. Foi esta angústia ou pânico que introduziu calvinistas e jansenistas nas vias de um ascetismo monacal, o qual secularizado, após a perda da fé, serviu de impulso a ordem capitalista. Era todo um evitar os momentos de ócio e tranquilidade tendo em vista evitar qualquer pensamento mórbido em termos de predestinação e vida futura, e; consequentemente todo um dispersar-se, primeiramente nos exercícios religiosos e, em seguida no trabalho. Era um trabalhar para não refletir, um trabalhar para esquecer o drama da salvação, um trabalhar para não raciocinar... para fugir de si mesmo.

Um trabalhar que perdeu consciência de seus fins por ter se convertido em fuga...

Um fugir do pensamento!

Já os luteranos - pelo contrário - soltaram a corda... e degeneraram por completo. Até perderem a fé...

A igreja romana, curiosamente, foi pendendo mais e mais para o lado do luteranismo. Até tombar completamente nele e perder mais uma parcela de sua consciência Católica.

Hoje para a maior parte dos neos cristãos falar em Cristianismo como Lei, regra, norma ou REGIME DE VIDA não faz mais qualquer sentido. Eles só sabem fé Cristã, nada sabem em termos de vida Cristã ou de Cristianismo integral.







O agostinianismo e a não realização do Cristianismo II - A barbarização do Ocidente e a afirmação do Agostinianismo

II - A barbarização do Ocidente e a afirmação do Agostinianismo


Antes de levarmos adiante a exposição iniciada no artigo anterior temos de fazer uma observação importante.

O amor a justiça obriga-nos a prestar um esclarecimento necessário.

Rigorosamente falando apenas o luteranismo reproduziu integral e fielmente os equívocos do Bispo de Hipona. Numa escala superior ao calvinismo. Pois enquanto este limitou a admitir a monstruosa e abominável doutrina da predestinação e a inutilidade do livre arbítrio antes da adesão a fé, o luteranismo manteve de pé a tese segundo a qual mesmo após sua adesão a fé o homem permanece sendo escravo do pecado.

Queremos dizer com isto que para Agostinho e Lutero a liberdade humana jamais é reabilitada, nem mesmo pela unidade de Jesus Cristo i é a graça. Portanto, mesmo após sua conversão, permanece o homem enfermo, fragilizado e espiritualmente débil, ou seja, sempre sujeito a pecar, a reincidir, a cair, a praticar o mal, a cometer crimes; dos quais é eximido tendo em vista o sangue de Cristo e a fé somente. Pois é sempre incapaz de corrigir-se, de romper definitivamente com o pecado, de abster-se, de deixar de pecar, de ser santo, de granjear a perfeição.

Para Lutero o Cristianismo não passa dum sistema 'puramente' espiritual ou mágico, cujo principal objetivo é oferecer o perdão e a salvação a um ser essencialmente mau. Perdão que é oferecido repetidamente e salvação voltada exclusivamente para a outra vida uma vez que o destino do Cristão neste mundo é continuar pecando e nisto sua vida não se distingue em nada da vida dos pagãos ou dos infiéis. A única coisa que o Cristão tem a mais do que os outros é uma fé meramente teórica na disposição de Jesus perdoa-lo sempre, pelo simples fato de ter morrido por ele.

Enquanto o Oriente grego sustentava unanimemente que o pecado limitou-se a fragilizar a condição humana e que após o retorno do homem ao sagrado, esta condição não só podia como devia ser superada ficando o homem completamente sarado e sua vontade livre plenamente restaurada. Agostinho foi quem primeiramente lançou o veneno da duvida e do comodismo nos corações e nas almas daquelas elites que de fato não desejam assumir integralmente as exigências da nova fé. Foi Agostinho que forneceu aos hipócritas oriundos do paganismo a justificativa teológica de que precisavam para declarar: Non possumus!

Não podemos cumprir com as exigências de santidade e perfeição contidas no Evangelho pois somos criaturas frágeis e imperfeitas, sempre incapazes de perseverar na prática do bem e da justiça.

Foi Agostinho quem primeira vez enunciou esta doutrina comodista em torno da salvação mágica e facil a qual até nossos dias apegam-se as massas decadentes. Após ele foi Lutero que enunciou em alto e bom som a salvação NO pecado (e não a salvação Ortodoxa DO pecado) atraindo multidões! E como diz Kierkegaard rebaixou o ideal até então heroico, produzindo um sistema indiferente e vulgar, voltado exclusivamente para o além túmulo. 

O calvinismo, sejamos justos, jamais esgotou o fundo da taça, antes reverteu um tiquinho a Ortodoxia, admitindo que após a conversão, os predestinados tinham a livre vontade restaurada, o que associado a disciplina da igreja era capaz de preserva-los duma vida essencialmente pecaminosa e de predispo-los a uma 'meia' santidade, com quedas ocasionais ou mesmo raras. Foi esta concepção que permitiu a Calvino retomar, em parte, o ideal eclesiástico demolido por Lutero e a criar uma anti igreja ou seja uma igreja protestante; visível, hierárquica e autoritária, com seus sínodos e presbíteros!

Os próprios luteranos com seu apego fanático a Lutero e a Agostinho e sua insistência mórbida a respeito da miséria e incapacidade humanas, não puderam encarar a seita rival como uma espécie de novo papado ou novo Catolicismo, embora os dogmas dela muito pouco tivessem de Ortodoxos. A atividade dos calvinistas no entanto rivalizava com a dos episcopais, na medida em que admitiam a reabilitação da livre vontade ou uma cura, ainda que limitava.

Até aqui o século XVI...

Tornemos agora a Sociedade Ocidental e Cristã do século V e procuremos descobrir porque vias conseguiu o agostinianismo afirmar-se e sustentar-se no seio duma igreja até então ORTODOXA, sintonizada com o Oriente e, consequentemente semi pelagiana.

Aos olhos de alguns ao menos, admitida nossa interpretação acerca do Agostinho e do agostinianismo estaríamos diante de um autêntico mistério. Pois teríamos no século IV uma igreja como já se disse semi pelagiana e como tal, plenamente consciente de sua capacidade e responsabilidade e, pelo final do seculo V ou começo do século VI uma igreja agostiniana, enfim quase luteranizada.

Penso que a opinião acima não expresse com exatidão e fidelidade o estado das coisas tal como se teria passado.

Pois nem os sentimentos de unidade em torno da Ortodoxia ou comunhão com a parcela da Cristandade Oriental achavam-se intactos no século IV, nem havia uma igreja agostiniana no século VI desta Era mas apenas no século XVI com o advento do luteranismo. Grosso modo podemos dizer que do século III ao XVI, ao cabo de uns 1300 anos houve como um estado de passagem ou transição da Ortodoxia Católica para a fé agostiniana. Importa saber que este processo só se concretizou no século XVI por ocasião da assim chamada reforma protestante, quando os pressupostos de Agostinho foram retomados, desenvolvidos e apresentados como dogmas de fé.

Quanto a seu caráter inclusive, podemos descrever este período ou fase de transição como um período de tensão ou conflito. Conflito entre os elementos tradicionais da fé ou a autêntica consciência Cristã, semi pelagiana e um agostinianismo cada vez mais insidioso ou vigoroso. Ao cabo do qual, ao menos em certo espaço, o agostinianismo veio a triunfar por completo. Decorrendo deste triunfo o total abandono da proposta autenticamente Cristã e evangélica embasada no mistério da Encarnação ou da criação de uma estrutura social ou cidade Católica.

Como podería o agostinianismo, que se apresentava incapaz de transformar o homem, propor-se a transformar a Sociedade dos homens? A princípio com Agostinho e depois com Lutero o ideal de uma Sociedade Evangélica encarnada neste mundo sai completamente de cena, sendo definitivamente transferido para as nuvens do céu ou o além túmulo. Assim o Cristianismo é postergado e deixa de acontecer cedendo passo não só a um ideal de Sociedade absolutamente naturalista, mas a um ideal materialista, logo economicista.

Na mesma medida em que o novo Cristianismo, cujas bases haviam sido lançadas por Agostinho, abdica de seu mais nobre e elevado ideal, é este mais e mais assumido pelo Capitalismo. E enquanto este vai se alastrando pela terra antes Cristã, o Cristão alienado vai buscando mais e mais o reino descarnado do espírito puro ou do platonismo. A terra fica entregue aos poderes diabólicos do mal e do inferno e a única esperança possível posta no imaterial e invisível, como se o Deus dos Cristãos a semelhança de Javé ou Allá jamais tivesse se encarnado e assumido o mundo material.

Claro que semelhante movimento não poderia ter se dado de um dia para o outro ou seja em um ou dois séculos.

Noutra conjuntura teria sido o agostinianismo nascente denunciado as autoridades eclesiásticas ou Bispos e condenado num Concilio ecumênico. Sucede no entanto que a novidade aflora em circunstâncias atípicas i é num cenário de confusão e anomia em que os bárbaros germânicos estavam invadindo e assolando o que restava do Império Romano no Ocidente, destruindo os meios de transporte e comunicação, incendiando escolas e bibliotecas, assassinando os próprios Bispos, e trazendo o caos ao mundo antigo.

E já não havia proximidade e contato entre Ocidente e Oriente os quais principiavam a separar-se culturalmente um do outro e a formar duas unidades, a princípio politicas e em seguida culturais.

O próprio Agostinho (da mesma forma que Jerônimo e os mais padres antigos) mostra-se perplexo diante de semelhante estado de coisas, a ponto de ensaiar uma interpretação sociológica: a 'Cidade de Deus'. E morre enquanto os vândalos, recém chegados da Hispânia, cercam sua cidade episcopal.

Grosso modo podemos dizer que a ruptura cultural fora iniciada século e meio antes quando o escritor Cristão Tertuliano - igualmente africano como Agostinho - abandona a lingua grega ( em que havia sido codificado o Evangelho) e passa a escrever em latim. De modo que no fim mesmo daquele século (III) Victorino de Poetabiae é o último escritor latino a empregar o grego. Meio século depois, nasce Agostinho e descuida completamente da lingua helênica, a ponto de não aprecia-la ou mesmo -segundo alguns - ignora-la por completo. Passados alguns século apenas um punhado de Bispos e doutores latinos compreendiam bem a lingua grega, sendo capazes de ler e compreender das obras dos teólogos orientais.

Já em meados do século IV é a vez da igreja romana abandonar o emprego do grego em sua liturgia substituindo-o igualmente pelo latim barbarizado. A igreja africana já havia se adiantado neste sentido e banido o grego de sua liturgia ainda no tempo em que Victorino escrevia suas últimas obras. Este alienar-se da lingua grega e consequentemente da teologia oriental esta na gênese do agostinianismo nascente.

Por outro lado as condições materiais e culturais do mundo ocidental ou latino no século VI, i é após as invasões teutônicas, não beneficiavam de modo algum o exercício e cultivo da alta teologia nos termos de um Gregório de Nissa... ou de um Teodoro de Mopsuestes. Havia uma massa de germânicos analfabetos que sequer sabiam soletrar o latim vulgar e barbarizado do século IV... e que criados e formados na mitologia pagã achavam-se mais chegados a mitologia judaica do antigo testamento do que dos mistérios Cristãos propriamente ditos ou da antropologia católica.

Como esperar que tais multidões de neófitos chegasse a compreender o alcance da controvérsia agostiniana ou assimilar os pressupostos do semi pelagianismo? Seria como espera-lo de nossos pentecostais ou dos muçulmanos. Lamentavelmente a teologia que estava no acesso daquelas mentes era a mais vulgar, a agostiniana, com seu conteúdo mágico ou fetichista.

A miséria, o analfabetismo, a incompreensão da tradição oriental, a diluição da consciência Cristã, o éthos cultural, tudo enfim pendia para o agostinianismo. Formidável aqui foi a resistência esboçada pelas diversas formas, assumidas ou não, de semi pelagianismo até Alberto Pighius em 1530...



O agostinianismo e a não realização do Cristianismo I - A saga de Aurélio Agostinho

I - A saga de Aurélio Agostinho


A Encarnação de Deus no homem Jesus Cristo constitui a mensagem central da religião Cristã. É um aproximar-se a transcendência da imanência ou um contato.

Disto segue-se, como corolário necessário, que mesmo não procedendo ou sendo deste mundo, mas do mundo invisível, espiritual, imaterial ou ideal; deve a mensagem Cristã, a semelhança daquele que proclamou-a, encarnar-se nas estruturas do mundo material alterando-as radicalmente. Deixar de ser apenas teoria para ser também prática ou realidade. Nem se pode compreender a mensagem do Evangelho a não ser nos termos duma libertação INTEGRAL.

Não se trata aqui duma libertação platônica ou parcial concedida apenas ao espírito noutro plano; mas duma libertação total concedida também aos corpos e que principia já neste mundo antecipando a realidade do mundo futuro. Trata-se portanto duma proposta completa, posta para o homem todo e não só para a alma do homem.

Implica isto num ideal de cidade, reino ou sociedade: o reino dos céus, a cidade de Deus, o Império do bem... tal a proposta de Jesus Cristo. Precocemente no entanto, foi esta proposta contaminada e desfigurada pelo platonismo. Ficando este Reino restrito ao domínio das almas. Afinal Cesar e os demais potentados deste mundo não desejavam ser molestados... alteraram assim a dinâmica do Reino, para não terem seus costumes alterados.

É bem verdade que o Cristianismo jamais pretendeu exercer um controle direto sobre a sociedade humana ou o poder político. Judaísmo e islamismo apostaram no controle direto do político pelo religioso através da teocracia. O Cristianismo não; admitiu a separação já aventada pelos antigos gregos e deixou o poder político nas mãos do César.

Implica isto abrir de transformar o mundo?

Não caso o César fosse sinceramente Cristão reproduzindo os princípios e valores legitimamente Católicos. Caso o poder secular tivesse assumido a Ética do Evangelho e pautado suas operações políticas na consciência religiosa. Caso estivesse de fato persuadido ou cresse. O fato é que a conversão dos Cesares, dos nobres, dos ricos e dos poderosos fora superficial, visando apoiar a velha política de sempre no fundamento da Igreja.

Para tanto bastava-lhes uma fé meramente externa, formal, aparente, teórica e fetichista. Batismo, recitação de fórmulas, adesão a decretos, observância de certos rituais, etc Obviamente que todas estas coisas são elementos do Cristianismo ou aspectos da fé ortodoxa; mas não bastam, não são suficientes e não prestam para fazer alguém Cristão exceto se forem animadas pela CARIDADE VIVA.

É esta caridade viva que leva o Cristão converso a viver ou por em prática a Ética Cristã ou a lei Evangélica.

Temo que os reis e potentados que em determinado momento abraçaram a doutrina Cristã ignorassem que fosse caridade viva. Foram em sua maior parte conversões políticas ou fingidas. As quais introduziram no corpo da Igreja um viver viciado ou acomodado peculiar as massas pagãs, sequer atingidas pela Filosofia.

Foi toda um cultura pagã em crise ou estado de abatimento, artificialmente assumida pelo Cristianismo.

A vida Cristã por assim dizer foi saindo de cena... o ideal sendo rebaixado e a meta da fé obscurecida.

Em meio a este espetáculo deprimente, em que os césares buscavam domesticar o heroísmo Cristão, heroísmo responsável pela formação de vinte milhões de mártires, foi que Aurélio Agostinho ou Agostinho de Hipona, veio ao mundo na pequena Tagaste, situada no Norte da África.

Aparentemente a paz dos césares e a conversão dos reis e poderosos trouxe mais males a nova fé do que a própria perseguição. Durante a perseguição os Cristãos obstinaram-se em afirmar e em viver sua fé imaculadamente. Após a perseguição foram relaxando... até perderem todo o heroísmo, desesperarem do primitivo ideal (de transformar as estruturas deste mundo) e tornarem-se rancorosos catastrofistas como os antigos judeus.

Neste sentido o papel do Bispo de Hipona foi crucial.

Ninguém antes dele havia anunciado com tanta clareza a impossibilidade deste ideal.

Dissera Jesus: "SEDE PERFEITOS COMO VOSSO PAI CELESTIAL PERFEITO É." No entanto desde Agostinho, Lutero, Calvino... tornou-se tabu falar em perfeição nos meios do Cristianismo Ocidental. O pecado ou a debilidade da natureza foram arvorados como dogmas indiscutíveis. E de escola de virtude que era passou a instituição Cristã a ser encarada como um repositório de derrotados. Era um celeiros de bravos, converteu-se em asilo de frustrados... Desde então inverteu-se por completa a natureza da religião de Cristo.

Agora por que vias afirmou-se e alastrou-se tal infecção no organismo do Cristianismo a ponto de quase mata-lo?

Não é por acaso que Lutero era Agostiniano. Nem é por acaso que Agostinho, antes de sua conversão, fora MANIQUEU. Assim a tradição maniqueista chegou a Lutero e por meio de Lutero consumou-se a transformação.

Basta dizer que o maniqueismo encarava o corpo humano como essencialmente mau e a condição humana como naturalmente pecaminosa...

Por outro lado, ignorando todo o esforço realizado pelos padres gregos no sentido de fundamentar os motivos do Cristianismo no aparelho intelectual da razão e de fomentar uma fé teológica e esclarecida, Agostinho, tendo em vista a glorificação da fé, não exitou em fazer algumas críticas bastante destemperadas a razão, antecipando até certo ponto as impugnações de Gazalli, os anatemas de Lutero, as duvidas de Montaigne e Pascal e as cogitações de Kant... Sendo a frágil a natureza da razão e duvidosas suas constatações, era muito mais sábio e prudente adormecer no berço esplêndido da fé ou melhor do fideísmo intelectual.

Enfraqueceu o elemento unificador da razão para facilitar a aquisição da fé praticamente nos mesmos termos que Kant o filósofo de Lutero e reformador da Filosofia.

Enfraqueceu a vontade humana para enaltecer a graça em termos de ação ou comunhão divina.

A princípio aderiu formalmente a fé da igreja e conformou-se, ao menos externamente com a tradição semi pelagiana (vida Harnack). Inconscientemente no entanto, e por motivos de temperamento, manteve-se maniqueu. Foi apenas no fim da vida, que durante a questão pelagiana, no calor da peleja, forjou e apresentou suas teorias. E como pouco ou nada soubesse em termos de grego e de teologia oriental falseou tanto o significado dos escritos paulinos quanto os caminhos da teologia em construção. Produzindo ou tradição ou uma fé nova. Destinada a triunfar por completo no Ocidente ou na Igreja Latina.

Nos últimos anos de sua vida este Bispo arrogante (é Jerônimo de Stridon que apresenta-o assim) teve por adversário um homem verdadeiramente notável. Um eclesiástico erudito, profundo conhecedor do grego, representante da cultura antiga (ora Cristianizada) e amigo de S João Crisóstomo. Refiro-me a Juliano, Bispo de Aeclanum, na Itália.

O homem era versado nas categorias de Aristóteles e bastante hábil em termos de lógica. Bastou-lhe tomar os livros que Agostinho escrevera contra Pelágio em suas mãos para dar com os mais clamorosos absurdos. Pos-se a tirar conclusões lógicas de tudo quanto o Bispo de Hipona enunciara a respeito da graça com o intuíto de chegar ao absurdo e pulverizou por completo seus argumentos infantis. Obstinado, teimoso e irredutível Agostinho foi deixando-se guiar por seu adversário, e admitindo como dogmas um por um dos absurdos apontados até chegar as proximidades da doutrina da predestinação particular ou da graça soberana.

Juliano divulgou o testemunho de S Crisóstomo. Agostinho replicou dizendo que o Bispo de Constantinopla era um tolo que nada sabia a respeito da graça de Deus... e registrou, num de seus último livros sobre a graça, que era ela mesmo irresistível e soberana. Juliano compôs um último livro em que perguntava ao Bispo de Hipona se o mesmo Deus que convertia irresistivelmente os salvos recusava-se a converter a salvar os réprobos... No entanto quando este livro chegou a Hipona já Agostinho havia falecido. Ficando a obra do Bispo de Aeclanum sem resposta.

De nossa parte estamos firmemente persuadidos de que o Bispo de Hipona fosse incapaz de recuar ou de retratar-se e que pressionado pelo Bispo Juliano teria antecipado em mil anos as teorias de Lutero e Calvino sobre a predestinação absoluta i é a predestinação positiva dos condenados ao inferno. A morte no entanto fez com que parasse a beira do abismo. Contendo, em certa medida, a reversão total da fé por dez séculos.

Forçoso é reconhecer, todavia, que a doutrina de Agostinho sobre a graça e a livre vontade, a natureza e o pecado ancestral, o bem e o mal, contem já embutida ou potencialmente, a doutrina luterano/calvinista e que esta não passa duma conclusão ou inferência lógica feita a partir das premissas teológicas sustentadas pelo teólogo norte africano.