quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A Mulher e a educação



Emancipar o homem não é 
emancipar a humanidade.
Emancipai a mulher e tereis 
emancipado a humanidade.


Sempre se nos diz que a inferioridade mental é um fato, que a nossa debilidade é manifesta. E, baseados neste sofismático argumento, pesa sobre nós a tirania masculina, mais pesada ainda que o jugo da escravidão, arrastada pelas servas da Idade Média.
Embora seja  um fato consumado a nossa debilidade, não é menos verdade que a nossa educação e instrução sempre se tem descuidado, causa essa que justifica a inferioridade intelectual da mulher no presente momento. 
Eis a razão dessa debilidade trivial no sexo feminino.
Mais isso não demonstra que a nossa massa encefálica seja mais reduzida que a do homem, pois demasiadamente sabemos que as opiniões mais autorizadas de célebres fisiólogos e antropólogos, são contrárias a estas ranças teorias dos inimigos da emancipação da mulher.
Se a ciência, a literatura, as artes contam nas suas fileiras com pequeno número de mulheres, é porque só ao homem se lhe tem facilitado um meio superior ao da mulher. Essa diferença de meio determina a inferioridade.
De nenhum modo equivale afirmar que o cérebro feminino tenha menos aptidão para abarcar os domínios da ciência. Fazendo a antítese do que até hoje se tem feito, pondo em idênticas condições de meio ambos os sexos, essa inferioridade injustamente atribuída à mulher desparecerá e, conjuntamente a hegemonia e o jugo masculino que nos faz escravas. 
Enquanto mais se ponham obstáculos à instrução e à educação da mulher, mais demorará, e fará com isso a impossibilidade de implantar a Sociedade Livre que tanto anelamos, objeto de nossos amores e sacrifícios.
Tratemos, pois, de realizar o que tão acertadamente indicou Gondorci:
Quando se instrui um menino, se prepara um homem instruído; mas quando se instrui uma menina, se elabora a instrução de uma família, e nada há mais lógico que isto, sendo a mulher a que cultiva a educação dos seus filhos.
Se quisermos, em verdade, que a felicidade seja uma realidade a tirania termine, o baluarte dos zangões caia aniquilado. 
Emancipai a mulher, arrancando essa venda primitivista que perverte os seus sentimentos morais. Rasgai o véu fatídico do fanatismo religioso que a idiotiza, e tereis quebrado os pontos que equilibra esta sociedade de crime.

Artigo de Isolina Borques em A Voz da União Ano 01 - Nº10 - São Paulo-SP 01.01.1923
O texto se encontra:
NASCIMENTO, Rogério(Org.) Educação anarquista, saberes, ideias, concepções. Imprensa Marginal, SP, 2012.




sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Resenha do livro Sócrates encontra Marx


Antes de começar a falar do livro vamos falar um pouco de seu autor. O autor é católico romano, conservador na moral e também na economia, Peter Kreeft, é phD em filosofia, é professor e palestrante dotado de um bom senso de humor.

Na série Sócrates encontra...., todos os diálogos (sim os livros são feitos em diálogos ao estilo socrático ou melhor platônico) começam no além, logo que morrer os filósofos se deparam com Sócrates e este examina seus livros bases, àqueles nortearam e norteiam os caminhos da humanidade.

O Sócrates de Kreeft é bem convincente e bem semelhante ao de Platão, irônico e investigados infatigável da verdade. Neste livro (Sócrates encontra Marx) o autor examina o livro O Manifesto do Partido Comunista e as ideias bases desse mesmo comunismo apregoado por Marx.

O intuito de Sócrates neste diálogo é demonstrar a falsidade do comunismo ensinado por Marx, então Sócrates faz uma excursão pelo Manifesto do Partido Comunista e aponta as falhas do mesmo assim como dos raciocínios de Marx. O Sócrates de Kreeft desmonstou o determinismo de Marx, aquele que diz que não são as ideias que movem o mundo, mas as estruturas sociais é que determinam o pensamento, então Sócrates demonstrou para Marx que se não existe livre-arbítrio ele não pode ter escolhido ser comunista e tampouco poderia ensinar essa doutrina pois nasceu numa sociedade burguesa e no seio de uma família burguesa, então Sócrates pergunta como ele pôde ter ensinado o comunismo se ele também era um ser determinado e não livre pelas condições históricas ao que Marx responde que ele foi escolhido para quebrar esse ciclo, foi escolhido, usando esse vocabulário bem religioso.

Depois Marx detona com o seu vocabulário relativista como justiça burguesa, liberdade burguesa e assim por diante, Sócrates tenta convencê-lo que a justiça é imutável e universal e Marx se revolta contra essa ideia, ele (Marx) diz que a justiça é apenas uma convenção humana de uma época, então Sócrates lhe pergunta se a verdade também era produto das estruturas sociais e econômicas e Marx disse que sim ao que Sócrates perguntou: Pelo menos essa verdade (a verdade que a verdade se transforma) é absoluta e universal não?

Marx nega que possam haver homens honestos e bons por si mesmos pois todos eles são frutos das estruturas sociais e tudo o que fazem e acredita é determinado pela economia ou pelo modo de produção. Mas Marx nunca explicou cientificamente como ele mesmo pôde se tornar comunista fugindo da determinação.

Sócrates também mostra para Marx que o comunismo matou de milhões de pessoas e que não realizou o sonho de  um paraíso na Terra e também que sua profecia de que a revolução iria começar  num país industrializado não se realizou.

Marx  insiste que as pessoas só mudarão se as condições sociais mudarem já que são os eventos reais é que determinam as consciências, mas Sócrates sempre solícito mostra as falhas de sua argumentação.

Sócrates ainda mostra que Marx teve um filho com sua empregada que nunca assumiu, que era plagiador barato, e argumentava mais com o fígado do que com a razão propriamente dita. Enfim, o livro merece ser lido por aqueles que concordam e por aqueles que discordam de Marx.




Da educação libertária



Não há quem não se interesse pelo tema educação, sociólogos, jornalistas, filósofos, padres, militares, pastores, políticos, marxistas e até anarquistas. Pois todos esses grupos sabem como a educação é importante. Se querem dominar o povo (no caso dos anarquistas emancipar o povo) precisam assenhorar-se da educação.

Durante muito tempo no Brasil a educação esteve à cargo da Igreja Católica Romana e mesmo depois da separação entre a igreja e o Estado, a Igreja romana continuou a se imiscuir na educação oferecendo educação religiosa nas escolas públicas. Mas quando a Igreja já não tinha mais tanto poder sobre a educação pública o Estado tomou o encargo da educação e lançou outros vícios nas mentes juvenis, vícios como o amor à pátria, ensinando obrigatoriamente o hino nacional, o hino da cidade, exigindo uma disciplina militar dentro das escolas e não permitindo questionamentos, claro que desde à década de 1930 muita coisa tem mudado e a educação pública hoje é deficitária mas já não ensina aquele amor despudorado pelo conceito abstrato de pátria, ou de servir à nação contra os "inimigos externos", os estrangeiros.

Eu sou professor de escola pública e, faço o meu melhor enquanto professor, porque acredito na educação e acredito na educação porque antes de tudo acredito em mim, acredito em meu potencial. Quando vou à escola é para lecionar e mais para ser professor, porque nos dias atuais ser professor não é apenas ser mediador do conhecimento mas também ser psicólogo, confidente e mesmo pai e mãe, de jovens que não são aceitos por seus pais.

Mudando um pouco de assunto, tenho ouvido em rodas de conversas e também lido no facebook assuntos que versam sobre a revolução, mas vou confessar uma coisa, eu não acredito mais em imediatismo e tampouco em espontaneísmo, principalmente quando as massas seguem líderes, a vanguarda do partido, quadros ou quando não seguem ninguém mas estouram em manifestações tal e qual uma boiada, muitas dessas pessoas rebeldes sem causa. Sinceramente, não acredito que isso vai mudar uma vírgula sequer na vida desse povo sofrido.

Por isso penso que o anarquista mais inteligente ou um dos mais inteligentes de todos os tempos foi Francisco Ferrer Y Guardia criador da Escola Moderna que sabia da importância da educação e sabia que para engendrar uma sociedade nova precisava de novos homens e novas mulheres sem esses preconceitos embutidos pela religião e pela escola laica com seu nacionalismo e pregação das "virtudes do cidadão de bem". Ferrer sabia mais que ninguém que para criar uma sociedade nova não se faz necessário uma revolução ou manifestações espontaneístas como querem certos revolucionários e anarquistas que amam mais o sangue que a instrução. Sim, sim Ferrer sabia que uma sociedade nova se faz através de uma nova educação, educação laica, racional e científica, que não ensine o medo de Deus às crianças, que não ensine à submissão aos padres (no caso hoje que não ensine submissão aos pastores), que não ensine o amor pela pátria e os valores cívicos para que não se venha a gerar nacionalistas que vejam os estrangeiros como inimigos e para que não se tornem carne sacrificada à Ares. Francisco Ferrer tinha muita razão quando escreveu a senhorita Henriette Meyer: "Para transformar a maneira de ser da humanidade, não compreendo que haja coisa mais urgente do que o estabelecimento de uma educação, tal como o concebemos, que dando frutos facilitará o progresso e tornará a conquista de toda ideia generosa muito mais fácil. Eis porque me parece que trabalhar agora para a abolição da pena de morte e para a greve geral, sem saber como havemos de educar os nossos filhos é começar pelo fim e perder tempo". [1]

Fonte:
1. PENTEADO, João. A Gerra Social. Ano 01 - Nº 19 - Rio de Janeiro - RJ. 03.04.1912.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Teoria da Evolução x criacionismo nas escolas públicas

Créditos da imagem:
                                                      www.bulevoador.com.br                                              

A edição de novembro de 2012 da Scientific American Brasil publicou um artigo que afirma que a "formação científica insuficiente explica a aceitação de ambas as interpretações entre estudantes e professores do ensino fundamental no país".

É assustador o número de pessoas que acreditam que deus criou o ser humano a menos de 10 mil anos, de acordo com a revista Scientific American Brasil: "Uma pesquisa encomendada ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) mostrou que 33% dos brasileiros creem que o ser humano foi criado por Deus há cerca de 10 mil anos, enquanto 54% aceitam que os humanos surgiram há milhões de anos, mas por um processo dirigido por Deus. 
Entre os entrevistados dessa pesquisa, 89% concordam que o criacionismo deva ser ensinado nas escolas e 75% acham que essa concepção deve substituir o evolucionismo em sala de aula". [1]

É desesperador ver que  33% dos brasileiros acreditam que deus criou o homem tal e qual está descrito no livro do Gênesis e também é doloroso ver que 89% dos entrevistados acham que o criacionismo deva ser ensinado em sala de aula e que 75% acham que o criacionismo deve substituir o ensino da teoria da evolução. Evidentemente isto se dá por conta do crescimento das seitas neo-pentecostais e essas facções na maioria das vezes são frutos da pobreza e da ignorância. mas não só isso como veremos adiante.

Segundo Rogério F. de Souza e seus companheiros: "Observamos também que, ao menos em parte a aceitação dessas teorias científicas depende da compreensão que os estudantes tem da metodologia científica. E que ela não é completamente compreendida por uma parte significativa deles. Por outro lado, dados preliminares obtidos junto a professores de ciências e biologia do ensino fundamental e médio indicam que 66% deles concordam que o criacionismo também deva ser abordado em sala de aula como uma teoria alternativa ao darwinismo.
Esses resultados sugerem que, apesar de todo o avanço na divulgação da ciência, estudantes universitários e professores parecem não compreender o que diferencia uma teoria científica de uma concepção religiosa".
Pesquisa realizada por Tidon e Lewontin (2004) com professores do ensino médio da região de Brasília revela que 60% deles admitiram ter algum tipo de dificuldade em ensinar evolução. Entre os fatores apurados estão a falta de preparação desses professores,  carência de material didático ou mesmo a escassez de tempo para a utilização desses materiais. Além disso, 62% deles admitiram que seus alunos eram imaturos ou não tinham suficiente base teórica para compreender a evolução". [2]

Muitos alunos que fazem o curso de graduação de biologia não entende os conceitos científicos porque não compreende a metodologia da ciência, isto é, como funciona. O mais triste dessa pesquisa é saber que professores de ciências e de biologia num total que perfaz 66% são de opinião que o criacionismo deve ser ensinado como via alternativa ao evolucionismo.  É evidente que isso se dá por falta de uma boa formação acadêmica e também por receio de ofender os sentimentos religiosos dos alunos e de seus pais.

Já vi professores que ao serem questionados com esta pergunta: Quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha? Respondem que isso é relativo, quando na verdade poderiam dar uma excelente aula de evolução, abordar que o ovos vieram primeiro, porque as galinhas evoluíram dos dinossauros e que os dinossauros botavam ovos.

Uma professora de geografia confidenciou-me que num 6º ano teve que abordar a Teoria do Big-Bang e um aluno protestante neo-pentecostal (mais vulgarmente conhecido como evangélico) disse-lhe que não acreditava no Big-bang. E, como a professora abordou a questão? Respondeu que existem duas teorias: a da ciência e a da religião e que o aluno pode crer na qual bem entendesse mas ele precisa conhecer a teoria da ciência também para poder optar entre uma e outra. Como se a ciência fosse questão de gosto ou de opinião e não de fatos.
Seria bom que os futuros professores de ciências e biologia e também de geografia aprendessem de fato a metodologia científica e o que é e o que não é ciência, e que aprendessem uma epistemologia saudável para que não viessem a cair na relativismo epistemológico e assim pudessem enfrentar o fundamentalismo religioso nas salas de aulas e pudessem responder de forma objetiva todo e qualquer questionamento por parte dos alunos.

Fontes:

[1] Scientific American Brasil nº 126 página 79
[2] Scientific American Brasil nº 126 página 79



Contra o Design Inteligente

O texto a seguir é de H.L. Mencken texto esse que ele detona o criacionismo e aquilo que mais tarde viria a ser chamado de D.I.
LUGAR DO HOMEM NA NATUREZA

Como já disse, a teoria antropomórfica do mundo revelou-se absurda diante da moderna biologia — o que não quer dizer, naturalmente, que um dia a tal teoria será abandonada pela grande maioria dos homens. Ao contrário, estes a abraçarão à medida que ela se tornar cada vez mais duvidosa. De fato, hoje, a teoria antropomórfica ainda é mais adotada do que nas eras de obscurantismo, quando a doutrina de que o homem era um quase-Deus foi no mínimo aperfeiçoada pela doutrina de que as mulheres eram inferiores. O que mais está por trás da caridade, da filantropia, do pacifismo, da “inspiração” e do resto dos atuais sentimentalismos? Uma por uma, todas estas tolices são baseadas na noção de que o homem é um animal glorioso e indescritível, e que sua contínua existência no mundo deve ser facilitada e assegurada. Mas esta ideia é obviamente uma estupidez. No que se refere aos animais, mesmo num espaço tão limitado como o nosso mundo, o homem é tosco e ridículo. Poucos bichos são tão estúpidos ou covardes quanto o homem.

O mais vira-lata dos cães tem sentidos mais agudos e é infinitamente mais corajoso, para não dizer mais honesto e confiável. As formigas e abelhas são, de várias formas, mais inteligentes e engenhosas; tocam para a frente seus sistemas de governo com muito menos arranca-rabos, desperdícios e imbecilidades. O leão é mais bonito, digno e majestoso. O antílope é infinitamente mais rápido e gracioso. Qualquer gato doméstico comum é mais limpo. O cavalo, mesmo suado do trabalho, cheira melhor. O gorila é mais gentil com seus filhotes e mais fiel à companheira. O boi e o asno são mais produtivos e serenos. Mas, acima de tudo, o homem é deficiente em coragem, talvez a mais nobre de todas as qualidades. Seu pavor mortal não se limita a todos os animais do seu próprio peso ou mesmo da metade do seu peso — exceto uns poucos que ele degradou por cruzamentos artificiais —, seu pavor mortal é também daqueles da sua própria espécie — e não apenas de seus punhos e pés, mas até de suas risotas.

Nenhum outro animal é tão incompetente para se adaptar ao seu próprio ambiente. A criança, quando vem ao mundo, é tão frágil que, se for deixada sozinha por aí durante dias, infalivelmente morrerá, e essa enfermidade congênita, embora mais ou menos disfarçada depois, continuará até a morte. O homem adoece mais do que qualquer outro animal, tanto em seu estado selvagem quanto abrigado pela civilização. Sofre de uma variedade maior de doenças e com mais frequência. Cansa-se ou fere-se com mais facilidade. Finalmente, morre de forma horrível e geralmente mais cedo. Praticamente todos os outros vertebrados superiores, pelo menos em seu ambiente selvagem, vivem e retêm suas faculdades por muito mais tempo. Mesmo os macacos antropóides estão bem à frente de seus primos humanos. Um orangotango casa-se aos sete ou oito anos de idade, constrói uma família de setenta ou oitenta filhos, e continua tão vigoroso e sadio aos oitenta quanto um europeu de 45 anos.

Todos os erros e incompetências do Criador chegaram ao seu clímax no homem. Como peça de um mecanismo, o homem é o pior de todos; comparados com ele, até um salmão ou um estafilococo são máquinas sólidas e eficientes. O homem transporta os piores rins conhecidos da zoologia comparativa, os piores pulmões e o pior coração. Seus olhos, considerando-se o trabalho que são obrigados a desempenhar, são menos eficientes do que o olho de uma minhoca; o Criador de tal aparato ótico, capaz de fabricar um instrumento tão cambeta, deveria ser surrado por seus fregueses. Ao contrário de todos os animais, terrestres, celestes ou marinhos, o homem é incapaz, por natureza, de deixar o mundo em que habita [1919 (N. T.)]. Precisa vestir-se, proteger-se e armar-se para sobreviver. Está eternamente na posição de uma tartaruga que nasceu sem o casco, um cachorro sem pelos ou um peixe sem barbatanas. Sem sua pesada e desajeitada carapaça, torna-se indefeso até contra as moscas. E Deus não lhe concedeu nem um rabo para espantá-las.

Vou chegar agora a um ponto de inquestionável superioridade natural do homem: ele tem alma. É isto que o separa de todos os outros animais e o torna, de certa maneira, senhor deles. A exata natureza de tal alma vem sendo discutida há milhares de anos, mas é possível falar com autoridade a respeito de sua função. A qual seria a de fazer o homem entrar em contato direto com Deus, torná-lo consciente de Deus e, principalmente, torná-lo parecido com Deus, Bem, considere o colossal fracasso desta tentativa. Se presumirmos que o homem realmente se parece com Deus, somos levados à inevitável conclusão de que Deus é um covarde, um idiota e um pilantra. E, se presumirmos que o homem, depois de todos esses anos, não se parece com Deus, então fica claro imediatamente que a alma é uma máquina tão ineficiente quanto o fígado ou as amígdalas, e que o homem poderia passar sem ela, assim como o chimpanzé, indubitavelmente, passa muito bem sem alma.

Pois é este o caso. O único efeito prático de se ter uma alma é o de que ela infla o homem com vaidades antropomórficas e antropocêntricas — em suma, com superstições arrogantes e presunçosas. Ele se empertiga e se empluma só porque tem alma — e subestima o fato de que ela não funciona. Assim, ele é o supremo palhaço da criação, o reductio ad absurdum da natureza animada. Não passa de uma vaca que acredita dar um pulo à Lua e organiza toda a sua vida sobre esta teoria. É como um sapo que se gaba de combater contra leões, voar sobre o Matterhorn ou atravessar o Helesponto. No entanto, é esta pobre besta que somos obrigados a venerar como uma pedra preciosa na testa do cosmos. É o verme que somos convidados a defender como o favorito de Deus na Terra, com todos os seus milhões de quadrúpedes muito mais bravos, nobres e decentes — seus soberbos leões, seus ágeis e galantes leopardos, seus imperiais elefantes, seus fiéis cães, seus corajosos ratos. O homem é o inseto a que nos imploram, depois de infinitos problemas, trabalho e despesas, reproduzir.

-1919

H. L. Mencken - in O Livro dos Insultos - seleção, tradução e posfácio por Ruy Castro.