sábado, 3 de outubro de 2015

Considerações em torno do historicismo

Já há algum tempo planejava escrever algo sobre o Historicismo.

Buscando lançar alguma luz sobre o tema. Tendo em vista o estado de confusão reinante.

Para tanto devemos antes de tudo buscar uma definição satisfatória para o termo.

Aqui, optamos pela de E Troeltsch:

"Historicização fundamental de todo conhecimento acerca dos seres humanos, sua cultura e valores."

Ou seja a percepção de que cada área do saber, estando inserida numa dimensão temporal, possuí uma História e que estas Histórias tem relevância.

Podemos assim falar em História da economia, História da psicologia, História da sociologia, História da pedagogia, História da literatura, História da matemática, História da arte, etc

Podemos pensar na História da História inclusive.

Todo conhecimento construído pelo homem tem sua História que é o caminho por ele percorrido ou seu processo de desenvolvimento.

Neste sentido sou Historicista convicto.

Tanto melhor compreenderemos qualquer ramo do saber caso conheçamos sua 'História'.

Independente da área que estivermos estudando o conhecimento Histórico sempre acrescentará alguma coisa.

Para além desta definição não hesito em corroborar a tese segundo a qual, juntamente com a Sociologia e a Psicologia a História constituí um ramo capital em termos de conhecimento humano.

Não posso dizer qual destas três áreas seja superior as outras. Julgo todavia que as três ocupem o topo da pirâmide no contexto das 'humanidades'.

Caso desejemos compreender o que seja de fato o fenômeno humano não nos podemos furtar a exaustivas investigações no domínio da História.

A qual por isso mesmo foi apontada por M T Cícero como sendo a 'Mestra da vida.'

Mestra porque conserva os traços do caminho porque a vida passou.

Nem poderíamos compreender bem o momento presente sem perscrutar o passado em busca de causas particulares e imediatas. E a companhar as raízes das causas até a maior profundidade possível...

Em certa medida como diz Marc Bloch, foi o Cristianismo - com sua doutrina da encarnação de Deus na História - que endossou este sentido e aproximou o homem dos estudos Históricos. Desde que Deus se insere no tempo e no espaço, a História e a Geográfica constituídas em torno deste evento adquirem uma conotação de sacralidade.

Talvez por isto o Catolicismo genericamente concebido, seja uma religião de Historiadores.

Pois trata-se duma fé, mais do que qualquer outra, fixada em torno de um evento passado.

Até aqui somos historicistas assumidos.

Temos agora uma terceira definição, um tanto distinta, fornecida pelo sr K Popper, conhecido epistemólogo:

"Abordagem das ciências sociais, que pressupõem a previsão histórica como seu objetivo primário, supondo que lhe caiba a tarefa de deslindar o ritmo, o padrão ou as 'leis' ou as 'tendências' que presidem a evolução ou o curso da História."

Aqui o objetivo da definição e da crítica, alias amarga, de Popper é Hegel, teórico de que Marx, o grande desafeto de Popper é tributário. Assim Popper vai a Hegel com o intuito de remover mais um fundamento de Marx e infirmar seu sistema.

Neste sentido a própria definição de Popper deve ser apreciada as luzes do historicismo ou se querem da arqueologia das ideais. Sua própria estrutura remete-nos aos últimos anos de Hegel - + 1831 - bem como a apreciação de Comte e aos titânicos embates travados entre os positivistas e não positivistas ao cabo de longos 50 anos i é até meados de 1880/90.

Tais embates foram na verdade travados não só em torno da cientificidade dos estudos Históricos mas da própria definição de ciência, cuja construção remete-nos as primeiras décadas daquele século.

Mesmo nas décadas imediatamente anteriores a codificação do positivismo, havia já um ideário positivista em circulação. Segundo este ideário a natureza era presidida por leis inflexíveis de causa e efeito, disto decorre que sua apreensão em termos de ciência possibilitaria a previsão de eventos futuros... da compreensão do ciclo dágua resultaria a possibilidade prever com absoluta exatidão a chuva e estio... da compreensão das placas tectônicas decorreria a possibilidade de prevermos com absoluta exatidão um terremoto...

No entanto ainda estamos longe de prever tais fenômenos com absoluta exatidão ou mesmo de preve-los!

Seja como for o positivismo apresentou o padrão de previsibilidade como sendo uma das marcas da ciência.

Quanto aos que discordavam da definição ficou sendo ela ineficaz.

Já quanto aos que eram influenciados em maior ou menor medida pelo positivismo decorreram duas posturas radicalmente diferentes:

Uns reconheceram que a História nem era capaz de apreender leis gerais e menos ainda de prever qualquer evento futuro, ficando por isso mesmo excluída do 'quadro' das ciências.

Outros acreditaram poder descobrir as tais leis e atribuir-lhes previsões, tendo em vista a intenção de vindicar sua cientificidade.

Hegel e Marx limitaram-se a seguir este curso geral traçado não por eles mas por alguns teóricos positivistas.

Posteriormente a maior parte dos positivistas desistiu de procurar pelas tais causas abrangentes ou de conjecturar em torno da previsibilidade. Recusando-se a conceder a História qualquer status de caráter científico. Para tais teóricas era a Histórica uma técnica ou uma arte mas não uma ciência.

O próprio Popper parece ter endossado tais concepções.

Já os não positivistas aderiram a teoria da compreensibilidade de Dilthey.

Segundo este teórico a História não é explicável em termos de leis gerais de causa e efeito; mas compreendida em termos de relações entre elementos estruturais.

Posteriormente chegou-se a conclusão de que a busca de leis gerais ou causas mais abrangentes não pertencem ao domínio da História mas da Sociologia. A Sociologia é que cabe determinar se há um ritmo ou fluxo constante em termos de processo histórico, aquilatar as leis que presidem este fluxo e prever o que quer que seja. A História limita-se a encadear os fatos apontando as causas imediatas e particulares.

Agora se a Sociologia deve servir-se dos conteúdos da História para elaborar a si mesma, como poderia revindicar status científico para si sem concede-lo a História?

Como poderia ser o edifício científico caso uma das bases ou fundamentos não o seja?

De fato a História não pode prever.

Podem no entanto seus teóricos estabelecer conjecturas.

Imaginemos que qualquer líder europeu do futuro venha, numa situação de conflito ocorrida em dado momento futuro, a invadir a Rússia como Napoleão ou Hitler. Neste caso, uma vez que as condições sociais e materiais da Rússia sejam similares, as de 18... ou de 1942 ( i é que não tenham mudado drasticamente) podemos conjecturar que os resultados serão os mesmo e que ele venha a ser derrotado. Caso as circunstâncias sejam parecidas, as chances de que as consequências sejam as mesmas são consideráveis.

No entanto um tal fato ou evento nada tem a ver com a dedução de leis gerais, cujo objeto fica sempre pertencendo a sociologia.

Resta-nos declarar por fim que não é dado a História fazer um conjunto de previsões 'infalíveis' para o futuro.

Se Marx pretendeu faze-las fundamentado em seus conhecimentos históricos foi mais como sociólogo que buscava por causas abrangentes e leis gerais. Neste caso não temos nada a ver com isto. O que não cabe a História fazer talvez caiba a sociologia.

Limito-me aqui a abordar a questão do ponto de vista da História. No mérito da sociologia não pretendo entrar. Se a História pode ou não de fornecer ao SOCIÓLOGO um material capaz de - após ser analisado - propiciar a formulação de causas abrangentes e leis gerais que possibilitem prever os eventos futuros é questão que diz respeito mais a sociologia.

Alias até poderíamos discordar da interpretação de Marx com relação a História ou de suas previsões sem negar a possibilidade de que outro sociólogo, talvez melhor informado, pudesse obter resultados concretos neste sentido.

Outra questão - levantada por Weber e exaustivamente discutida pelos positivistas - diz respeito até que ponto Marx confunde ou mistura o será com o DEVE SER. Afinal de contas sabemos que ao invés de conformar-se com o determinar em termos de dinâmica material as ulteriores caminhos do capitalismo, Marx ousou sugerir o que deveria ser feito e conjecturar a respeito do que ocorreria depois i é após o colapso do capitalismo e a criação da sociedade por ele mesmo idealizada... Fica evidente que saiu dos trilhos e num determinado momento passou a profetizar...

Que cada qual decida até que ponto deve acompanha-lo.


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