sexta-feira, 23 de julho de 2021

Entrevista - Continuação II

 01) Estética?

Creio numa estética essencial e objetiva como os antigos gregos.

A técnica pode ser realista e quando necessário copiar algo de comum para posterioridade.

Outro caso a arte enquanto expressão da beleza. A arte cumpre não distorcer o real mas copiar o belo presente na natureza ou imaginar o tipo ideal.

Falsa a percepção segundo a qual o belo ou a beleza são sempre relativos. Aqui a investigação é sempre superficial. Caso o ser humano mergulhe em si mesmo e faça uma introspecção chegará a conclusão de que as obras de arte gregas, inspiradas no cânone de Polikleitos, contém algo de eterno, imutável e atemporal.

Isto porque a beleza forma uma unidade divina com a Bondade e a Verdade. 

02) A Ética?

Antes de predicar sobre a Verdade e a Beleza, convém predicar sobre o Bem, ao qual cabe a primazia. 

De fato também a Verdade e a beleza são bens. Em si mesmo todavia é o bem algo diverso da Verdade e da Beleza, e também algo mais elevado.

E tantos são os bens particulares que conhecemos a ponto de termos dificuldade de conceber o bem em si mesmo ou o Sumo Bem.

Daí o Cristo ter dito: Um só é Bom, reportando a fonte ou a origem de todos os bens particulares.

E outro não é este Bem que o Ser eterno ou o Eterno Legislador, norma essencial e objetiva do quanto seja bom.

Bom é tudo quanto foi concebido e chamado a luz da existência pelo Sumo Bem ou o que aceita sua orientação. 

A ética consiste na predicação de princípios e valores destinados a guiar o comportamento humano, sempre por mediação racional, ao contrário da moralidade, que é um predicamento particular. 

A Ética fornece ao homem uma ordenação geral: Cultivarás a paz ou cultivarás a justiça. A moral fornece uma ordenação particular ou prática: Não roubarás ou não matarás!

03) Ateísmo?

Caso não exista uma norma, padrão ou critério externo destinado a regular as ações de todos os seres humanos  e de firmar um acordo ou uma unidade essencial, cada individuo converte-se de pronto em última estância de autoridade para si próprio. E não existe qualquer atenuante para tal conclusão.

Caso inexista um Deus legislador nada nos autoriza postular uma Lei natural seja ética ou moral, posto que o conceito de Lei é indissociável do conceito de Legislador.

Caso inexista um Deus Legislador tudo quanto temos não passa de convenção externa ou pressão social. Ora nem é a Sociedade humana infalível nem somos internamente obrigados a abraçar seus pressupostos comportamentais. Haja visto que o nazismo correspondeu a uma ordenação social e política na Alemanha, o comunismo a uma ordenação social e política na Rússia, etc 

Dawkins assegurou que no futuro o ateísmo nos ofereceria uma Ética excelente ou superior. Fato é que passados mais de dois séculos ele nada nos ofereceu além de um pragmatismo recauchutado ou melhor dizendo reformado por J S Mill a partir de elementos cristãos como fraternidade. Posto que o pragmatismo de Benthan era demasiado individualista i é voltado para as necessidades, gostos ou satisfações individuais. A bem da verdade o ateísmo não pode passar disto, digo do individualismo. De modo que quando assume um aspecto comum ou social é sempre por via religiosa, o que lhe sabe muito mal uma vez que costuma lançar pedras em todas as formas religiosas porém com mais empenho no Cristianismo antigo. 

No ateísmo ou em sua miséria ética encontram-se individualismo e utilitarismo e é um triste encontro, em que pesem o entusiasmo de uma Ayn Rand.

Caso inexista um elemento comum ou essencial tudo é permitido aos indivíduos, pois constituem unidades autônomas em termos de moralidade e ética, podendo optar pelos princípios e valores que melhor lhes convenham: Assim pela crueldade, pela mentira, pelo egoísmo, etc e praticas o que tenham por certo: Assim o estupro, a tortura, o roubo, o assassinato, etc sem que qualquer um de nós tenhamos o direito de julga-los ou de condena-los a partir de nossos princípios e valores válidos apenas para nos mesmos. 

Quando julgamos e condenamos a quem quer quer seja partimos de uma lei natural e comum, a qual todos devam submeter-se. Por isso podemos estabelecer tribunais e julgar e condenar algumas pessoas como criminosas. Abolido o conceito de lei natural, derivada de uma vontade soberana e externa a nossas vontades individuais tais juízos e condenações perdem o sentido e tornando-se absurdos. Pois não podemos julgar, condenar e privar os demais da liberdade partindo de critérios meramente individuais.

Tribunais, procedimentos judiciários e penais, a própria legislação em seus princípios mais elementares prescinde de uma base ou fundamento comum como a existência de um instância superior de moralidade e ética que transcenda os indivíduos. Somente a partir dela é possível postular uma moralidade e uma ética essenciais. 

Donde repito, a falta deste elemento integrador tudo é facultado aos indivíduos. Tal o defeito estrutural do ateísmo: Ele não nos pode fornecer uma moralidade ou uma Ética e em tais termos desampara-nos por completo. 

04) Já foi dito inúmeras vezes que há ateus bons, éticos e inclusive superiores aos Cristãos em termos de moralidade.

Falar sobre ateus bons e Cristãos maus quando falamos sobre princípios ou instituições sociais é baralhar a questão. 

Já porque é falacioso postular soluções individuais tendo em vista problemas sociais como o da justiça e dos tribunais. Já porque o que estamos discutindo diz respeito a justificativa ontológica do bem, da justiça, da verdade, etc e não a posturas individuais.

Existem ateus bons como existem cristãos perversos porque existe algo chamado cultura e algo chamado incoerência. 

Também entre os adeptos do Cristianismo, como demonstrou J H Newman, há massas, e também no seio do ateísmo há quem reflita.

Nada mais comum entre os homens do que a assim chamada conversão teórica ou mudança de paradigmas teóricos, a qual sequer toca a vida. Muda-se de crenças ou ideias mas não de comportamento. 

Acontece com a maioria dos que abraçam o ateísmo e por força da cultura continuam a proceder como sempre procederam e assim, tal e qual quando eram romanistas, protestantes, espíritas, judeus, hindus, budistas, etc Tampouco os ex protestantes quando passam a ortodoxia, ao espiritismo ou ao romanismo costumam mudar de atitudes... 

Há portanto e deve haver ateus bons por força da cultura e não nos devemos admirar disto. A cultura explica-o perfeitamente.

Outro o caso dos ateus que nasceram num ambiente ateu ou ateísta e fizeram questão de ponderar os fundamentos da moralidade ou da ética i é dos ateus raciocinantes ou raciocinados; os quais buscam pelos fundamentos ou diretrizes do comportamento humano em seu sistema. Estes ateus que tiram as consequências ou procedem escolasticamente não tardam a concluir com o Ivan de 'Crime e castigo' que nada os obriga a ser bons, solidários, justos, fraternos, etc e que a falta de uma regra geral nenhuma dessas palavras faz sentido... Desconectados do Supremo Legislador tais conceitos tornam-se vazios. Tal a grande descoberta do ateísmo cujas consequências se podem tornar sociais, na medida em que semelhante padrão de pensamento se expanda.

Raciocinado, o ateísmo não fornece qualquer suporte estável para a prática do bem ou da virtude em escala social, tal a raiz do problema que levantamos. Portanto a existência de ateus bons não vem ao caso, pois o objeto da indagação é sobre qual hipótese, a ateística ou a teísta melhor se presta para estimular a prática do bem na mais larga escala possível.

05) Materialismo?

Quando em meados do século XIX o fanático J Deitzgen afirmou que o materialismo havia sido suficientemente demonstrado pelos cientistas ou pela ciência, teve o comunista Engels suficiente nobreza de caráter para nega-lo e sem embargo declarar que não estava distante o dia em que a ciência de fato viria a prova-lo. Ora isto sucedeu-se pelos idos de 1860.

Passado meio século, outro teórico, cujo nome ora me foge a memória, repetiu a arenga de Dietzgen. Surpreendentemente partiu a resposta de W Lênin - Um dos paladinos do materialismo - o qual praticamente repetiu a sentença e a promessa de Engels. Declarando que em breve a ciência havia de dar suporte ao materialismo.

Cerca dos anos 80 do passado século liberais, comunistas e anarquistas tornaram a declarar que a ciência eram materialista. Desta vez a reprovação veio de Popper e Eccles numa famosa monografia sobre o cérebro (1992), corroborando o quanto já fora dito por W Penfield. 

Desde então pouco ou nada mudou nesse sentido.

O materialismo para ser aceito carece de uma demonstração material inequívoca. 

Admitido o materialismo teríamos de admitir, consequentemente o determinismo mecanicista e rever todas as áreas do conhecimento humano.

Costumo encerrar minha reflexão sobre a metafísica materialista considerando que a justiça, o bem, a beleza, o amor, etc jamais foram isolados, medidos, pesados, etc Todavia, ousarei juntar que da constatação segundo a qual o conhecimento esta relacionado com o cérebro não se chega a lugar algum posto que tal relação sempre poderá ser instrumental, como aquela que há entre o pianista e seu piano. De fato é o piano condição instrumental para que haja música, mas não a causa suficiente ou única. 

Sequer vem a propósito a tal navalha de Ockhan, sempre usada como espécie de alavanca (De Arquimedes) pelos positivistas. Pois desde o século XX estamos muito bem informados sobre outro paradigma bem mais realista, o paradigma da multi causalidade. 

06) Livre arbítrio?

Como opositor do Calvinismo sou partidário decidido do livre arbítrio, inclusive no plano religioso, assim nos planos da Ética, da moralidade, do direito, da política, etc pois é o livre arbítrio fato ou fenômeno psicológico que naturalmente expande-se por outras esferas da existência humana.

Fato é no entanto que ao conceito de livre arbítrio (Cuja formulação admitiu Kant é metafísica.) tem contado com objetores de vária lavra, os quais tem afirmado diversas formas ou tipo de determinismos. Temos assim o determinismo ambiental de Ratzel, o determinismo econômico de Marx, o já citado determinismo religioso de Agostinho, Calvino, Lutero, Maomé, etc; o determinismo biológico de Dawkins, Pinker, Roth, etc; o determinismo social de Durkheim, etc

Para o biologismo, o sociologismo, o economicismo, etc não há espaço para a ação humana...

Surpreendentemente não tardou esse veneno a instaurar-se no campo da Psicologia, isto por vezo do positivismo e com gravíssimas consequências, uma vez que o próprio objeto de estudos da Psicologia foi distorcido pela ideologia. Assim se Fechner e Wundt haviam conferido aos estudos psicológicos notável moderação não tardou o positivismo a tudo subverter com seu método inadequado, o qual nos EUA deu origem ao Behaviorismo, que é um sistema materialista e mecanicista fechado ao conceito de mente. Ora Watson e Skinner, por força de coerência lógica, concederam importância colossal as experiência do russo Pavlov, sem perceber que por esta via a Psicologia perdia seu conteúdo e revertia a Psiquiatria de Krapelin. De fato os Psiquiatras materialistas ou ortodoxos tendem a encarar não somente a Psicanalise freudiana mas mesmo a gestalt e a Psicologia em sua totalidade como um falso conhecimento.

Claro que para os materialistas só pode haver psiquiatria movida por hormônios, células e genes, pelo que tornamos ao biologismo. O Behaviorismo tentando ofertar uma psicologia aos materialistas acabou por esvazia-la de seu objeto de estudo. Pelo que equivale na verdade a uma negação da Psicologia ou a um cavalo de Tróia, introduzido pelo positivismo na cidade de Wundt e Fechner. 

Disto resultou nos tempos atuais os mais virulentos reducionismos, que vão do biologismo ao fisicismo... Ponto de vistas segundo o qual passamos da determinação celular, aos compostos químicos e por fim a fórmulas físicas ou matemáticas que teriam lugar não apenas na química e na biologia mas, pasme na psicologia e na sociologia, destruindo o objeto próprio de cada uma destas ciências e é claro introduzindo o querido determinismo, último diadema conquistado pela metafísica materialista representada por tais reducionismos toscos. 

Na área da Psicologia temos dois sujeitos que representam essa invasão ou melhor esse assalto anti psicológico urdido pelos behavioristas servos do positivismo e das metafísicas acima citadas: Roth e S Pinker, para os quais nada somos além das marionetes genéticas imaginadas por Dawkins ou de estátuas empurradas por memes, de modo que nada resta do livre arbítrio. De fato para o senhor Pinker o livre arbítrio não passa de resíduo religioso infiltrado no terreno da Filosofia e abrigado, inadvertidamente, no campo da Psicologia. O que até certo ponto como disse, já havia sido afirmado pelo 'maravilhoso' Kant... O qual por questão de honestidade admitiu que do ponto de vista do conhecimento, tal e qual compreendido era por ele, não havia lá muita diferença entre Deus e o Livre arbítrio. Era tudo metafísico e portanto no mínimo questionável. Ocioso advertir ainda aqui que Kant era luterano e que seu mestre Lutero, partindo de Agostinho, havia escrito um livro intitulado 'Servo arbítrio', brilhantemente refutado por Erasmo, o mestre dos humanistas alemães.

Bem, caso o determinismo seja verdadeiro a primeira coisa que temos de fazer é eliminar todas as prisões ou tribunais uma vez que só pode ser culpado quem é responsável pelo que faz e só pode ser responsável pelo que faz quem poderia não te-lo feito i é quem é livre. Quem não teve outra opção, por ser determinado, certamente não é responsável, donde não pode ser considerado culpado de qualquer coisa ou condenado, melhor dizendo, donde sequer poderia ser julgado. Pois julgar uma pessoa que agiu sob coação externa já é uma monstruosidade.

Caso demos razão ao determinismo sejamos coerentes a ponto de reformar todas as nossas instituições sociais e de cessar por completo com a prática judicial. Em se tratando, os criminosos, de enfermos incuráveis, o quanto poderíamos fazer é criar hospícios ou colônias onde tais pessoas pudessem viver confortável e dignamente até o fim de seus dias, assim isola-las ou afasta-las de nós porém jamais puni-las, pois aqui é que estaria o crime e os criminosos seriam os delegados, carcereiros, carrascos e juízes.

Ademais fosse o elemento humano determinado não haveria mudança ou progresso algum. Pois só um energúmeno poderia cogitar que as estruturas sociais se movem por si mesmas i é magicamente, posto que não são livres e não podem atuar intencionalmente. 

Somos movidos pelo inconsciente como queria Hartamann?

Posto está que tal constatação eliminaria todo e qualquer sentido. E não passaríamos de uns grãos de pó movidos num turbilhão por sorte ou azar. 

07) Freud?

Sim, Freud. A parte de seus excessos, equívocos e desvios. Apesar de seu ateísmo feroz. Em que pese sua incoerência. Freud, sim Freud. O qual na esteira de Atrino, Schrenck-Notzing, Havelock Ellis e alguns outros pioneiros deu inicio a uma das maiores revoluções ou subversões no plano da cultura. Se alguém de fato foi revolucionário e corajoso, e ousado foi esse judeu chamado Sigmundo Freud, o qual como poucos marcou a História humana.

Freud foi quem deitou a primeira marretada numa moralidade puritana sequer questionada seriamente por um Marx ou um Darwin. Foi ele quem a partir do conceito de histeria (Forjado por J M Charcot) e com o auxilio dos 'heréticos' de Nancy (Bernheim) e enfim de Breuer, chegou a uma teoria de neuroses e complexos produzidos por esta sifilização mais judaica ou maniqueísta do que Cristã. 

Deve-se a ele e aos mais citados, a possibilidade de abordarmos a sexualidade humana livre e naturalmente ou seja sem que devamos temer qualquer espécie de tabus baixados por rabinos, pastores ou padres. A partir daí, até os anos sessenta do passado século, assistiu-se, como já foi dito, a uma autêntica revolução sexual e em seguida uma revolução feminina, as quais, em que pesem os vícios, abusos e excessos inevitáveis, serviram para arejar a civilização.

De fato é para lamentar que vaguemos de extremo a estremo ou de excesso ou excesso, raramente chegando a um saudável equilíbrio. Pelo que passamos da repressão ao sexismo, alias, em grande medida estimulado pelos meios de comunicação ou pela propaganda (Lembrem-se dos vícios lucrativos de Bernard de Mandeville) com objetivos lucrativos (Consumismo). Que sejam as pessoas alienadas mas não neuróticas, já que é a alienação reversível enquanto que a neurose dificilmente o é.

Quanto a doutrina de Freud principiarei pelo equívoco. Quando Claparède divulgou o pan sexualismo de Freud pautado apenas no fenômeno da libido ainda era ele pan sexualista. Não tardou todavia em reformar sua doutrina (O que jamais admitiu) partindo inclusive de um discípulo seu que ousou flertar com Marx, Adler, do qual tomou o princípio da morte ou da destruição (Eros e Thanatos) não poucas vezes enunciado como agressão ou violência. A partir daí cessou Freud de ser monista sexista para ser dualista e portanto tanto mais realista. Pois parece haver não um instinto de agressão, mas certamente um instinto de sobrevivência ou vitalidade em todos os seres humanos, de par com o princípio do prazer e alguns outros que Freud não logrou deslindar mas que pareceram evidentes a Viktor Frankl.

Outro crédito a que Freud faz jus foi ter concebido um conceito dinâmico de mente e explorado as estâncias do inconsciente e do subconsciente ( A par da Consciência) as quais não tardou a apresentar em termos de Id, Ego e Eu, estabelecendo inclusive algumas relações plausíveis. 

Posto está que sua teoria metafísica ou abstrata cristalizada em torno de certos complexos como o edipiano, estava equivocada. Tendo sido demonstrado por M Mead quanto as primitivas culturas africanas e por Malinowski, quanto aos naturais das Ilhas Trobriand, que tal complexo não é universal porém localizado e fruto de dadas relações sociais e familiares, o que por sinal passou a ser enfatizado pela genial Karen Horney. Também Melanie Klein teve de fazer outros tantos reparos a teoria de seu mestre, e E Erikson e mesmo o injustiçado W Reich. 

Mesmo Jung, Otto Rank, W Stekel, Ferenczi, K Abraham, Winnicott, etc todos partiram de Freud. Corrigiram-lhe os erros mas partiram todos dele.

Quanto a Psicanalise é certamente método eficaz para tratar suas neuroses mesmo quando dissociada da cosmovisão ou da metafísica freudiana. Foi a partir dela que desenvolveram-se diversos tipos de psicoterapias, cada qual posta para um perfil ou determinado tipo de problema. 

Freud ainda foi capaz de perceber que parte do que chamamos civilização é fruto de restrições auto impostas a líbido ou de energias tomadas a ela (Repressão e Sublimação) tendo em vista nossa situação de vulnerabilidade face ao mundo exterior. 

08) Darwin?

Fato. A Evolução das espécies é fato indiscutível e discuti-la supõem sempre ignorância ou má fé. Outro o caso do darwinismo ou de um neo darwinismo muito mal apresentado e que focaliza apenas o mecanismo da seleção natural como se pudesse produzir algo por si mesma, do que resultaria sempre lamarckismo. Caso a natureza ou a seleção natural altere os genes ou as estruturas dos seres vivos o que temos e o quanto temos é lamarckismo. Tenho no entanto observado essa tendência em diversos teóricos.

Ora a seleção natural é um processo. Sempre na dependência do que deva ser selecionado. 

Qual a origem do conteúdo a ser selecionado por ela?

Segundo a Teoria sintética de Mayr, Dobzhanski, et aliae, o conteúdo a ser selecionado pela seleção natural é dado pelas mutações genéticas (De Vries - 1900) de todo tipo. Há mutações derivadas da replicação e mutações produzidas por agentes radiotivas. É sobre tais mutações, sempre aleatórias ou estocásticas que atua o processo da seleção natural. Temos portanto aqui duas forças, dois fatores ou dos agentes em jogo: A radioatividade e a seleção natural. Compreendido em tais termos é o darwinismo consistente, a parte das mutações é deturpado e falacioso. 

Feita esta ressalva cabe fazer a segunda ressalva que diz respeito a como atua a seleção natural nos grandes mamíferos, o que não pode ser compreendido em termo de luta ou conflito físico uma vez que a dinâmica reprodutiva e alimentícia deles pouco tem a ver com aves que habitam em ilhas ou locais isolados. Spencer convenceu Darwin a apresentar a seleção em termos de conflito físico, guerra ou luta e beneficiou-se ideologicamente disso. Darwin no entanto, basta folhear a Origem das espécies para constata-lo, foi antes de tudo ornitólogo e ornitológico. Não se pode, sem distorcer a realidade natural, atribuir as espécies dos mamíferos o mesmo regime e as mesmas relações que vigoram entre as aves. Pois é a situação das aves específicas. Darwin concebeu a seleção natural como conflito físico, guerra ou disputa por ter focalizado as aves, portanto em sua acepção comum entre os biólogos temos uma generalização infundada. 

09) Darwinismo social?

O Darwinismo social embora parta de Darwin foi sistematizado e desenvolvido pelo sociólogo positivista H Spencer. Não o nome, criado apenas em meados do século passado, mas a doutrina.

Fundamentado numa acepção distorcida, quiçá intencionalmente e objetivando justificar as práticas correntes entre o liberalismo econômico, assim a luta patrões e empregados, Spencer não titubeou em transferi-la para a realidade social do tempo presente. 

A luta, criada pela rivalidade ou concorrência ai esta como uma espécie de mecanismo responsável por selecionar os mais aptos ou qualificados i é os patrões e por excluir os menos aptos i é os operários ou vencidos. Destarte se alguém é patrão é porque faz jus a sua posição, posto que foi testado por uma seleção social. Tais os caminhos da evolução social ou a ordem natural das coisas e altera-la é sempre ir contra a natureza, pelo simples fato de se buscar atribuir o controle aos ineptos ou vencidos. 

Como se vê não temos nada de sério aqui além de uma deturpação do processo evolutivo com o objetivo de justificar determinada prática social. Mera construção subjetiva de H Spencer e seus colaboradores. 

O Darwinismo social como o etapismo marxista funciona também a maneira de uma roda cârmica ou samsara pelo simples fato de negar qualquer tipo de obrigação por parte do vencedor ou vitorioso face ao derrotado ou inepto. Podendo o inepto ser ignorado ou desprezado uma vez que seu destino é a aniquilação - Então tanto dá que seja vitimado pela miséria ou que morra de fome... Afinal para que manter vivo alguém que a própria natureza adrede condenou ao fracasso, a miséria e a morte lenta?

Nada mais oposto ao sentido do Cristianismo e a Ética Cristã. Nada mais refratário ao humanismo. 

10) Nihilismo?

A principio, ao menos nos séculos XV, XVI e XVII tínhamos fé, razão e experiência ou ciência. Tivemos então três coisas por uns três séculos e foi o auge.

Lamentavelmente devido ao protestantismo, com seu método problemático e ineficaz, fragmentou-se a Cristandade e da fragmentação resultou imensa confusão.

Diante disto a apresentaram-se alguns homens. Os quais em nome da razão ou do racionalismo buscaram eliminar a fé.

Chegamos ao século XVIII sem a fé, porém ainda iluminados pela Razão e portanto confiantes e felizes.

Foi um reinado curto. Pois enquanto na França Robespierre instituía a festividade da deusa, do outro lado do Reno, o luterano I Kant lançava o ídolo ao chão e forjava filípicas contra a metafísica. 

Após pouco mais de um século de sucessos grandiosos foram os domínios da deusa paulatinamente invadidos pelas hordas procedentes da floresta herciniana, até que um francês de nome A Comte rendeu-se aos encantos da teutônica sereia, e, dando razões ao luterano (Justamente ele Comte, que tanto execrava o protestantismo!) criou o sistema positivista, tipo de kantianismo galicano que não tardou a atravessar a mancha e fixar-se na Inglaterra. 

Desde então ficou a razão confinada a uns limites assim bem estreitos e a metafísica irremediavelmente condenada como prática ociosa ou fantasiosa. 

Havíamos perdido a fé, agora nos tiravam a razão, restando apenas o que diziam ser a ciência ou o conhecimento positivo (Experimental). Então ainda restava-nos algo.

Cruéis no entanto são os homens. 

Pelo que não tardou Nietzsche a clamar não apenas contra a razão ou o racionalismo mas contra toda casta de verdade, proclamando um decidido retorno a Hume, o iconoclástico inglês, núncio do ceticismo. 

Ao escritor de Silz Marie sucederam-se, no decorrer do século XX: Heidegger, Camus, Deleuze, Derrida,  Foulcault, Guattari, etc com o objetivo de completar a obra iniciada três séculos antes e remover a derradeira certeza ainda existente entre os ocidentais: A confiança na experiência ou em seu fruto, a ciência.

Ao cabo deste processo tri secular, removida a ciência nada resta, e tudo fica perdido: A fé, a racionalidade e a experiência; a religião, a Filosofia e a ciência - E a isto chamam de progresso ou evolução, mas eu chamo mesmo é de tragédia, e considero que para recompor o homem e salva-lo faz-se mister recuperar a fé - Não a fé cega do protestantismo mas a fé consciente e esclarecida de um Oríneges ou de um Teodoro, ou ainda de um Basílio - a confiança na razão e sem dúvida a aceitação dos dados fornecidos pela ciência, recriando um todo harmonioso (O que certamente exclui o fundamentalismo bíblico ou judaizante.). Alias o dilema Fé/Ciência é totalmente falso. 

Temos assim de retomar os três conteúdos perdidos e exconjurar o nada.







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