Inicio este artigo reproduzindo o que havia já escrito em meu 'Manual de Ética Cristã Ortodoxa': Se com relação a seus mistérios ou os dogmas da fé, foi Jesus enfático e terminante, esgotando necessariamente o assunto e prendendo-nos a literalidade de suas palavras - Sem que possamos fazer inferências ou especulações... quanto a moralidade, forneceu-nos apenas alguns princípios genéricos, sumários e elementares ou seja, alguns fundamentos éticos, a partir dos quais devemos aduzir, por meio de especulações e inferências, as soluções para quaisquer casos futuros.
Isto porque é a moralidade dinâmica.
Pelo simples fato de sempre toparmos com novos questionamentos ou problemas causados pelas novas circunstâncias i é pelas mudanças sociais ou pelo avanço geral da técnica. Como Deus Onisciente - Senhor do Tempo e da eternidade. - bem poderia, nosso Jesus, ter escrito ele mesmo uma enciclopédia elencando todos esses problemas que iriam surgir e oferecendo as melhores soluções.
Não foi o que ele fez ou quis fazer - Optando por oferecer alguns princípios bastante sumários as nossas consciências. De modo que através do princípio operatório das razão, possamos sacar as consequência.
Tais as questões em torno, por exemplo, do fumo, do transplante de órgãos, da fertilização in vitro, do racismo, e de diversos aspectos do capitalismo, tais como: A proteção ao trabalho, o salário, os meios de produção, etc Quanto a estes últimos tópicos, partindo da tradição, do Evangelho e mesmo da Filosofia clássica a igreja romana formulou um corpo de doutrina social face ao qual a Ortodoxia, de modo geral, nada pode objetar mas que, pelo contrário, deve validar.
Seguindo esta linha, buscaremos examinar os principais textos evangélicos alusivos a riqueza e a partir deles confrontar o apologista brasileiro Meira Penna, principal defensor do éthos capitalista em nosso país.
Para tanto devemos examinar em primeiro lugar a questão da Propriedade e seu status face a fé Cristã.
É isto de suma necessidade para que os materialistas ocultos ou não assumidos não aleguem que estamos nós condenando toda posse ou propriedade como legítima, tal qual os anarquistas e comunistas - Pois não é este nosso ponto de vista.
Com efeito, se a um lado, não podemos subscrever a tese de Proudhon, segundo a qual todo tipo de propriedade corresponde a um roubo, tampouco podemos deifica-la, associando-a a Deus, como fazem os proprietaristas desorientados. Nem divina, quanto a sua totalidade, e tampouco sinônimo de roubo.
Então o que...
Reconhecem os Cristãos a propriedade pessoal (O local em que alguém reside com sua família ou que é usado por uma dada família.) enquanto fruto do trabalho honesto, como algo sagrado, firmado numa Lei natural.
Portanto é, esse tipo de propriedade (Pessoal\laboral). legítima e inalienável. Caindo, todo aquele que dela toma posse por meio da força, sob a condenação inexorável do mandamento divino: Não roubarás e portanto pecando gravemente. Do que temos exemplo já no testamento velho quanto a vinha de Nabot, sancionando esse registro com uma chancela Cristã, posto que contém tal sentido.
Portanto não caí sob a proteção da Lei divina aquele excedente de propriedade que não é habitado ou usado (Como espaço laboral) pelo 'proprierário' e menos ainda o que foi desonesta e pecaminosamente adquirido por quaisquer meios ilícitos. Podendo ela, em todos esses casos, ser expropriada pelo legislador sem maiores preocupações.
Outro o caso dos monopólios ou corporações (Grandes indústrias) que detém meios de produções. Tampouco estes caem sob a proteção da Lei divina, sendo sua expropriação questão alheia a religião ou ao Evangelho, a qual, consequentemente, deve ser avaliada e decidida pelo grupo social em questão tendo em vista o Bem comum.
Até aqui a propriedade.
Passamos agora a examinar a questão da riqueza ou do acumulo de coisas materiais face ao Evangelho ou as puras palavras de Cristo nosso Deus.
Todavia convém que antes de iniciar esse exame consideremos que para nós Cristãos, nicenos, atanasianos, Católicos, Apostólicos, Ortodoxos, crentes, submissos e reverentes é Jesus Cristo Deus encarnado e verdadeiro Deus Onisciente, Legislador Todo Poderoso, Mestre infalível, Instrutor perfeito, etc, etc, etc Pelo que, conhecido o teor de suas palavras, não é lícito debater com ele, argumentar, levantar 'razões', etc Nós pura e simplesmente recebemos ou aceitamos os decretos de Jesus Cristo como indiscutíveis e inapeláveis. Por fim nós repudiamos o Livre exame ou a mania de atribuir um sentido arbitrário (Interpretar) como irreverente, e avaliamos essa estratégia ou tática subjetivista como uma fuga do Evangelho.
Então o que...
Examinamos as acepções literais do texto grego e nos conformamos com o sentido, para em seguida sacar as conclusões.
Comecemos então pelo emblemático texto da corda ou camelo (Os fariseus e escribas daquele tempo diziam 'elefante') - o que dá no mesmo pois nem elefante, nem camelo e tampouco corda podem passar pelo fundo de uma agulha. De fato os apóstolos compreenderam perfeitamente a mensagem, e replicaram: Sendo assim, quem se salvará... Posto que na perspectiva da natureza tais palavras implicam impossibilidade irredutível.
Replica e responde Nosso Senhor e Mestre> É impossível aos homens.
Donde se percebe muito claramente, que ao menos neste texto e contexto, não temos nós a condenação absoluta dos ricos.
Pois do explícito: É impossível aos homens, devemos aduzir: Nada há de impossível para o Santo e Bom Deus e sua divina graça.
E já podemos por a questão noutros termos: Quem é este homem para o qual é impossível salvar-se na riqueza e como pode Deus salvar o homem rico...
Ao que parece a impossibilidade se refere ao homem natural alheio as exortações do Evangelho. Ao que tudo indica o rico não se pode salvar fora da fé no Cristo do Evangelho ou da Revelação divina. Tal o poder devastador da riqueza.
Porém no contexto Cristão, isto é abraçando sinceramente a fé, pode o rico obter e conservar a salvação. Neste caso será salvo dá riqueza ou na riqueza...
Ouso dizer, que aparentemente autorizou Nosso Senhor que aquele que herdou dos ricos i é que recebeu herança de pais judeus ou pagãos, conservasse sua posse desde que a fosse distribuindo aos pobre ou as obras assistenciais da Igreja, ao cabo de sua vida ou ao cabo de algumas gerações.
Não serve para impugnar este ponto de vista o exemplo de Zaqueu, uma vez que a origem de suas riquezas é dada por desonesta. Aferida a desonestidade da herança fica impugnada sua legitimidade e decretada a necessidade da reparação, devendo o titular, se Cristão, desfazer-se dela de imediato, doando-a aos pobres, segundo o exemplo de Zaqueu. Portanto estamos nos referindo as riquezas de origem desonesta.
Já quanto ao Cristão que nasceu nesta condição, parece que o direcionamento é doutra espécie: Não junteis tesouros neste mundo, onde a traça destrói e a ferrugem come, de modo que o acúmulo desmedido de bens materiais é proibido. Como é proibida a avareza ou cupidez: Bem aventurados os pobres em espírito i é os que não tem apego as coisas e objetos materiais...
Terá você a audácia de dizer que aquele que, tendo, como Sócrates, o suficiente para viver com conforto, dignidade e decência; e, sem embargo disso, concentre todas as suas energias para obter mais coisas é desapegado... Ousarás tu alegar que aquele que consagra suas forças em juntar, acumular e enriquecer - Como aquele que disse: Hei de aumentar meus celeiros... é um desapegado... Acaso insistirás que aquele que se aplica freneticamente em obter imensa fortuna é um desapegado. Pois bem, se não és bem aventurado, perseguindo riquezas que Jesus Cristo declara falsas ou ilusórias, é certamente um mal aventurado.
A esse homem avaro, que ambiciona além do necessário e lança sua cobiça para além do que necessita, diz o mesmo Jesus Cristo: Não pode alguém servir a Deus e ao Dinheiro, ou seja, concentrar seu afeto nas falsas riquezas. Devendo conformar-se com a vida sóbria e equilibrada ou com algo próximo do Ariston metron dos antigos gregos ou com a 'Aurea mediocritas' dos antigos romanos. Agora em que consiste essa vida sóbria ou moderada: Já nos referimos a ela pouco acima, dizendo que consiste em conformar-se com uma condição confortável e digna, tendo o que comer, o que vestir, onde habitar e até mesmo algo para distrair... Não uma multidão de terras, casas, celeiros, carros, etc
É este tipo de atitude - A busca incessante de riquezas pelo Cristão. - que se refere o apóstolo quando diz: A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro. A concentração da mente e das energias em obter o máximo possíveis de coisas materiais e perecíveis ou o poder. Não devemos nós juntar o que não possamos nesta curta existência gastar. Pois em caso de morte não levaremos tais 'bens' junto conosco para a verdadeira vida. Por isso declara Nosso Senhor com acento religioso: Junteis tesouros no céu. Como distribuindo os excedentes com os irmãos, batizados, membros de Jesus Cristo. Servindo e beneficiando a comunidade. Praticando obras de virtude. Sendo solidários, fraternos, amorosos, bondadosos, etc Assim é que se acumula tesouros perpétuos e imperecíveis nos céus e tal é ou deve ser o investimento daquele que nasceu de Cristo e nele está.
Devemos buscar juros não na Bolsa de valores ou nos bancos porém no mundo imaterial e invisível, i é, nos céus, fazendo render a graça de Deus por meio de nossos excedentes financeiros. É nos irmãos, no próximo, no semelhante, no outro... que devemos investir. Então nosso lucro está no além túmulo ou na vida eterna e não neste mundo que passará.
Quanto aos avarentos, apegados ou buscadores de ouro, prata, pedras preciosas, etc segundo o primo do Senhor, estão já julgados: Porque vossas arcas estão atulhadas... enquanto os pobres choram, após esta vida vós é que haveis de chorar em meio a grande sofrimento. Como aquele Finéias, que buscando riquezas e sendo inferente a sorte do miserável Lázaro foi lançado na Geena de fogo...
Quanto aquele administrador infiel que distribuía os excedentes com os clientes do empório, não nos diz o Senhor que era Cristão ou se era hebreu ou ainda pagão. Pois não distribuiu de imediato porém no decurso da vida as riquezas que eram iniquas. Ganhou amigos nos céus e foi digno de suas intercessões, porém, de modo algum chegou a perfeição a que somos convocados - Pois ao jovem rico foi dito: Vende teus bens e dá aos pobres. É nesta passagem, dois versos mais adiantes que Nosso Senhor classifica toda riqueza como falsa ou ilusória. A do administrador apenas declarou iniquas (Não todas as riquezas de modo absoluto porém apenas as do administrador.) porquanto obtidas com fraude e dolo. A riqueza, de modo absoluto, como falsa ou ilusória.
Acaso devemos buscar o que é falso ou ilusório...
Caso viéssemos faze-lo quão miserável seria nossa meta!
Devemos buscar o que é verdadeiro i é, o que a traça e a ferrugem não podem destruir, o imperecível, o eterno, o duradouro, a imitação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aquele desapego, aquela sobriedade, aquela moderação, aquela temperança, etc que são sinais de vida espiritual. De modo algum a avareza, a cupidez, a ambição desmedida, o acúmulo ilimitado de bens, a riqueza, a grande fortuna, etc pois em nada disto vai o Reino de Deus.
Quanto ao Cristão é terminantemente proibido buscar aumentar as falsas riquezas, concentrar-se na fortuna, juntar sem medida, etc Poderá no entanto, sendo descendente de milionários judeus ou pagãos administrar generosamente tais bens, como fizeram os teoforos Basílio e Gregório de Nazianzo, ou ainda os piedosos citados nas cartas de Jerônimo. O que, advirto, deve ser feito com extrema lisura e cuidado, no sentido de não dissipar tais bens consigo próprio ou viver no luxo enquanto os Santos morrem de fome nas sarjetas. Esse excedente de bens fica na mãos dos Cristãos para ser administrado em benefício Santos e não para o deboche.
Tal a doutrina pura tomada literalmente ao Evangelho, sem distorção, interpretação ou Livre exame. Pois encaramos com sumo respeito as palavras de Cristo nosso Deus. E por elas contatamos que não pode aquele que nasceu de novo concentrar-se na busca de riquezas ou acumular ilimitadamente. E que esse afã pelo poder e pela glória é pecaminoso.
O que nosso Senhor por benevolência concede aos Cristãos é que herdem riquezas acumuladas já por judeus e pagãos e administrem-na em favor da irmandade, partindo e distribuindo ao cabo da vida ou das gerações. Isto quando tais riquezas não sejam notadamente más ou iniquas, como as de Zaqueu ou as do administrador infiel, as quais, neste caso, devem ser distribuídas em sua totalidade e de imediato, pelo simples fato de constituírem roubo e pecado contra a Lei divina.
Por fim devo questionar até que ponto um sistema de Crenças em que a Encarnação de Deus não se dá num palácio ou entre uma família rica e poderosa. Em que o personagem central foi um humilde carpinteiro e não um nababo ou próspero empreendedor. Em que o supremo referencial não dispunha de propriedade pessoal. Em que o foco da fé é supliciado numa Cruz. Cuja lei insiste repetidamente sobre o desapego e sobre a insensatez de perseguir falsas riquezas. Cuja meta é concentrar-se na graça de Deus e na justiça. Cujo ideal de perfeição consiste em desfazer-se de tudo quanto acumulado foi. E cuja hierarquia eclesiástica foi entregue a Rahibes com voto de ascetismo - Poderia compor-se com a busca frenética por bens materiais...
Tudo quanto posso ver aqui é a mais cerrada oposição. Cerrada oposição e antagonismo inconciliável.
Agora o próprio Meira Pena, admite que o sistema capitalista depende da cupidez ou que é estimulado pela cobiça. Como discorre sobre o desapego e sobre a administração dos falsos bens... Agora como pode negar que constitua avareza a concentração da mente no acúmulo excessivo de falsos bens ou essa dedicação intensa a economia... Como negar que a busca pelo excesso seja avareza ou que a busca pelo desnecessário seja consumismo e consequentemente sinal de vazio interior ou de materialismo...
Como conciliar uma busca frenética sem apego... E como conciliar o Cristianismo ou a bem aventurança com o desapego...