sábado, 24 de outubro de 2015

O Catolicismo Social, a tradição primitiva, o LIBERALISMO ECONÔMICO e os neo católicos!

Ps Neste artigo assumo a acepção vulgar e equivocada de Catolicismo, enquanto sinônimo de romanismo ou papismo querendo designar as coisas da igreja romana. No entanto tais críticas são aptas para em certa medida atingir as demais igrejas Católicas, em especial a Ortodoxa, por reproduzir os mesmos vícios!.

Sou um homem perplexo.

Encontro-me perplexo ante a facilidade com que os neo católicos tem perdido mais e mais sua identidade religiosa e sobretudo cultural, sobretudo após o tal 'concílio' do Vaticano II e a moda do ecumenismo.

Refiro-me a facilidade com que os neo católicos tem assumido mais e mais elementos culturais, princípios e valores de origem protestante quais sejam o liberalismo econômico ou capitalismo, o subjetivismo, o relativismo, o misticismo vulgar, o biblicismo... os quais face a fé ou a teologia autenticamente Católicas, a tradição, a consciência eclesial, a escolástica não passam de tenebrosos vícios!

Dir-se-ia que os Católicos puseram de lado toda coerência crendo ser possível a um Católico viver a moda protestante. Sem perceber esses energúmenos mergulharam de cabeça na doutrina luterana do solifideismo por crerem que o Catolicismo, como o luteranismo, não passa de uma fé, fórmula, crença ou teoria.

Evidente que o Catolicismo é uma fé, mas não uma fé apenas como o protestantismo.

Em oposição ao luteranismo e a novidade protestante o Catolicismo primou por apresentar o Cristianismo como uma LEI, o Evangelho como uma código comportamental e a si mesmo como uma regra de vida ou MODUS VIVENDI.

Por séculos a fio o Catolicismo enquanto produtor e mantenedor da Cultura, regulador das relações sociais e padrão de ética recusou-me a definir-se como pura e simples fé ou teoria concernente apenas o mundo espiritual ou invisível. Mesmo quando reconheceu em certa medida a autonomia da ciência natural em sua esfera, jamais deixou de anunciar e enunciar o primado do homem e do humano em termos de ética ou moral.

Até meio século atrás Católicos e Protestantes levavam regimes de vida socialmente distintos.

Basta dizer que as sociedades protestantes ou protestantizadas como observou M Weber, não tardaram a alinhar-se ao ritmo de vida da sociedade Capitalista. Adversários da tradição no campo religiosos e habituados a mudança e alteração nos termos da fé não tiveram maiores dificuldades em renunciar as tradições sociais e a mudanças mais ou menos radicais quando a maneira de viver.

O capitalismo para desenvolver suas forças precisava de algo dinâmico. O protestantismo com a mutabilidade de seus credos e o 'horror' instintivo ao passado forneceu-lhe este elemento dinâmico. O Catolicismo antigo, fiel a regra da tradição e a imutabilidade da fé, mostrou-se sempre mais estático. Daí sua prevalência nas Sociedades tradicionais campesinas ou antigas.

Ainda aqui podemos discernir afinidades orgânicas e eletivas.

O Catolicismo de modo geral e por questão de convivência, até certo ponto humanamente compreensível, associou-se ao poder monárquico e com o sistema feudal. O qual era politicamente estável ou fixo. Sem que apesar disto servisse de obstáculo a implantação da democracia - landsgemeinde - na Suíça medieval ou a elaboração da carta constitucional na Inglaterra.

A própria construção política do papado na igreja latina contribuiu poderosamente para formar esta convergência entre a religião e a estrutura política monárquica.

Neste Sociedade o religioso e o político serviam de contrapeso ao econômico mais ou menos nos termos descritos por K Polainy. Em certo sentido, apesar dos defeitos e precariedades, foi a idade média - como a antiga e a primitiva - humanista ou humana, não economicista. Pelo simples fato de conter as aspirações econômicas sobrepondo-lhe outras necessidades fossem artísticas, religiosas, sociais, políticas, etc Basta dizer que a avareza era condenada como pecado...

Embora a riqueza fosse já tolerada nem por isso deixava de sofrer restrições na medida em que os escolásticos encaravam os ricos e proprietários como administradores de bens que na verdade era divinos, e que como tais os ricos deveriam partilhar parte dos lucros ou rendas com os mais pobres sustentando as obras sociais da igreja e mantendo o Bem Comum. Havia uma devolutiva social imposta pela teologia e pela opinião pública.

O que impedia a concentração absurda ou acumulação de capital bem como o consequente giro de capital. Isto porque os investimentos deviam concentrar-se no homem ou na sociedade e não na esfera do econômico.

Então era necessária uma alteração da cultura que desobrigasse o burguês de investir no homem ou na sociedade permitindo com que passasse a investir no econômico pondo todo capital para girar e propiciando a maximização dos lucros.

Havia uma expectativa em torno disto quando Lutero enunciou sua bela doutrina da salvação fácil, sem obras ou pela fé somente. Ficando autorizada esta transferência de capital para do setor religioso, social ou humano para o setor econômico ou empresarial. Não é por acaso que os próprios doutores e mestres luteranos da Alemanha post reforma deploraram vivamente a mingua de recursos financeiros com que suster as escolas paroquiais e as próprias cerimônias eclesiásticas.

Escolas faliram e fecharam por todo pais, obras em igreja e catedrais ficaram paralisadas, torres semi acabadas, fornos e moinhos públicos abandonados... o social enfim saiu de cena na medida que os burgueses passaram a concentrar recursos e a investir exclusivamente em atividades econômicas tornando-se ainda mais ricos. Enquanto os jornaleiros, camponeses, trabalhadores manuais, mergulhavam na mais extrema miséria tendo de tornar-se aventureiros, soldados, etc do que decorreram mais conflitos, rebeliões, guerras...

Toda estrutura social foi alterada por terem os recursos da Igreja e dos afortunados aplicados a necessidades puramente econômicas e a promoção humana ter sido posta de lado uma vez que o protestantismo animado pela teoria da salvação facil não estava disposto a assumi-la ou tinha forças para criar uma estrutura de serviço como a que havia sido criada pelo episcopado ao cabo de séculos.

Na Inglaterra é honesto Cobbet quem descreve a desmantelação desta estrutura e as terríveis consequências como o aumento vertiginoso da miséria e posteriormente da mão de obra barata ou mercado de reserva formado por uma população paupérrima e posta a merce da fome e da necessidade. Por volta do século XVIII e XIX parte significativa daquela população, que não tinha com que manter-se, estava já apta para tornar-se escrava e trabalhar por mais de dezesseis horas ao dia por um pedaço de pão velho!

Naquele momento a igreja latina concentrou suas forças no terreno da doutrina e permaneceu com seu pensamento social atrelado a idade média ou ao ideal de sociedade campesino. Não pode acompanhar tal 'evolução' - ocorrida em terras protestantes - seu desenvolvimento e resultados. Foi de longe que a igreja assistiu a formação do que chamamos sociedade capitalista de produção. Sendo assim não foi apta ou capaz para perceber suas mazelas e defeitos...

Dir-se-ia que o catolicismo com os olhos voltados para o passado e saudoso dos velhos tempos não pode perceber a formação de uma nova Sociedade, a saber, materialista e economicista e nem sabia com o que estava lidando. Ficou isolado em seu mundinho e as decorrências  deste isolamento foram terríveis.

As portas do século XIX havia um novo mundo implantado na Inglaterra e parte da França 'emancipada'... E a igreja não sabia como proceder. Encontrava-se desnorteada, perplexa, afoita; e diante disto deu-se a condenar todos os tipos de liberalismo, seja o político e o religioso, juntamente com o ameaçador liberalismo econômico. O qual alias passou-lhe mais ou menos desapercebido...

Não que Morus, Campanella, Mably, Morely e outros membros ilustrados do clero tivessem deixado de perceber e denunciar as mazelas e injustiças presentes no novo sistema. No entanto a percepção era intuitiva e as soluções apresentadas sob a perspectiva do socialismo mais ou menos fantasiosas.

Não haviam observado muito bem o novo mundo do trabalho, o modelo de produção recém inaugurado, o padrão de relações humanas estabelecido pelo poder econômico... assim o diagnóstico não podia ser preciso e a terapeutica exata. O que mais havia era indignação ou posicionamento ético fundamentado quer na tradição socrática, quer no sentido do Evangelho, quer na capacidade racional...

Apenas no século XIX, na medida em que os pressupostos do materialismo economicista afirmaram-se na França pós revolucionária ou na Bélgica, principiaram os Católicos a apreciar as coisas tanto mais de perto e com criticidade partindo da tradição da Igreja. Um dos primeiros a faze-lo foi o Pe F de Lammenais. seguido quase que de pronto por Von Keteller e Weitling (Católico preceptor de Marx!). Em pouco tempo havia uma hoste de Católicos ativamente envolvidos com sindicatos e círculos de operários. Assim Lacordaire, Montallembert, Meignan, De Mun, Ozanam, Ireland, etc

Os posicionamentos partiam de perspectivas diferenciadas, todas no entanto opunham-se a teoria econômica clássica do liberalismo segundo a qual a economia constitui uma esfera isolada da atividade humana e sempre irredutível a qualquer tipo de controle, inclusive ético; vezo este que lhe é comunicado pelo positivismo cientificista.

Somente o protestantismo ortodoxo, fundamentado no solifideismo, poderia admitir tais pressupostos. O Catolicismo com sua visão integral de homem e sociedade e pretensão de em nome do Evangelho inspirar as ações de seus adeptos foi quem primeiramente assestou suas baterias contra ele, digo contra o economicismo capitalista; afirmando sucessiva e repetidamente sua subordinação a necessidades humanas.

Jamais o Catolicismo admitiu a tese anti humana e anti humanista segundo a qual as necessidades ou a dinâmica interna do Mercado financeiro esta acima das necessidades básicas da pessoa humana, teoria tão deplorável quanto a estatolatria fascista.

A parte mais santa, nobre, informada, instruída e consciente do romanismo soube captar ou perceber de imediato este sentido e denunciar a cultura de morte do materialismo economicista.

E para que não digam que fundamentaram-se em Karl Marx ou em F Engels ou que deixaram-se influenciar pelo comunismo ateu é necessário deixar bem claro que a crítica Católica ou clerical é concomitante e paralela a comunista, ou precede-a.

Isto pelo simples fato do Católico Weitling ter sido elemento inspirador da 'Liga dos justos', a que filiou-se K Marx, de Marx referir-se no manifesto a um socialismo de água benta - o qual sequer poderia ser protestante pelo simples fato dos protestantes condenarem o uso da água benta como supersticioso e não fazer uso dele - e das primeiras denuncias anti capitalistas terem sido feitas pelo clero Belga pelos idos de 1830!!!

Nem se diga que o Vaticano só pronunciou-se através de Leão XIII a partir de 1878! Pois o juízo oficial da igreja romana não anula nem invalida ou torna inexistente o posicionamento exercido por um significativo número de fiéis e membros esclarecidos da igreja, os quais neste sentido foram pioneiros. Importa saber que certo número de professores, padres e Bispos principiaram a denunciação posteriormente assumida e aprofundada pelos comunistas liderados por K Marx.

Importa saber agora a que fontes reportaram-se tais personagens.

Para tanto indicamos a obra mestra de Nitti 'Catolicismo social', a 'Utopia Cristã do socialismo' de Luiz Francisco F de Souza e a pequena coletânea editada pela Paulinas 'Por que a Igreja crítica os ricos.'.

Tudo isto reporta-nos a legítima tradição da igreja, isto é aos antigos padres e primitivos sucessores dos apóstolos como Crisóstomo, Astério, Basílio, Gregório de Nissa, Gregório de Nazianzo, Teodoreto de Cirro, Jerônimo, Ambrósio, Origenes, etc Ora a oposição destes elderes ao acumulo de bens materiais é pública, notória e irredutível. Aderem alias a doutrina georgista (Henry George) de que a posse da terra justifica-se apenas pelo uso pessoal que dela ser faz ou pelo trabalho. Opondo-se a doutrina formalista dos teóricos liberais.

A terra desocupada é posse do sagrado apenas. E só se torna posse do homem, como já foi dito, por meio do trabalho que a fecunda e transforma.

Além disto alguns deles como Crisóstomo e Patrício destacaram-se por condenar a escravidão.

Todos sustentam unanimemente a doutrina - retomada pelos escolásticos - aristotélica do Bem Comum, cuja decorrência intervencionista e o caráter socialista é manifesto. Pois as necessidades do grupo ou da sociedade é sempre afirmada como superior aos interesses individuais.

Até mesmo os teóricos comunistas como Beer e anarquistas como Malon, costumam citar extensas passagens extraídas das obras destes mestres com o objetivo de apresentar o neo Catolicismo - a parcela da igreja mancomunada com a hidra liberal - como traidor e infiel.

Importa dizer que no último quarto do século XIX o Catolicismo Social foi assumido por diversos escritores religiosos de renome como: Brunetiére, Leon Bloy, N Berdiaeff, E Mounier, J Maritain, Bernanos, Belloc, Barres, Bastos D Ávilla, etc Os quais por escrúpulos - assim como os defensores do livre arbítrio ou semi pelagianos após Trento - forjaram outros tantos nomes, termos ou classificações: personalistas, cooperativistas, distributivistas, solidaristas, etc Outros tantos Católicos de renome aderiram a doutrina socialista de Henry George, o georgismo... Todos no entanto sustentavam os pressupostos intervencionistas e o controle externo da economia, denunciando como anti Cristã e herética é tese liberal da autonomia absoluta do mercado.

Uma coisa é certa, até os tempos do Vaticano II, até mesmo aqueles que dedicavam-se a combater o comunismo e a denunciar o socialismo cristão ou Católico abstinham-se prudentemente de questionar o intervencionismo ou controle externo da economia pelo Estado (político) pelo simples fato de contrariar as orientações constantes ministradas pelo papado deste 1878 (!!!), as quais justificaram repetidamente a doutrina da intervenção estatal ou planificação e a teoria escolástica do bem comum 'detonando' os pressupostos do liberalismo.

Diante disto, quero dizer da doutrina social da igreja anterior ao Vaticano II, eram os católicos bem informados e prudentes impedidos de suster a causa do liberalismo econômico e de fazer qualquer petição doutrinal aos ateus Mises, Friedman ou Hayek. Hoje no entanto com que impudência esses neo católicos ousam recorrer a autores materialistas e ateus com o objetivo de suster uma ordem social de origem protestante!!!

Com que solércia os neo católicos de alma calvinizada ousam citar um Mises ou um Friedmann ao invés de citarem Ambrósio, Jerônimo, Crisóstomo, Basílio, Teodoro, Astério, Zenon, Beda... os escolásticos... ou os Católicos sociais!!! E com a meta de justificar um modus de vida abstencionista característico da cultura protestante!

Ch Maurras, que apesar de seus erros (a respeito de nação e raça) foi capaz de perceber algumas dessas relações, vomitaria nas caras desses pilantras amancebados com o liberalismo canalha.

Justiça seja feita ao velho Lefebvre. O qual ao contrário de seu povo desorientado jamais esqueceu-se de condenar COMUNISMO e LIBERALISMO ECONÔMICO, como igualmente materialistas e viciosos e a proclamar em alto e bom som que o Catolicismo jamais poderia abrir mão de inspirar e julgar as ações econômicas sem deixar de ser Católico e apostatar! Lefebvre, digam o que disserem jamais foi incoerente ou oportunista e jamais prestou-se - como alguns modernos - a abençoar este sistema materialista de origem protestante.

Crismam os neo católicos ao capitalismo e fecham seus olhos diante de seus crimes devido ao estado de anarquia que ora predomina da igreja romana e sempre em oposição a autoridade de seus papas. Procedem pois como indivíduos em estado de rebelião contra a legítima autoridade constituída que como apreciam dizer e declarar aos protestantes é o papa! Então que deixem de protestar face a doutrina social ensinada por todos os papas desde Leão XIII ao cabo de cento e trinta anos.

Podem incriminar a teologia da libertação por se ter aproximado, quiçá imprudente, do comunismo 'ateu'. Mas não ao Catolicismo social ou a doutrina social da igreja firmada sobre a tradição ancestral.

Alias ao denunciar a teologia da libertação procedem do mesmo modo e maneira que os escribas e fariseus acusadores de Maria Madalena; uma vez que aderem igualmente a doutrinas forjadas e sustentadas por ateus e protestantes como Calvino ou Mises! Então serve-lhes e cai bem a mesma carapuça!

Continua










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