terça-feira, 25 de março de 2014

Destruindo mitos sobre testes em animais e o meu mea culpa



Ano passado após o resgate dos Beagles do instituto Royal houve um debate sobre o uso de animais em experiências científicas, o bom desse episódio foi o fato de ter trazido à tona o assunto em questão, pois chamou a atenção da mídia e das redes sociais o que obrigou os cientistas a se manifestarem e explicarem o que são e como funcionam e quais os limites dessas experimentações.

Eu mesmo no calor das emoções fiz três postagens (este, este e mais este) que hoje considero infelizes, mas não as apaguei para mostrar que posso mudar de ideias, que "prefiro ser - como cantava Raul Seixas - essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha, velha opinião formada sobre tudo". 

O que me fez mudar de ideia foi a leitura de um artigo da Revista Scientific American Brasil nº 141 página 20, escrito por Jorge Qillfeldt que é neurocientista e divulgador de ciências. O que eu gostei é que esse cientista explicou de forma clara e concisa sobre a importância dos testes dos animais e que os cientistas procuram buscar outros órgãos do governo que fiscalizam essas experiências.

Ele escreve: "O maior desafio da popularização da ciência é explicar para o maior número possível de pessoas como funciona o processo científico que produz novos conhecimentos acerca do mundo real, incluindo os conhecimentos biológicos e clínicos que não apenas melhoram a qualidade de vida, como muitas vezes representam a diferença entre a vida e a morte".

Sendo certo ou errado o resgate dos beagles no instituto Royal, repito, este ato chamou a atenção de toda a população e muitos cientistas se puseram a explicar nos jornais, revistas, tevês ou através de vlogs. Mas nem todos conseguiram ser tão claros como o neurocientista Jorge Quillfeldt.

Ele continua: Há muita desinformação neste tema e alguns setores dos movimentos de defesa dos animais pioram a situação exagerando relatos e distorcendo fatos. Apesar do crescimento da pesquisa, a quantidade dos animais utilizados vem diminuindo devido aos esforços em substituir, reduzir números e refinar procedimentos, base das chamadas políticas de bem estar animal, implementadas por lei em todo mundo, inclusive no Brasil. Há comitês de ética monitorando o uso, e os movimentos têm assento neles. A maior parte desses animais não sofre desconforto ou dor e, quando isso ocorre, é obrigatório o uso de medicamentos para atenuá-los. Ao contrário do que se pensa, há maior bem estar animal no ambiente científico que entre os animais criados para outros fins, como animais de corte ou mesmo de estimação (como aqueles confinados a apartamentos), práticas para as quais existem alternativas reais, mas não são nem questionadas nem alvo de ações organizadas".

Infelizmente poucos cientistas se dispõem a falar numa linguagem acessível ao público não especializado, evidentemente que o emocionalismo e o extremismo também atrapalham bastante o debate pois no mundo virtual mais importa ganhar o debate do que aprender bem vale a tática maquiavélica: "Os fins justificam os meios".

Reproduzo mais alguns trechos do artigo de Jorge Quillfeldt: "Apesar dos enormes avanços da medicina atual ainda estamos longe de saber tudo, e ainda existem doenças que não compreendemos a ponto de poder debelá-las. A garantia de que esses benefícios da ciência estejam igualmente disponíveis a todas as pessoas  é outro importante problema a ser resolvido: mas o certo é que, se não obtiver o conhecimento, não haverá o que distribuir.
Para dispormos de medicamentos ou procedimentos clínicos seguros e eficazes, deve haver uma série de estudos prévios. Descobrir uma substância que atua inibindo determinada doença, por exemplo, controlando um câncer in vitro, não garante que ela possa ser utilizada de forma segura em um organismo integral: o corpo humano é uma complexa rede de processos bioquímicos e fisiológicos, envolvendo vários órgãos com diferentes papéis, e uma substância “boa” aqui, pode ser “ruim” ali: nosso suposto agente anticâncer pode ser tóxico ao fígado - o que muitas vezes é letal - e acabará descartado. Mas será necessário causar a morte de uma pessoa, que poderia tentar outro tratamento possível, apenas para descobrir se o mesmo é seguro ou não?"

Em minha ingenuidade pensava eu que controlar o câncer in vitro seria suficiente para descobrir curas e fórmulas, agora começo a entender que  a coisa é bem mais complexa e que explicar como funciona a ciência como disse o doutor Jorge Quiilfeldt é um grande desafio.

Segundo Quillfeldt: "Testes de segurança contra efeitos colaterais como toxicidade, teratogênese, mutagênese ou carcinogênese sempre precedem o exame da substância em si, e geralmente são feitos em animais, até por que a validação estatística exige estudar grande número de indivíduos. O sacrifício humano acima, portanto, não resolveria a questão, e muita gente teria de morrer à toa se não pudéssemos testar antes em animais. Felizmente tal possibilidade foi banida após os horrores perpetrados pelos “cientistas” nazistas durante a segunda guerra, resultando no chamado Código de Nuremberg, fundamento de toda pesquisa científica atual com humanos. Esta pode e deve ser feita, mas apenas com o consentimento informado de voluntários, e somente em etapas posteriores do estudo, quando há menos risco de danos irreversíveis.

No presente estágio do desenvolvimento científico, não existem alternativas capazes de substituir o uso de animais, embora a busca continue. Cultura de células, por exemplo, além de extraídas de seres vivos, não permitem prever o que acontecerá com determinado fármaco ou procedimento quando aplicado num animal inteiro, com fígado e rins que os processem e modifiquem. Modelos em computador, por sua vez, incorporam apenas conhecimentos já estabelecidos, e o objetivo da pesquisa científica é acessar o que ainda é desconhecido".


Eu me senti enganado ao ver pela televisão e pelas redes sociais pessoas defendendo cultura de células e modelos em computador como alternativas, não eu não sabia, confesso que ignorava que modelos em computador só incorporam conhecimentos estabelecidos e não aquilo que é desconhecido e no tocante à cultura de células nunca parei para pensar que não se pode prever o que acontecerá  no organismo. Então esses métodos não constituem alternativas para obter novos conhecimentos. 

O doutor Quillfeldt diz que provar segurança em animais  não garante a segurança integral em humanos, por isso os testes só são aplicados depois de confirmado um alto nível de segurança. E que os testes em animais dão uma certa segurança porque apesar de sermos tão diferentes somos parecidos uma vez que todos evoluímos de ancestrais em comum. Outra coisa: a medicina veterinária segundo Quillfeldt também se beneficiou de testes em animais. Que coisa não? Pense nisso da próxima vez que levar seu bicho de estimação para o veterinário. 

sábado, 22 de março de 2014

Impressões sobre os contos da Ana Carolina Barros






No mês passado eu ganhei de presente o livro Movimento da palavra ao texto autografado por uma das co-autoras, Ana Carolina Barros. Ela é uma jovem de 17 anos e uma incrível devoradora de livros, mas vamos ao que interessa de fato.

No conto o Violinista que voltou ao mar ela narra a história de um violinista que estava num cruzeiro, o navio no qual estava bate em alguma coisa e começa a naufragar. O protagonista já estava entrando num bote quando se lembrou de seu violino em sua cabine e voltou para buscá-lo, quando viu que não podia mais retornar tocou Inverno de Vivaldi e assim morreu porque para ele a vida sem música seria um erro como bem escreveu Nietzsche. Este conto foi baseado numa história verídica mas foi metamorfoseada em arte pela autora, deixando a linguagem seca do jornalismo.

Em seu segundo conto tão bom quanto o primeiro ela descreve perfeitamente o cotidiano dos paulistanos no metrô, suas estações, e usou o cenário de modo perfeito para narrar uma paixão espontânea que durou apenas algumas estações.

Já no último conto ela faz o protagonista da história interagir com o passado e o presente, o passado feliz e o presente triste e sem esperança.




A Ana Carolina Barros tem apenas 17 anos é uma grande leitora de livros, toca piano e violino e sabe brincar com as palavras sabe fazer literatura e das boas. Soube assimilar o que há de melhor na literatura e assim criar o seu próprio estilo calcado no cotidiano, na realidade. Admito que eu fiquei cativado e que ao ler seus contos ficava a imaginar como terminariam as histórias. Adorei, que venham mais contos, que venham mais livros.

Ah, esqueci de falar o nome dos dois últimos contos:
Metrô
Azul

P.S.: O livro tem outros contos, crônicas e poesias de outros autores tão bons quanto os da Ana Carolina, mas como a conheço pessoalmente e já tive a oportunidade de ver sua biblioteca penso que posso falar desta autora com propriedade.


terça-feira, 18 de março de 2014

Impressões sobre o livro Memórias do cais - cartas de um bagrinho






ATENÇÃO

O texto que segue abaixo foi escrito no dia 27 de fevereiro e foi postado no facebook.
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Hoje pela manhã terminei de ler o livro Memórias do cais: cartas de um bagrinho de autoria do meu amigo Lênin Braga. Vamos as considerações.

O livro tem pouco mais de 60 páginas e dá informações sobre o que é ser um bagrinho e o que é a vida de um estivador no cais. À guisa de introdução conta um pouco da história dos bagrinhos no início dos anos 60, após isso o autor passa a contar a nova crise que se instalou em 2010. Mas para falar dessa crise é preciso saber que os estivadores estão divididos em dois grupos: os sindicalizados (registrados também conhecidos como carteiras pretas) e os bagres (que são conhecidos como cadastros ou senhas) os últimos não podem escolher o trabalho, pegam o que sobra.

A crise se instalou quando o OGMO (Órgão gestor de mão de obra) introduziu mais 250 cadastros pois segundo a empresa não havia mão de obra suficiente, ante isso os bagrinhos tentaram conversar com os representantes da OGMO reivindicando que 250 cadastros passassem para registros. A OGMO prometeu fazer estudos e nada, então os bagrinhos decidiram acampar em frente a sede do OGMO com uma barraca de camping 24 horas por dia com revezamento de vários bagrinhos. Nesse ínterim surgiram duas comissões a dos cadastros antigos que lutavam por seus próprios interesses e a comissão dos cadastros novos que lutavam pelo interesse geral dos bagrinhos.

A reivindicação dos bagrinhos para se tornar registros tinha como pontos os itens abaixo:

* Ser maior de 18 anos
* Ter as horas necessárias para se tornar um sindicalizado
* Não ter recusado 3 trabalhos ininterruptamente ou 5 trabalhos ao longo de 6 meses
* Ter o kit da OGMO
* Viver exclusivamente do cais e não ter vínculo empregatício com outras empresas
* Ser habilitado entre outras coisas.

Diante das reivindicações dos bagrinhos a OGMO resolveu fazer pressão sobre os estivadores e os bagrinhos diminuindo o número de fainas (trabalho - principalmente de açúcar) e proibindo trabalhar turnos seguidos.

Em suas cartas Lênin mostra a evolução e o retrocesso do protesto na forma de acampamento, a solidariedade dos bagrinhos e a falta de consciência política em outros e também mostra como a OGMO soube manipular grande parte dos cadastros.

Fico imensamente feliz em ler um livro produzido por um operário pois assim fico livre das interpretações de intelectuais de gabinetes que não sentem na pele as angústias do trabalhador, do operário. Eu sempre tive um pé no obreirismo e detesto esse academicismo principalmente dentro dos partidos de esquerda. Assim como detesto esse negócio de vanguarda e de quadros. São os trabalhadores que farão a revolução, são eles que transformarão o mundo.

Como professor de geografia fico grato ao Lênin por ter aprendido tantas coisas boas sobre o nosso porto e seus trabalhadores, é um livro que todo bom professor de história e de geografia deveria ler para conhecer o porto a partir da visão de um bagrinho.

segunda-feira, 17 de março de 2014

Não existe literatura imoral




Depois de muito tempo sem escrever em meu blog eis que retorno e prometo aos meus leitores que doravante serei assíduo (sempre lembrando que promessas podem ser quebradas).

Quando eu estava nas casas dos vinte anos eu estudei num centro de suplência e eliminei muitas matérias e depois eu fui eliminado por ser péssimo nas exatas, mas isso não vem ao caso. Então vamos direto ao assunto, quando eu estudava nesse centro de suplência eu tive que ler dois livros da literatura brasileira:


  • Dom Casmurro - Machado de Assis;
  • Um certo capitão Rodrigo - Érico Veríssimo
Quanto ao Dom Casmurro não tive muitas queixas pois se tratava de uma suspeita de adultério, a meu ver se tratava de paranóia do Bentinho. Mas quando chegou a vez de expor na prova as impressões que tive do livro Um certo capitão Rodrigo, eu não fui feliz, isso porque eu estava cheio de preconceitos adquiridos aos longos dos anos na sacristia da igreja. Então escrevi aberrações lançando juízos de valores, afirmando que a obra era um lixo, um mau exemplo porque ensinava adultério, amor pelas brigas, bebedeiras e outras coisas, enfim eu esqueci de tratar o livro como literatura e tratei como uma obra de imoralidade que atentava contra a "moral e os bons costumes". Olvidei as belas palavras, a forma de escrever e o enredo da história que é humana e sendo algo "humano não me é estranho" (Terêncio). Evidentemente a professora de literatura ficou chateada por minha visão tão pobre da vida. Mas não tentou me convencer porque na época era um fanático religioso e sabe como é...

Depois de muitos livros lidos, depois da coragem de pensar por mim mesmo, depois de muitas reflexões comecei a ler outros tipos de literaturas, pois até então eu só lia livros de teologia e filosofia que concordassem com a doutrina e a moral católicas. Foi nesse tempo que já vai longe que vi que o mundo é muito maior do que minha estreita visão. Infelizmente eu acreditava que havia livros morais e livros imorais até que aprendi com Oscar Wilde que "não existem livros imorais o que existe são livros bem ou mal escritos" e até estendo o pensamento de Wilde: o que existe são bons ou maus escritores.

A boa literatura não se pauta pela moralidade mas pela forma como se escreve e como influencia o leitor. Enfim foi a duras penas que aprendi a ser leitor.