terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Reconsiderando o 'conceito tradicional' de deidade II

Fenômeno imensamente curioso este - Os Catolicismos ou a Ortodoxia Cristã produziu uma teologia sistemática coerente e consistente partindo da Encarnação do Verbo, mas jamais arvorou criar uma teodicea 'Cristã' em sintonia com o mistério central de nossa fé, permanecendo sempre atrelado a uma teodicea judaica ou melhor rabínica, muito próxima da teodicea - se assim podemos dizer - islâmica (claro que me refiro a extinta Mutazzila) e impermeável ao sentido da imanência.

E no entanto a concepção Cristã ou Católica de Deus é algo totalmente distinta da concepção semítica, pois aqui a transcendência esta drasticamente apartada do mundo material dos fenômenos e ali em comunhão com ele ou inserida. O deus judaico/muçulmano é ente descarnado, imaterial, puramente espiritual, simples, invisível e separado do mundo que produziu. O Deus Cristão se fez homem de carne e osso ou Emanuel, entrou no mundo material, assumiu-o e incorporou-o.

Eis duas ideias ou concepções diametralmente distintas - ali um deus separado de sua criação e aqui um Deus presente em sua criação. Diante disto a pergunta que se faz é: Por que a teodicea não acompanhou a teologia Cristã fazendo o mesmo percurso? Por que permaneceu a teologia Cristã acoplada a um teodicea não Cristã ou judaica? Afinal será que os Cristãos não tem o direito de rever 'sua' teodicea a luz da Teologia da Encarnação, produzindo uma teodicea Cristã? Por que esta parcela do vinho Novo deve permanecer enfiada nos odres velhos do rabinismo?

Por que ainda não estouramos os odres velhos do rabinismo para dar larga expansão ao vinho novo do Evangelho comunicado pelos céus?

Se um dia a teologia acompanhar a teodicea acabaremos nos braços do unitarismo como parte das seitas protestantes/judaizantes. O outro caminho a ser feito é no sentido da teologia do processo ou do panenteismo.

Lamentavelmente parte dos Católicos tem sido impedida de chegar a estes termos por três palavrinhas contidas no Santo Evangelho e muito pessimamente compreendidas -

Pneuma O Theos
Espírito é Deus
Deus é espírito Jo 4,24

Diante desta passagem da Inspiração, não poucos tem lido:

"Deus é PURO espírito ou espírito PURO." querendo dizer que é apenas espírito e que nada contém de material. O que nos levaria a transcendência absoluta.

De fato a igreja em diversas publicações, inclusive em catecismos, bem como os kardecistas e os protestantes, tem descrito Deus como 'Espírito puríssimo'

Atentemos porém que este Jesus, que sempre exprimiu-se tão bem e tão claramente não diz  que Deus é 'apenas' ou 'somente' espírito. Do contrário teria dito com a igreja: É Deus puríssimo espírito. Poderia te-lo dito, mas... Não o disse?

Teria sido pois a igreja mais exata e mais prudente do que seu divino fundador e Nosso Mestre Jesus Cristo? Aqui, por mais que amemos a Santa Igreja, temos de responder que não, afinal não poderia ela ser superior a seu fundador e arquiteto que lançou-lhe os fundamentos.

Destarte, se não definiu a Deidade como espírito puro é porque sabia que este universo e a matéria estão presentes nesse espírito como meios dispostos a ação ou que a dimensão da materialidade coexiste eternamente com Deus sem ser Deus ou confundir-se com ele. Com Tertuliano, Orígenes, Lactâncio e Arnóbio podemos nos referir impropriamente a este meio ou aspecto da divindade como a um corpo. A expressão no entanto é inexata e simbólica porquanto é a deidade incorpórea, embora haja nela um elemento material, com o qual se relaciona e vivifica. Do contrário teria dito com Zenão de Citium 'Nous O Theos' i é 'Deus é a mente' St Epifânio 'Adv Haeres' 3.2.9 - 1.146 tendo por implícita sua corporalidade.

Atribuir outro sentido a este texto é transformar o divino Mestre em neo platônico. Você sempre poderá definir o rio, o mar ou os oceanos como água - O Mar é água ou é líquido, sem com isso negar os peixes, as algas e muito menos o sal, pois prevalece a água. O deserto sempre poderá ser definido como uma extensão de areia, sem que excluamos espinheiros, cipós e insetos e mesmo lagartos. Uma porta de madeira compõe-se de pregos e não poucas vezes de um visor feito com vidros. Uma roupa de tecido contém botões e um sapato de couro cadarços de pano.

Muito mais significativo para nós é o que Jesus podendo ter dito não disse:  "Deus é PURO espírito' querendo significar que é espírito incorpóreo, mas não 'puro' como querem os neo platônicos e transcendentalistas.

A própria igreja Ortodoxa presume um sentido pré existente e eterno na Encarnação do Senhor, o qual não se restringe a sua vontade ou a seus planos, o que nos remete as relações Espírito matéria enquanto sombra ou ensaio desta Encarnação ulterior sucedida no tempo e no espaço.

Reconsiderando o 'conceito tradicional' de deidade I

 Resultado de imagem para alma do mundo



Toneladas de tinta e papel tem sido gastas com o objetivo de refletir sobre as relações existentes entre a deidade e o universo criado ou a matéria e isto desde o tempo dos gregos para os quais a matéria, sendo eterna e incriada, correspondia a um dos aspectos da deidade assim definida como alma ou consciência do mundo.

Os fariseus, escribas e rabinos no entanto apresentaram a deidade como transcendência absoluta e separada do mundo material, como espírito puro ou entidade descarnada (imaterial).

Tal a conjuntura religiosa, de conflito ou choque, em que manifestou-se a fé Cristã, alias num contesto cultural judaico que sempre tendeu a divinizar.

Colossal o esforço da mentalidade Cristã, ao menos desde Filiponos (sec VI) no sentido de apresentar a concepção tradicional de Deus, nos termos do judaismo, como um Dogma Cristão. A apresentação é forçada, senão ímpia. Afinal, no mínimo três Cristãos dos primeiros séculos - dois deles elderes Ortodoxos venerados pela Santa Igreja - opinaram a respeito da eternidade do mundo ou da matéria, a saber, o gnóstico Hermógenes; o catequista e mártir Justino de Roma e o Arcebispo Atenagoras. Segundo a opinião deles a divindade teria organizado a matéria pre existente imprimindo-lhe forma e não produzido a matéria magicamente como se antes nada existisse (ex nihilo).

Felizmente após Galileu e Newton foi o problema da origem do universo e da idade da matéria atribuído em geral a ciência. Ao menos a maior parte dos filósofos e metafísicos e certa parcela de teólogos tem acordado em atribuir esta tarefa a investigação científica. Diante disto alguns suspendem o juízo enquanto outros optam por repousar no berço dourado da fé. Refiro-me a pessoas inteligentes, as quais de modo algum referendam os mitos grotescos do gênesis, limitando-se a supor que a 'grande explosão' que deu origem a este universo também teria dado origem ao elemento material. Portanto, segundo esta concepção, o mesmo evento teria sido responsável pelo surgimento de nosso universo e da materialidade, a qual, antes dele, inexistiria.

Que existiria então?

Apenas a imaterialidade ou a transcendência absoluta, identificada com o Deus produtor deste Universo ou Criador. Criador por ter comunicado existência ao elemento material.

Diante disto que pensar?

Mesmo que a ciência consiga demonstrar a origem deste Universo permaneço bastante cético quanto a possibilidade de estabelecer a origem ou idade do elemento material, o qual sempre poderia pre existir a esta organização ou forma temporal. Da temporalidade do Universo jamais se poderia concluir pela temporalidade da matéria ao menos que houvessem razões bastante sólidas para tanto. O fato é que a eternidade ou a temporalidade da matéria ainda é objeto de amplo debate entre os cientistas.

Permitam-nos portanto especular a luz da razão e dos mistérios peculiares ao Cristianismo ao invés de crer porque os outros creram e repetir tolices.

Longe de mim opor-me a Jesus Cristo, seria o cumulo da incoerência um 'Cristão' professo opor-se a ele. Não sou protestante ou bultmaniano e tampouco biblista ou fundamentalista, apenas niceno ou atanasiano, e coerente. Assim quando ele fala eu me calo, quando ele abre a boca eu escuto, quando ele ensina eu aprendo. Todavia a respeito das coisas sobre as quais ele, o Verbo, silenciou ou nada revelou, farei uso de meus sentidos e da minha racionalidade com plena liberdade, examinando também as opiniões dos sábios da Grécia sem maiores preconceitos. Não vou portanto curvar-me reverente face as opiniões dos profetas, escribas, fariseus, rabinos e lideres religiosos da casa de Israel. Aqui nem mesmo aos santos apóstolos darei ouvidos, pelo simples fato de que estavam inseridos na cultura judaica, a qual tinham em conta de divina. Os mesmos argumentos que empenho contra a mitologia israelita posso empenhar contra a teologia farisaica...

Penso que toda esta questão deva ser examinada liberalmente nos podromos da racionalidade e da tradição peculiar ao Cristianismo, como um problema teológico enfim. Nem ignoro que neste sentido, algumas tentativas arrojadas tenham já sido feitas por figuras como Scott Erigena, Amalric de Benna, Davi de Dinant além do incrédulo Baruch Spinoza. Mesmo os escolásticos tidos em conta de 'Ortodoxos' a exemplo dos padres da Igreja (Origenes, Gregório Nisseno, etc) - Os quais floresceram antes do protestantismo ou da escravidão bíblico/fundamentalista - levantaram e discutiram exaustivamente tais questões sem que fossem ameaçados por anatemas ou palavras amargas.

Então começarei levantando a problemática do 'conceito tradicional' de Deus e levando-a até as origens.

Chega a ser obviedade a primeira pergunta a ser feita: É a doutrina da transcendência e simplicidade absoluta de Deus de origem Cristã ou esta de acordo com os pressupostos fundamentais do Cristianismo?

Neste terreno diversos equívocos tem sido cometidos pelos expositores. O primeiro deles, e o mais tendencioso, tem sido atribuir aos antigos hebreus - que eram henoteistas - o monoteísmo (o qual remonta aos primeiros pensadores gregos, senão a Akhenaton, faraó egípcio) quando sua 'obra prima' é a doutrina da transcendência, simplicidade e espiritualidade de Deus, formulada alguns séculos antes desta nossa Era.

Por sinal cuidam os hebreus que apenas o Dogma Cristão da Encarnação suscite dificuldades face ao conceito tradicional de Deus por eles formulado. Importa saber que a doutrina da Criação não suscita menos dificuldades já quanto a simplicidade do ser já quanto a imutabilidade volitiva. No frigir dos ovos para que Deus fosse absolutamente simples e imutável no sentido estrito da palavra deveria ter permanecido absolutamente inativo, abstendo-se de produzir qualquer coisa. Produção supõem no mínimo certa doze de dinamismo, e partindo-se da tão decantada simplicidade sensível alteração na ordem do Ser. Eis porque tendo em vista a existência do Universo material e da Encarnação repudiamos a simplicidade absoluta do Ser tanto a priori quanto a posteriori, afirmando riqueza em termos de complexidade e multiplicidade de aspectos na Unidade do Ser, a exemplo do mistério trinitariano. Deus é tão rico em sua essência quanto em sua personalidade.

Estamos afirmando que o universo é Deus ou a deidade?

De modo algum. Tudo quanto pretendemos dizer é que a sucessão dos universos materiais corresponde a um aspecto dinâmico inserido no próprio Ser divino ou a uma operação/atividade necessária e portanto eternamente realizada pelo Deus imutável. A matéria pré existe eternamente nele para que ele possa atuar eternamente sobre ela organizando-a e conduzindo incalculável multidão se mundos a posse de seu Ser que é a suprema felicidade e perfeição. Esta saga de sucessivas entidades livres que dele saem e retornam voluntariamente a ele constitui o fim último do universo e a concretização de sua vontade que é a partilha sua bem aventurança. Bem compreendido é um auto desafio e um plano engenhoso. O sentido mais profundo da existência.

Não, o universo material não é Deus, mas um aspecto passivo na divindade, logo algo divino. É um meio posto para que o espírito, ou aspeto ativo/operatório da divindade possa atuar imutavelmente pelos séculos.

É possível que tais cogitações surpreendam e até escandalizem os mais ingênuos e fielmente apegados a 'concepção tradicional' de Deus... Compreendo perfeitamente que judeus e muçulmanos sintam-se desconfortáveis, agora que Cristãos...

Afinal os judeus e muçulmanos tem buscado demonstrar que o mistério da Encarnação opõe-se a doutrina da transcendência e simplicidade absoluta do Ser divino. Admitida a doutrina da simplicidade, é necessário admitir, por uma questão de coerência, que o Dogma da Encarnação seria inviável. Não é o monoteísmo, de modo algum, que se opoẽ ao dogma da Encarnação, mas a opinião da transcendência absoluta.

Por outro lado os Cristãos mais atilados, desde Mar Thimoteos Bispo de Cesareia, levaram a crítica até o fenômeno da 'criação' ou do universo material e esta perspectiva é assaz interessante. Sobretudo se admitimos uma relação estável, constante e perpétua entre o Espírito divino e a matéria - enquanto meio necessário para sua atividade - compreendemos que a Encarnação, longe de representar uma alteração, mudança ou ruptura, representa, muito pelo contrário, uma continuidade e aprofundamento na mesma direção. Deus se aproxima do mundo material, assume-o e manifesta-se nele porque a matéria sempre esteve em contato com ele e ele - "Estava no mundo que foi feito por ele." e o qual amou, a ponto de entregar-se por ele.

Encarnou-se Deus no homem porque de certa forma e em certo sentido sempre este encarnado e em comunhão com a materialidade, produzindo, mantendo e coroando sucessivos mundos. Aproximou-se mais intimamente da matéria porque ela sempre esteve presente nele. Deus jamais foi um espirito puro e simples ou uma transcendência absoluta que num certo dia teve vontade de introduzir a matéria em si mesmo ou de fazer-se homem. Imutável não é Deus sujeito a arroubos ou imprevistos. Alias se é sumamente perfeito como não pode deixar de ser, sequer poderia Deus ser livre. Como veremos mais adiante a liberdade é via pela qual os seres feitos imperfeitos tem acesso a perfeição e não qualidade posta para um ser que já esta em posse da perfeição absoluta. Portanto ele jamais poderia deixar de escolher sempre o melhor ou o mais perfeito, tendo apenas uma única opção. Concluímos que ele jamais podería ser diferente do que é ou mais perfeito e que jamais poderia deixar de atuar sobre um meio material, organizando sucessivos universos, pois esta atividade dimana das fontes de seu Ser, é exigência de sua perfeição. Não podería ser solitário e descarnado, e perfeito. Antes sería um eterno Egoísta. Nem podería ser mutável e existir.

Assim a verdadeira doutrina sobre Deus cessa de ser romântica na medida em que ele cessa de ser imprevisível, caprichoso, arbitrário e antropomórfico; para tornar-se absolutamente previsível e monótono no acesso da razão. E no entanto este 'Deus ex machina' é também autor dos mais nobres sentimentos humanos e de um riquíssimo universo psicológico... podendo ser definido como Bondade, Compaixão, Justiça ou como um Ser ético, fonte de princípios e valores éticos, Legislador supremo, Pai amoroso... Sem com isto deixar de ser coerente, imutável, perfeito, etc

Constatamos por fim que o homem é a imagem e semelhança da deidade porque sendo espírito associado a um corpo físico em que se realiza, foi concebido pela mente que anima este nosso universo material ou pela Alma do mundo.



terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O rastro - Terror brasileiro que surpreende


Assista o trailer de "O Rastro", filme de terror nacional com Leandra Leal e Rafael Cardoso 

Não havia conseguido assistir ao filme Rastro no comecinho deste ano. Circunstância esta que deixou-me bastante chateado. Afinal ao menos para mim tratava-se dum evento bastante promissor.

Curiosamente não consigo me lembrar do que aconteceu...

A bem da verdade a decepção foi tão grande que acabei ficando sem assisti-lo. Ao menos até ontem, quando por absoluta falsa de opção lembrei-me dele.

A crítica já havia lido no começo do ano.

Que o brasileiro tenha preconceito contra o cinema brasileiro é público e notório.

A bem da verdade semelhante tipo de atitude até era compreensível, ao menos até os anos 90.

Glauber Rocha e Zé do Caixão era o quanto tínhamos e nenhum deles me entusiasma...

Nem sou um Policarpo quaresma para babar nos ovos de nossos empreendedores cinematográficos...

Vez por outra aparecia alguma coisa de relevante. Dercy Gonçalves e Marieta Severo foram exceções a regra, ignoro no entanto quem tenha dirigido tanto uma quanto outra.

Terror propriamente dito não tinhamos, mas nosso cinema era um terror.

Desde Central do Brasil(1998) temos progredido bastante, os preconceitos no entanto permanecem de pé.

Especialmente nos domínios da comédia o cinema brasileiro foi muito bem sucedido e feliz. O Palhaço (Shelton Mello), Não se preocupe, nada vai dar certo (Gregorio Duvivier), De pernas pro ar (Ingrid Guimarães), Podia ser pior (Fábio Porchat), Minha mãe é uma peça (Paulo Gustavo), A cilada.com (Bruno Mazzeo), E ai... comeu? são produções que nada ficam devendo as internacionais.

O terror no entanto não deslanchou, até que foi lançado "O Rastro", de modo geral, muito mal acolhido pela crítica 'rancorosa'.

A propósito do 'rancorosa' em nossas plagas já foi o crítico literário descrito como uma galinha que sendo incapaz de por ovos, só sabe ver defeitos nos ovos postos pelas companheiras.

Sejamos justos, de modo geral nossos críticos fazem jus a esta crítica.

E isto a ponto de, entre nós, a crítica ser encarada muito negativamente. O sujeito comeu algo que não lhe assentou bem no estomago ou brigou com a mulher, pronto,destila todo seu azedume num determinado artigo de crítica, bombardeando certo livro, filme ou composição musical. Erros e defeitos é tudo quanto vê este cidadão amargurado, enfezado mesmo...

Crítico tem medo de ser benfazejo.

E no entanto criticar não é apontar apenas equívocos, falhas e senões, mas... sobretudo e antes de tudo  identificar o quanto haja de bom , de belo e de verídico numa determinada obra e, consequentemente elogia, louvar e aplaudir aquele que a produziu. Não sendo assim temos uma crítica tão mutilada e incompleta quanto nosso modelo educacional, caracterizado mais por punições do que por recompensas, mais por censuras e reprimendas do que por elogios.

Penso que a crítica da arte deva ser mais positiva do que negativa e julgo que não tenha sido justa com Rafael Cardoso (excelente ator), Leandra Leal e grande elenco, em que mesmo o sensaborão Filipe Camargo soube representar seu papel com dignidade.

Quem disse que o Rastro não assusta só pode mesmo ser fã de O massacre da serra elétrica, Sexta feira treze, Premonição ou Jogos mortais com a decorrente efusão de sangue, e corpos despedaçados, o que qualquer um de nossos ancestrais anterior a 1789 encararia como banal. O Cel Carlos Brilhante Ustra, soube ser bem mais sádico e violento do que Hannibal Lecter, Jason ou Freddy Krueger, sem ser personagem de ficção... Houve e dá um terror real no Brasil mas não nos assusta. Apenas lobisomens, vampiros, diabos, demônios e possessos, assustam-nos. É cultural...

Claro que há, no Rastro, algo de sobrenatural ou que beira a sobrenaturalidade, mas é, como deve ser, discreto. Talvez mediunidade e certamente assombração, mas sem muita apelação. Quer encontrar o Sétimo passageiro, seu filme é alien, não 'O rastro'.

A par do sobrenatural discreto a temática de 'O rastro' engloba corrupção, repressão policial, mafia e muito mais. Conectado com a vida vivida ou com a realidade 'O rastro' torna-se verdadeiramente aterrorizante.

Terror precisa ser inteligente como o italiano, o espanhol, o francês, o inglês... sem jamais perder seu vínculo com a realidade. E assim fugir a banalidade de um 'Silent Hill' ou de 'O grito'. Parte da produção terrorífica Norte americana e japonesa, feita para o consumo das massas superficiais e impressionáveis. Com o rastro o terror brasileiro adquire a maturidade do terror europeu, façanha alcançada apenas pelo terror mexicano no final dos anos 60. (1968 "O livro de pedra" Marga Lopez)


sábado, 2 de dezembro de 2017

O humanismo de 'Assassinato no expresso do Oriente'

 Resultado de imagem para filme assassinato no expresso do oriente


Confesso que não sou fã de romances policiais.

De uma tia, já falecida, ouvi dizer que sua mãe obrigara-a a ler todas as obras de Aghata Christie para que se tornasse mais esperta, uma vez que era uma mocinha bastante ingênua.

Apesar disto, jamais lí qualquer livro de Doyle, Aghata ou Simenon; Sherlock Holmes, Poirot e Maigret não fazem parte de meu círculo de Amizades, sou mais um Dostoevsky, um Mika Watari, um Robert Graves ou um Gore Vidal e minha predileção é pelo romance histórico.

No entanto quanto os poucos romances policiais que li - li alguns de 'segunda classe' - consegui desvendar o mistério antes do final...

Neste fim de semana todavia fui convidado a assistir a mais recente obra de Branagh 'O assassinato no expresso do Oriente' e como nada me parece melhor, aproveitei a oportunidade e fui. Afinal, tendo nascido no ano seguinte, não poderia ter assistido a gravação homônima de Lumet (1974).

Nada direi sobre a trama em si, afinal não seria de bom tom, estragar o prazer de quem ainda não leu o livro ou assistiu o filme.

Limitar-me-ei a declarar que Branagh é daqueles bons e raros diretores que se mantém fiéis ao livro fonte, abstendo-se de deturpa-lo. Haja visto 'E o vento levou' de Mitchel alterado em 1939, 'O egípcio' de Mika alterado em 1954... Isto quanto aos filmes que assisti após ter lido as obras nas quais os diretores declaram terem se inspirado.

Branagh como disse prima pelo respeito as obras que declara gravar.

Neste caso por que assistir ao filme se já lemos o livro?

Porque ao ler o livro imaginamos enquanto que ao assistir a um filme qualquer, vemos e ouvimos, experimentando outros tipos de sensações.

Assim todo filme fiel é como que um livro 'encarnado' ou corporificado, o que reporta a uma outra dimensão, a dimensão dos sentidos.

Temos aqui um caso de assassinato, ocorrido no expresso, o qual reporta a um outro assassinato, este último marcadamente sádico e cruel.

Uma curiosidade. Quanto a este último assassinato Agatha Christie tomou por ponto de partida um drama da vida vivida - O sequestro e assassinato do filhinho do aviador Norte americano Ch Lindenbergh, o qual comocionou o mundo inteiro no comecinho dos anos trinta.

Uma vez que a composição de primeira classe achava-se fechada Poirot é levado a concluir que apenas um dos doze ocupantes daquela composição poderia ter cometido o crime em questão. Temos portanto doze suspeitos, um mais peculiar que o outro.

A sempre bela e deslumbrante Michelle Pffeifer como a socialite Norte Americana Caroline Hubbard.

O impecável Derek Jacobi como Ed Masterman, o mordomo.

Willem Dafoe como um professor nazista.

As divas Daisy Ridley e Lucy Boynton.A fantástica Judi Dench encarna com perfeição a princesa Natalia Dragomiroff. Por fim a Johnny Depp coube representar o finado sr Ratchett

Portanto, como se vê, temos aqui uma constelação de astros e estrelas, um elenco tarimbado.

Detalhe curioso é a diversidade de nacionalidades, raças e até mesmo de classes sociais incluída nesta primeira classe cujo destino final é Calais. A tensão nacionalista, racial e classista é marcante durante boa parte do filme.

Afinal temos ali um médico negro de origem norte americana e um hispânico muito bem sucedido em seus negócios...

Temos governantas, nobres, secretários, policiais e até mesmo uma freira...

Cenário ideal para que os conflitos aconteçam e multipliquem-se.

E é claro, cenário em que todos se tornam suspeitos em potencial.

Penso que a maioria dos amigos vão adorar acompanhar Poirot em suas conclusões... passo a passo... até o fim.

Bouc principiara dizendo, logo no começo do filme, que numa viagem de trem pessoas que jamais se viram ou verão novamente tem uma única coisa em comum, seu destino... Tudo nesta trama tenderá a demonstrar o contrário...

Importa saber que no fim e por fim o 'criminoso' (Mas será 'o' criminoso mesmo???) é descoberto...

Nem poderiam as coisas darem-se doutro modo estando ali, no 'Expresso do Oriente' o maior detetive do mundo, Hercule Poirot... Dandi ou janota belga cuja perspicácia jamais falha.

Aqui um dilema - Poirot, em tese ao menos, deve entregar tal pessoa a polícia, ou melhor dizendo, a forca. Conclui no entanto não estar diante de um criminoso vulgar, o qual, por assim dizer, mata por motivos banais ou pueris. Há por trás daquele pequeno drama uma drama bem maior...

Bem, o que se espera de uma senhora inglesa nascida ainda na Era vitoriana é que o sentido das formalidades legais predomine, e que o detetive, entregue o criminoso as autoridades, sem fazer qualquer caso da justiça, afinal, como tantos costumam repetir 'Lei e lei' ou ainda 'Dura lex sed lex'. Surpreendentemente é o que não acontece. Pois Poirot adotando um critério ético de justiça, mostra-se humano. Aqui, sem ser comunista ou anarquista, Agatha Christie mostra-se muito mais revolucionária...

Ao parar na derradeira estação foi a composição invadida por um desconhecido, o qual após ter assassinato, por motivos pecuniários sem dúvida, ao sr Harchett evadiu-se sem deixar pistas... Eis o que Poirot diz a polícia, a qual se dá por satisfeita...

Teria sido este o ocorrido??? Do contrário, que motivos teriam levado nosso homem a dize-lo???

Situações há em que a justiça se faz e é feita em cabines de trem, quartos de hotel ou aposentos de uma residência, não nas cortes judiciárias... Situações há em que devemos compreende-lo - como Hercule Poirot compreendeu-o.

Há nisto excelência, elevação e humanidade.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O tabu do totem - Uma resposta a S Freud VII > O selvagem, a criança, o neurótico e o voluntarismo

Tendo nos seis artigos precedentes buscado apontar os pontos fracos e portanto discutíveis da obra freudiana 'Totem e tabu' somos levados, por uma questão de justiça, a apontar seus pontos positivos ou melhor seu ponto mais positivo, o qual a nosso ver diz respeito a identidade - Neurótico/primitivo ou selvagem e seu viés idealista/ voluntarista.

"Não nos devemos surpreender ao constatar que o homem primitivo transfere para o mundo exterior a estrutura de sua própria psique." p 122


"Assim a magia revela a intenção de impor aos objetos da realidade exterior as leis da vida psíquica." id ibd
Ao invés de adequar-se a realidade externa e objetiva do mundo, o homem primitivo, sempre que que se acha em conflito com ela, acredita poder altera-la ou controla-la por meio de determinados procedimentos técnicos a que chamamos magia. E, numa fase subsequente através do que chamamos feitiçaria. De um modo ou de outro ele se recusa a adaptar-se, evitando assim a frustração.

Esse homem acredita poder controlar os fenômenos naturais existentes ao redor de si, e nem por isso é considerado demente, louco ou desajustado pelo simples fato de que esta perfeitamente ajustado a cultura de seu grupo, que é uma cultura magico fetichista. Não se torna neurótico este homem, como o homem contemporâneo, pelo simples fato de que seu voluntarismo é coletivamente partilhado. Socialmente integrado ele não põem em dúvida os recursos de que dispõem, e destarte não surta... pois crê, pois tem esperança, pois esta fora da realidade.

É como se a fantasia partilhada ou a neurose partilhada e socialmente sancionada pelo grupo social adquirisse o 'status' de realidade.

Outra não é a condição do nosso neurótico, o qual, apesar do quanto foi constatado por nossa civilização 'científica' em termos de causalidade natural, continua a relacionar suas próprias ações com determinados acontecimentos felizes ou infelizes. Assim há quem chegue a conclusão de que se deixar de lavar as mãos de duas em duas horas fará com que sua mãe morra, como há quem creia que pronunciando determinada palavra ou fazendo tal gesto é capaz de provocar uma acidente e vitimar seu próprio filho... decorrendo de tais crenças a repetição de tal ato ou a iniciativa de evita-lo a qualquer custo e, consequentemente certo grau de desajuste pelo simples fato de que tais crenças não são socialmente partilhadas ou comuns a todos os membros do grupo.

Ao contrário do primitivo, o neurótico - ao menos a nível de consciência - sabe que suas crenças são absurdas, e que esta em oposição face a realidade externa e objetiva do mundo, o que torna sua situação ainda mais desagradável ou aflitiva. Seja como for ele não tem coragem suficiente para desafiar o absurdo... Nosso neurótico sabe estar em oposição ao grupo.

Tanto o selvagem quanto o neurótico estabelecem falsos vínculos entre a realidade externa do mundo e a vontade. Supondo que a realidade externa do mundo deva ceder aos imperativos da vontade.

Aqui a função de gerenciar a vontade ou de administrar sua fruição face aos imperativos da realidade externa não é desempenhada como deveria pelo Ego, de modo que a fantasia cobra elevado tributo...

Passemos agora ao terceiro elemento do triângulo voluntarista.

Por terceiro elemento ou terceira ponta deste triângulo queremos designar a criança. Levi Strauss foi quem chamou atenção para a similaridade existente entre o pensamento selvagem e o pensamento infantil. A dar por exatas as comparações feitas por Freud e Levi Strauss temos de concluir pela similitude entre o comportamento da criança e o comportamento do neurótico. Afinal de contas se A = B e B = C > C = A.

Freud por sinal, levando bastante a sério a 'filosofia ' alemã, tomou o Id por fonte do Ego, o qual desprende-se dele na medida em que ele, percebendo o mundo externo, percebe-se como algo distinto. A vontade ou o querer precede a consciência de si, e consequentemente qualquer tentativa de mediação. A princípio este homem é vontade pura ou melhor trieb - pulsão.

Sem endossar por completo as teses do psicanalista 'vienense' (sic) aqueles que estudaram o fenômeno da cognitividade humana Wallon, Piaget, Winnicot, etc concluíram que a consciência da criança é construída por 'exclusão' na medida em que ela entra em contato com o mundo externo. Por outro lado o padrão de pensamento lógico ou racional, bem como a formação de um construto ético ou moral, só são atingidos pouco depois da puberdade, após um processo tão lento quanto complexo, resultando disto uma situação de 'crise'. Afinal a percepção de uma realidade irredutível a fantasia jamais poderia deixar de ser dolorosa. A criança acalentou sonhos, o adolescente que não seja criado como Buda, conhecerá decepções...

A criança no entanto, segundo sua vontade, da largas a imaginação... Imagina e é levada a imaginar - por via da cultura - uma série de entidades fantasiosas, quais sejam deuses, demônios, heróis, duendes, anjos, fadas, trols, gnomos, monstros, etc aos quais atribui existência real, crendo inclusive que possam atuar neste mundo e produzir os fenômenos que sabemos ser puramente naturais. Para ela nada é mais natural do que o milagre e a realidade uma sucessão de maravilhas. Apenas graças a intervenção dos adultos mais esclarecidos e sobretudo da educação científica e a reflexão filosófica é que ela vai superando este padrão infantil e compreendendo a realidade tal e qual é, ou seja, como algo fora do alcance da imaginação i é como algo incontrolável.

É a fase do papai Noel, do coelhinho da páscoa, da cegonha e de tantas outras quimeras alimentadas pelos adultos inconsequentes. Afinal se a fantasia não deve ser reprimida, tampouco deveria ser alimentada. Apenas encarada com naturalidade e segundo as oportunidades problematizada... Afinal a criança continuara a imaginar outros tantos seres e a relacionar-se com eles, até atingir a fase racional... Assim imaginar faz parte do curso da vida e a criança imaginará, e imaginando reformulará o mundo e criará seu mundo. Não, não podemos adiantar as coisas ou queimar uma fase... seria danoso, quiçá em termos de afetividade. Daí a importância das fábulas com a dimensão ética do 'moral da estória'.

A passagem do padrão voluntarista para o padrão racional deve processar-se da maneira mais simples possível, afinal, como já foi dito implicará sempre numa crise. Aqui reprimir, e adiantar equivaleria exasperar, magoar, frustrar. Concedamos que nossas crianças atinjam a maturidade natural e suavemente, limitando-nos a orienta-las com carinho e compreendendo seu tempo e seu mundo. Assim a fantasia se esgotará... Já quem não pode ser criança a seu tempo tenderá a se-lo por toda vida...

Temos aqui que o neurótico, a criança e o selvagem são infensos a realidade externa e objetiva do mundo, a qual buscam controlar, fazendo com que prevaleça a vontade. Filosoficamente o selvagem, a criança e o neurótico são voluntaristas/idealistas. Sem que no entanto ousem revindicar o título de 'filósofos'. Já a Filosofia alemã é por assim dizer 'filosofia' de neuróticos, selvagens e crianças na medida em que questiona a existência deste mundo externo e objetivo que se opõem tão dramaticamente a nossa vontade e, mais ainda, na medida em que apresenta este mundo externo e objetivo como epifenômeno ou produto de nossa vontade (Fichte, Schelling, Schopenhauer, Nietzsche, Hartmann, etc)...Do mesmo modo como o racionalismo moderno, ignorando por completo a instância da vontade humana e dos sentimentos, tornou-se artificioso até o intelectualismo, o idealismo alemão - irmão gêmeo do romantismo - fez o caminho oposto. Resgatou assim a vontade, negando não apenas a capacidade do intelecto para deslindar o mundo externo, mas - como já assinalamos - a existência do próprio mundo externo, ora concebido como algo que 'é percebido' pelo homem ou como algo que esta em sua mente. Chegamos assim ao extremo do psicologismo e as fronteiras do relativismo, do subjetivismo e do solipsismo crasso; do idealismo enfim.

Resta-nos declarar, a contragosto até, que o pensamento contemporâneo, ou da moda - marcadamente irracionalista, senão emocionalista - acabou por nivelar-se a magia, a feitiçaria, a superstição, a fantasia, a imaginação, a selvageria, ao infantilismo... até precipitar-se nos abismos da neurose. É uma pseudo 'filosofia' neurótica e de neuróticos que recusam-se a reconhecer a realidade do mundo externo - com todas as suas mazelas - e a afronta-lo. Neste sentido é uma 'filosofia' tão cômoda, oportunista, frouxa e leviana quanto o ceticismo antigo; o qual por falta de padrão crítico, assumia o mundo como ele era, ficando com a realidade dada e negando o ideal... Como bem se vê, os extremos se tocam.

Importa assumir a realidade de um mundo 'ingrato' e buscar conhece-lo para poder tentar, em alguma medida, transforma-lo. É somente entrando na realidade do mundo que seremos capazes de muda-lo.

Cessemos pois de 'pensar' como selvagens, neuróticos ou crianças, crendo que a vontade 'por si só' alterará qualquer coisa e passemos a pensar como adultos ou como criaturas emotivas e racionais, as quais esperam - com esforço e dificuldade - conhecer um pouquinho e transformar algo, ou morrer tentando...






sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Revisionismo protestante - Seitas para Católicas, que troço é esse???

Em tempos que prolifera o fundamentalismo bíblico com suas monstruosidades e bizarrices é sempre bom mostrar o outro lado da moeda...

Afinal como dizia Mencken, lá nos EUA dos 1900, a evolução ou progresso intelectual dos cidadãos podia sem mensurado em termos de hierarquia confessional. Achando-se, é claro, os batistas - com o dogma imbecil da inerrância bíblica - na base da pirâmide seguidos de perto pelos calvinistas... Já no alto da pirâmide achavam-se os anglicanos e papistas com seus refinados construtos teológicos.

Operava já o pentecostalismo ou a pajelança de Pharran entre as massas mais embrutecidas... Mas não proliferava como hoje.

Há cem anos atrás ou mais eram os protestantes históricos, especialmente metodistas e luteranos, que abandonavam os preconceitos ancestrais e catolicizavam... Restabelecendo os Sacramentos, o ritual e mesmo alguns artigos do Dogma entre suas membresias. Os luteranos da Rússia por sinal, tendo Fesller a sua testa, chegaram a ultrapassar os próprios papistas e a rivalizar com nossos Ortodoxos quanto ao esplendor litúrgico de seus ofícios. De modo que ao entrar em qualquer templo luterano de Moscow tinha-se a nítida sensação de estar num templo papista ou anglicano.

Outra não era a direção dos metodistas e mesmo de alguns presbiterianos dos Estados Unidos, os quais na mesma medida em que iam descobrindo os tesouros da literatura e da tradição patrísticas iam forjando seus próprios movimentos de 'Oxford'. E restabelecendo a Confirmação, a Penitência, a Ordenação, o incenso, as representações, as cruzes, enfim tudo quanto caracteriza o nosso Cristianismo em oposição ao judaísmo e ao islan, cuja pobreza estética ou formal é notória.

Seja como for não podemos classificar tais organizações como para Católicas. Na medida em que ao menos formalmente, permaneceram apegadas aos princípios errôneos divulgados pela falsa reforma, assim a doutrina da salvação imoral, vicária e fetichista pela fé somente ou nos pecados, assim a doutrina da predestinação, assim a doutrina do livre examinismo... Claro que tais agremiações não cogitavam, nem de longe, por tais princípios em prática, mantinham-nos todavia em seus 'credos' como letra morta.

As seitas para Católicas de modo geral constituem elementos bastante curiosos devido a seu caráter, digamos assim, paradoxal ou antagônico; pois se quanto ao conteúdo ou a matéria caracterizam por levar ainda mais adiante a revolução iniciada pelo demagogo Martinho Lutero, quanto a forma tem renunciado ao modelo protestante 'tradicional' e reproduzido o modelo Católico, da autoridade hierárquica, assim quando a Ética, o que tem bastado para exasperar os demais intérpretes da Bíblia, seus companheiros.

De fato os protestantes formalmente 'ortodoxos' - compreenda-se coerentes e fiéis aos princípios enunciados pelos reformadores - costumam nutrir mais ódio, rancor e má vontade quanto a estes seus irmãos revisionistas ou traidores, do que pelos odiados filhos das igrejas Católicas, comumente classificados como idólatras, politeístas ou pagãos, uma vez que o sectarismo protestante permanece preso ao dogma judaico da transcendência absoluta, jamais tendo assimilado por completo ou até as últimas consequências o mistério central de nossa fé que é a Encarnação de Deus ou a manifestação do Verbo na carne.

Há meio milênio já estão os sectários judaizantes do protestantismo em guerra contra a imanência, já sob a égide do antigo testamento e do rabinismo com Calvino, já sob a égide do neo platonismo com Zwinglio. Pugnam assim por um deus puramente espiritual e descarnado como o jao dos hebreus ou o alla dos maometanos, por um culto puramente espiritual e expurgado de quaisquer representações, por um redenção meramente espiritual e descarnada que desconsidere os problemas ou mesmo a sorte deste mundo, por uma salvação individualista e mágica que excluí as obras e consequentemente a mediação de nosso semelhante, por uma igreja invisível ou fantasmagórica composta por eleitos e predestinados, por uma espiritualidade invisível que exclua os Sacramentos até a presença do Senhor da ceia... E por ai seguem eles, na contra mão da encarnação de Cristo, 'espiritualizando' tudo - e enquanto Deus insere-se por assim dizer na matéria e no mundo físico eles desertam dele...

Aqui as seitas para católicas rompem decididamente com a tradição ancestral inaugurada pelos três reformadores ( Lutero, Zwinglio e Calvino) e vão por outro caminho, pelo caminho inverso.

Por seitas para Católicas, queremos designar as congregações dos Adventistas, dos jeovistas, dos mórmons e numa medida menor da CCB, a 'Obra de respeito' como é designada pelo nosso Délcio Monteiro de Lima. E de respeito mesmo uma vez que não canonizou a instituição judaica do dízimo e que consequentemente não vive de prebendas estabelecendo vínculos e laços - de dependência e servidão - com as instituições financeiras deste mundo. Alias os jeovistas também não cobram dízimos...

O fato é que nenhuma dessas seitas quer ou cogita ser invisível ou fantasmagórica como queria o Dr Lutero. Querem ser visíveis e bem visíveis a ponto de alastrarem-se pelo mundo afora e substituir a igreja dos Bispos ou a ordem divina. Aspiram concretamente pela dominação e por isso são e querem ser muito bem visíveis, em todos os sentidos.

Outro aspecto comum entre a Ortodoxia e tais seitas é que ao contrário das demais seitas protestantes - que vivem conflitando sobre interpretações e doutrinas se bem que, admitam uma salvação 'comum' para seus adeptos - é que as seitas para Católicas, resgatando e levando adiante o conceito tradicional de Revelação divina, ousam afirmar-se como depositárias da verdade divina, ou mesmo como necessárias a salvação e, pasme, como únicas, encarando as seitas rivais como falsas ou diabólicas. Comum o adventista, o jeovista ou o congregado afirmarem em alto e bom som, como a verdadeira Igreja, que fora de suas seitas não há redenção.

Assim as seitas para Católicas não temem apresentar-se como visíveis e salvíficas.

A grande ruptura no entanto deu-se a nível do princípio operacional do Biblismo, que é o livre exame, doutrina segundo a qual cada indivíduo deve extrair os elementos ou o conteúdo intelectual da divina Revelação (Dogmas) por meio da leitura da Bíblia i é por meio da técnica exegética, da especulação racional ou duma suposta inspiração mágica. Claro que se trata do princípio responsável pelo estado de fragmentação e confusão doutrinal característico do protestantismo 'ortodoxo'. Afinal cada qual lê a mesma Bíblia a sua maneira e compreende-a de modo diverso jamais tocando ao terreno comum e uniforma da verdade... Tudo quanto há no protestantismo ortodoxo são interpretações contraditórias, alias centos ou milhares delas, ou opiniões, conjecturas, hipóteses, suspeitas, etc o que de modo algum pode servir de fundamento a verdadeira religião. No passado cada protestante 'ortodoxo' sustentava a divindade de sua própria seita e denunciava todas as outras como falsas, hoje continuam a divergir a respeito de pontos importantíssimos - como a presença real e o batismo infantil - alegando no entanto que tais divisões são irrelevantes e levando seus clientes mais atilados a darem por irrelevante o ensinamento de Cristo ou a porém em dúvida o conceito de Revelação... Esta acomodação foi necessária para serenar a guerra doutrinária que lavrou entre eles desde 1800... Hoje, via de regra, a doutrina é irrelevante ou de somenos importância, desde que não seja a Católica...

Os fundadores das seitas Católicas, nascidos como nós, neste ambiente de rivalidade e confusão, ressentiram muito cedo quanto a falta de unidade entre as seitas bíblicas e consequentemente quanto ao desamparo em que se achava o protestantismo ancestral face a verdade divina... Sentindo-se levados a restabelecer sobrenaturalmente tanto uma quanto outra coisa.

Como no entanto conheciam muito bem o defeito de fabricação da reforma procuraram estabelecer 'corpos governantes' a semelhança do colégio apostólico, aos quais atribuíram o direito de fornecer a interpretação exata da Bíblia aos indivíduos i é a membresia. Grosso modo eles costumam afirmar que limitam-se a ensinar as pessoas a lerem a Bíblia corretamente ou a fornecerem o sentido unívoco e a posse da verdade objetiva divinamente revelada, tal e qual a igreja antiga fazia e faz.

Perceba-se a diferença crucial - Aqui nem o corpo governante, nem o individuo ou fiel buscam ou devem buscar qualquer coisa. Antes que a Bíblia seja examinada o corpo governante ou a autoridade já esta em plena posse da verdade. Assim enquanto nosso protestante ortodoxo, isolado em seu quarto inclusive, demanda pela verdade perdida e pela doutrina o afiliado as seitas para Católicas recebe a doutrina prontinha e já formulada. Logo a Bíblia - manipulada pelo indivíduo - já não constitui fonte única da doutrina, mas meio ou instrumento por meio do qual a verdade é comunicada pelo corpo governante. Há aqui um sistema ou conjunto de doutrinas que precede a leitura do livro e ao qual o catecúmeno deve submeter-se dócil e passivamente. Ao menos teoricamente, no protestantismo ortodoxo, o indivíduo colhe por si só a doutrina sem a necessidade de qualquer orientação humana de caráter externo ou autoritativo. Aqui o indivíduo isolado é a autoridade suprema. Ali ele é ensinado ou instruído por outros homens, dos quais recebe o sentido comum.

Claro que a ideia segundo a qual a leitura da Bíblia deva preceder o credo ou a verdade só funcionou para uns poucos privilegiados ou espertalhões a exemplo de Lutero. Os quais editaram e impuseram suas interpretações ou opiniões individuais aos idiotas. Precedendo desde então a doutrina ou o credo a leitura da Bíblia, fosse luterana, zwingliana, calvinista, congregacionalista, anabatista ou metodista. A doutrina segue sempre antes... Os pastores a princípio colocam a Bíblia nas mãos da vítima, fazendo-a crer que ela mesma é livre para extrair as verdades de fé, PARA NUM SEGUNDO MOMENTO ORIENTA-LA NA DIREÇÃO DE SUA TRADIÇÃO OU CRENÇA. Ao menos a igreja antiga age sem embuste ou honestamente alegando preceder a escritura do Evangelho e ter sido comissionada pelo próprio Jesus segundo o padrão apostólico da sucessão. Assim as seitas para Católicas...

O que Lutero julgou ter demolido e Calvino - por meio de sínodos e credos espúrios - julgou ter restabelecido precária e matreiramente, as seitas para Católicas assumiram de fato, oficialmente e sem pejo. Tal o padrão externo da autoridade ou a normatividade da leitura bíblica, ora furtada aos nuances do subjetivismo crasso. A partir daí as seitas para Católicas adquiriram uma unidade mais ou menos sólida, a ponto de rivalizarem com as grandes igrejas episcopais em sua disputa pela clientela religiosa. Eis porque - nos manuais protestantes - seus nomes costumam vir alistados mesmo antes dos nomes das odiadas igrejas romana, anglicana e Ortodoxa, merecendo seus ensinamentos cuidadosa refutação por parte dos pastores, a qual no entanto redunda quase sempre em benefício das ditas seitas ou dos catolicismos devido a sua inanidade.

E como acentuam a virtude da obediência ou da submissão face aos respectivos corpos governantes, não podiam tais organizações deixar de entrar pelo terreno da soteriologia, da antropologia e da ética, abordando a temática da fé e das obras segundo a doutrina Ortodoxa, ao menos proximamente. O que nos leva a mais uma revisão ou ressignificação em termos de princípios, ou seja, a ruptura com o solifideismo ou com a crença na salvação pela fé somente i é sem obras éticas, sem amor, sem caridade, sem justiça, sem virtude, etc Todas as seitas para Católicas abandonaram decididamente tanto o monergismo quanto seu pressuposto essencial que é a doutrina da depravação total da natureza humana. Alinharam-se mais uma vez com os Catolicismo de que fugiam e tornaram-se ainda mais detestadas pelos protestantes 'ortodoxos'.

É unânime entre jeovistas, mórmons, adventistas e congregados que o fiel é salvo não pecando ou em seus pecados mas de seus pecados por uma graça eficaz ou capaz de secundar a livre vontade em seus anelos pela santidade e pela perfeição. É o homem recuperado ou resgatado por Cristo para a obediência ou melhor dizendo para a vivência do Evangelho e prática da nova lei. Por isso em comunhão com seu Mestre pode e deve abster-se de pecar e não viver desbragadamente como qualquer gentio... A perspectiva aqui é totalmente diversa da luterana ou da anabatista, pois o sangue não sucede ao pecado, ocultando-o vicariamente, mas precede-o tornando-o evitável e desnecessário. Trata-se mais de pedir forças para não pecar do que de pedir perdão para em seguida tornar a pecar. Trata-se de conhecer as exigências do Evangelho e de leva-las a sério, implica compromisso, esforço e heroísmo por parte da vontade de colabora com a graça.

Já segundo a opinião de Lutero é o homem ao mesmo tempo justo, salvo, predestinado, santo e pecador uma vez que a Santa divindade - que tudo pode - recusa-se a liberta-lo integralmente do mal e do pecado, quiçá para mante-lo humilde... Miserável, insensível, canalha, mas humilde... Como se a humildade e não a caridade ou a justiça constituíssem as virtudes mais elevadas. Aqui a santidade, a perfeição, a beleza, a caridade, a justiça, enfim tudo quanto seja Cristão é sacrificado a humildade... Receando Cristo que a santidade e a perfeição tornem este homem orgulhoso e ponham-no a perder... Neste caso por que teria dito ele: Sêde perfeitos como vosso Pai Celestial é perfeito, ao invés de ter antecipado o agostiniano alemão e dito: Sêde pecadores, miseráveis, imperfeitos mas humildes???

Para arrematar este artigo já demasiado longo gostaria de ressaltar outros pontos de vista em que as seitas para católicas acham-se de acordo com a fé da igreja ou em suas proximidades -

Os adventistas do sétimo dia admitem a virgindade perpétua da santa mãe de Cristo, antes e depois do parto.

Os membros da CCB tem autorização para beber com sobriedade, além disto os líderes da seita não podem exercer quaisquer cargos políticos, orientação seguida igualmente pelos jeovistas.

Os jeovistas são cessacionistas e como nós estão persuadidos de que os milagres - realizados por Cristo e pelos apóstolos - tendo cumprido a função a que haviam sido destinados deixaram de existir. Não mais interferindo a divindade, diretamente, na ordem natural do mundo. Evidente que eles merecem ser aplaudidos por isto.

Já quanto aos SUD são inúmeros os pontos de acordo entre a seita a que pertencem e a Ortodoxia, de modo que até seria fastidioso elenca-los.

De um modo ou de outro, a sua maneira, cada uma dessas seitas nos aponta para a verdadeira igreja apostólica que recebeu sua autoridade divina das mãos do próprio Mestre Jesus Cristo. A seu modo, cada uma delas, testemunha em favor de nossa fé Ortodoxa, imaculada, pura e Católica na mesma medida em que souberam superar os preconceitos e paradigmas protestantes afirmados pela pseudo reforma.

reiramente, por meio de sínodos e credos espúrios,






O tabu do totem - Uma resposta a S Freud VI O COMPLEXO DE LAIO

Em nosso último artigo buscamos identificar as fontes sociais do incesto ou do complexo edipiano e, a guiza de fator predisponente, apontamos a separação precoce dos filhos do sexo masculino com relação a mãe nas culturas primitivas. Admitindo que a alienação precoce filho/mãe impede a consolidação do 'apego' definido como laço afetivo estável e duradouro, deixando consequentemente, de impedir a construção de uma tendência erótica ou sexual.

Sem embargo disto, admitimos que este fator por si só não seja suficiente para consolidar tal tipo de construção, qual seja a aspiração pelo incesto ou o complexo edipiano. Nem vemos que parta ele da criança ou do bebê e tampouco da mãe. Sem negar que certas atitudes assumidas por algumas mães possam reforça-lo ou consolida-lo. Seja como for nós não enxergamos nem a mãe, nem o bebê como possíveis fontes deste complexo.

Sendo assim qual o fator predisponente ou a fonte do complexo edipiano?

Para chegarmos a uma resposta satisfatória qualquer consideremos antes de tudo a relação marido mulher antes da gravidez e particularmente após o nascimento do bebê.

Temos aqui uma relação dual de cumplicidade em que a totalidade das atenções da mulher ou da esposa são para o marido.

Até o dia em que a mulher é fecundada e acha-se grávida.

Entrando nesta relação um terceiro elemento, que é o bebê.

Consideremos agora a ação dos hormônios e o estado da mulher grávida.

Desde a fecundação todas as atenções e cuidados da mulher convergem para o bebê. Na medida em que aflora um instinto de maternidade. Instinto que segundo Winnicott faz com que a mãe recapitule psiquicamente sua experiencialidade enquanto bebê e que a partir daí adapte-se as necessidades do novo ser que veio ao mundo e que dela depende.

Consideremos ainda que - e nossa fonte aqui é Montagu 1969 p 63 - que nossa gestação, a gestação dos humanos, é dupla, completando-se apenas cerca de dez meses após o parto - período que leva o nome de Gestação externa - quando a simbiose e a própria identificação do bebê com a mãe, vai cedendo espaço a autonomia. Autonomia que é paulatinamente reforçada na medida em que a mãe vai cometendo 'falhas' e se desadaptando, até que a criança apegue-se a outros objetos pertencentes a realidade externa e construa sua identidade.

Quanto a período de gestação externa ou simbiose a 'mãe suficientemente boa' (Winnicott) é, sem sombra de dúvida, a que melhor de adapte as necessidades do bebê, o que não deixa de ser, até certo ponto, complexo. Implica isto o que chamamos 'dedicação integral', concentração, atenção, fixação... E portanto desprendimento quanto aos demais objetos externos, inclusive o marido. Não deixando a natureza de colaborar neste sentido. Pelo simples fato de que os hormônios responsáveis pela ativação da libido são drasticamente diminuídos. Durante esta fase a mulher cessa de ter interesse pelo sexo.

Agora imagine só, leitor inteligente e atilado, a situação do homem i é do marido.

O qual de uma hora para outra cessa de ser o centro das atenções da esposa. Na mesma medida em que estas desviam-se para o bebê.

A questão aqui não se restringe a sexualidade apenas, mas certamente a afetividade também. A qual não deixa de ser atingida e alterada pelas circunstâncias, por mais que a mulher busque administrar tal situação com sabedoria. Afinal os cuidados, a atenção e o afeto terão de ser divididos.

Diante disto é praticamente natural que a quase totalidade dos homens passe a encarar o recém chegado filho como uma espécie de intruso ou rival, ao menos inconscientemente. Os casos em que esta 'construção' mental atinge a consciência e aflora são vultosos e não poucas vezes dramáticos. Chegando o progenitor a odiar a prole.

Tanto pior caso o bebê pertença ao sexo masculino. Em tais condições a alegria ou satisfação da mãe ao alimentar o filho - Tendo o seio sugado por ele - ou a simples higienização da genitália do bebê levam o pai a misturar as coisas, conferindo a tais atos um sentido sexual ou erótico que inexiste. O pai, privado do exercício sexual, tira conclusões fantasiosas e passa a nutrir ciúmes pelo próprio filho, chegando a encara-lo como amante da esposa. É ele, o pai, que constrói em sua mente, a relação incestuosa ou edipiana.

Construído este tipo de relação fantasiosa nos domínios da mente, impossível que não passe a ser, de um modo ou de outro, expresso pelo comportamento, pelas palavras, pelo gestual, pelas atitudes - alias hostis com relação ao bebê - etc Extrojetado enfim...

Dentre as inúmeras situações possíveis que podem resultar deste tipo de relação temos de considerar novamente o recurso, contraproducente, a ama de leite ou babá. Aparentemente o recurso a babá parece ser perfeito na medida na medida em que alivia a situação da mãe possibilitando que possa, atender, o quanto antes, as solicitações do marido ciumento ou inseguro. A bem da verdade a inserção da babá ou ama de leite entre mãe e filho, reduzindo o contato entre ambos e impedindo a consolidação de laços afetivos estáveis e duradouros tende a alimentar e a reforçar quaisquer tendências incestuosas introjetadas pelo menino, o qual assumirá o caráter que lhe foi atribuído pelo pai, passando a desejar sexualmente sua própria mãe. Temos aqui a tragédia do complexo edipiano.

Já nas famílias pobres temos a situação da mãe que deixa o filho pequeno com a avó, a tia ou irmã mais velha - Com a qual construíra laços de afeto ou apego inibidores - para ir trabalhar. A situação da mãe que deixa o filho no berçário da creche, etc Em todos estes casos em que os laços de afeto são transplantados para outro objeto, abre-se espaço para a expansão ou consolidação do tipo incestuoso introjetado pelo pai ciumento na mente do filho.

Ao contrário do que se pensa e julga, em tais situações, a melhor solução é a manutenção da convivência mãe e filho durante estes primeiros anos - se possível até os seis ou sete anos de idade - e a decorrente construção e consolidação de um laço de afeto inibidor. Vindo o pai, a ser, necessariamente incluído, nessa nova categoria de relações, a partir do décimo mês de nascimento da criança. Na medida em que a criança vai se desprendendo da mãe e desenvolvendo sua personalidade - enquanto ser distinto que é - faz-se mister que o pai recobre seu posto de esposo, passando a receber parte do afeto da esposa, resultando disto, naturalmente, o restabelecimento da vida sexual do casal. Quero dizer que as coisas devem acomodar-se, se preciso for com o auxílio de um bom psicólogo ou terapeuta.

Importa que o vínculo mãe e filho não seja bruscamente quebrado sucedendo a alienação e indiferença por imposição do pai ciumento. Por outro lado a recusa da mãe em desapegar-se gradativamente do filho não seria menos danosa, na medida em que sua atitude possessiva e dominadora, sempre poderia ser interpretara equivocadamente pelo esposo e consequentemente pelo filho, reforçando a longo prazo todas estas fantasias. Aqui, o desenrolar subsequente da personalidade do filho poderia ser afetado seriamente. Afinal a mãe suficientemente boa deve criar o filho para a liberdade e a autonomia, orientando-o para elas. Aqui o desapego, sabiamente administrado nas fases ulteriores, é tão importante quanto ao apego afirmando e mantido durante a fase da gestação externa. Afinal não é nem pode ser o filho uma eterna simbiose de sua mãe.

Nem deve a mãe suficientemente boa, deixar-se impregnar pelas fantasias do marido a ponto de efetivamente substituí-lo pelo filho. O filho precisa de afeto, atenção, cuidado, dedicação... precisa ser acolhido, protegido, amado, etc Mas nem por isso é o marido. Ainda aqui é melhor saída é tentar administrar atenções e afetos com sabedoria e permanecer aberta a 'restauração' do marido em seu posto ou lugar.

Penso que nossa opinião tenha sido expressa com suficiente clareza. A confusão entre amor filial e amor conjugal tem seu princípio mais remoto na personalidade fragilizada do marido ou pai que se sente abandonado ou enciumado. É Laio que introjeta suas fantasias na mente de Édipo e as vezes ma mente da própria Jocasta. Temos portanto um 'complexo de Laio' na base do complexo edipiano, o qual para afirmar-se dependerá das circunstâncias ulteriores ou de 'como' o casal em questão administrará a situação, se quebrando bruscamente os laços afetivos em construção entre a mãe e o filho - pela introdução de uma ama de leite ou babá - ou consolidando-os. Consolidando os laços de afeto ou o apego teremos por consequência o 'efeito Westermarck' i é a total ausência de aspirações incestuosas. Quebrados os laços de afeto, teremos o terreno amanhado e pronto para o florescimento das fantasias introjetadas pelo pai na mente do filho, enfim o que Freud classificou como complexo de Édipo e ao qual conferiu uma dimensão universal inexistente.

Neste sentido podemos e devemos definir o apego, a presença e os laços de afeto como elemento responsável pelo bloqueio da construção das relações edipianas, as quais certamente, indicam certa ruptura quando a estabilidade afetiva ou mesmo ausência de conteúdo afetivo. Noutras palavras, o afeto é que imunizaria a criança face a aspiração incestuosa.

Resta declarar que numa Sociedade qualquer em que as necessidades econômicas restrinjam arbitrariamente o contato entre mãe e o filho durante seus primeiros anos de vida tende a potencializar a construção de relações nos moldes edipianos e os efeitos decorrentes em termos de neuroses... Uma Sociedade qualquer que sobreponha as necessidades do lucro ou do capital as necessidades afetivas das pessoas jamais poderá deixar de ser essencialmente neurótica.


quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Entendendo o filme Frantz (2016)


 Resultado de imagem para filme frantz


Quem deseja assistir bom filme cuja fotografia e o cenário sejam relativamente perfeitos e acuidade psicológica esmerada tem em Frantz (2016) de François Ozon uma excelente pedida.

A atuação da maior parte dos atores é muito boa, a de Marie Gruber, como Magda é excelente e a de Paula Beer, a Anna, noiva do falecido Frantz, impecável. Se Beer não fez jus ao troféu Matroianni não posso imaginar quem pudesse fazê-lo.

Ocioso dizer que a paisagem de Quedlimburgo é deliciosa. Alias trata-se de uma das mais belas cidades históricas alemãs, a ponto de rivalizar com a paradisíaca Nuremberg. As cruzes de madeira do cemitério são típicas da época a que evocam.

A atmosfera social de ambos os lados, com as exasperações patrióticas, foi bastante bem captada. Os alemães bebendo cerveja por cada jovem francês que tombava do 'outro lado' e os franceses bebendo vinho por cada jovem alemão que tombava do 'outro lado'... as propagandas públicas de cada um dos países pintando os cidadãos do país vizinho como monstros...

Claro que não podemos ignorar a crença alemã, assaz comum em alguns círculos alemães, a respeito do espaço vital e de toda essa cultura de superioridade racial ou nacional cujas raízes remontam a malfadada reforma protestante. Alias outra não foi a origem da doutrina do destino manifesto entre os iankees, igualmente protestantes só que calvinistas...

Sucede no entanto que dificilmente a cultura torna-se absolutamente uniforme... também na Alemanha, em seus piores momentos, haviam dissidentes, pessoas com visão mais ampla e humana, pacifistas, socialistas, artistas, etc Almas nobres que fogem a vulgaridade dominante.

Assim nosso Frantz, jovem cultivado e de tendências pacifistas, que por vontade do velho Dr Hoffmeister, o pai; foi enviado as trincheiras, quiçá para que após a vitória da Alemanha, tornasse a pátria com o peito coalhado de medalhas... Tais as possíveis esperanças do velho clínico.

Frantz no entanto, a exemplo de tantos e tantos outros jovens românticos e idealistas, acabou por ser colhido pela morte, ficando sepultado campos de batalha. Resultando disto apenas um cinotafilo visitado diariamente pela mãe e pela ex noiva e um pai destruído por dentro.

Aqui começam as excursões psicológicas do filme.

Pois se aqueles que perderam um dentre diversos filhos, sejam alemães ou franceses, continuam repousando suas frontes sobre a ilusão dourada do patriotismo, aqueles que como o Dr Hoffmeister conduziram a morte seus únicos rebentos, tiveram todas as esperanças aniquiladas e já não nutriam quaisquer esperanças ou ilusões a respeito da Alemanha, da França ou do patriotismo. Afinal nada lhes restara... E não teriam netos, bisnetos ou descendentes que comemorassem as glórias da França ou da Alemanha.

É pois peculiar a sorte daquele que perdeu seu único filho em tais circunstâncias e ele já não nutre nem ilusões, nem esperanças.

Frantz no entanto é mais profundo e vai além. Tocando a questão, interessantíssima, das neuroses de guerra.

Guerras produzem neuróticos, sabe-mo-lo muito bem desde a Guerra da Secessão nos EUA e mais ainda após a primeira grande guerra quando batalhões de psicólogos e psicanalistas foram mobilizados com o objetivo de diagnosticar, avaliar e tratar milhares de ex soldados psicologicamente afetados pelo conflito. Basta dizer que Freud distorceu o sentido de afirmação - descrito por Adler alguns anos antes da hecatombe - apresentando como sentido de morte ou destruição, influenciado por ele...

Todo um ideal de racionalidade e de experiencialidade sossobraram fragosamente após 1914... Os derradeiros vestígios do iluminismo, as falsas promessas do liberalismo econômico, a mística positivista, etc Foi todo um mundo que entrou em colapso e veio abaixo, desabando e sepultando multidões de homens vivos.

A guerra devastou corações e mentes e assistiu a afirmação do psicologismo, dos sentimentalismos, dos emocionalismos e de todos os arroubos do irracionalismo pós moderno. Da perda total do sentido e do nihilismo. Da angústia, do desespero, do pessimismo - Potencializados ainda mais pela reabilitação do capitalismo apoiado pelos EUA - da quebra da magia, do desencanto, da alienação, da superstição, do recurso desesperado a droga... das culturas de morte e de tudo quanto vivenciamos hoje.

Frantz focaliza os primeiros passos dessa trágica caminhada, posto que situado no ano de 1919. E explora como já dissemos o campo ou domínio, muito pouco explorado das neuroses provocadas pelo contato com a morte, seja a própria ou a alheia. E há esquisitice ou algo de exótico nisto...

É um filme interessante porque ajuda-nos a compreender porque o soldado enviado ao front ou a frente de batalha deve ser sempre um anônimo ou desconhecido.

Ao contrário dos SUD ele não trás consigo uma plaquinha com identificação ou dados pessoais sobre o peito. Tomba sem nome e assim é sepultado.

Conhecer é identificar-se...

Mas...

O soldado deve odiar e não identificar-se. O outro não é humano, deve ser pintado como um monstro, despersonalizado, desumanizado...

Daí não ter direito a um nome, a um endereço ou a quaisquer referências.

Tirar a vida do outro sob um pretexto fútil pode acarretar uma forte carga de culpa e tornar a consciência pesarosa.

Já a consciência pesarosa tende a impor-se uma série de sacrifícios buscando reparar aquilo que fez.

Daí a sugestão comum a quem involuntariamente tirou a vida de um inocente, de assumir o lugar ou a vida daquela pessoa.

Essa possibilidade, insólita de modo geral, se torna real para Adrien pelo simples fato de ter encontrado no bolso de Frantz, uma carta com detalhes sobre sua vida pessoal, e, seu endereço.

Terminada a guerra o jovem ex combatente francês, após surtar, toma caminho de Quedlimburgo com o propósito de chorar sobre a tumba daquele cuja vida ceifará e de pedir perdão os pais e a ex noiva dele.

A partir daí a presença do francês na cidade natal de Frantz deflagará uma série de sentimentos numa trama que envolverá de encenações a uma tentativa de suicídio, culminando com uma longa viagem e encerrando-se de modo realisticamente patético, tal e qual a vida apenas sabe encerras as Histórias grandiosas e as Histórias triviais.

Por isso e muito mais a obra de Ozon merece ser assistida num destes dias frios e chuvosos, de preferência com uma taça de vinho entre os dedos e em boa companhia. O 'inimigo' alemão beba cerveja caso ache melhor rsrsrsrsrs

Uma breve leitura sobre os 'Demônios descem do Norte' de Délcio Monteiro de Lima

 Nenhum texto alternativo automático disponível.



Penso ser absolutamente normal que parte das pessoas direcione
seus bens tendo em vista algo em que acreditam.

E portanto que invistam parte de seus proventos em suas respectivas religiões e seitas.

Natural que as pessoas que acreditam na INSTITUIÇÃO JUDAICA do dízimo, paguem dízimos, o contrário por sinal seria incoerência...


Até aqui nada a objetar.

Embora eu mesmo não veja nada de Cristão ou de evangélico em tal instituição. Pelo simples fato de que Jesus jamais impôs quaisquer taxas aos que abraçaram o Santo Evangelho. Dízimo, insisto eu, é dogma judaizante, pentecostal, protestante, biblicista E DE MODO ALGUM CRISTÃO.

O Cristianismo estabeleceu o sistema de colaboração livre, descrito nas Epístolas do Apóstolo Paulo.

Tal minha visão das coisas.


Seguindo esta linha de raciocínio nada mais degradante do que imaginar a Santa divindade concedendo supostas graças ou favores em troca de contribuições... Acaso não teríamos aqui um deus vendedor ou traficante de indulgências???

Diante disto fica até fácil entender porque temos uma Sociedade que se vende cada vez mais, pessoas que negociam seus próprios valores e uma política essencialmente corrupta ou venal.

Caso a Santa divindade seja pintada como corrupta ou venal que nos restará???

Isto quanto aos dizimistas e o tráfico de coisas sagradas que a tradição ancestral batizou como simonia.

Agora quanto ao simples investimento, por parte dos crentes ou fiéis, em determinada instituição religiosa, já o disse encara-lo como absolutamente natural, pelo simples fato de que as pessoas tendem a valorizar, em todos os sentidos, o quanto seja significativo para elas.

Ficando claro que para algumas destas pessoas gastar com a fé equivale a uma devoção.

O que não posso encarar como normal ou natural é que EMPRESAS MULTI NACIONAIS E MULTI MILIONÁRIAS, INDÚSTRIAS E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, QUE LUCRAM EXPLORANDO AO MÁXIMO SEUS FUNCIONÁRIOS, financiem corporações religiosas...

Não o catolicismo, não o espiritismo, não o budismo, não o hinduísmo ou qualquer outra religião mas certamente as missões protestantes - born again ou pentecostais/fundamentalistas - nos países mais pobres...

Francamente falando, acho esse negócio muito estranho...

Instituições que vivem burlando a Ética do Evangelho, semeando a miséria e servindo a Mamon, financiando determinadas facções religiosas...

TEMOS DE REFLETIR E DE NOS PERGUNTAR SOBRE O PÔRQUE DESTE FENÔMENO...

Quais interesses ou objetivos tem levado O CAPITALISMO a patrocinar um tipo ou padrão de religiosidade predominante nos EUA, o centro mundial do capitalismo???

Por que essa aposta decidida do Mercado nas seitas protestantes???

Seria ingênua ou aleatória?

Não o creio...

Então temos de nos perguntar sobre o que tais empresas e instituições esperam deste tipo de religiosidade?

Segundo Délcio Monteiro de Lima em "Os demônios descem do Norte" a única resposta plausível implica admitir a aposta num modelo religioso que até certo ponto justifique o materialismo, o predomínio do Ser sobre o Ter ou a busca do acúmulo irrestrito de bens ou do lucro máximo num contesto 'cristão'; enfim num padrão de espiritualidade que preconize o sucesso financeiro ou o enriquecimento, as custas das exigências ou postulados éticos baixados pelo Cristo em seu Santo Evangelho, o que implica aceitar e abster-se de criticar a ordem capitalista com todas as suas mazelas suficientemente conhecidas por todos nós.

Implica pois uma adaptação ou conformação em termos de Cristianismo ou uma negociação em termos de princípios e valores. Pelo qual o Cristianismo ao invés de inoportuno torna-se conivente ou colaboracionista. 



E esta resposta sugere um segundo questionamento -

Até que ponto as seitas financiadas pelo poder econômico SÃO CONIVENTES OU MESMO FAVORÁVEIS A EXPLORAÇÃO DOS EMPREGADOS PELOS PATRÕES ou até que ponto santificam esta relação iniqua???

Até que ponto silenciam a respeito da injustiça e deixam de denunciar o poder do capital em nome do Evangelho???

Em que medida são elas mesmas compradas ou agenciadas pelo capital com o propósito de porém a favor dele e, contra o povo trabalhador?

A bem da verdade a maior parte das seitas protestantes não obedece a um programa consciente no sentido de favorecer ou beneficiar a ordem econômica vigente. Contentam-se em ser anti comunistas, embora via de regra, identifiquem toda e qualquer forma de socialismo com comunismo, bem a gosto dos EUA, cuja cultura e modelo de organização social folgam reproduzir.

Acontece que lá nos EUA a questão crucial para os Cristãos, que tais seitas costumam baralhar e disfarçar com apelos forçados ao antigo testamento, diz respeito, antes de tudo, ao imperialismo e a guerra de agressão e conquista; bem como a pena capital. A tônica lá gira em torno disto uma vez que a miśeria ainda não assomou aos índices vigentes no terceiro mundo ou nos países subdesenvolvidos, pelo simples fato de que estes não possem colônias como os EUA...

A realidade dos países latino americanos e demais repúblicas do hemisfério Sul tem sido marcada pela miśeria, agravada cada vez mais pela ingerência da política externa N Americana, cujo principal objetivo consiste em dar apoio a iniciativa privada ou a ação predatória das grandes multi nacionais.

Diante de semelhante quadro de miséria em que a malfadada luta de classes é potencializada ainda mais pelo modelo capitalista importado dos EUA e em que as lideranças nacionais inclinam-se por vontade própria ao modelo do estado mínimo enquanto as massas oprimidas clamam por intervenção, tem prevalecido um estado de tensão... Em que as democracias recentemente implantadas e manipuladas pelo poder econômico, tendem a omitir-se e o povo, em certas ocasiões a rebelar-se, e caudilhos a tomar o poder...

Prevaleceu esta situação confusa até o instante em que os panfletários anarquistas e comunistas instaram-se nos grande centros urbanos e principiaram a fazer suas propagandas arregimentando certo número e um número cada vez mais de cidadãos descontentes empenhados em criar algo como a "Comuna de Paris" ou a "URSS". De fato, a partir da segunda metade do século XIX, a maior parte das sedições operacionalizadas em países sub desenvolvidos assumiu uma orientação comunista ou socialista. O que implica um afastamento progressivo dos países da A latina quanto a órbita dos EUA e seu modelo social.

Desde então o lema "América para os (Norte) americanos" tornou-se controvertido do México para baixo...

Consideremos agora que até então, i é até meados de 1960, achava-se a igreja Romana, cindida socialmente em diversas vertentes e que a partir de 1960, todas estas vertentes, sob influxo da Teologia da Libertação, tendem a reforçar o direcionamento social pré existente e em convergir para soluções socialistas, quando não comunistas, mas, de um modo ou de outro, sempre anti imperialistas ou anti americanizantes.

Desde 1960 e a cabo de três décadas a igreja romana, cujo poderio na América Latina era considerável, juntou forças com os elementos descontentes ou dissonantes no sentido de denunciar as mazelas sociais legadas pelo sistema colonial que estavam a ser ampliadas e aprofundadas sob os auspícios o imperialismo Yankee e do capitalismo. Predispondo o cenário político a transformações dramáticas, de que temos exemplo no sandinismo da Nicarágua ou na guerrilha Colombiana.

Claro que os EUA não tardaram para perceber o perigo. Localizado num território que encaravam e ainda encaram como quintal seu. Relatórios foram elaborados por diversos setores da administração yankee e nenhum deles foi lisonjeiro para com a velha igreja romana, ora posta, quase que em sua totalidade, em favor da justiça social e da emancipação dos povos. A igreja romana, comprometida com uma teologia libertadora, foi classificada como não confiável no sentido de que equivalia a uma espécie de brecha feita na muralha da alienação. A cultura da opressão fora desertada culturalmente e corria um grande perigo...

Em tais conjunturas que fazer?

O governo Yankee, que desde 1940 renunciara a financiar ele mesmo as seitas bíblicas a partir o erário, em tese nada fez.

Além de é claro orientar as instituições financeiras... Convencendo-as de que a praxis cultural é via de regra, sancionada pela fé religiosa. Fazia-se mister sabotar a força da igreja romana no contexto da América latina ou de enfraquece-la substituindo-a por um modelo bem menos crítico. A sugestão das seitas protestantes, baluarte da cultura Norte americana, ficou implícita...

Basta dizer que o protestantismo fundamentalista comporta por assim dizer uma fermentação de seitas bíblicas, cada qual imaginando ter dado com a verdade eterna ignorada por todas as outras e portanto ser necessária a salvação de todos os seres humanos, ideal que em tais seitas tornasse obsessivo até a mania... Adotando moldes e assumindo necessidades empresariais - inclusive no plano financeiro - a grande prioridade de cada seita é aumentar seus quadros. Isto pelo simples fato dos protestantes acreditarem que o aumento ou sucesso numérico de determinada seita implica necessariamente no favor divino...

Adicione-se ao contexto acima descrito o elemento do individualismo, peculiar ao protestantismo. Desde Lutero, tem os protestantes negado o aspecto social, gregário ou comunitário da Redenção Cristã e apresentado uma salvação mágica e individualista ou seja sem mediação de obras éticas, que tenham por objeto o outro. Para os protestantes a salvação não passa pelo próximo ou pelo outro (o que conferiria a ela uma dimensão ética), dando-se em termos de comunhão entre o indivíduo e deus... e em termos invisíveis e espirituais de uma comunidade fantasmagórica (a igreja invisível).

Neste sentido podemos até falar numa luta pela salvação e numa vitória do mais 'bíblico', em famílias, clas, cidades, países, etc eternamente divididos por deus em réprobos e salvos... O fato é que o protestantismo jamais toma consciência social, estabelecendo vínculos espirituais e salvíficos entre todos os seres humanos. Tais laços de solidariedade é algo que não existe no contexto luterânico. Aqui seitas lutam com seitas, homens com homens e homens com anjos num combate generalizado...

Portanto o que importa aqui, ao indivíduo é escapar ele mesmo aos fogos ardentes do inferno sem cogitar em parentes, amigos ou companheiros. Importa furtar-se as chamas e torturas infernais inda que nossos filhos, pais ou amigos nelas caiam... Importa estar a salvo ou ser feliz, em que pese a eterna desgraça daqueles que amamos. Tal a exótica noção de paraíso protestante.

Neste sentido a vida só faz sentido quanto perseguimos uma única meta, a da salvação. Jamais compreendida no sentido Cristão, enquanto salvação da pessoa ou do homem todo ou ainda como verdadeira salvação do mal e do pecado. Aqui a salvação além de ser individual é maniqueísta, enquanto salvação da alma ou do espírito invisível e imortal no além túmulo. O corpo aqui jamais conta. Tampouco implica esta salvação em salvação real e efetiva do mal ou do pecado mas em salvação vicária, posto que o salvo continua sendo sempre um pecador derrotado, magicamente salvo das chamas do inferno, mesmo que venha a pecar sucessivamente... Aqui o arrependimento não significa ruptura ou transformação mas mero ato intelectual. Como se vê é um padrão de salvação precário em todos os sentidos  já por ser individual, meramente espiritual e aparente...

Seja como for, as seitas são extremamente hábeis e eficientes no sentido de comunicar este objetivo aos neófitos, i é de concentrar todos os seus esforços na salvação da alma i é no além túmulo, no outro mundo, no além no paraíso, etc em detrimento deste mundo, com o qual é sempre inútil preocupar-se, dizem eles, acrescentando que o Reino de Deus não é deste mundo, sem jamais se darem ao trabalho de perguntar se o Reino foi trazido a este mundo pelo Verbo que se fez carne ou Emanuel... O Reino, e portanto o objetivo do crente, esta sempre no paraíso o no mundo invisível, tendo por adversário o Diabo ou Demônio, um suposto anjo caído, cujo principal passatempo consiste em aliciar os seres humanos...

O fim de tudo isto é abdicar por completo da realidade do mundo material. A qual é supinamente ignorada pelas seitas salvacionistas e maniqueistas, parte das quais chegaram a reeditar o dogma farisaico do catastrofismo, ora batizado como apocalipticismo, o qual via de regra é precedido pelo dogma não menos espúrio e pessimista da apostasia. Aqui também damos com um conflito fictício entre supostos anjos caídos e a divindade e por uma vitória mágico fetichista tão a gosto dos fanáticos. Nada de concreto, nada de real... Nenhuma luta heroica contra a injustiça, o egoísmo, a maldade, a mentira, etc Apenas ideais quiméricos ou ilusórios.

Destarte o sectarismo protestante abandona o mundo real e abdica de sua transformação para alienar-se e refugiar-se nas nuvens. Inútil dar combate as situações de injustiça se deus punirá os injustos e recompensará oprimidos no além túmulo é tudo quanto sabem dizer. Quanto ao mais conformam-se com todas as situações de miséria, angústia, opressão, escravidão e sofrimento esperando por uma libertação espiritual após a morte, nos céus. Aqui na terra produzem escravos e servos conformados com seus grilhões e os quais recusam-se a lutar e a combater pela própria libertação.

Toda esperança é transportada para o além túmulo ou retirada deste mundo, no qual consolidam-se as situações de opressão, segundo a mentalidade do tal capeta, o qual para não poucos sectários é o senhor e deus que controla este mundo. Libertação verdadeira, repetem eles, só a de deus após a morte. 

Devemos portanto esperar que tais pessoas ou seus líderes contestem as situações de miséria ou de opressão aqui existentes?

Tolo seria quem esperasse por isto.

Face a realidade iniqua do mundo é o sectarismo protestante conformista ou situacionista por definição. Não menos do que o positivismo, com seu ideal meramente descritivo face a realidade, o protestantismo jamais se rebela contra aquilo que é, bem podendo conviver em paz com o racismo, com o odinismo, com o capitalismo e com o imperialismo; quando não se presta para alimentar tais ideologias.

Por isso o capitalismo empenha seus cobres nas missões protestantes, porque sabe ser o protestantismo uma fé omissa e covarde, alienada ou conformada que não costuma afrontar uma realidade social iniqua pugnando pela justiça e por um ideário de libertação integral para o homem. O capitalismo investe no protestantismo porque não o teme e porque sabe nada recear da parte dele.








sexta-feira, 17 de novembro de 2017

O tabu do totem - Uma resposta a S Freud V (Nos domínios do incesto)

No artigo anterior demonstramos que S Freud, a exemplo de K Marx, fez uma importante descoberta a respeito da condição psicológica dos europeus ou ocidentais contemporâneos, a qual batizou como complexo edipiano. Marx havia posto a limpo ou exposto a condição economicista da mesma sociedade, europeia, do décimo nono século. Tanto a mais valia e a distribuição de bens, quanto o completo edipiano correspondem a fenômenos essenciais, dos quais abrindo mão ou fazendo vistas grossas jamais chegaríamos a compreender este homem 'moderno' ou esta sociedade em que nos achamos inseridos.

E no entanto tanto um quanto outro cometeram o mesmo erro deplorável, projetando tudo quanto verificaram em todas as culturas e sociedades humanas ou no curso da História como um todo. Assim os marxistas tendem a enxergar classes, conflito, supremacia do poder econômico, etc mesmo nas idades Primitiva, Antiga e Média - distorcendo a realidade histórica - como Freud e seus seguidores tendem a situar o complexo edipiano na primeira página de nossa História. Assim se um e outro mostraram-se geniais ao deslindar nossa História, a História atual das Sociedades Ocidentais, nem por isso deixaram de errar e de errar feito na medida em que cederam a tentação de conferir a suas respectivas descobertas um caráter metafísico, abstraindo do tempo e do espaço.

Tanto os moldes capitalistas de produção e distribuição de bens - Em termos de Mercado - quanto o complexo edipiano são fenômenos característicos do nosso tempo e não constantes que perpassam a História humana como um todo.

Sobremodo curioso que Ch Darwin e H Spencer tenham feito o caminho oposto. Assim Darwin e os famigerados darwinistas sociais, após terem identificado um dos fatores responsáveis pela evolução biológica - a 'Seleção natural que é um fator negativo - ousaram aplica-lo, hipoteticamente, ao curso de nossa evolução social. Projetando no futuro o que haviam localizado no passado. E sem considerar as peculiaridades do fenômeno humano.

Seja como for Freudianismo, Marxismo e Darwinismo 'Ortodoxos' constituíram-se em metafísicas contemporâneas, destinadas a substituir o positivismo, da mesma maneira como aquele havia substituído o espírito do Catolicismo. O problema crucial aqui é que tais ideologias jamais assumem-se como metafísicas apresentando-se antes como científicas. Científicos são apenas os fenômenos que uns e outros identificaram por meio da observação ou da reflexão. Especulativa a generalização que fizeram a partir do que identificaram seja na direção do futuro ou do passado.

Assim quanto a questão do complexo edipiano faz-se necessário apontar suas fontes ou sua gênese partindo dos seguintes dados:

1 - O 'Efeito Westermarck' definido como insensibilização sexual por parte de pessoas que foram criadas juntas durante a infância. Essa hipótese foi levantada pelo antropólogo finlandês Edvard Westermarck, em sua obra prima 'A História do casamento humano' (1891) com o objetivo de explicar o tabu do incesto.

Curiosamente Westermarck, que era um evolucionista de carteirinha, também adotou o modelo gorila como protótipo das primeiras Sociedades humanas, se bem que atribuindo-lhe uma organização familiar em moldes monogâmicos e estáveis, e nem sei porque não escolheu o gibão... Seja como for para ele a organização familiar monogâmica e estável não havia sido invetada pelos primeiros humanos mas tomada a algum antropoide. O modelo familiar grupal ou promiscuo associado a paternidade difusa - tal e qual observam,os nos chimpanzés - desconsertava-o certamente, por mais que malquistasse a fé 'cristã' (enquanto reduto de uma cultura judaica)...

Já dissemos que quanto as sociedades chimpanzés o efeito Westermarck tem se mostrado válido, ao menos no que tange as relações mãe e filho, a ponto de Bowlby, a partir dele, ter formulado a teoria do apego. Embora a teoria do apego seja bem mais rica do que a teoria freudiana clássica, devemos ter em mente que ela não basta para desbancar totalmente a esta tendo em vista a complexidade das determinações sociais. A questão não é substituir uma pela outra uma vez que podem coexistir perfeitamente.


2 - A existência de um tabu bastante disseminado entre as diversas culturas com relação ao incesto. Freud dá tal tabu como universal em 'Totem e tabu' e Levy Strauss pretendeu ter demonstrado sua universalidade em que pesem os exemplos aparentemente contrários do Egito antigo, do antigo Peru e do Hawai. Seja como for não podemos deixar de admitir que se trate de fato do tipo mais disseminado de tabu, e que seja quase que universal.

Em tese Freud não deixou de ter razão quando, contra Westermarck, apelou aos raciocínios elaborados por Frazer. Segundo Frazer, a existência de uma aversão natural ao incesto tornaria incompreensível, por inútil, a existência do citado tabu. Afinal que sentido faria a elaboração de uma lei que nos obrigasse a respirar ou a que nos abstivéssemos de colocar a mão no fogo? Aquilo que é impulsionado pela natureza ou instintivo, como comer e beber, dispensa o reforço da lei.

Sendo assim, somos obrigados a concluir que a aparição deste tabu, o tabu do incesto, implica que num determinado momento da História ou da cultura, os seres humanos sentiram-se tentados a cometer relações incestuosas. Como o não matarás supõem a possibilidade concreta do assassinato e o não roubarás a possibilidade concreta do roubo, o tabu do incesto supõem a possibilidade do incesto.

 3 - Nas sociedades chimpanzés, a ocorrência do incesto entre mãe e filho jamais foi verificada enquanto que a ocorrência do incesto fraternal é raríssima. Tampouco há qualquer evidência a respeito de um complexo edipiano entre os indígenas das Ilhas Tobriand, analisados por Mallinowski ou entre as tribos sul africanas analisadas por Margareth Mead.

4 - Já quanto a Sociedade por ele, Freud, analisada não somos autorizados a duvidar que o complexo de Édipo, definido como desejo inconsciente de ter relações íntimas com a própria mãe e como tendência generalizada a encarar o pai ou mesmo o irmão mais velho como um rival, estivesse bastante disseminado entre as crianças e adultos neuróticos.

Podemos no entanto supor que este complexo não fosse como queria Freud, universal ou absoluto mesmo em termos de Sociedade europeia contemporânea, mas típico de pessoas desajustadas. Neste caso seria são ou normal - em tese, mesmo porque existem outros tantos fatores, sexuais e não sexuais, relacionados com a gênese da anormalidade - não o indivíduo que tivesse superado o tal complexo edipiano, mas aquele que não o tivesse desenvolvido ou sido contagiado por ele, cultivando apenas relações afetivas de apego sem conotações de caráter sexual, as quais em si mesmas implicariam desajuste.

A crítica é absolutamente válida caso consideremos que Freud e seus colaboradores analisaram apenas pessoas enfermas ou desajustadas i é histéricos e não pessoas normais. A pŕopria teoria psicanalítica subjacente, segundo Levy Strauss supõem que não existam pessoas sãs ou normais, pelo simples fato de que Freud e seus colaboradores analisaram apenas pessoas anormais, nas quais deram inevitavelmente com o dito complexo edipiano, como um oncologista examinando cancerosos dá necessariamente com nódulos. Não podendo supor todavia, que todos os homens sejam cancerosos ou tenham nódulos.

A simples tese segundo a qual podemos compreender perfeitamente a normalidade a partir da anormalidade, a sanidade a partir da enfermidade ou saúde a partir da doença parece em si mesma bastante discutível. Talvez a condição normal seja bem mais complexa do que a simples ausência de anormalidade. Claro que naqueles que chegaram a ser impregnados por ele, o complexo edipiano, deve ser superado. Sabendo que em termos de mentalidade a superação equivale a cura. Nada nos entanto obriga-nos a admitir sua onipresença. Como Diágoras de Melos perguntou aos religiosos a respeito dos naufragos que não haviam tido suas preces atendidas pelos deuses, somos levados a nos perguntar a respeito de toda gente normal jamais examinada por Freud.
Após termos exposto os dados, problematizemos -

Embora haja controvérsia, daremos por assente e válido o efeito Westermarck, mormente após pesquisa realizada nos Kibutz israelenses durante os anos 80. cf Sepher J 1983 e quanto ao matrimônio chinês Shim-pua.

A baliza do convívio entre a mãe e a criança, os irmãos ou mesmo estranhos, vai até os seis anos de idade. Portanto não vem ao caso as relações sucedidas entre pais que não criaram seus filhos ou entre irmãos que não foram criados juntos, vindo-se a conhecer-se mais tarde. A própria narrativa edipiana enquadra-se nestas circunstâncias, pelo simples fato de Jocasta não ter convivido com seu filho até a idade de seis anos. Destarte a ausência já do apego, já do conhecimento, possibilitou a construção de um outro tipo de relação. Então temos de nos perguntar se um Édipo criado por uma Jocasta até os seis anos de idade construiria uma relação pautada no apego afetivo ou na sexualidade? Sou pelo primeiro tipo de relação, a qual de pronto impossibilitaria a segunda, mesmo em termos de inconsciência.

Outro aspecto a ser levantado é o aspecto da ama de leite ou da babá. O próprio Freud até onde sabemos não apenas teve uma ama de leite durante estes anos cruciais de sua existência, como passou parte significativas dessa quadra entregue aos cuidados dela (s). O que nos ajudaria a compreender porque na falta de um apego mais consistente a mãe biológica o próprio pai da psicanálise teria desenvolvido o complexo edipiano. Haveria a possibilidade de Freud ter influenciado ou contagiado ao menos alguns de seus pacientes, introjetando seus sentimentos neles e fazendo-os declarar o que queria ouvir???? 'Ignorabimus' mas não podemos negar aprioristicamente esta possibilidade.

Quando sabemos o que Nero disse após ter descoberto o cadáver de sua mãe Agripina e contemplado seus seios e quando como historiadores observamos um recrudescer de relações incestuosas na antiga Itália - durante os últimos séculos da I Média e os primeiros séculos da I Moderna, em que a exemplo da antiga Roma a instituição das amas de leite ou babás foi reabilitada após ter sido objeto de tantas críticas - não podemos nos deixar de perguntar a respeito de quantos pacientes de Freud teriam sido cuidados e alimentados por babás ou amas de leite durante a infância. Claro que estamos numa linha de mão única - pois se a criança em formação pode vir a apegar-se a babá e a criar laços de afeto com ela, uma babá sem escrúpulos poderia manipular os órgãos sexuais do bebe (as vezes até sem maldade) produzindo outra situação de conflito... Aqui porém, o problema crucial dirá respeito a uma mãe jovem e bela com que o pequenino pouco conviveu e com a qual não criou laços estáveis de afeto. Temos ainda o caso - hoje bastante raro mas não no passados - das avós que cuidavam dos netos, chegando inclusive a amamenta-los, enquanto as jovens mães debutavam com os esposos... Evidente que, suposta a validade do efeito Westermarck ou da teoria de Bowlby, teríamos aqui - na interferência de uma ama de leite, tia ou avó - uma abertura para a construção de outro tipo de relação entre mãe e filho, suficientemente descrita por Freud.


Claro que as decorrências advindas deste tipo de relação seriam conflituosas e portanto de modo algum saudáveis.

Temos de salientar ainda que tal e qual Freud seus pacientes advinham das classes médias e abastadas de Viena e não das classes pobres, haja visto que os honorários cobrados por ele e seus colaboradores não eram nada modestos. Diante de tais conjunturas não constitui absurdo algum supor que certa parcela dos pacientes analisados pelo pai da psicanálise tivessem construído relações de afeto com suas amas de leite ou babás e relações edipianas com relação a suas próprias mães, devido, como já dissemos, a certo grau de alienação ou afastamento. O próprio exemplo de Freud - por sinal alegado por Steven Pinker em'Como funciona a mente humana'  - autoriza-nos a fazer tais suposições, indicando por sinal uma possível linha de pesquisa.

Claro que a possível interferência das babás não basta para explicar a totalidade das ocorrência do complexo de Édipo. Pelo que devemos acrescentar algum outro fator (na verdade dois outros, os quais se completam) quiçá mais generalizado ou presente. Claro que em certo sentido tomamos a direção oposta de Freud, indo da Psicologia para a Sociologia ou do fato Psicológico para um fato Social.

Tendo em conta que nossos parentes mais próximos os chimpanzés - E muito provavelmente nossos ancestrais mais remotos - numa situação de contato pessoal intenso, construíam laços de afeto suficientemente estáveis e duradouros a ponto de impossibilitar a construção de relações incestuosas entre mãe e filhos e que tais relações incestuosas aparecem já na aurora dos tempos como objeto de tabu e consequentemente como uma possibilidade real, somos levados a nos perguntar sobre o que teria sucedido neste meio tempo no sentido de conduzir nossa espécie a relações incestuosas? Que teria acontecido? Que teria mudado???

Creio que o leitor inteligente deu com nossa resposta contida na pergunta.

Diante de tudo quanto temos compendiado a analisado só podemos compreender o afloramento de aspirações incestuosas em nossos ancestrais enquanto resultado de um enfraquecimento do contato social entre mãe e filho antes dos sete anos de idade. O que nos levaria intuitivamente a divisão social do trabalho, a qual pautando-se no gênero institucionalizou a relação - Homem/caçador - Mulher/coletora, a qual observamos ainda hoje em diversas culturas primitivas.

Conforme o homem e a cultura foram evoluindo e a caça, tanto quanto a coleta, se tornando mais e mais complexas - esta devido a uma quantidade cada vez maior de vegetais comestíveis conhecidos, de suas estações e habitats e aquela devido a estratégias e armas cada vez mais elaboradas - tornou-se necessário que o grupo criasse as primeiras instituições educativas, sempre tomando por critério a divisão social do trabalho por gênero. O que nos leva a instituição mais primitiva de que temos notícia entre as culturas primitivas: A casa dos homens e a casa das mulheres. Totem e tabu p 185 O tema da casa dos homens, foi abordado primeiramente por Hienrich Schurtz em 1902.
A já citada advertência de Lang a respeito do dinamismo da cultura primitiva, deve precatar-nos de ver nas atuais associações ou confrarias de homens e mulheres existentes nas comunidades primitivas as instituições originais. Atualmente, na maior parte das culturas, meninos e meninas passam a ter acesso as respectivas casas quando atingem a puberdade, o que entre eles sucede aos onze ou mesmo dez anos de idade. A partir de então os jovens em especial, abandonam o lar e o convívio materno.

Como no entanto a própria noção de puberdade, dificilmente estaria presente na cultura de nossos ancestrais mais primitivos, podemos cogitar que a separação dos sexos ocorria não muito depois do desmame, o que nos povos primitivos chega a durar três ou quatro anos. Quiçá nos tempos primitivos as crianças formassem grupos de lobinhos a partir dos quatro ou cinco anos na casa dos homens. Seria possível que esta redução de 1/3 ou menos quanto o tempo de convívio do menino com a mãe seria suficiente para desencadear uma atração incestuosa? Seja-nos permitido dizer que ela no mínimo favoreceria a construção desse tipo de relação ou que tornaria o menino acessível ou disponível a ele.

Portanto, além da alienação precoce, temos de avançar e procurar um segundo fator, mais forte ou poderoso do que o predisponente.