terça-feira, 6 de outubro de 2015

Como abordar a questão religiosa em sala de aula - Subsídios aos professores laicistas

É de todo inutil ignorar a questão religiosa.

Alias é danoso ignora-la.

Por mais que os propagandistas do ateísmo esforcem-se - através de manchetes estrondosas e mirabolantes - por demonstrar que o mundo esta mais ateu, isto não passa de pura falácia. O ateísmo jamais conseguiu atrair mais do que oito porcento de adeptos mesmo em países como a Holanda ou regiões do a Escandinávia.

Mesmo quando as pesquisas por pura inabilidade associam ateus com agnósticos, a cifra raramente atinge mais de 20% (exceções França, Inglaterra e Uruguai). Como o número de agnósticos é sempre bem maior não se sai dos 8%. A média pelo mundo é de míseros 2,4% e em poucos países apresentados como ateus chega a 5%...

Na verdade quando os ateus alegam que um pais é majoritariamente ateu estão incluindo por conta e risco: os agnósticos (cuja cifra indubitavelmente cresce e cresce) e até mesmo os indiferentes a religiosidade institucional (cuja cifra cresce ainda mais) mesmo sabendo que são quase todos deístas, panenteístas, panteístas, etc e que afirmam a existência de uma energia, alma ou espírito universal, o que os ateus, obviamente negam.

O que estamos assistindo hoje não é de maneira alguma a 'arrancada do ateísmo' e sim a afirmação de uma espiritualidade pessoal ou marginal, i é, fora dos moldes tradicionais e alheia as instituições formais. Religiosidade desvinculada de qualquer instituição religiosa definida.

É O QUE CHAMAM INDEVIDAMENTE DE ATEÍSMO. Trata-se no entanto de uma ruptura com a religião (i é de indiferentismo ou deísmo) e não de uma negação absolutamente segura a respeito da inexistência de um deus.

Por via alguma a irreligiosidade  (indiferença religiosa) e da dúvida sobre a existência de Deus (suspensão de juízo ou agnosticisno cf Th Husley 'Ciência e Religião' 1893) , devem ser confundidas com a metafisica ateística, pois comportam visões de mundo específicas e pontos de vista contraditórios.

Juntar tudo no mesmo saco e rotular como ateísmo só pode satisfazer mesmo aos pastores fanáticos e ateus fanáticos i é os extremistas. Mas continua sendo uma abordagem cientificamente desonesta e superficial.

Quanto aos agnósticos e deístas, seu número parece ser considerável em alguns países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França, Holanda, Suécia, Suíça, Noruega, Finlândia, Dinamarca, Uruguai, etc

No entanto apesar disto, apenas nuns poucos países civilizados chegam a constituir maioria absoluta (50 + 1%). Em todas as demais sociedades humanas - mesmo civilizadas e inseridas no contesto europeu - o número de crentes ou religiosos ainda é majoritário. Importa que a religião dominou tais sociedade até bem pouco tempo e que a cultura por ela plasmada permanece em parte vida e influente.

Vai-se a fé, mas as relações entre os signos, o imaginário coletivo, os elementos da cultura, as ações, intencionalidades e comportamentos permanecem sendo ditados pelo costume, a tradição ou o hábito. E pouquíssimos espaços, como EUA, Inglaterra, Alemanha e França, ocorreu a produção de uma outra cultura ditada pelo materialismo ou pela irreligiosidade. Mesmo sem que os elementos da cultura antiga fossem totalmente eliminados (embora alguns tenha passado por um processo de resignificação).

O que Édouard Laboulaye registrou há quase século e meio nas páginas da 'Liberdade religiosa' (charpentier - Paris, 1875 p 77) permanece mais ou menos válido até hoje:

"... Assim continuamos a guiar-nos por esta fé recebida na infância mesmo após te-la perdido. Nossa lingua, nossas ciências, nossas artes, nossos costumes... estão impregnados de Cristianismo. Nós nos dizemos assim incrédulos mas ainda que remotamente inspiramos nossas ações no Evangelho..."
Substitua-se Cristianismo ou Evangelho por religião ou espiritualidade e não fará muita diferença.

No sentido de que as diversas crenças continuam plasmando personalidades e influenciando a dinâmica social tal e qual na idade primitiva quando habitávamos em cavernas ou palafitas. Isto porque a fé tem o condão de introjetar e extrojetar ideias produzindo tipos de comportamentos e praxis sociais específicas.

Nem podemos compreender bem qualquer sociedade, como enfatizaram Fustel de Coulanges, Max Weber, e outros, sem examinar e compreender as crenças dominantes.

No entanto é forçoso compreender o que desejamos transformar e aprimorar. Daí a necessidade de estudar seriamente os credos religiosos, seus dogmas e sua História. É dever a que não devem se furtar aqueles que não creem. Não preciso crer em algo para reconhecer sua influência sobre os demais. Aos crentes e devotos, a fé ao sociólogo como Marcel Mauss o estudo das formas religiosas.

Especialmente a criança - por ser acrítica - e o jovem - por ser idealista e ingênuo - tendem a ser religiosos, embora posteriormente; quando amadureçam possam perder a fé. Cogitou-se já inclusive que a adolescência seja uma fase religiosa, em que a fé torna-se um ponto de apoio importante para a personalidade em conflito ou crise. Mesmo descrendo o educador precisa ter sensibilidade suficiente para perceber que a dimensão da fé pode ter significado vital para nossos alunos, enquanto suporte de sua vida mental.

Neste caso não se trata já da questão da verdade, i é do verdadeiro e do falso, e sim da conveniência. É prudente privar aquela criança ou jovem de sua fé neste momento? Que consequências poderiam decorrer disto? Como ficaria a mente daquela pessoa??? Tenhamos sempre Camus e o jovem Wether diante de nós! Sempre poderemos sugerir sutilmente e influenciar delicadamente... no entanto é necessário que cada qual faça seu caminho por si mesmo, tire suas constatações e amadureça.

Neste sentido a imposição do ateísmo, ou mesmo da simples indiferença religiosa por um professor autoritário pode ser tão devastadora para um jovem quanto a adesão a um credo fundamentalista. Nestes casos, em se tratando duma religião qualquer, i é não fundamentalista como o islã e/ou o pentecostalismo é sempre melhor: 'Deixar estar, deixar passar'...

Agora em se tratando de uma fé fundamentalista... que traga em seu bojo germes de intolerância, arrogância, violência, etc é melhor intervir sabiamente, sempre que as oportunidades surjam e problematizar. Toda e qualquer tentativa de proselitismo executada por alunos em classe ou no recinto escolar deve ser imediatamente problematizada pelo educador.

Há dois tipos de alunos que apreciam fazer perguntas sobre religião ou fé: os duvidosos ou indiferentes e os demasiadamente religiosos ou fanáticos.

Ao receber de chofre uma pergunta como esta: Qual sua religião professor?

Existem diversas possibilidades de intervenção, as quais devem ser tomadas levando em consideração as necessidades da turma.

Caso se sinta pressionado ou coagido o educador sempre poderá declarar:

"Como a fé é assunto de natureza pessoal, preferiria não responder a esta pergunta. Alias o espaço escolar existe para tratarmos apenas do que nos une ou do que é comum."

E concluir:

"Há tantas coisas interessantes nos seres humanos. Julgar as pessoas em termos de fé religiosa é quase sempre posicionar-se contra elas. É uma questão que só diz respeito a própria pessoa, então vamos respeitar e deixar de se preocupar com isto."

Neste momento podem aparecer outras duas perguntas (quase sempre aparecem!):

O senhor é ateu?

Neste caso o educador por aproveitar a oportunidade para problematizar e fixar o sentido de ateísmo e indiferença religiosa a que aludimos acima.

Mas o que é ateu?

......................

E daí mostrar a diferença (numa turma de E médio) entre quem dúvida ou suspende o juízo - agnóstico - o que afirma a existência de Deus mas não tem religião ou fé - deísta - o que segue determinado credo religioso - teísta ou crente - e o que afirma a inexistência de Deus (ateu). E arrematar a discussão dizendo que cada qual tem direito de fazer e de expressar a sua opção, merecendo todo respeito pelo simples fato de ser livre.

Caso algum aluno insista em perguntar se é ateu, o educador poderá responder:

Sim sou, e acrescentar; no entanto encaro com profundo respeito os que pensam de modo diverso ou é fruto de minhas reflexões e tenho direito de expressa-las.

ou

Não, no entanto, nem por isso posso deixar de respeitar o posicionamento dos ateus, agnósticos, deístas, etc

Um caminho possível é assumir discretamente sua posição e afirmar o respeito pelo posicionamento do outro, na perspectiva da liberdade.

A segunda pergunta, muito mais especiosa e comum é:

O senhor acredita na Bíblia?

Aqui o professor pode mais uma vez recorrer ao esquema da problematização, respondendo com uma outra pergunta:

Mas o que é a Bíblia?

Mostrando a partir daí que o conceito de Bíblia unitária é construção histórica e cultural e salientando a diferença cabal entre antigo e Novo Testamentos ou no plano do Novo Testamento entre as cartas de Paulo e os Evangelhos.

Caso tenha amplo conhecimento sobre a matéria (infelizmente lacunoso entre os não crentes) explorar a diversidade de tempo, locais, linguas e culturas em que foram produzidos os diversos textos bíblicos, insinuar contradições, etc

É algo que leva tempo, exige habilidade, mas é sempre compensador.

Importante é procurar, com bastante cuidado, remover da mente do aluno a ideia de inerrância absoluta ou infalibilidade plenária característica do modelo fundamentalista e anti científico, sempre por meio de uma crítica cerrada e questionamento contínuo.

Isto é claro sem tirar a liberdade do educando e permitindo que contra argumente a vontade.

Sem demonstrar impaciência, hostilidade, irritação, etc

Conservando ares de sã jovialidade.

Poderá se quiser responder como respondo: Tenho imenso amor e respeito pelas palavras de Jesus contidas no Evangelho, que é uma parte do Novo Testamento e até penso que constituam uma excelente orientação para a vida, agora com relação aos escritos de Paulo ou o antigo testamento (ou seja as demais partes do que voce chama de Bíblia) não posso encarar como palavra de Deus ou como fontes inquestionáveis.

Se o aluno perguntar porque não acredita em Paulo ou no antigo testamento poderá apontar para os preconceitos afirmados por aquela apóstolo: machismo, escravismo, estatolatria, homofobia, etc apresentar os mitos, lendas e fábulas do antigo testamento como correspondendo a cópias de material anterior de origem pagã (Sumeriana, Assíria, Babilônica, Egipcia, Fenícia, Persa, Grega, etc) ou explorar as inumeras contradições internas deste registro, além de seus erros em matéria científica é claro.

O importante aqui é:

1 - Jamais tomar a iniciativa de abordar qualquer tema religioso ou abster-se.

A atitude dos professores fanáticos e proselitistas que consiste em tomar a iniciativa de abordar qualquer tenha religioso, de impedir dos dissidentes de se manifestarem e de impor autoritariamente seus pontos de vista, caracteriza exercício de proselitismo O QUAL SENDO LEVADO A CABO EM ESCOLA PÚBLICA OU SALA DE AULA CONSTITUI CRIME.

Professores que atuam como pastores ou mullás ousando pregar em sala de aula devem ser denunciados as autoridades policiais e administrativas como criminosos!

É atitude que não deve nem pode ser tolerada sob quaisquer pretextos!

2 - Esperar que o assunto surja espontaneamente e, neste caso apreciar se deve ou não explora-lo naquele momento.

3 - Intervir positivamente diante de qualquer tipo de atitude proselitista apresentada no contesto escolar pelos alunos e problematizar.

4 - Sempre que possível responder com perguntas visando problematizar o assunto ou desconstruir os argumentos que considerar inadequados.

5 - Manter sempre um clima de liberdade permitindo que o aluno contra argumente e que todos participem expondo seus pontos de vista e ideias.

6 - Exigir atitude de respeito e tolerância.

7 - Manter o bom humor e a jovialidade. Jamais perder a paciência, mostrar irritação ou agredir os educandos.

8 - Procurar desde logo apresentar aos alunos o conceito de 'demarcação' e buscar familiariza-los com ele.

Estamos aqui diante de um conceito chave, de um padrão ou de um critério que deve nortear a atuação do professor crítico reflexivo, face a abordagem religiosa.

Grosso modo não deve o professor cogitar no que creem seus alunos em termos de transcendência.

Quanto mais a fé ou religiosidade dos alunos concentrar-se no além, no céu, no paraíso, no imaterial ou no invisível, menos problemática será para nós.

Posso não crer em Ganesha, Jupiter, Iemanjá, Jesus, etc no entanto se tais entidades não atuam magica ou miraculosamente no mundo material, posso dizer a meu aluno:

Não, não creio em Ganesha mas se você cre nele não me importa nem um pouco, desde que saiba que ele não faz chover, não cura cancerosos e não produziu o mundo em sete dias literais... Sendo assim estamos em paz.

Perceba aqui que o deus ou os deuses e entidades não são o problema da educação científica. Trata-se cientificamente de assunto neutro ou escuso; bom para a Filosofia, mas ocioso em termos de ciência.

O problema aqui da-se em termos de COMO qualquer dessas entidade (e não importa nome ou número) relaciona-se com o mundo em termos de fetichismo ou naturalismo. Se o aluno ou a pessoa crer que seu deus ira salva-lo no além ou ressuscita-lo podemos dar de ombros... agora se o aluno cre que seu deus faz chover mijando ou lançando baldes dágua ou ainda que ele mexe nas placas tectônicas provocando terremotos, então temos um sério problema.

Se este deus o entidade atua por meio de leis naturais de causa e efeito (caso dos espíritas e de parte dos Católicos)... se podemos situa-lo antes da grande explosão ou como causador (produtor) dela; enfim se ele atua DE ACORDO COM O RITMO DA CIÊNCIA, não temos o que discutir. O problema é sempre a ideia de um deus interventor, miraculoso ou taumatúrgico, que a todo instante 'aperfeiçoa' de improviso o universo, provocando diretamente o surgimento da vida, um dilúvio, sucessivos terremotos, fomes, guerras, etc, etc, etc

Até que essas intervenções multiplicam-se ao infinito, ocorrendo diversas vezes ao dia.

Aqui temos um problemão e devemos explora-lo ao máximo no sentido negativo, afirmando em alto e bom som o primado ou primazia das explicações científicas em termos de imanência e o direito exclusivo de serem ministradas em sala de aula.

Caso o aluno questione sobre o porque deste monopólio científico não devemos exitar em responder-lhe que os religiosos estão divididos em termos de modelo criacionista, mesmo porque cada grupo tem seu livro sagrado com narrativas e concepções diferentes. Eis porque nenhum destes livros pode servir para ministrar explicações gerais a todos os alunos... pois um cre no Antigo Testamento, outro nos Vedas, outro no Corão e assim por diante...

Na escola de todos temos de apelar a elementos comuns como a experiência e a razão, as quais encontram-se na base de nosso modelo científico.

Resumindo cumpre inculcar por diversos modos e maneiras, na mente dos nossos alunos, que a imanência é terreno que pertence a explicação científica e não a fé ou a religião, cujo campo restringe-se ao espiritual, imaterial ou invisível. Bom explicitar que não tem prevenção alguma contra a religião desde que ela se mantenha em seu terreno ou campo: o celestial ou divino, abstendo-se de invadir o terreno da ciência que é o mundo natural.

É necessário aproveitar todas as oportunidades para justificar este esquema até a exaustão. Aqui repetir é o melhor veículo!

Papai do céu ou deus cuida de deus anjos ou dos falecidos lá no além... A terra em que vivemos no entanto Deus quis regula-la por meio das leis naturais adrede fixadas desde o princípio.

Se o aluno indagar:

O sr crê na grande explosão ou na evolução das espécies, responda resolutamente:

Os religiosos creem no que não veem. Eu abraço as teorias da grande explosão e da evolução porque fazem sentido, porque me ajudam a compreender o mundo, porque estão fundamentadas no raciocínio e da experiência e sobretudo porque apoiam-se sobre um imenso número de fatos.

Não creio, constato aquilo que percebo ou melhor percebo com os pesquisadores.

Aqui não se trata de fé mas de bom senso.

9 - Jamais perder a consciência a respeito de sua liberdade de cátedra.

10 - Tenha esperança! Parte de seus alunos assimilarão os ensinamentos por si ministrados e com certeza ao menos alguns haverão de sair da caverna do fetichismo!

Procuramos aqui assumir uma posição intermediária entre ateísmo e fundamentalismo, exercendo critica face a fé apenas quando suas pretensões conflitam com as da ciência em seu terreno, o da imanência. E deixando as questões puramente metafísicas ou espirituais que não conflitam com o modelo científico ao alvedrio dos educandos.

Pois pensamos que a demanda da sociedade presente deva concentrar suas críticas face aos fundamentalismos ou a ideia de que livros integralmente infalíveis possuam uma autoridade ilimitada ou universal.

Esperamos que estas reflexões possam servir como embasamento para uma praxis mais segura e livre, e é claro eficiente.

Neste momento crucial não é o ateísmo, o agnosticismo ou o deísmo que precisam de bons advogados mas o modelo científico naturalista, a liberdade, a tolerância, o pluralismo, etc

No próximo artigo publicaremos uma série de estratégias pedagógicas evolucionistas para professores de ciência ou bilogia.

Mestres hajam com consciência, dignidade e desenvoltura; sem medos ou receios!




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