sábado, 31 de dezembro de 2016

Religiões: Sintomas de vida e morte... A agonia do Cristianismo e o fim da civilização humanista II







No entanto como disséramos, nem sempre fora assim.

A respeito da moralidade conjugal por exemplo, indicamos a título de leitura as obras de Charboneau (Pe) e do consagrado literato Morris West.

Apenas para resumir direi que a igreja antiga tolerou o concubinato, concedeu carta de divórcio sem maiores dificuldades, considerou o abandono no lar como equivalente a dissolução do vínculo... Já o ocidente medieval foi conivente com a masturbação (Pedro Damião foi o primeiro a condena-la no século XI), tolerou quando não incentivou - em algumas sociedades - o sexo antes do casamento, admitiu que o sexo oral enquanto preparativo para o coito não era pecaminoso, etc cf John Boswell "Cristianismo, tolerância social e homossexualidade" 1980)

Tovadia na medida em que um número cada vez maior de homens era forçado a abraçar o monacato contra a própria vontade, multiplicavam-se tanto os atos de masturbação, quanto os de homossexualismo e pederastia, o que naquele contexto implicava pecado de infidelidade. Na medida em que o Império romano esboroava-se e que bárbaros teutônicos e jihadistas muçulmanos massacravam os soldados e destruiam as cidades, certo número de homens espertos era levado a buscar paz e segurança nas comunidades monásticas. Nas quais havia relativa imunidade, comida, sossego... mas não mulheres. O que levava os não vocacionados e oportunistas a 'pecar' contra a castidade. Não porque a sexualidade fosse encarada como má, mas porque tais pessoas havia feito voto a Deus.

Tendo em vista o saneamento de tais males a igreja optou por recrudescer sua posição levando tais condenações, sobre matéria sexual, até os leigos. Pois se conseguisse disciplinar os leigos e afasta-los de certas práticas sexuais até então autorizadas ficaria mais fácil obter candidatos sóbrios e disciplinados para o monacato. Esta decisão implicava, ao menos até certo ponto, em 'monacalizar' a sociedade profana. Inaugurando um novo ethos sexual, um ethos repressor.

Portanto a adoção de normas sexuais mais rígidas por parte da Igreja decorreu não de ilações teológicas mas duma realidade social externa a si. Da dissolução das estruturas sociais, inclusive da própria família e duma situação de agitação e angústia que estavam empurrando as massas sem perspectiva para as organizações monacais, do que resultará o declínio do ideal e sucessivas crises de identidade. Pois parte daqueles homens e mulheres estava adotando um tipo de vida para o qual não tinham a mínima aptidão, um tipo de vida superficial e aparente, enfim um tipo de vida assumido não por amor mas por cálculo.

Em seus estertores finais parte da Sociedade antiga internou-se nos mosteiros pondo em perigo a velha e consagrada disciplina. Diante disto a igreja optou pelo contra ataque e de fato revidou tornando bem mais rígido o código sexual vigente e assumindo uma perspectiva cada vez mais puritana.

Parte dos leigos no entanto, jamais se deixou colonizar e resistiu ao cabo dos séculos.

Tal o caso do Ocidente ou da igreja latina.

Parte daquela sociedade, herdeira da cultura greco romana, mostrou-se infensa e irredutível face as condenações da igreja.

E por conta das profissões religiosas meramente formais ou forçadas a 'imoralidade' por assim dizer, apossou-se cada vez mais das 'casas de Deus'. Em que pesem as ameaças e maldições do alto clero parte da sociedade medieval continuou a encarar a sexualidade sob uma perspectiva puramente natural e a transar tal e qual seus ancestrais.

Pelo século XV desta Era não era apenas a maior parte da sociedade ocidental, mas parte considerável do clero ocidental que se entregava sem maiores escrúpulos as delícias da carne e dir-se-ia que a igreja romana fora cooptada e vencida pelo orgasmo. No entanto aquela mesma sociedade achava-se fragmentada e havia - enquistado nela - um setor poderosamente influenciado pelo judaísmo antigo e pelo maniqueísmo representados pelo Bispo Agostinho. Este setor encarava a outra parte da sociedade como pervertida e a igreja como corrupta, mas estava determinado a redimi-las, restaurando (???) a boa e velha disciplina e retomando o ideal de monacalizar a sociedade.

Foi este setor que alimentou e apoiou a revolução protestante e como já dissemos, esta tendência corporificou-se na pessoa do teólogo francês João Calvino.

Ocioso seria discorrer aqui sobre a disciplina imposta por Calvino aos infelizes genebrinos. Ali tudo era definido em termos de sobriedade: música, dança, comida, bebida, traje, vocabulário, sexualidade, etc Ao invés do Catolicismo ter se encarnado neste mundo pela implantação do amor, da bondade, da justiça, da solidariedade, a tolerância, da paz, etc o que se encarnou em nome do Cristo, na Genebra do século XVI, foi o espírito do farisaismo nos mesmos termos em que a sharia dos muçulmanos. Cf Zweig 'Uma consciência contra a violência' e Pierre van Paasen 'Nestes tristes dias' 

Nem precisamos dizer que a igreja romana, muito mal avisada, foi no reboque.

Afinal Calvino não cessava por um instante seque - exatamente como nossos sectários - de apelas aos escritos dos antigos judeus ou ao que chamava de 'Bíblia'. O que conferia certo prestígio a sua cruzada moralista, mesmo entre os Católicos...

Ao fim deste tenebroso caminho a igreja romana apresentou mais uma vez ainda o maniqueismo e o puritanismo em termos metafísicos e essencialistas e revestiu-os com um aparato dogmático que chegou a causar inveja nos setores mais obscuros do protestantismo, uma vez que este sistema, marcado pelo livre exame, não se revelava suficientemente impermeável e eficaz entre os europeus. Possibilitando sempre uma outra interpretação tanto mais suave ou mesmo liberal. A igreja romana por instinto refugiou-se mais e mais na cova do moralismo a ponto de apresentar-se como sua campeã e redentora da sociedade européia, sem imaginar que estava a tragar veneno e a suicidar-se espiritualmente.

A igreja romana assumiu uma causa que não era sua e tornou-se odiada, enquanto parte do protestantismo conseguiu manter seus 'créditos'.

No entanto desde as primeiras décadas do século passado assomaram lá na Europa católica certas vozes discordantes, as quais jamais puderam ser caladas e tornaram-se cada vez mais fortes, até formarem, mais uma vez, um setor, o setor do liberalismo moral. Em maior ou menor medida parte dos católicos mais esclarecidos acabaram assimilando as opiniões de S Freud e numa perspectiva teológica semi liberal e ao mesmo tempo sociológica puseram-se a denunciar a judaização da fé e o agostinianismo como equívocos.

Tanto na Europa quanto nos EUA este setor tornou-se emblemático justamente por trazer em seu bojo o pressuposto a ideia de que a cultura judaica - ao menos em seu todo - não é sagrada e por colocar em cheque a querida teoria da inspiração plenária ou linear com sua imagem artificial de um 'Corão Cristão'. Em certo sentido os Críticos da moralismo tendem a questionar mais e mais os posicionamentos dos profetas, de Paulo, de Agostinho, etc e a fixar seu ideal de moralidade no Evangelho ou seja nas palavras de Jesus Cristo autor da fé e fundador da Igreja. Implica isto uma compreensão correta ou exata de cultura...

No entanto semelhante tipo de compreensão não é nem poderia ser comum a toda Igreja e a uma igreja gigantesca somo a igreja romana (podemos dizer o mesmo das igrejas Ortodoxa e anglicana). Pois esta sempre na dependência da instrução e do esclarecimento.

Eis porque a afirmação dos romanismos (e mesmo dos Catolicismos!) latino americano, africano e asiático e o declínio dos romanismos europeu e norte americano colocam em situação de risco o setor do liberalismo moral e a própria tradição legítima da igreja, ora ignorada por seus próprios filhos e substituída por um ethos de origem protestante ou calvinista.

Agora para compreender-mos o que tem acontecido e poderá acontecer com a igreja romana de amanhã, devemos considerar historicamente a Igreja Católica Ortodoxa e sua relação com o mundo islâmico. Em termos de dinamismo cultural essa análise é não apenas esclarecedora mas fundamental.

Antes de abordar esta passagem cultural feita pela Ortodoxia gostaria de enfatizar, ainda mais uma vez, o caráter liberal da modalidade cristã bizantina e não encontro exemplo mais do que a Instituição da Adelphopoeisis (apud Boswell "Casamentos de semelhança ou uniões entre pessoas do mesmo sexo na Europa pré moderna" 1994 ingl). Boswell era filólogo e poliglota conhecedor de dezessete linguas e Católico praticamente de missa diária. Ademais seus argumentos a respeito da relação amorosa existente entre os soldados e mártires S Sarkis e S Bacus é perfeitamente aceitável se considerarmos que os antigos hagiógrafos descrevem-nos como Erastai o que nos remete em termos clássicos a efebia.

Da mesma maneira a instituição tradicional dos validos eunucos foi tolerada durante todos século IV e por quase cem anos após o édito de Milão. Havendo quem diga que sua condenação e a primeira condenação oficial da homossexualidade pela igreja - datada de 390 - deve-se antes de tudo ao apoio dado pelos eunucos a causa ariana. O que nada teria a ver com a malignidade essencial do homo erotismo. De fato um dos principais esteios do arianismo foi Eusébio, eunuco de Constantino e mordomo da porta do palácio imperial. cf S Atanasio, Escritos

Sem embargo disto a Adelphopoeisis chegou sem maiores problemas ao século XIX. Quiçá 'purificada' de seu aspecto sexual.

Enquanto a moralidade Ortodoxa passava por sucessivas e drásticas transformações, ficando por assim dizer 'islamizada'.

Importante compreender que religião alguma é impermeável a influência das demais. Assim como o Romanismo hodierno protestantizou-se, houve situações em que islamizou-se tal como o Catolicismo Ortodoxo. O que poderá repetir-se!

Não foi sem maiores razões que o fenômeno da Inquisição espanhola, foi atribuída tanto a judaização ou ao influxo do antigo testamento no contesto Cristão, quanto a influência do islã com sua murtad e sua jihad. Instituições assimiladas e canonizadas pelo romanismo espanhol.

O próprio espírito das Cruzadas fugindo ao aspecto defensivo - numa perspectiva social e política - que o gestará e por assim fizer degenerando também deve ter contribuído a sua parte. No entanto todas essas relações culturais em torno da violência e a agressão remetem necessariamente ao islã. Embora tenham sido alimentadas ou endossadas pela leitura dos escritos judaico 'cristãos'.

No entanto esclareçamos previamente que seja islamizar.

Islamizar é o mesmo que judaizar, i é, manter a fé cristã ou mesmo Católica e assumir costumes ou modos de vida judaicos ou muçulmanos.

O que até certo ponto é perfeitamente possível ou lícito. Exceto quanto a alguns aspectos da Ética a fé Católica não proíbe ou sequer condena a adoção da cultura judaica ou da cultura árabe muçulmana bem como de qualquer outra cultura no plano da natureza. Herética seria a afirmação de que tal gênero de vida seja superior aos modos de vida dos demais fiéis. Não havendo tal pressuposição sempre seria lícito ao Católico adaptar-se socialmente, especialmente quando pressionado.

Tal o caminho trilhado primeiramente pela Ortodoxia.

Por isso que diversas de nossas igrejas ortodoxas> Siríaca, Assíria, Copta ou mesmo Bizantinas islamizaram-se ou arabizaram-se em maior ou menor grau. Tais Cristandades mantiveram a fé imaculada e o rigor teológico, assumiram no entanto uma moralidade muçulmana e consequentemente maniqueísta, puritana, machista e homofóbica...

No entanto tais valores não são legitimamente Cristãos ou autênticos.

É a vida vivida por esses grupos Cristãos muçulmana, e a custa de adaptarem-se vivem já sob uma meia sharia, que é uma introdução a sharia.

Mantiveram a fé apenas mas não o sentido completo ou espírito da vida Cristã e incorporaram diversos preconceitos pertencentes aos padrões semitas de cultura.

Assim como já vivem parte do islã, fica fácil para eles trocar uma teoria por outra e assumir 'in totum' a crença maometana

Passam aqueles Cristãos em maior ou menor número ao islã e apostatam justamente porque suas vidas são já em parte reguladas por aquela crença e envenenadas pelo espírito da transcendência absoluta e do moralismo.

E não há como negar que sejam meio muçulmanos, apesar da fé.

Como há no Ocidente os sectários judaizantes por causa da Bíblia.

Grosso modo podemos dizer que quando a fé não da sentido da vida e não é vivida morre.

Morre entre os papistas protestantizados e entre os Ortodoxos islamizados!

Até extinguir-se por completo.

Por outro lado a vivência do Cristianismo integral, com sua Ética revolucionária, seria utopia e absolutamente impossível numa Sociedade islâmica.

Na medida em que suscitaria o ódio dos muçulmanos e determinaria sua aniquilação.

Alias norma e regra é não chocar os agarenos, e portanto...

A assimilação torna-se absolutamente necessária.

E de tal modo se concretiza que a existência de minorias cristãs nos países muçulmanos passa desapercebida aos olhos dos próprios cristãos que porventura la estejam.

A sombra do islã converteu-se a fé Ortodoxa noutro sistema de moral estreita, arbitrária, conservadora ou moralista, e até hoje tem sérios problemas para lidar com isto e não consegue superar este modelo acanhado e mesquinho mesmo quando inserida em alguma sociedade Ocidental. Dir-se-ia que o ethos islâmico criou raízes na Ortodoxia e que isto e simplesmente monstruoso.

Tal o dilema> O romanismo no Ocidente protestantiza (e consequentemente judaíza) enquanto no Oriente a fé Ortodoxa islamiza... predispondo-se a morte.


Continua

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Religiões: Sintomas de vida e morte... A agonia do Cristianismo e o fim da civilização humanista I

Definições necessárias:

  1. Maniqueísmo: Ideologia que encara negativamente a matéria, o corpo, a nudez e a sexualidade.
  2. Moralismo: Ideologia que coloca a moral, ou os costumes individuais, acima de tudo.
  3. Puritanismo: Moralismo exacerbado.

Moralmente falando o Catolicismo jamais foi uniforme. Destarte podemos dizer que ao menos em parte não era um sistema moralista ou de moralidade estreita. Embora nele houvessem moralistas e um setor moralista. No entanto até e dealbar da Reforma protestante este setor moralista enquistado no Catolicismo não foi hegemônico.

A crítica posta pela reforma protestante no entanto foi em grande parte moralista e moralizadora.

Paradoxalmente nem Lutero nem Zwinglio eram moralistas. Lutero por sinal como 'solifideista' era anti nomiasta e contrário a própria lei moral, bem como a vida ética. Ao menos não salientava a existência de quaisquer vínculos essenciais entre religião e virtude e afirmava um salvação no pecado, jamais do pecado.

A maior parte da reforma no entanto segui a opinião, tanto mais saudável, de João Calvino o qual não só era moralista ou melhor puritano, como buscava a fontes de sua moralidade na cultura judaica ou seja na Tanak ou na Torá, do que resultou uma moralidade sectária e judaizante até o legalismo. E todo conteúdo dessa reformação lança raízes no terreno do maniqueísmo.

Nesta perspectiva eram os Católicos de modo geral, e em especial aqueles cujos costumes eram ainda medievais, encarados como mundanos e permissivistas pelo simples fato de beberem sobriamente, de ouvir música, de dançar, de praticar algum esporte, de vestir roupas consideradas demasiado 'curtas' ou coloridas, etc

E ai no calvinismo damos com as fontes do farisaísmo pentecostal e desta religiosidade externa cujo foco é a comida, a bebida, a sexualidade, o traje, etc

Agora se contemplamos atentamente a situação da igreja romana percebemos que desde os séculos XVIII e XIX, e mais ainda hoje, a balança vem pendendo para o lado do moralismo.

Pelo que temos de nos perguntar: Será isto bom???

Em termos de História e Sociologia a resposta já esta formulada: O florescimento ou assunção de uma religião qualquer da-se em termos teológicos ou especulativos e seu declínio e morte em termos de moralismo.

A igreja romana foi teológica no primeiro milênio desta era enquanto parcela do Catolicismo Ortodoxo e ainda após o cisma, durante quase toda Idade Média e mesmo alguns séculos após o advento da reforma justamente devido a polêmica travada com os protestantes. No entanto após o Concílio do Vaticano II optou por mergulhar ainda mais no pântano do moralismo... Desde então sua teologia entrou em crise ou eclipse e o moralismo assomou em todos os setores em que pese a resistência e a atuação de um setor marcadamente liberal.

E com que guarra os Católicos afetando lemingues cerram as fileiras do moralismo insípido de par com os ministros protestantes!

De fato eles não são capazes de perceber que esse reducionismo moralista implica o empobrecimento da religiosidade e sua destruição. E concentrando-se apenas na vontade, bem ao sabor do agostinianismo, vemos que o papismo abandonou por completo os setores do intelecto e da estética... bem como o da ética ou da doutrina social. Deixou de ser espírito e vida para converter-se em receita de bolo comportamental...

Falaciosa é a interpretação tradicional que apresenta a 'contra reforma' como um movimento de oposição ao espírito protestante, quando foi no mínimo um movimento de conciliação. A maior parte dos Católicos confrontados com a metralhadora bíblica do protestantismo (mosaica e paulinista) não tardaram por entrar em crise e fazer um dramático 'mea culpa'. Sob um dilúvio de citações imbecis tomadas a Torá chegaram a ponto de reconhecer que seus ancestrais não passavam de uns vis depravados.

E assumiram uma 'reformação moral' na perspectiva dos maniqueus e puritanos. Tal a perspectiva de Trento, da qual o papismo jamais viria a afastar-se nos quatro séculos subsequentes. Foi um acolhimento receptivo da crítica protestante e uma incorporação atenuada de princípios protestantes. Tal o motor da moralização que se seguiu. E a orientação foi o abandono das alegrias mais inocentes relacionadas com os sentidos, a ocultação do corpo e a adoção de um código sexual cada vez mais exato e estreito.

Desde então o papismo passou a insistir obstinada e desastrosamente em temos como: a perenidade do matrimônio, o patriarcado masculino, a monogamia, a heteronormatividade, a vinculação prazer sexual - procriação, a separação dos sexos na sociedade, a adoção de figurinos ou trajes 'sóbrios', a condenação sistemática da gula e da embriagues, a 'satanização' da música profana bem como das danças... O que de algum modo remete-nos a 'santa Genebra' do assassino e ditador Calvino com as centenas de leis, normas, regras e dispositivos de controle postos para a uniformização do comportamento externo, e consequentemente para a criação ou reprodução de cópias humanas.

Surpreende-nos que o papismo tenha engolido esta isca feita com confeitos tomados ao judaismo antigo e lançada pelo reformador francês. A bem da verdade os católicos não apenas engoliram como degustaram o confeito calvinista até o deleite...

Por volta do século XIX a igreja romana era uma instituição marcadamente puritana e os liberais em matéria de moralidade um seleto grupo de rebelados mantidos sob vigilância. No entanto ainda havia alguma vida teológica. Porque ao menos no setor doutrinal e ritual havia oposição face ao protestantismo. O puritanismo no entanto é sempre conciliador, de modo que sem perceber a igreja romana foi engolindo mais e mais linha até aproximar-se mais e mais do protestantismo e assimilar outros tantos princípios e valores seus. E aqui esta a fonte do relativismo ecumênico, da RCC e de todas as sucessivas desgraças que abateram a infeliz igreja romana.

A porta de entrada de todas as bruxas foi a absorção do moralismo puritano. Não foi em vão que a igreja romana converteu-se em baluarte da causa no século XIX e numa Colônia do protestantismo cem anos depois (1960). A maior parte dos Católicos assumiu um sentimento de culpa que não era seu e desde então, ao menos inconscientemente, passou a admitir que de certo modo ou de certa forma - por ter provocado a contra reforma e a reformação moral - que a Reforma protestante havia salvo a Igreja romana (!!!). Surpreendente conclusão!

Agora se é mesmo assim por que vossos papas não canonizaram os reformadores ou melhor os salvadores da Igreja ao invés de terem-nos excomungado e anatematizado???

Aqui os Papa infalíveis não tiveram gota ou pingo de bom senso ao excomungar homens providenciais, digo os heroicos reformadores...

Então eles vieram prestar bons serviços a igreja demolindo toda sua vida sacramental e o culto mariano???

Mas quem é que ensinou os neo Católicos que uma mesma fonte pode deitar água doce e salobra ou que uma mesma árvore pode dar figos e espinhos???

Perceba-se a que situação vexatória o moralismo conduziu a antiga igreja romana???

E ela não pode sair deste abismo hiante porque mesmo os decantados tradicionalistas assumiram no mais alto grau este ideário protestante, post reformado, moralista e puritano...

E como a igreja assume padrão de autoridade, veio o moralismo a tornar-se legal ou a institucionalizar-se. Desde então a resistência liberal adquiriu 'status' de marginalidade.

Curiosamente tal não se deu no seio da corrente rival, o protestantismo. Ja por ser um sistema subjetivista e individualista. O que possibilitou a sobrevivência da tradição luterana ou antinomiasta em alguns setores e diversas tentativas de conciliação entre a fé e a moralidade natural contemporânea, ao menos na Europa e EUA. No protestantismo, devido ao livre examinismo, tais setores não ficaram marginalizados.

Na igreja romana, desastrosamente, a emenda saiu pior do que o soneto pelo simples fato de não oferecer outras opções de 'moralidade' como o protestantismo. Desde o século XIX, logo ela que possuia um lastro de moralidade liberal ou como dizem hoje de 'imoralidade' e contra cultura fundamentado nas idades Média e Antiga, passou a ser identificada como o que havia de mais reacionário e atrasado na Sociedade européia.

Continua

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

É Jesus um coquetel de deuses antigos? Uma resposta ao panfleto 'RELIGIÕES: TUDO QUE VOCÊ PRECISA SABER ANTES DE MORRER' - Oiced Mocam





A serenidade nos faz ler muitas bobagens e silenciar ou calar.

Em determinadas circunstâncias tentar refutar uma tolice pode acabar sendo demonstração de tolice ainda maior.

E também, como dizia o velho Orígenes, há quase mil oitocentos e cinquenta anos, a vontade humana continua irrefutável.

Se a pessoa quer ou deseja acreditar em algo nada do que escrevamos ou digamos mudará isso...

As vezes é sinal de sabedoria poupar argumentação, tinta e saliva!

Por outro lado, quando algum amigo querido ou aprendiz solicita uma refutação, então temos algo sobre o que pensar.

E neste caso só resta fazer algo muito bem feito.

Por isso pensei, pensei e pensei...

No entanto o que me fez tomar decisão, foi um desses inúmeros textos imbecis que desfrutam da boa graça dos esclarecidos internautas e faceboqueanos mas que seriam varridos incontinenti e como lixo dos meios acadêmicos.

Plagiando Julio César até posso dizer que: LI, RELI E NÃO CRI!

Pois até mesmo a estupidez há de ter seus limites. Ou não?

E como o fragmento da porqueira estivesse truncado e sem indicações lá fui eu pesquisar qual fosse a fonte, e céus eternos, para minha maior surpresa pude encontra-la!

Trata-se da obra intitulada - 'Religiões tudo que você precisa saber antes de morrer.' Busquei o nome do autor e ao invés de dar com ele, tudo quanto pude encontrar foi um anagrama (nome falso ou codinome FAKE) Oiced Mocam (Decio alguma coisa, Macom??? Não sei, mas até gostaria de sabe-lo para desafia-lo a um debate publico!). Trata-se portanto de obra tão chula que o autor até tem receios de vincular seu nome, preferindo recorrer as estrategias das Tjs, assim ao anonimato...

Ademais o titulo é absolutamente falacioso e enganador.

Pois não se trata de expor imparcialmente os credos religiosos, ou de descreve-los como faz a verdadeira ciência acadêmica representada por um G Vermes ou por um J D Crossan, mas de um ataque as religiões em geral, especialmente é claro ao Cristianismo, religião a que o autor vota profundo ódio. E busca apresentar tão rasteiro sentimento como cientifico!!!

No entanto já antes de darmos com o prato principal, começa o pregador ateístico a clamar contra o culto da Cruz, alias Católico, posto que os protestantes a exemplo dos ateus, também odeiam a cruz. E a partir de sua Bíblia passaram a apresenta-la como pagã e diabólica, bem antes dos ateus, os quais limitaram-se a copiar ou reproduzir a parlenga dos reformadores, seus mestres...

E de chofre já declara que o símbolo da Cruz passou a ser empregado pelos Cristãos muito após a morte de Jesus... Claro que ele se contenta com um 'muito apos' genérico, pois precisa-lo em termos de tempo não dá né... e sempre se pode dar uma 'saída para a esquerda...'

Seja como for numa de suas Epístolas - Tida como autêntica pela própria crítica racionalista e indiferente (cf E Renan 'Historia do Cristianismo') - o apóstolo Paulo já se refere a cruz como símbolo do poder e da glória de Deus e vinte anos após a morte de Jesus. Para além disto altares com cruzes foram escavados numa capela Cristã existente na cidade de Pompeia, soterrada pelo Vesúvio no ano 80 desta era (meio século apos a morte de Cristo) e fragmentos de vidros com cruzes gravadas foram encontrados nas ruínas de uma das primeiras igrejas cristãs de Damasco capital da Síria, construção que data do seculo I.

De modo que em meados do século II o polemista Ortodoxo Tertuliano de Cartago, aconselhava os Cristãos a traçarem o sinal da cruz a proposito de qualquer coisa... Antes de comer, beber, dormir, ler, etc.

Portanto a alegação do panfletário cristianofóbico carece de todo e qualquer embasamento.

Alegar que a Cruz ou qualquer outro símbolo assumido e empregado pelos cristãos é anterior ao Cristianismo nada significa caso consideremos a doutrina dos arquétipos ou símbolos universais presentes já na mente, já na cultura. O fato de existirem antes do Cristianismo comunica lhes veneranda antiguidade enquanto o fato de terem sido assumidos pela igreja indica que o Cristianismo converteu este universo mental de veneranda antiguidade em realidade concreta, inserindo-o nos domínios da História. O que precisa ser explicado não é a existência do símbolo 'a priori', mas sua presença 'a posteriori' na História do Cristo, assim a Cruz, assim a crucificação dele... Ela é que pede a explicação e a explicação é que os símbolos e arquétipos onipresentes no imaginário humano encontraram correspondência na vida deste ser humano singular.

Pois os cristãos só assumiram os símbolos antigos na medida em que tinham relação com a Historia de sua fé. Tomando o Cristo como referência fizeram uma seleção e tudo quanto não trazia este sentido foi descartado...

Genial a resposta dada a essa gente pelo nosso Joaquim Nabuco: Toda vez que vocês demonstram que algo no Catolicismo é mais antigo do que ele, mais venerando, mais remoto e tomado a religião ancestral do paganismo, tanto mais me apego a esta religião que corresponde aos anseios mais remotos da humanidade.

Em seguida o catequista ateu lança esta maravilhosa pérola de grande quilate: Sem o antigo testamento de que o Cristianismo se apoderou o Cristianismo jamais teria existido.

Diante desta pérola gigantesca não temos como nos controlar e só nos resta exclamar: E há redundância brava aqui! Pois se nosso gênio já havia mencionado o Cristianismo na primeira parte do período a norma culta da nossa lingua determina o emprego de pronome pessoal 'Ele' quando se refere ao Cristianismo pela segunda vez. No entanto a alma bárbara que compôs esse enorme acervo de afirmações gratuitas e estapafúrdicas porfia em martirizar a 'flor do lácio inculta e bela' enquanto vai destilando seu veneno puramente ideológico.

Pois ao contrário do que propala o apóstolo San Harris ateísmo não sendo material, imediatamente acessível aos sentidos, perceptível e empírico é meramente ideológico e por isso mesmo lançado pelos verdadeiros céticos ou agnósticos no mesmo balaio que o teísmo e tido em conta de fé ou especulação. Não, não são os cristãos que dizem isto e nem mesmo os religiosos mas pensadores do quilate dum Huxley. E se como alega o sr Pirula 'Darwin chegou perto do ateísmo' é justamente porque não chegou ao ateísmo, como por estar perto da Catedral da Sé não estou nela, pois se estivesse nela não estaria perto...

Quanto ao Antigo Testamento a afirmação é veraz quanto as profecias alusivas a vinda ou manifestação futura de Jesus Cristo, tais como: Uma Virgem dará luz a um filho... ou Um menino nos nasceu, filho nos foi dado... ou ainda Cresceu diante de nos como pobre rebento... varão das dores, moído pelos sofrimentos, etc Evidentemente que os ateístas odeiam tais oráculos pelo simples fato de que apesar de terem gasto toneladas de tinta e papel, jamais conseguiram refuta-los sob qualquer perspectiva. Pelo que continuam convencendo muitos homens de valor.

Agora para além das ditas profecias a relação existente entre Evangelho ou Cristianismo e Antigo Testamento ou Tanak, ao contrario do que declaram Calvino e os reformadores protestantes, foi marcada pela criticidade e pela rejeição. Moisés vos ensinou... disse o Mestre amado, eu porem vos ensino... O que atraiu a cólera dos rabinos opressores e reacionários com sua gama de preconceitos, e determinou o assassinato do subversivo ou revolucionário galileu (cf  'Cristo, o maior dos anarquistas', por Anibal Vaz de Mello).

Pouco mais adiante, pois a obra prima sequer é paginada e o autor parece ignorar que sejam números, damos com a afirmação arbitraria de que Jesus não passara de um tipo ideal, noutras palavras de um mito sem direito a existência histórica concreta. Assim entre o nazareno e o Mikey Mouse ou o Peter Pan não haveria qualquer diferença significativa. Incrível como os ateístas se mostram tão acríticos e apegados a suas tradições podres quanto qualquer judeu ou protestante. Haja visto sua petição ao arcaico e ultrapassado E Bossi cuja filípica remonta a século e meio tendo sido refutada brilhantemente pelo Pe Senna Freitas dentre outros tantos... Mas nosso crente, confiando docilmente nos dogmas estabelecidos pelo sr Bossi, sequer folheou a obra de Senna Freitas ou mesmo - o que é infinitamente mais grave - as dos já citados pesquisadores e cientistas Vermes e Crosan duas 'bestas' que jamais se atreveram a postular seriamente a inexistência de Jesus.

A justiça no entanto obriga-nos a reconhecer que apesar da sujidade acumulada sobre esse monturo, há ali uma flor e flor odorífera.

Pois ao menos o autor, descrevendo Jesus como mero 'avatar da Filosofia grega' reconhece a decantada relação existente entre o Evangelho e a Filosofia helênica ou entre Cristianismo e Socratismo, reconhecida pelo insuspeito Nietzsche e enfatizada pelo eruditissimo Wener Jaeger na "Paideia Cristã e Paideia grega". 

Eis porque - segundo já citado Nietzsche - Jesus e Sócrates devem ser abatidos juntos, ademais o pensador de Silz Marie jamais acalentou duvidas sobre Cristianismo e Humanismo sobreviverem ou morrerem juntos. Paradoxalmente é este 'humanismo' florescente apenas naquele cristianismo 'paganizado' a que chamamos catolicismos, não no cristianismo judaizado e sectário i é no protestantismo, sempre infenso a nossa herança greco romana incorporada pelo primeiro.

Justamente por ter percebido esta correspondência entre a Filosofia grega, no que tinha de mais excelente - o socratismo e o aristotelismo - e o Catolicismo é que aderi a este e o tenho professado até hoje após ter descrido dos mitos do antigo testamento e rompido com o protestantismo.

A percepção de que a organização Cristã primitiva logrou realizar, ainda que precariamente - e nos referimos ao aparelho de serviço social criado pelo Império Bizantino no século IV ( com a Magnaura, jardins da infância, hospícios, escolas, hospitais, asilos, orfanatos, recolhimentos, leprosários, dispensários, etc ) o ideal de sociedade fraterna esboçado por Sócrates e Platão foi terminante para mim. Nenhuma ideologia - em termos puramente humanos - mais vigorosa do que a socrático/platônica/aristotélica, quiçá mais vigorosa entre os antigos no final da Era pré Cristã, do que o positivismo na segunda metade do século décimo nono, o marxismo na primeira metade do século vinte ou o pós modernismo em nossos dias.

E no entanto essa ideologia colossal não conseguiu preservar o mundo antigo da destruição.

Sossobraram os ideais pagãos de Sociedade humanista com a Sociedade que os gestou apesar de sua imensa popularidade.

Roma - então repositório de tudo quando havia sido acumulado pelo Ocidente desde os egípcios e sumérios - caiu fragosamente e com ela todo um projeto de Sociedade e ideário de vida elaborados pelas mentes mais brilhantes que o mundo conhecera.

A queda o Império romano, a crise e colapso da civilização antiga implicam reconhecer que Sócrates, Platão e Aristóteles não haviam sido capazes de reforma-la ou de sanea-la eticamente. Implica reconhecer que seus heroicos esforços falharam.

Agora se estamos bem informados e levamos em conta quais foram as culturas que substituíram aquele império e que fizeram com ele temos de nos perguntar por que raios ainda sabemos tanta coisa a respeito daquele mundo destruído, seu ideário de vida e projeto de sociedade???

Quem não souber que eram os bárbaros germânicos e que faziam as cidades romanas com suas pontes, aquedutos, templos, estátuas, bibliotecas, teatros, escolas, pinacotecas, estádios, etc o conteste; assim como quem ignorar ou não souber o que a primitiva jihad islâmica fez com os principais centros helenísticos do Oriente próximo... Dar-me-ei satisfeito com rememorar a destruição da Biblioteca de Skandaria, por Amru al ass valido do quarto califa Omma ibn Katib.

Ruínas fumegantes, destroços e cadáveres era tudo quando restava daqueles então florescentes espaços de cultura.

No entanto os nomes de milhares ( O Florilégio de Ihoannes Stobaeus apenas contem centenas deles) de personagens relacionados com a cultura clássica nos são conhecidos e digo mais, até detalhes de seus vidas e opiniões. Agora a quem se deve isto se os germânicos e muçulmanos nutriam total ojeriza para com aquele padrão cultural???

Teriam os guerreiros islâmicos e/ou teutônicos compilado e transmitido a posteridade a Eneida de Vírgilio, As vidas e doutrinas dos filosofos ilustres de Laertius, a Antigona de Sófocles, as Memoráveis de Xenofonte ou dos Diálogos de Platão???

É verdade que chegaram aos muçulmanos 'liberais' ou mutazilas que floresceram do século IX a XI desta Era, como no entanto haviam chegado a eles?

Será que Ésquilo, Aristóteles ou Sexto caíram dos céus nas mãos dos esclarecidos mutazilas???

Até onde esclarece-nos a crítica mais sólida tais escritos haviam sido tomados ao siríaco ou arameu. E vertidos a esta lingua - a partir da lingua original, o grego - por teólogos, clérigos e Bispos Ortodoxos, tanto malkaya ou bizantinos quanto assírios e siríacos. Já no Ocidente as memórias dos latinos como Cícero, Sêneca, Tácito, Lívio, Suetônio, Catulo, Estácio, Propércio, etc haviam sido compiladas primeiramente pelos monges escribas congregados por Cassiodoro em Vivarium, posteriormente, sob Columbano em Bobbio e por fim em Lidsfarne e outras abadias da distante Irlanda ao tempo de Scottus Eurigen. cf "Como a Irlanda salvou a cultura" Th Cahill

Como se vê quem salvou e preservou os fragmentos, vestígios ou elementos de Filosofia grega ou de civilização clássica que chegaram até nós foram os odiados monges Católicos. Foram eles que compilaram e transmitiram tais tesouros a posteridade. Agora se havia marcada oposição entre o conteúdo de tais obras e a fé Cristã por que raios o teriam feito???

O simples fato dos monges terem compilado e preservado tantos e tantos monumentos da Filosofia grega remete-nos mais uma vez a questão da afinidade.

Era Jesus de fato um 'avatar da Filosofia grega' mas vivo e real perdido nos confins obscuros e arenosos da judeia ou da Galileia. Podem os ateus explicar naturalmente este 'fato'? Não. Então já sabemos o que os leva a negar a existência de Jesus. Porque se trata dum homem póstumo ou extraordinário, subversivo ou revolucionário, emblemático e misterioso... Este eco de Sócrates e/ou Platão a expandir-se pelos ínvios desertos da Palestina é um desafio a crítica anti Cristã porque esta figura terá de ser no mínimo grandiosa ou não vulgar.

De fato um Jesus vulgar em termos de rabino acrítico, crédulo, topo e bem comportado é o que jamais existiu.

CONTINUA - 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

E se a segunda vinda de Cristo fosse no Brasil????




Este texto esta baseado no do Pe Rohden e no de M Freixo

Segundo declaram os Santos dos últimos dias após ter anunciado a boa nova aos galileus dirigiu-se Jesus a esta parte do mundo chamada América... e pos-se a Evangelizar o povo 'nefita'...

Não se trata todavia da nossa América Sulina e muito menos do Brasil mas a grande República protestante do Norte, os EUA. E será lá que o mesmo Jesus haverá de instalar o paraíso terreal, segundo o credo dos mórmons...

Outra seita, esta muito mais exótica, assevera ter ele pregado no antigo Peru, aos Incas ou melhor aos Nazcas ou Paracas...

Todavia, por um instante apenas, permitamos que a mente divague e imaginemos que Jesus Cristo venha fazer uma visitinha ao Brasil. Ao maravilhoso Brasil do Temer, do Renan, do Cunha, do Campos, do Malta, do Feliciano, do Everaldo, do Malafaia, do Bolsonaro, da Bancada 'Evangélica', do MBL, do Pe (???) Rossi, do Pe (???) Jonas, e de toda esta gente de bem apegada a moral e aos bons costumes.

De lá do mais alto dos céus ele escuta as vozes e discursos sobre temor, decência, pudor, moral, consciência, piedade, sobriedade, etc E como as nuvens não permitem que tudo contemple com absoluta nitidez, o homem Deus toma a infeliz e desacertada decisão de vir a 'Terra Brasilis'...

Deliberada a segunda vinda, o Senhor dá um pulo, salta dos céus e cai em Brasília ou no Rio de Janeiro ou ainda em S Paulo.

E como não vem trajado como príncipe mas como trabalhador ninguém o percebe.

E ele não sabe como isto é bom!!!

No entanto após observar trabalho escravo em fazenda de deputado, Nosso Senhor principia a soltar o verbo e a denunciar tamanha calamidade... e ajunta inclusive algumas palavras em defesa dos direitos do trabalhador.

Comunista! Bolchevista! Anarquista! Subversivo! Gritam os paladinos da 'desordem' estabelecida!

Onde já se viu colocar-se ao lado de vagabundos que não trabalham, que não lutam, que não correm atrás, que foram vencidos pela vida, que se acomodaram, ah não bolsas e estipêndios apenas para aquelas mulheres trabalhadoras e cheias de guarra, as filhas dos juízes e generais! Pobre tem de por-se no seu lugar, isso sim!

Como esta já perto de ser processado pelos maccartistas da 'leva jeito para golpe' Jesus prefere calar-se e continuar por esta nossa terra que já foi da santa cruz, mas que hoje é mesmo do tridente do capeta...

Ao passar em frente a um lar 'cristão' movido por princípios bíblicos, tomados ao 'Verbo redentor' (Sic) Paulo de Tarso, o meigo instrutor da Galileia acaba topando com um marido humilhando sua esposa e dizendo que ela não precisa nem estudar, nem trabalhar porque seu lugar é a cozinha e que ela lhe deve total submissão e reverência... E já esta a gritar com a pobre e a levantar a mão quando Jesus dirigi-lhe as seguintes palavras: Mas meu amigo eu falei de igual para igual com Marta e Maria e dialoguei com a mulher da fonte e fui servido por um grupo de mulheres corajosas, alias você há de convir comigo que em questão de direitos todos são iguais...

No entanto Jesus antes mesmo de terminar seu discurso é interrompido pelos gritos de: Feminazi! Revoltado! Subversivo! Inimigo da família! Corruptor dos costumes! Adversário do Cristianismo! Acaso nunca leu as palavras do apostolo Paulo???

A "Emília" nem chegou direito e já quer reformar a natureza!

E como estivesse prestes a ser agredido pelos defensores da família tradicional, da moral, da ordem e dos bons costumes, etc Jesus acaba deixando aquele lutar e retomando seu caminho!

Até numa esquina qualquer de uma grande cidade topar com um grupinho de varões ou 'jovens machos' dispostos a agredir um casal de homossexuais. Jesus se coloca entre uns e outros e dispara: Mas que raios vocês estão fazendo?

Ao que um dos jovenzinhos responde de pronto: Qualé brou tamo prestes a surrar esses viadinhos em nome de Jesus! Não mano, em nome de Moisés! Corrige outro dos rapazes. Em nome de Moisés, Jesus, Maomé... em lei de Deus que mandou enforcar ou melhor lapidar esses degenerados! Mas Jesus jamais mandou fazer semelhante tipo de coisa, replica o bom Mestre, pelo contrario ele atendeu a súplica do centurião romano ( que era homossexual ) e decretou que seus seguidores amassem uns aos outros, perdoassem os inimigos, se abstivessem de julgar, cultivassem a paz, e fossem misericordiosos.

De modo algum, replica mais do que depressa outro dos jovens! Recuso-me terminantemente a crer que um homem tão sábio quanto Jesus tenha decretado umas leis assim tão estupidas... Mas ta lá, no Evangelho, replica o bom Mestre com toda paciência... Em Lucas capitulo...

Sem essa de Lucas, Pedro, Mateus... Temos a lei de Moisés e portanto a Bíblia, que é a palavra de Deus, está a nosso favor!

Os fariseus que queriam apedrejar a Madalena também tinham e apesar disto eu, digo Jesus, disse: "Quem não tem pecado que lance a primeira pedra!"

Alias que dano ou prejuízo esse casal causou a vocês???

É, nenhum, admitiu outro dos rapazes.

Então deixem eles viverem como quiserem e fazer o que quiserem com seus corpos porque o homem é livre, tornou o Mestre dos mestres.

Ei o casalzinho de boiolas acabou de fugir gracas a você! Também pudera, com esse cabelo cumprido e essa túnica só pode ser mesmo boiola... Isso mesmo: Pederasta, gueizinho, viado!

Jesus no entanto afasta-se deles e não conseguem localiza-lo ou fazer-lhe mal algum...

Mais além, após ter percorrido alguns quilometros, o Mestre amado dá com um sitiante enraivecido surrando a não poder mais um velho burro caído por terra diante de uma grande carroça abarrotada com sacos de milho.

E não podendo omitir-se arrisca: Amigo, que fazes? Não percebes que este animal jaz extenuado por carregar um peso muito acima de suas forcas?

E tu, quem és - torna o homem - que não percebes que este burro não passa de vil alimária ou duma besta de carga?

No entanto, torna Jesus, também sente dor, tem consciência e sofre como qualquer um de nós.

Bem se vê, responde o sitiante, que tens o miolo mole e que não passas de um louco. Desde quando um animal tem consciência de que sofre se sequer tem uma alma imortal?

No entanto todos somos seres vivos e companheiros de viagem neste vale de lagrimas, insiste o Redentor misericordioso.

Companheiro o que, responde-lhe o homem ameaçadoramente, quem ignora que os seres de condição inferior existem para servir a espécie mais evoluída, no caso a humana? Só mesmo um demente como tu poderia ignorar semelhante coisa, "Reinarás sobre todos os animais, os peixes e as aves do céu." é o que esta escrito!

Mas... Arrisca ainda Jesus até sentir uma boa chibatada vibrar-lhe no dorso, pelo que se retira...

Regando o pó da terra com lagrimas de dor e desespero o Mestre prossegue em sua viagem por este imenso pais habitado por uma multidão de Cristãos que já se consideram salvos e até predestinados e acaba chegando a um semáforo junto ao qual algumas crianças estão a oferecer doces aos motoristas. E chega no exato instante em que um destes engravatados pega uma das crianças pelo colarinho enquanto berra: Seu marginalzinho duma figa tu não me enganas, tudo quanto queres e assaltar-me...

Mais do que depressa o Verbo divino detém a mão daquele homem de bem e afasta a pobre criança enquanto pergunta indignado: Mas afinal o que o senhor esta fazendo?

Dando uma boa lição nesse vigaristinha, responde o homem em alto e bom som.

Acontece que a pobre criança nada lhe fez?

De fato esta ai nada me fez, no entanto, na semana passada uma delas tomou-me a carteira com 150 pratas! Acha pouco cidadão?

Após pensar um pouco Jesus devolve: No entanto o amigo teve pais não??? Evidentemente que sim, responde o homem de má vontade, ou acha que nasci do oco da bananeira?

O que quis dizer, esclarece o abençoado Reparador, e que foi criado por seus pais, amado e cuidado por eles, que foi matriculado numa boa escola, que só começou a trabalhar aos dezesseis anos, que foi bem orientado, que jamais passou fome, sede ou frio???

E???? Torna o homem mostrando que nada compreendeu ou quis compreender.

Mas o amigo não percebe, rebate o Filho da Virgem, que aquela criança que estava prestes a esganar jamais teve acesso as mesmas oportunidades???

Cidadão vá logo ao assunto e diga o que quer dizer com isto?

Quero dizer que este menino nasceu de mãe solteira numa favela, que sua mãe morreu quando tinha quatro anos, que foi criado por uma tia alcoolatra, que era constantemente surrado por ela, que era forçado a pedir esmolas e vender balas para não ter de dormir ao relento, que jamais pode frequentar regularmente uma escola, que passava fome e sentia frio constantemente, que não aprendeu a ler e escrever...

E eu com isso, devolve o motorista já agressivamente???

Céus benditos, torna o Deus feito homem, acaso o senhor não tem religião???

Como não torna o homem enfurecido, se vou ao culto todos os Domingos e sou homem de fé! Sou Cristão e mais dizimista, arremata o homem que esta ao volante daquele carro!

Neste caso deve ter conhecimento da seguinte passagem do Evangelho: Aquilo que desejais que os homens vos faça, antecipai-vos e fazei vós a eles!

E??? Pergunta mais uma vez aquele homem.

Caso o senhor fosse uma criança carente e vendesse balas no semáforo como gostaria de ser tratado pelos motoristas??? Compreende, é só colocar-se no lugar do outro!

Colocar-se no lugar do outro para que se já sou lavado e remido no sangue de Jesus???

Aqui Jesus volta seus olhos para as cicatrizes existentes em suas mãos e enquanto chora cogitando sobre o que os homens mais tem ensinado a respeito de seu sangue é brindado com as seguintes palavras:

A vida é assim mesmo desde o princípio, uma luta e apenas os mais aptos como eu conquistam um lugar ao Sol, aos vencidos a sarjeta. No entanto se eles se conformarem com sua situação e tiverem fé no Senhor Jesus irão pro céu na outra vida e lá serão felizes...

Mas o menino Jesus nasceu pobre numa manjedoura, exclama Jesus já meio desiludido. Sim, pois tinha de aplacar a ira do Pai e merecer nossa salvação sofrendo muito arremata aquele 'cristão' piedoso antes de acelerar e quase atropelar Nosso Senhor!

O dia ainda não chegou ao fim e nosso Mestre depara com um grupo de homens fardados, gente da lei, lascando pancada numa turminha de adolescentes pardos residentes num bairro da periferia.

E mesmo antes de aproximar-se deles o Bom Pastor é brindado com um sonoro: Cidadão não te mete, fica parado onde esta!

Mas meu senhor, replica Jesus, há abuso de poder aqui, afinal que fizeram estes rapazes para serem assim tao maltratados, porventura não determina a lei que até os criminosos confessos e assumidos tem direito a um julgamento digno com contraditório e ampla defesa após o qual seguem as punições na forma da lei? No entanto parece que você esta julgando, sentenciando, condenando e castigando no lugar do juiz...

Entrementes um transeunte que se detivera para observar discussão coloca o dedo em riste na cara de Jesus e exclama aos berros: Tinha de ser outro desses demagogos defensores dos direitos humanos! Direitos humanos para humanos cidadão. Não vê que os homens estão trabalhando e cumprindo com o dever? Bandido bom é bandido morto... Quando for assaltado por algum desses meliantes vai precisar da polícia...

Mas quem é que te ensinou tais aberrações? Pergunta o Nazareno, já sentindo náuseas.

Quem foi que me ensinou??? Quem foi que me ensinou???!!!

Ora teria me ensinado senão o pastor da minha igreja, homem piedoso e bastante versado nas Escrituras? Ele nos disse que antigamente os assaltantes, criminosos, bandidos, ladrões tinham as mãos e os pés amputados ou eram apedrejados até morrer como Acã. Bons tempos aqueles em que vigoravam as leis de deus...

Amigo, você não esta confundido o Evangelho com o Corão ou a lei dos judeus?

Que confundido coisa nenhuma, onde já se viu defender bandido! Só bandido defende bandido então no mínimo você é suspeito e deve ter feio algo de errado!

Mas quando estava lá pregado no alto da cruz Jesus não dirigiu qualquer palavra amarga a Gestas, o ladrão impenitente supliciado pelos romanos, permanecendo em silêncio, logo ele que é justo juiz infalível e perfeito.

Mas onde já se viu usar a Bíblia com o objetivo de defender bandido e de criticar a polícia, que tempos são estes meu deus!!! Que tempos são estes???

Ladrão tem mesmo é que morrer na cadeira elétrica!

No entanto além de salvar a Madalena, Jesus teria dito a Pedro no momento em que golpeou o servo do Sumo Sacerdote: Guarda a tua espada pois quem se vale da espada por ele haverá de perecer! E também: Bem aventurados os pacíficos...

Não me lembro de ter lido ou ouvido tais coisas, mais tarde no entanto procurarei na minha Bíblia... Por ora fico com a lei de Talião: "Olho por olho, dente por dente."

Mas foi justamente essa lei, que eu, digo que Jesus veio abolir e substituir pelo amor, a bondade, a compreensão, a tolerância, o perdão a generosidade, etc

Acaso Jesus não desejou lançar fogo do céu sobre os Samaritanos infiéis???

Pelo contrário, retorna Jesus, os Zebedeus é que aconselharam-no a exterminar os samaritanos, ele no entanto declarou: Não sabeis porque espírito sois movidos! E recusou-se a faze-lo.

Só sei que Paulo na Epístola aos Romanos declara que não é em vão que o magistrado secular porta a espada e que ele é ministro de Deus! Portanto os criminosos devem ser condenados a morte sim.

Mas acaso o deus que você diz adorar não foi vítima de um erro judiciário?

Aqui o interlocutor de Jesus, dirigi-se aos policiais ali presentes e exclama: Oficiais, que os impede de autuar esse barbudo subversivo por apologia ao crime e a violência? Não ouviram tudo quanto ele acabou de dizer: Que criminosos e bandidos tem direito a vida e a integridade física???

Fato é que após tantas e tantas andanças e confusões, já pela noitinha, Nosso Senhor chega ao centro daquela cidade, local em que estavam reunidos alguns de seus desafetos - i é alguns dos homens de bem com que altercara no decorrer do dia - como o capitalista, o machista, o sitiante, etc Enquanto outros ainda vão chegando...

E como sua indumentaria fosse característica principiam a clamar: Eis o comunista! Bolchevista! Imoral! Safado! Bandido! Viado! Frouxo! Subversivo! Inimigo da pátria! Adversário da Religião! Anti Cristo! Blasfemador! Sedutor! Falso profeta! Herético! Sujo! PEGA!!! MATA!!!

E como sói ocorrer em tais encontros, em que congregam-se multidões, as palavras sucedem-se tomates, ovos, estrume e em seguida paus e pedras até que a confusão acaba atraindo os olhares dos militares, dos políticos, dos lideres religiosos e de chofre acham-se todos ali, naquela praça em torno do divino crucificado e dispostos a confronta-lo!

A um lado o Supremo poder revestido de carne e a outro os poderes constituídos deste nosso mundo e guardiães da 'desordem estabelecida'...

Mas o que esta acontecendo aqui? Perguntam os lideres e chefes.

Acabamos de topar com este homem e de constatar que esta a anunciar doutrinas subversivas, torpes, imorais e a corromper a juventude! E se nossos filhos crerem nele que será de nossa boa Sociedade? Virá abaixo em pouco tempo até que não reste pedra sobre pedra! Forçoso é processar e condenar este homem pois tudo quer reformar e nada respeita, bem a família, nem a autoridade, nem a tradição...

Então declarai quais sejam as opiniões do homem. Acena um dos mestres guardiães.

Esta a dizer e a declarar que Nosso Senhor Jesus Cristo era favorável as revindicações das mulheres, das crianças, dos trabalhadores, dos homossexuais e até mesmo, acredite vossa graça, dos animais irracionais. Advoga além disto a paz, a tolerância, o perdão, o amor, a justiça, a bondade, a igualdade, etc Enfim a destruição dos costumes e o caos...

Após refletir por alguns instantes, o mais idoso dos guardiões, com o cenho cerrado, pergunta a Jesus
Sendo assim não aprovais nosso modo de vida e duvidais quanto ao que dizem nossos padres e pastores que representam a Jesus Cristo e a anunciam seu Evangelho? Acaso não sois machista, adultista, homofobico, capitalista, escravista e odinista como nós e toda boa sociedade civilizada?

Esses falsos mestres a que reverenciais não penetraram pela porta do aprisco, são mercenários que saltaram pelo muro. Jamais os constitui e enviei para emporcalharem o meu Evangelho com tradições podres e preconceitos humanos. Enquanto estive entre vós recebi o centurião romano, acolhi as crianças, proibi que o jumentinho fosse separado de sua mãe, vivi cercado por mulheres as quais doutrinei, juntei-me aos pobre e miseráveis, constitui pescadores, proclamei a liberdade de todos e recomendei que o agredido desce a outra face ao agressor! Tomai e lêde, minhas palavras estão registradas, vós e vossos falsos mestres prostituíram seus ensinamentos, jamais vos ensinei a negociar em torno da virtude!

Quando tais palavras chegaram aos ouvidos daquela multidão de fanáticos, conservadores, muçulmanos, biblistas, moralistas, bolsomitos, fundamentalistas, fascistas, nazistas, comunistas, capitalistas, etc Todos os adeptos das culturas de morte puseram os dedos nos ouvidos e gritaram em coro: Não suportamos ouvir isto... Poupai-nos.

No entanto o guardião mais velho fez um gesto com seus braços e aquela multidão de povo serenou. Diante disto ele lançou mais uma pergunta:

Condenais o recurso a força ou a violência?

Toda Sociedade agredida tem o direito de defender-se e contra atacar, condeno no entanto a agressão. Jamais é lítico, a Sociedade alguma, que se considere Cristã, agredir ou atacar.

Sendo assim condenais o recurso a guerra?

Todas as guerras de pilhagem são condenáveis. Aquele que deflagra a guerra é sempre criminoso.

Ditas estas palavras mais uma vez o clamor atravessou a praça de um canto a outro...

Certamente aprovas o costume de supliciar os heréticos, sacrílegos, blasfemadores e ateus???

Se Deus é todo poderoso bem pode castigar ele mesmo seus desafetos, sem precisar ser auxiliado por vós.

Ademais toda religião que precise fazer uso da força física para adquirir fiéis ou mante-los no respeito é morta em si mesma. Se recorre a punições temporais é porque falta-lhe autoridade espiritual. Se não admite analise, confrontação, critica, discussão e argumentação é porque não esta em posse da Verdade, afinal a Verdade nada teme da liberdade e sai sempre vitoriosa.

Portanto se derramais sangue e assassinais é porque a vossa religião é falsa, "Em matador algum subsiste a vida eterna."

Tais as palavras com que o Mestre respondeu ao guardião mais velhos. O qual após ouvi-la soltou um doloroso suspiro e perguntou:

Jamais ouvi dizer que abordastes o sexo em vossa pregação, nós no entanto baixamos regras bastante precisas e exatas sobre a matéria e condenamos todo tipo de obcenidades. Aqui certamente estais conosco???

De fato se abrirdes o meu Evangelho jamais encontrareis fórmulas ortodoxas ou decretos sobre sexualidade. Pelo simples fato de que tal assunto não me interessa, não me importa, não me afeta. Sexualidade é coisa que pertence a esfera da liberdade humana. Cada qual faça uso de seus corpos como bem quiser, desde que não prejudique ou cause dano ao outro.

Vós e vossos líderes, continuadores dos escribas e fariseus, substituístes o importante, o essencial, o necessário que é o amor ao próximo, por todos esses preconceitos toscos em matéria de sexualidade, preconceitos que eu jamais sancionei. O que eu disse é que meus discípulos são reconhecidos pelo amor. Além disto determinei que estivessem sempre prontos a perdoar, inclusive aos inimigos, que fizessem bem a todos, que fossem generosos, gentis e compassivos, que se abstivessem de julgar, apontar, criticar, evitar e condenar, que fossem pacíficos e tolerantes - "A religião pura e sem mancha consiste em servir concretamente aos órfãos, ao estrangeiro e a viúva.". Tal a religião que eu ensinei, centrada no amor ao próximo e não em tabus de natureza sexual.

E nem bem Jesus havia pronunciado tais palavras, os maniqueus, puritanos e outros inimigos do corpo, da nudez e do sexo, gritaram a uma só vós: Este homem é imoral, é devasso, é dissoluto, tem um demônio, é filho da fornicação, ao patíbulo com ele! Morra, morra... Foi tudo quanto se ouviu! Este seguidor de Freud e Reich deve morrer!

Por fim que tendes a dizer em tua defesa? Indagou outro dos guardiães.

Que realizei um bom trabalho em favor da religião ao transferi-la do domínio das exterioridades inúteis, como comida, bebida, traje, dieta, sexo, etc para o domínio da virtude, da intenção, do espirito, do amor, etc É tudo quando tenho a declarar e se alguma religião sobreviver as revoluções dos séculos será esta religião, da ética, da virtude, do bem, do amor, da alteridade; do humanismo enfim.

Após terem se reunido os guardiães da moral e dos bons costumes avaliaram os ensinamentos introduzidos por aquele homem como imorais, subversivos, utópicos, nocivos, revolucionários, estúpidos, inadmissíveis e consideraram que se fossem aceitos abalariam aquela bela sociedade até os fundamentos mais remotos, prejudicando a todos. Portanto fazia-se mister puni-lo exemplar, rigorosa e imediatamente para que outros não pudessem ouvi-lo e para que aqueles que porventura o tivessem ouvido não ousassem dar-lhe créditos!

Assim sendo após um breve instante, o divino Mestre Jesus recebe sua sentença: Nós, o povo brasileiro em nome da Bíblia, da lei, da religião, da instituição Cristã, da boa Sociedade, da gente honesta e decente, da ordem, da moral e dos bons costumes, etc sentenciamos o forasteiro João das couves a ser fuzilado sob a acusação de estar anunciado as perniciosas doutrinas de Marx, Freud, Atrino, Nearing, Ghandi, Tolstoi, Mill e outros celerados, cujo fim será a corrupção da nossa juventude. Seja pois torturado pelo Dops, posto no pau de arara, submetido a eletrochoques, etc (segundo a civilidade de nossos costumes) e depois fuzilado. CUMPRA-SE DE IMEDIATO!

E como temessem que aquele homem ressuscitasse e tornasse a ameaça-los com aquela doutrina escandalosa e inoportuna, os piedosos brasileiros, 'povo mais cristão da face da terra', determinaram que seu corpo fosse cremado e suas cinzas lançadas ao Tiete...

Destarte todas aquelas almas puras e imaculadas puderam respirar aliviadas, afinal já podiam odiar, julgar, condenar, prejudicar sem restrições e em nome de deus!

...



domingo, 25 de dezembro de 2016

Burguesia, capitalismo e espírito democrático

Espírito democrático é espírito de liberdade, de opção, de escolha, de decisão.

Implica reconhecer que todos os cidadãos são responsáveis pelo governo ou administração da cidade e mão apenas um, dois, três ou alguns.

Supõem, no mínimo que as decisões da maioria sejam sempre acatadas.

Do contrário existe dominação ou concentração de poder nas mãos duma pessoa ou de um grupo em detrimento do bem comum, noutras palavras: opressão.

Até mesmo no plano da democracia impura, formal, indireta ou representativa pressupõem-se necessariamente o risco ou necessidade da alternância no poder já em termos ideológicos, já em termos meramente censitários.

Assim se nos posicionamos contra a simples possibilidade da alternância no poder é porque nos recusamos a reconhecer o povo como árbitro decisório e enfim porque negamos sua capacidade para o exercício da liberdade. Ficando a democracia morta na fonte.

No que tange a esfera do político ou das coisas comuns (que pertencem a Pólis) o democrata, policrata ou libertário reconhece que todas as decisões cabem ao povo e que a opinião contrária implica dominação.

Em termos de democracia pura ele esta firmemente persuadido que as discussões, debates e diálogos propiciarão a defesa dos mais variados pontos de vista, o exercício da argumentação, o acesso a informação, a possibilidade da comparação e a tomada da decisão mais acertada. Importa participar ativamente das discussões, exercer a cidadania e suster honestamente seus pontos de vista. Humanamente falando temos aqui o sistema que nos oferece as melhores garantias possíveis, inda que sem tornar-se infalível.

Agora em termos da democracia 'fajuta' ou precária que temos, torna-se a situação bem mais complexa. Embora as eleições quadrienais tragam ao menos uma vantagem que é justamente a possibilidade de revisarem-se certas leis na medida em que pela alternância uma outra ideologia toma posse do poder.

Quero dizer que as eleições quadrienais, ao menos em tese, propiciam a possibilidade de que ao termo de uma gestão pública mal sucedida, seis críticos e opositores venha a sucede-la trazendo propostas totalmente distintas. Eis a alternância no poder!

Agora poderá o socialista, o humanista, o social democrata, o trabalhista... admitir sinceramente este princípio, especialmente quando sua plataforma esta no poder????

Em que pese sua certeza em termos absolutos de que as soluções socialistas são quase sempre as melhores, o democrata admite que salvo seu juízo pessoal, o julgamento do governo e de todo governo pertence ao povo e não a si, a comunidade e jamais ao indivíduo, inda que de caráter nobre e esclarecido. Admite ele que gestão e administração socialista seja avaliada criticada pelos adversários, vigiada pela opinião pública e avaliada pelo povo; e como propõem-se a governar para o povo e não para castas, classes, categorias, grupos, etc não teme ser avaliado por ele embora admita que ele possa equivocar-se.

Segundo a perspectiva socialista equivocam-se as massas quando elegem um governo demagógico voltado para as necessidade do mercado e do capital. Transferir o poder a um governo inspirado nos princípios liberais economicistas constitui quase sempre uma tragédia em termos sociais e nem sempre temos como evita-la ou como impossibilita-la democraticamente falando.

No entanto a decisão mais acertada em tal conjuntura não é chutar o balde da democracia ou agir hipocritamente buscando derrubar o governo por força das armas. Aqui a melhor das soluções é - a bancada socialista - opor-se as más iniciativas do governo, estabelecer a crítica e buscar informar e conscientizar o povo preparando o clima para a próxima eleição.

Se somos democratas atribuímos ao povo o direito de errar. Afinal a possibilidade de errar faz parte do exercício da liberdade e quando negamos o direito ao erro, aniquilamos a liberdade. Claro que a liberdade não existe para o erro, mas para que o acerto seja meritório. No entanto o erro não pode ser descartado ao menos enquanto possibilidade sem que nos tornemos dominadores e totalitários.

Mesmo quando estamos convencidos de que nossos ideais são os melhores não nos é dado impo-los como quem domina.

Ou...

Revertamos agora a dinâmica e pergunte-mo-nos se a burguesia aceitou de boa fé e até o fim as exigências do espírito democrático.

Enquanto possibilidade de alternância no poder e a eleição e o reconhecimento de um governo popular ou socialista???

E como nestes tristes tempos temos de esclarecer o óbvio, é evidente que não estamos falando em comunistas, bolcheviques ou vermelhos pelo simples fato de que recorrem as pontas das baionetas e não a sufrágios! Evidente que estamos falando daquilo que o profo Everardo Beckheuser classificava como governo rosa i é ao bem esta social, trabalhismo, social democracia, democracia Cristã, keynesianismo, etc E sempre numa perspectiva democrática jamais golpista!

Na prática a experiência histórica demonstra-nos que não.

Basta para tanto apontarmos o último período do governo Vargas, que culminou com o suicídio (???) do presidente, ao governo Jango atalhado por um golpe militar, a deposição irregular e ilegal da presidenta Dilma pelo Congresso... Para nos atermos ao Brasil apenas.

Assim enquanto enganam o bom povo e governam os liberais hipócritas vivem com a boca cheia de democracia e ordem, mas... quando constitui-se livre e democraticamente pelos sufrágios do povo um governo não liberal, os bons liberais economicistas atraiçoam sordidamente o liberalismo político e recorrem a força das almas com o objetivo de aniquilar a democracia!!! Isto não interpretação ou análise são fatos e temos já três interrupções do estado de direito, não pelos rosas, mas pelos 'liberais' ou democratas de fancaria!

Implica isto um oportunismo e não um espírito democrático e a aceitação da ordem democrática apenas enquanto nos favorece e apenas até onde nos favorece. Triste realidade: os pressupostos da ordem democrática não foram aceitos até o fim pela burguesia ou pelos liberais economicistas e em suas mãos ela não passa de mais um instrumento destinado a perpetua-los no poder. É a busca sútil, disfarçada e sorrateira pela manutenção do 'status quo'. Pelo que temos aqui a manipulação, a profanação, a instrumentalização imoral da democracia. E não sua aceitação integral, como um espírito que nos deve sinceramente animar.

Aqui a simples possibilidade da alternância no poder e a formação de um governo socialista, implica pânico generalizado por parte dos eternos donos do poder e das elites parasitárias.

Não, nossa burguesia golpista e fingida ainda não esta a altura da elevação e da pureza do ideal democrático da auto determinação popular.

O que eles querem é continuar dominando o povo. Embora dando-lhe a ilusão e a mera ilusão de que governa a si mesmo e escolhe seus caminhos.

Neste caso por que derrubaram o antigo regime???

Era bem mais honesto e moralmente correto conservar o poder absoluto do rei, ao invés de construirmos uma democracia aparente ou de fachada.

Enfim até nossa democracia continua sendo apenas para 'inglês ver'.

Será que o inglês se deixa enganar - após três golpes! - a ponto de crer nela?

sábado, 24 de dezembro de 2016

O 'Novo mundo' que Freud devassou...





Muito, muito antes de Freud já se falava na existência de um inconsciente ou de um setor da nossa mente inacessível a esfera da consciência.

Rousseau e Nietzsche já haviam postulado sua existência e discorrido a respeito dela.

Tal e qual aqueles astrônomos que já falavam sobre a lua antes da Apolo XI e como aqueles que hoje falam sobre Marte.

Mas era tudo muito obscuro e misterioso e aquele terreno jamais fora explorado.

Há quem hoje duvide da ida do homem há lua e há certamente quem duvide da vontade inconsciente.

Grosso modo a respeito do inconsciente podemos admitir que homem algum foi lá, pois para tanto teria de entrar na mente do outro, o que sabemos ser impossível.

Não, nós não vemos o inconsciente como não vemos o ar. Tampouco a maioria de nós já esteve na China ou na Índia. No entanto quando testemunhamos os efeitos produzidos pelo vento deduzimos a existência do ar e quanto vemos chineses ou indianos constatamos a existência daqueles lugares.

As memórias do inconsciente ou memórias inconscientes é que vieram até nós quer por meio de delírios febris, quer por meio da assim chamada hipnose ou hétero sugestão.

Foi por esta brecha ou porta aberta no final do século XVIII que tais resíduos chegaram até nós e puderam ser estudados.

O que nos reporta ao Abade de Faria, a F A Mesmer, ao Marquês de Puységur, a Du Potet e finalmente ao grande Liébault.

Um dos casos mais famosos dizia respeito a um ancião de origem polonesa que morava nos EUA e que aos 93 anos de idade durante o delírio febril provocado por um resfriado, tornou a falar polonês. Sucede no entanto que nosso homem havia saído da Polônia com três ou quatro anos de idade e deixado de falar polonês antes dos cinco. Pelo que havia se esquecido por completo da lingua materna e deixado de emprega-la há cerca de 88 anos!!! O que nos levaria a supor que havia o esquecimento havia sido total e que toda e qualquer memória neste sentido tivesse desaparecido.
No entanto o polonês la estava arquivado na memória inconsciente do ancião e não apenas como forma a ser repetida, mas como estrutura dinâmica!!!

Ao cabo de quase um século ou até mais milhares e milhares de casos semelhantes foram registrados e arquivados após terem sido observados pelos médicos.

O que levou J M Charcot e Bernheim a admitirem a existência de uma vida inconsciente, a qual por vezes aflora no domínio da consciência como a ponta de gigantesco Iceberg aflora sobre as águas do mar...

No entanto não se tratava apenas de memória ou arquivo mas de vida inconsciente na acepção mesma do termo.

Pois postas em sono hipnótico não poucas vezes as pessoas surpreendiam seus analistas sustentando ideias, gostos, opiniões, etc que não ousavam suster publicamente ou que até mesmo conscientemente reprovavam... Como se por trás do Eu consciente habitasse um outro Eu. Como se fossemos seres fragmentados e cindidos em duas partes conflitantes, a externa e a interna.

Posteriormente, após o fenômeno de múltipla personalidade ( Transtorno de dissolução da personalidade) ter sido exaustivamente analisado pela Dra Wilbur (caso Sybill) a doutrina da vida inconsciente tornou-se ainda mais sólida e absolutamente demonstrada.

Ao tempo de Charcot no entanto, não havia que estivesse disposto a postular semelhante tese a respeito da personalidade humana - i é que estivesse cindida em diversos departamentos conflitantes - e esta pessoa audaz teve de vir de Viena, capital do Império Austro húngaro.

Tratava-se do judeu Sigmund Freud, fisiologista visitante.

Ali na Salpetrière pode ele constatar que postas sob sono hipnótico as pacientes hipnotizadas tornavam-se normais. Da mesma maneira sob hipnose podiam as pessoas normais reproduzir os sintomas da histeria...

Constatação trivial posto que há décadas eram os sintomas de diversas enfermidades incuráveis e mortais - em especial a dor - suprimidos por meio da hipnose. Cancerosos morriam esvaindo em sangue ou de obstrução mas sem dor ou sofrimento. Assim a hipnose substituia o éter e a morfina com larga vantagem. Prisioneiros condenados a morte haviam morrido por terem sido induzidos a crer que suas veias haviam sido cortadas e que todo sangue do corpo estava a escorrer... e morreram sem sofrer quaisquer danos.

Havia muito, mas muito material.

Faltava no entanto personalidade suficientemente audaz para ligar os fatos e tirar as constatações por sinal revolucionárias. Até que o Dr Freud bateu a porta daquele afamado Instituto no final dos anos 80 (século XIX). E quanto de lá saiu já não pretendia dissecar corpos e examinar tecidos mas explorar o terreno inexplorado da mente humana.

E tinha a brecha, a porta ou a chave, como queiram.

Tinha a ferramenta necessária e esta era a hipnose.

Hipnotizou por quase dez anos ou mais e consequentemente extraiu não apenas memórias arquivadas mas volição inconsciente, disposições, gostos, crenças, ideias, etc Lançadas pela memória inconsciente no mais profundo dos abismos, o inconsciente. Lá ao cabo de exaustivas pesquisas deu com a outra face a moeda, nossa personalidade rival ou banida, o inconsciente.

Diante disto formulou sua teoria dinâmica da mente e segundo a qual achava-se ela cindida no mínimo em duas áreas, esferas ou compartimentos: o Consciente ou Ego e o Inconsciente (primeiramente Id e posteriormente super Ego).

Observando tudo isto do século XXI parece até prosaico.

No entanto até 1900 era o homem concebido como uma Unidade coesa e perfeita. Quiçá os anormais tivesse suas personalidades divididas e em estado de tensão ou choque, não as pessoas normais!

Desde o tempo dos antigos gregos o tipo de homem racional, cuja vontade era comandada ou dominada pela reta razão ou pelo intelecto era bastante caro ao menos para as pessoas mais instruídas e nem mesmo Agostinho, Lutero ou kant haviam logrado aniquilar este ideal de natureza humana organizada.

Pois o que aqueles não haviam logrado fazer executou-o S Freud ao demonstrar cabalmente que somos Caos e não Kosmos. Conflito, tensão, cisão e não unidade coesa e estável.

Dentro de nosso eu temos um outro eu em estado de guerra face aquele.

É a natureza do homem uma natureza fragmentada!

Num primeiro momento ninguém quis dar ouvidos a este judeu austríaco de barba andó e com o eterno charuto entre os lábios. No entanto, quando sua tese mostrou-se seriamente sustentável, muitos devem ter sentido ganas de lincha-lo ou que queima-lo vivo em praça pública tal e qual João Calvino havia feito com Miguel Servet trezentos e cinquenta anos antes!!! De fato passados trinta anos Freud chegou a ver suas obras serem queimadas pelo terceiro Reich! 'Antes, há cem ou duzentos, anos eu é que seria queimado no lugar delas; há progresso!' exclamou ele!

Ao tempo em que Freud elaborava suas teses sobre o inconsciente e o Ego, era a cultura européia dominado por um ideal de moralidade JUDAICO cristão altamente maniqueísta ou puritano, o qual implicava negação sistemática do corpo (com a decorrente condenação da nudez como pecaminosa e imoral) e da sexualidade. E sói como acontece no plano da cultura, mesmo aqueles que haviam perdido a fé ancestral e rompido com a religião ou a igreja conservavam vivo este padrão de moralidade e não ousavam contesta-lo. Sendo assim sexualidade era sinônimo de tabu. Todos certamente faziam sexo, mas não podiam admiti-lo publicamente, aceita-lo como algo normal, tecer comentários, etc pois era algo tido em conta de sujo ou indigno e não poucos rezavam antes e depois de terem tido relações, havendo inclusive quem confessasse e implorasse absolvição pelo pecado da concupiscência e da carne.

Isto para não falar em prazer ou orgasmo. Pois aquele tempo era o sexo encarado apenas como meio voltado para a procriação. E ninguém cogitava em separar uma coisa da outra sob pena de ser considerado devasso! Abordar a questão da satisfação sexual naquela época era certamente coisa de 'tarados', não de gente normal e decente. Toda gente honesta viva e morria como se o sexo jamais existira.

Era toda uma estrutura social, mecanismo ou sistema disposto para a mutilação, a negação e o recalque.

Desde pequenas as crianças eram ensinadas pelos pais, tutores, familiares, professores, lideres religiosos, etc que aqueles impulsos eram criminosos ou malévolos e que deviam ser banidos da vontade consciente, ao menos até a legalização do matrimônio. E mesmo após sua legalização deviam tais impulsos revestir-se de formas ortodoxas ou autorizadas pela boa moral (de origem religiosa ou JUDAICO cristã) para que fossem aceitáveis. Naquele tempo a opinião segundo a qual 'Entre quatro paredes tudo é permitido' tinha bem pouco acolhimento geral.

No entanto como a natureza é o que é e como só se pode agir segundo a lei da natureza não só os impulsos mas os desejos pecaminosos apareciam. Quando apareciam no entanto, já se havia cristalizado junto ao Id e ao Ego a instância policiadora ou repressora do super Ego, e remetidos ao inconsciente ou recalcados, para lá permanecerem enterrados ad aeternitatem!

E tal era a força dessa presença dos outros e de suas ideias em nós mesmos (super Ego) que muitas vezes nem nos dávamos conta daquilo que desejávamos, pois nem bem o desejo aflorava e o super Ego lançava-o nos abismos da inconsciência. Fazendo-nos pensar que éramos puros, imaculados e santos! Engano fatal pois a negação desses desejos e impulsos ditados pela natureza repercutia inevitavelmente sob a forma de enfermidade mental, neurose, alienação, angústia, histeria... A negação de nós mesmos em virtude dos preconceitos arraigados tornou aquela Sociedade doente!

Ao cabo de séculos produziu 'possessões', 'bruxas', dementes, loucos furiosos, melancólicos, suicidas, etc Parte dos quais era queimada viva por padres e pastores em nome do papa ou da Bíblia e parte dos quais era sepultada em mosteiros ou prisões e submetida a toda sorte de maus tratos. Não poucos canalizavam as energias e impulsos sexuais para os domínios da fé e convertiam-se em fanáticos, místicos, visionários, profetas, etc

É portanto em função de uma cultura específica dada no tempo e no espaço que o inconsciente dos europeus, ao fim do século décimo nono, estava povoado principalmente por uma energia de teor sexual. Evidentemente porque o setor da sexualidade humana é que fora satanizado, negativizado e menosprezado por aquela cultura puritana. Incidindo a repressão sobre qualquer outro setor da vida humana outro seria - e totalmente diferente - o teor da energia inconsciente.

O que quero dizer aqui ao encerrar este artigo é que a maior parte das enfermidades psiquicas que afetam a pobre humanidade ainda são provocadas pela negação dos impulsos e desejos sexuais inerentes a nossa condição humana. Em virtude do recalque, do aumento progressivo da tensão e duma fissura maior. Caso não haja válvula de escape ou alívio a personalidade de desfaz ou se desagrega por completo dando lugar a insanidade. Pois não é impunemente que se nega a natureza.

Ainda na esteira de Fliess e Freud cabe reconhecer o caráter bissexual da personalidade ao menos até o estado adulto ou como queiram o caráter não determinado da sexualidade humana em suas primeiras fases ou períodos e ainda durante largo tempo. Disse bissexual ou indeterminado não homossexual ou fixado num objeto igual a si. Há inclusive quem faça remontar esse aspecto da bissexualidade humana a infância, ao embrião, etc numa perspectiva biológica.

É a educação veículo da cultura que nos torna heterossexuais. Por meio da educação é que canalizamos o desejo consciente para determinado objeto. É a educação que nos orienta para uma forma sexual definida - a mulher para o homem e o homem para a mulher. Nós acreditamos e somos levados a acreditar e somos ensinados que a natureza determina esta escolha. No entanto ao que tudo leva a crer tal escolha é produto da cultura e da educação, então não escolhemos mas nos conformamos com uma identidade que nos é imposta ou dada.

Que seria de nós caso jamais tivéssemos ouvido as palavras mágicas: Você não pode gostar de homens ou você não pode gostar de mulher????

Naturalmente que enquanto o drama permanece latente em termos de relativa normalidade passa em branco e não temos com o que nos preocupar. No entanto quando a situação de conflito aflora ou se torna patente sob a forma de neurose, então é necessário por a mão na ferida. Isto no entanto dependerá da forma geral da personalidade e do próprio lugar da sexualidade naquela existência.

Ainda assim sou levado a questionar se algo que é natural precisa ser externamente inculcado por meio da educação com tanto empenho e esforço. Então vocês me dirão que a linguagem humana é igualmente natural e objeto de educação. A afirmação é contestável e discutível e já se disse muitas vezes que o aparato linguístico do homo sapiens é produto da cultura e por isso objeto de esforços educacionais. Sem os quais não vem a consumar-se ou a aflorar.

Por ora é o quanto tínhamos a dizer, a declarar e a propôr a reflexão do leitor!





sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

A desnatalização do Natal






Naturalmente que Jesus não nasceu no dia 25 de Dezembro e não é preciso ser um Sherlock Holmes para sabe-lo.

Como Jesus não Era rei ou filho de rei mas filho de um humilde carpinteiro lá das bandas da Judeia seu nascimento passou em branco e nós não temos como saber o dia exato em que nasceu o personagem mais importante da História.

No entanto como era necessário lembra-lo e reverenciar o mistério da entrada de Deus no mundo, a igreja Ocidental ou latina escolheu o dia do Sol Invicto, que era uma festividade muito apreciada pelos antigos pagãos.

Quis significar com isto que Jesus Cristo é o 'Sol triunfante' ou sempre vencedor do mundo espiritual.

Desde então, Era o século IV desta Era, a data passou a representar o nascimento de Cristo, ao menos para os Cristãos ocidentais.

Não era ao astro rei deste sistema que nossas ancestrais pretendiam adorar ou cultuar no 25 de Dezembro de cada ano mas o Jesus dos Evangelhos, nascido da Santa Virgem numa manjedoura, reverenciado pelos seres espirituais, saudado pelos pastores e presenteado pelos magos da Pérsia com ouro, incendo e mirra.

Cristão algum jamais teve a intenção de cultuar o sol no dia 25 de Dezembro mas a Jesus Cristo, o qual ensinou-nos a julgar os atos humanos através das intenções. Os fanáticos e sectários que me perdoem mas para que nossos ancestrais tivessem cometido o pecado de adorar o Sol, deveriam ter tido a intenção de faze-lo, o que obviamente não tiveram. Era a Jesus Cristo que se reportavam seus afetos e sentimentos e não ao Sol...

E Jesus Cristo que sempre julga segundo as intenções que animam o coração humano deve ter acolhido de boa vontade este tributo de amor.

Tampouco sabemos em que ano Jesus nasceu. Não ele não nasceu no ano hum (10). Dionísio o pequeno calculou erradamente a data e hoje sabemos que Jesus deve ter nascido no mínimo cerca de cinco anos antes do ano hum (01) desta Era uma vez que Herodes, o tirano, faleceu no ano 04 a C...

Há quem cogite ter ele nascido no ano 06 ou mesmo no ano 07 a C e não temos como decidir a questão sendo ocioso transcrever as diversas opiniões.

Seja como for o Natal, até bem pouco tempo, ainda remetia as consciências a natividade do Mestre dos Mestres e reportava os pensamentos a Jesus.

Durante toda idade Média foi uma festa ou cerimônia espiritual comemorada liturgicamente na Igreja e a tais eras remonta o 'Adeste Fidelis'.

Em certos lugares a Festa do Natal chegou a eclipsar as festas da Paixão e da Páscoa que são as mais importantes do calendário Cristão e as vezes a ideia um tanto romântica de um Deus menino e indefeso envolto nas palhas e aquecido pelos animais falava demasiado alto aos corações dos crentes e arrebatava as multidões mais do que a morte e a ressurreição de Deus...

Em certas paragens outros símbolos de origem pagã como o pinheiro - adorado pelos germânicos foi incorporado a festa. Pois S Winefrido (Bonifas) havia podido observar a consternação dos pagãos após a derrubada do carvalho dedicado a Thor. E passou a ser visto como simbolo de Jesus Cristo.

Segundo o costume a árvore sagrada era enfeitada com guirlandas e com oferendas ou presentes ofertados aos deuses. Desde então os enfeites e guirlandas foram substituídos por símbolos Cristãos como a estrela anunciadora, a cruz, medalhas de santos, etc E os falsos deuses da gentilidade substituídos pelo presépio ou lapinha onde Jesus nasceu com Maria Santíssima, S José, os seres espirituais, os pastores, os animais, etc Ficando este a sombra do pinheiro. Os presentes continuaram a ser pendurados ou depositados aos pés do pinheiro e do presépio mas destinados aos pobres ou aos familiares.

Eu, particularmente acho o presépio (sua ícone) suficiente e a árvore desnecessária. Não é de fato essencial a piedade Cristã.

No entanto há quem aprecie, fiquem com ela. Mas não percam de vista os símbolos da nossa fé ancestral e em especial o presépio que é a memória do aniversariante do dia, Jesus Cristo!

Durante séculos as coisas transcorreram deste modo e sem maiores alterações.

Em alguns lugares também a memória do abençoado Nicolas Bispo de Mira também era reverenciada e consagrada aos pobres e as crianças que ele em vida costumava socorrer com donativos. Daí a pia fraude segundo a qual S Nicolas visitaria e presentearia as crianças virtuosas e obedientes no dia da natividade do Senhor. Lamentavelmente noutras paragens foi a figura do Santo Bispo associada a de uma figura mitológica: o pai Natal ou pai Noel com seu carro guiado por renas... E aos poucos esta criatura híbrida foi substituindo a figura do meigo nazareno e tomando seu lugar.

Aqui, se a igreja merece ser censurada por ter tolerado o culto tributado a esse personagem, é justo dizer e declarar que ela jamais santificou ou abençoou o tal papai noel ou pai natal. Mostrou-se simpático ao culto popular tributado ao Bispo de Mira com suas vestes de Bispo ou túnica, não ao homem de calças vermelhas e gorro conduzido por renas. Não a igreja não canonizou o papai noel!

Canonizou-o o Mercado ou o Capital porque Jesus Cristo não rendia lucros!

De fato é o mistério do Natal potencialmente revolucionário caso tenhamos em mente que o Deus do Universo munificente e rico fez-se homem pobre desejando nascer num estábulo, quando poderia ter se manifestado aos ricos e poderosos num palácio suntuoso!

Aos homens cobiçosos, avarentos e sempre dispostos a acumular riquezas o Deus Todo Poderoso manifesta-se como pobre entre os pobres. Pois nasce duma fiandeira e adotado por um artesão e torna-se ele mesmo artesão de madeira segundo Justino na "Apologia".

E não apenas nasceu como cidadão humilde ou remediado - não rico - como assim viveu ao cabo de prováveis quarenta anos. A ponto de dizer que não possuía uma pedra sobre a qual reclinar a fatigada fronte. Não foi num corcel branco que entrou na cidade santa para padecer mas numa jumenta ou como diríamos hoje num carro velho ou num fusquinha! E nem mesmo tumba possuía tendo sido inumado num túmulo emprestado pelo Senador Jose de Arimateia. Até a mirra e os aloes com que foi embalsamado aquele santíssimo corpo martirizado foram ofertadas por outro Senador Nicodimos Ben Gorion. Tudo quanto Jesus teve como seu foi a túnica inconsútil e a cruz em que morreu como pobre.

Como homem humilde nasceu, viveu e morreu, cercado por pescadores galileus!

Penso que tudo isto tenha sido mais do que suficiente para desiludir dos senhores do capital e da mídia.

Não a figura do Deus que se faz pobretão jamais foi interessante ou produtiva para o sistema e por isso Jesus tinha de ser posto de lado e a festa esvaziada de seu sentido para converter-se na apoteose do mercado e do capital.

O aniversariante do dia tinha de ser esquecido e seus ideais de serem ocultados para que a comemoração de 25 de Dezembro se tornasse lucrativa.

Era necessário obscurecer o sentido espiritual da festividade para converte-la em festa do ventre, do bucho ou do estomago.

Urgia encontrar uma figura capaz de destronar o nazareno pobre dos corações dos seres humanos e a figura escolhida foi a do gordo pai natal... o qual distribui presentinhos a quem por eles pode pagar e jamais se lembra dos pobres.

Jesus jamais receberá quaisquer presentes além daqueles que lhe haviam sido ofertados pelos magos da Pérsia. E tampouco era ele um distribuidor de presentinhos. Os únicos presentes que ele distribuía eram de natureza interior ou imaterial: o sentido da vida e a paz da consciência. Nada mais.

De fato ele jamais exigiu quaisquer contribuições, taxas, prebendas, ofertas, pagamentos, dízimos, tributos em troca das benesses que a todos dispensava, mas disse: De graça recebestes, de graça daí!

Não ele não cobrava qualquer coisa, não buscava lucros, não capitalizava, não corria atrás da fortuna e seu único investimento era o Ser humano, a criatura racional e livre que convocava para uma vida mais elevada e nobre.

Tudo quanto pedia aos que o cercavam era a dádiva do coração.

Corações a serem enriquecidos, eis tudo quando o divino Mestre Jesus pedia aos homens!

Então para o capitalismo, sistema que sobrepõem o TER ao SER, Jesus não era uma figura atraente e expressiva.

Não, essa figura era o pai Natal bebendo coca cola...

Substituída a figura do aniversariante foram substituídos os princípios e valores.

Na Idade Média, ao menos na Alemanha, durante a ceia de Natal uma das cadeiras em volta da mesa eram deixada vazia com prato e talheres. Era o lugar reservado ao pobre! Porque segundo acreditavam eles o Salvador poderia bater-lhes a porta na figura de um pobre faminto cabendo alimenta-lo. Noutras paragens ofereciam-se banquetes aos pobres tanto no Natal quanto na Páscoa e por ocasião de Batizados, Crismas e matrimônios... Pois os pobres eram os embaixadores ou representantes do Cristo. "Aquilo que fizestes a qualquer um destes pequeninos foi a mim que fizeste!"

No entanto da perda do referencial resultou a perda da consciência.

E de festa dos pobres e humildes o Natal converteu-se na festa de aniversário do Papai Noel e portanto em festa de ricos, de industriais, de empresários, de banqueiros e de burgueses, esvaziando-se de seu conteúdo original. Jesus foi esquecido e seu nascimento obscurecido...

Desde então compra-se, vende-se, presenteiam-se, empanturram-se e embriagam-se no dia de seu nascimento. Porque não se trata mais de reverenciar a entrada de Deus na História como excluído, mas de reverenciar a vaidade, a glutonaria, o luxo, a avareza; enfim o ego.

Hoje o espírito do Natal é espírito do economicismo materialista, espírito de ostentação, espírito de lucro enfim. É aniversário de Mamon, não mais de Jesus Cristo. É espírito arqui mundano e não espírito de amor, fraternidade, justiça, bondade, serviço, compromisso, benignidade pois este sistema iníquo de coisas tudo contaminou, poluiu e profanou, e não mais nos lembramos do pobre, do faminto, do sedento, do nu, do encarcerado... Não nos sensibilizamos mais face a dor e o sofrimento alheio e nossos corações estão completamente endurecidos.

Natal foi profanado pelo espírito do lucro, da avareza, da ambição, da cobiça e desnatalizado. Perdeu seu sentido, seu referencial, sua conotação religiosa. E tornou-se data de vendilhões e traficantes, os quais dominaram o templo e instalaram-se no santuário de Deus tudo corrompendo e fomentando os maus costumes.

Desnatalizou-se o Natal desde que converteu-se em Natal ou festividade dos shoppings, das lojas, dos comércios, dos objetos, das coisas, das peças... dos enfeites exteriores, dos brilhos exteriores e das falsas luzes que não procedem do coração.

Apesar disto não nos desesperemos! Sempre é possível fazer um Natal Cristão e verdadeiro com o retrato do presépio, com as preces tradicionais, com liturgia (onde há liturgia), com disponibilidade, com esmolas, com doações, com ofertas... Com o coração cheio de amor voltado para o mistério de Jesus Cristo e papa o próximo.

A luta anti manicomial e a vida vivida.

A abordagem de hoje diz respeito a luta anti manicomial.

O que sugestionou-nos a escrever este artigo foi a morte recente do 'poeta' (não aprecio arte moderna.) Ferreira Goulart. 

Cerca de seis ou sete anos lemos uma entrevista concedida por ele em que tecia críticas a alguns partidários da luta anti manicomial.

Até então éramos totalmente simpáticos a esta luta e ainda o somos atualmente só que de modo crítico ou com restrições fundamentadas na realidade brasileira.

Aqui seria mesmo o caso de dizer: Não estamos na Escandinávia ou na Bélgica ou ainda na Suíça ou na França...

Brasil é Brasil e não 'merry England'... e as coisas aqui frequentemente azedam, especialmente sob a perspectiva do trabalho.

Sei que há muito acadêmico, militante, idealista; gente de 'gabinete' enfim, envolvida nessa luta e isso francamente me assusta.

Pois é muito fácil para qualquer um, mesmo em nome de uma ideologia mais humanitária, clamar pelo que julga ser mais conveniente ou mais correto sem ouvir a outra parte, alias a parte diretamente afetada pelo problema...

Quero dizer que a opinião de pessoas eruditas e estudadas que não são cuidadoras ou que não teem parentes enfermos não me parece lá muito relevante.

Claro que tais pessoas devem ser ouvidas. No entanto existe uma outra parte, uma parte que convive com o problema, que tem contato direto, vivência ou experiencialidade. E essas pessoas, os familiares dos enfermos, não tem recebido a atenção que merecem.

Então vamos começar a ouvir e a colocar-nos no lugar do outro?

Pois é muito mas muito fácil e comodo julgar situações reais a partir do próprio gabinete ou como costumamos dizer, da platéia.

Daí insistir sobre o tipo de contato que você tem com a doença mental... seu contato a prático ou meramente teórico???

Voltando ao F G consta ter tido ele três filhos, todos atingidos em maior ou menor medida pela doença mental.

Nem podemos ignorar que o 'poeta' sendo famoso e consagrado tivesse recursos para 'em tese' manter os filhos em casa consigo.

E no entanto foi justamente este F G que veio a público defender a existência de instituições destinadas ao tratamento de doentes mentais, os famigerados manicômios.

O histórico dos manicômios conhece-mo-lo muito bem e sabemos ser, via de regra, um histórico de terror!

Durante décadas a fio os nomes 'Anchieta' e 'Juqueri' representaram o que há de pior possível em termos de qualidade de vida e sofrimento humano.

Sem fiscalização efetiva os alienados mentais, quase sempre indefesos, eram submetidos - pelos médicos, enfermeiros e funcionários - a toda sorte de castigos, mal tratos e humilhações. Havia o choque, sob pretexto terapêutico, havia a camisa de força, o quartinho de isolamento, os banhos de água gelada, etc Isto ainda muito tempo depois de Pinel e Esquirol terem clamado por um tratamento mais humanitário lá na França...

Segundo o imaginário popular ou o folclore os alienados eram submetidos a testes e experiências escabrosas. As mulheres e moças estupradas... E alguns dos pacientes assassinados inclusive!

Isto para não falarmos no descuido e na sujeira, que eram igualmente proverbiais!

Era todo um sub mundo de horror a que poucos, muito poucos tinham acesso pois as curas e altas era coisa demasiado rara.

Compreenda-se portanto que semelhante estado de coisas acabaria por inspirar o movimento anti manicomial. Movimento que preconiza o tratamento do paciente em seu próprio lar em companhia de seus familiares.

Nada mais louvável que a reinserção de um alienado no recôndito de seu lar. Opor-se a isto, já dissemos, é opor-se aos mais elementares princípios de humanidade. Ademais concedemos também certo valor terapêutico ao convívio familiar. Afeto, amor e carinho são certamente fatores que favorecem a recuperação do enfermo.

O ideal de reinserir a maior parte dos alienados em seu lar merece total apoio da Sociedade e o P Público. E dele precisa.

No entanto precisamos admitir - e aqui cumpre como sempre por totalmente de lado o idealismo, o romantismo e a ingenuidade - que nem todos os pacientes podem ser reinseridos e que isto depende da enfermidade, do grau da enfermidade e da resposta aos tratamentos. Pacientes há que são demasiado agressivos e agitados, oferecendo perigo tanto para si mesmo quanto para os seus. Pacientes há que de nada se recordam e que tendem a fuga! Pacientes há que precisam tomar tais e tais medicamentos de tantas em tantas horas! Pacientes há que precisam receber os cuidados básicos, inclusive sendo acompanhados ao banheiro e alimentados!

É aqui que as palavras do citado escritor vem a calhar: "Pai algum deseja internar seu próprio filho. Então quando um pai roga para que seu filho seja internado é porque a situação tornou-se insustentável."

Julgo que tais palavras dispensem qualquer comentário.

Situações há que pedem cuidados intensivos. Cuidados que em mesmo alguém bem situado como o poeta é capaz de oferecer...

Ademais como poderia uma mulher ou mesmo homem idoso imobilizar seu próprio filho surtado quando num manicômio ou hospital três ou quatro enfermeiros não dão conta dele???

Implica o pai, a mãe ou mesmo um irmão mais velho aplicar-lhe injeções de Thorazine, o que é absurdo!

Aqui o problema adquire a mesma conotação que a dita 'preservação' da estrutura familiar ou da participação dos pais na vida escolar dos filhos que são outras tantas lutas mantidas por outros tantos grupos sociais e muitas vezes inutilmente.

Tanto os conservadores e moralistas (que dizem lutar pela manutenção da estrutura familiar tradicional), quando os pedagogos otimistas e os militantes da luta anti manicomial parecem ignorar uma das características ou aspectos mais marcantes da realidade contemporânea: o contesto capitalista. Referi-mo-nos ao mercado, ao mundo do trabalho e a suas exigências.

Na Sociedade contemporânea o contato e as relações humanas tem sido amplamente dificultados pelas exigências advindas do trabalho e sua jornada. Os diversos modelos familiares ( e compreendo família como um agrupamento de pessoas que se amam e se cuidam, e vivem juntas sem preocupar-me com a forma) estão todos expostos a esta influência desagregadora e por isso a família tradicional tomba vitimada. Devido a falta de tempo e a falta de convivência. Outro não é o problema da interação da família com a escola; os pais ou responsáveis não acompanham a vida escolar de seus filhos porque consagram praticamente todas as energias ao mundo do trabalho. Chegam cansados em casa e dispõem de tempo apenas para tomar banho, alimentar-se e descansar ou dormir. Parte deles faz hora extra, trabalha nos fins de semana ou leva trabalho para casa... E os filhos ficam mesmo abandonados ou a ver navios...

A educação das crianças foi relegada as escolas e isto parece ser irreversível ao menos que revejamos a organização do trabalho ou promovamos melhorias sociais em termos de aumento de renda. O lar foi igualmente abandonado e até mesmo as relações pessoais de amizade. As pessoas estão cada vez mais isoladas e estranhado-se mais mesmo quanto vivendo juntas! E tudo isto decorrer do mundo do trabalho de suas exigências. Dir-se-ia que o capital absorveu todas as esferas, inclusive as mais primárias, da existência humana levando-as ao colapso e a dissolução.

Diante disto como reinserir os alienados no lar se a maior parte dos lares esta a desagregar-se? Como reinseri-los no seio do lar se o lar não esta no lar mas fora dele ganhando o pão? Como inseri-los num meio em que ficarão abandonados e sem receber os cuidados necessários a manutenção da vida???

Certamente que não estamos falando nos lares dos trabalhadores e das famílias de baixa renda...

Espaços e ambientes saturados de stress, de angústia, de dor e de sofrimento em que as doenças mentais deitam e rolam por assim dizer...

Quanta vez a enfermidade mental não tem sua gênese no conflito familiar, no deterioramento da convivência, na pressão econômica, nos desencontros pessoais, na solidão acompanhada, na rejeição, etc

Tudo isto, digo a reinserção dos alienados, no seio familiar das famílias mais humildes, supõem a existência de uma estrutura de apoio que não pode ser criada 'a posteriori' mas 'a priori'. Aqui a ordem das coisas foi invertida pois o principal objetivo da luta anti manicomial deveria ser acionar e cobrar o P Público no sentido de investir e criar organismos destinados a auxiliar e apoiar as famílias e não lançar os enfermos no seio da família para depois criar os organismos de apoio.

Imaginar que as famílias em dissolução que sequer teem tempo para acompanhar os estudos dos filhos haverão de rebelar-se e de cobrar ativamente o P Público é a suprema das utopias. Mais fácil elas acorrentarem seus familiares enfermos em porões insalubres do que exercer cidadania... Cultura não se produz sob pressão mas apenas por via educacional.

Aqui a visita do médico de família a casa deve ser assídua, o acesso a mediação rápido e efetivo, o fornecimento de insumos igualmente rápido, o acesso ao serviço psicológico franqueado a toda família, etc Aqui o mínimo que se haveria de esperar e sabemos o quanto estamos muito longe disto. Agora como manter um alienado mental em casa sem acompanhamento médico efetivo? Sem orientação e formação? Se acesso imediato aos medicamentos??? Sem o fornecimento de insumos vitais ao paciente???

Perdoem-me os lutadores de boa fé mas aqui mandar o enfermo de volta a casa equivale a abandona-lo ou a joga-lo na sarjeta sem qualquer assistência.

Cadê a atuação complementar do P Público atuando eficazmente junto a essas famílias???

A propósito não seria ocioso propor a criação de uma bolsa ou estipêndio financeiro para tais pessoas. Sei que já existem alguns programas neste sentido. Precisam no entanto funcionar melhor, contemplar a todos e fornecer uma quantidade maior de insumos.

Isto quanto aqueles quadros em que a reinserção seja possível.

Agora devemos considerar, como disse F Goulart, os quadros em que a reinserção não é possível ou viável por colocar em risco a segurança do paciente ou da comunidade. Quadros que exigem internação no mínimo provisória e portanto a existência de manicômios ou se preferirem de instituições especializadas, clínicas ou hospitais.

Penso que se trate de um aspecto da realidade que não possa ser ignorado ou disfarçado, e que precisamos lidar com isto.

Não adianta fingir que não existe e tentar convencer a pobre família, muitas vezes completamente esgotada, a permanecer com o doente em casa. Em determinados casos é desumano...

A menos que o pobre enfermo agitado tivesse de ser dopado em dose máxima e posto em coma!

Nestes casos melhor dopa-lo o menos possível e imobiliza-lo ou isola-lo provisoriamente numa cela. Uma vez que a longo prazo o excesso de medicamentos poderia prejudicar-lhe seriamente a saúde.

Então entre encher uma pessoa de hipnóticos para disfarçar-lhe os sintomas ou suavizar-lhe a agressividade melhor seria mante-la o mais lúcida possível num recinto acolchoado, ao menos até que o acesso parasse.

Em casa terão de dopa-la ou de induzi-la ao sono ou ao topor e eu não penso que seja a medida mais acertada.

O que nos leva ao velho ideal proposto por Pinel e Esquirol a humanização do regime manicomial, uma vigilância efetiva por parte do P Público e dos coletivos sociais, a tentativa de fazer com que a família mantenha contato com o paciente por meio de visitas periódicas, e consequentemente a manutenção ou criação ao menos de alguns institutos de isolamento destinados a internação de pacientes em estado de crise.

Isto como já dissemos a par da implantação de uma estrutura de apoio destinada a orientar e auxiliar as famílias que estiverem dispostas a manter os pacientes mais estáveis ou menos graves em suas residências. Enquanto as famílias, já pressionadas pelo mundo do trabalho e cobradas pela organização escolar, não receberem este tipo de apoio julgo que a luta anti manicomial continuara sendo utópica. Para ser realista precisa antes de tudo oferecer soluções práticas as famílias e aos cuidadores e não sufocar suas vozes e clamores ou deixar se ouvi-los. Sim, o ponto de vista e opinião dos familiares precisam ser levados em conta.

Sei que este artigo não agradará a muita gente e que os intelectuais e ideólogos de gabinete ficarão injuriados, mas é o mínimo que se pode fazer no que tange a condição das famílias, especialmente das mais humildes.