terça-feira, 20 de outubro de 2015

A evolução do pensamento religioso

Há quem diga que a religião não evolui ou que o pensamento religioso, sendo tosco e primitivo, permanece estagnado para sempre.

É a tônica de certa propaganda religiosa.

Que conduziu-nos senão ao ateísmo ao menos ao deísmo e ao agnosticismo ou seja a indiferença credal.

Importa saber que as sendas desta propaganda emancipada nem sempre foram honestas como deveriam ter sido.

Afinal para nos atrevermos a corrigir a desonestidade alheia devemos ser absolutamente honestos, sob pena de sermos demagógicos.

Não podemos soprar cisco de olho alheio tendo uma trave ou poste fincado em nossos olhos.

Tal foi o caso da assim chamada reforma protestante. Como é ainda hoje o caso do pentecostalismo e do islã...

Em geral esta triste sorte tem sido a sorte de quase todos os críticos da igreja romana e do espiritismo.

A reforma por exemplo manteve e afirmou tudo de pior que havia na igreja velha: eternidade de penas, agostinianismo/gracismo, expiacionismo, conteúdo platonizante, etc além de ter principiado a torturar e assassinar em seu próprio berço, desde que os anabatistas foram mandados ao suplício pelos próprios Lutero, Melanchton e Zwinglio, trinta anos antes de Calvino ter condenado Servet a fogueira...

E retomada ou alimentada mais uma vez a sinistra ideia de Bíblia unitária e infalível, renasce com força total a crença em bruxas e bruxarias com os decorrentes linchamentos em massa...

Bem como a oposição ao modelo científico nascente.

Afinal cem anos antes de ter sido julgada pela igreja papista foi o heliocentrismo condenado pelo próprio Lutero, o qual alias não poupou insultos a Nicolau Copérnico (alias clérigo papista como Nicola de Cusa, Gregor Mendel e Georges Le Maitre, dentre outros).

Tudo isto é perfeitamente compreensível caso encaremos a reforma protestantes como um movimento de origem e caráter puramente humanos... admitido o caráter naturalista da tão alardeada reforma prescindimos de maiores explicações...

Outro é o caso daqueles que encaram este movimento como divino ou sagrado...

O que não é nem um pouco compreensível é a atitude demagógica assumida pelos apologistas protestantes nos últimos trezentos anos...

É para se ver com que empenho e rapidez apontam na igreja velha os mesmos vícios tenebrosos reproduzidos por sua maravilhosa reforma!

Sabemos no entanto que esta maravilhosa reforma foi ainda mais supersticiosa (basta dizer que propoz como dogma a BÍBLIA INTEIRA DE CAPA A CAPA!), mais inquisitorial e mais anti científica do que fora a igreja antiga em toda sua História... E PORTANTO MAIS INCOERENTE OU DEMAGÓGICA.

Pois acenou num primeiro momento com certos princípios que quase de imediato sacrificou.

Verdade seja dita: mesmo após a cooptação da igreja antiga pelo poder imperial em 378, damos ainda com um Ambrósio a impor penitência do Imperador 'todo poderoso', com um Crisóstomo a denunciar o escravismo e com as vozes deste ou daquele Bispo a sustentar a pureza do Santo Evangelho no decorrer de séculos!!! Não foi num passe de mágica ou da noite para o dia que a Igreja antiga abandonou seus ideais... foi um lento processo que arrastou-se até o século XII, por quase mil anos!

Os reformadores protestantes no entanto, mal se veem apoiados pelo poder secular e já imolam 'Efigênia' aos bons ventos... questão de meses, de menos de um ano.

E já não se fala mais em livre exame. Transformando-se ele em monopólio dos Luteros e Calvinos.

Sequer houve liberdade para que as pessoas ou a gente do povo pudesse escolher entre os três ou quatro credos (papal, luterano, zwingliano, calvinista ou anabatista) pois era tudo decidido pelos senhores, pelos reis e pelos nobres. Era o rei ou o senado da cidade que determinavam qual seria a verdade religiosa... e ai de quem protestasse!

Os próprios reformadores sugeriram e abençoaram a teoria monstruosa do 'Cuius regio, eius religio', pela qual a decisão sobre matéria religiosa era atribuida aos poderes políticos! E ja estamos a um passo do erastianismo ou cesaro papismo... com todas as decorrências políticas e sociais.

Verdade seja dita: temos nos séculos XV e XVI um Renascer de humanismo patrocinado ou ao menos tolerado pelo papado e de modo geral nimbado pelas luzes do Evangelho de Cristo... contra o qual a reforma protestante vomita a bilis concentrada de seu anti humanismo agostiniano, impedindo que se desenvolva e frutifique nos rincões onde veio a afirmar-se...

E no entanto esta pseudo reforma que foi sob todos os aspectos um desastre: desastre educacional, desastre social, desastre artístico, desastre político, desastre cultural... um revolução anti Cristão, uma assolação e catástrofe ainda atreve-se a encarar a igreja velha e a sorrir com desdem!

Havendo quem aplauda!

Mas direi o que foi esta malfadada reforma.

Direi com Doellinger que foi um desastre educacional pelas universidades, escolas paroquiais, liceus e colégios que levou a falência! Direi com Cobett e O'brien que foi um desastre pelos mosteiros que fechou porquanto cada um deles mantinha diversos nichos dedicados a assistência social quais fossem dispensários, enfermarias, asilos, orfanatos, etc Elencarei com o judeu Zweig as inumeras obras de arte aniquiladas pelo delírio iconoclástico. Com Janssens descreverei o desastre do erastianismo e a condição aviltante a que ficaram reduzidos os camponeses alemães da rebelião de 1525 ao período napoleônico! Com Max Weber e Huxley poderia traçar o roteiro de um desastre cultural de que resultou a afirmação do materialismo economicista ou traçar a genealogia do fascismo, do anti semitismo, etc

Que nos legou esta maravilhosa reforma protestante que parte da humanidade aplaude de boca aberta?

Amigo leitor legou-nos erastianismo, anti humanismo, anti cientificismo (de que temos exemplo vivo no criacionismo), capital de reserva, materialismo economicista, crítica demolidora dos Santos Evangelhos, dilúvio de ateísmo sem ética, anarco individualismo, americanismo, KKK, apartheid, mística nacionalista alemã, anti semitismo, etc No frigir dos ovos todas as correntes acima citada tem relações estreitas - nos ousamos declarar orgânicas - com o neo cristianismo germânico ou luterano. São novos elementos presentes no caldo cultural do protestantismo!

E não pode este novo Cristianismo deixar de ser julgado como solidário face as culturas de morte.

Então com que méritos denuncia o Cristianismo antigo?

O desempenho de seus sucessores, os materialismos parece que não foi assim tão deplorável.

Mortes houveram em número astronômico.

A causalidade no entanto foi mais dissimulada, sutil ou indireta.

Não houve uma inquisição liberal como havia existido inquisição romana e inquisição protestante.

Grosso modo as cenas de iconoclasmo ficaram restritas aos principais centros urbanos da França.

Houve uma valorização da ciência. A afirmação do liberalismo político ou da democracia formal.

Não se pode negar que houveram progressos.

No entanto os trabalhadores ingleses e logo depois os proletários concentrados nos principais centros urbanos da Alemanha e da França conheceram o inferno sobre a terra...

Houve um lado bastante sinistro.

E não é preciso ser comunista para conhece-lo amiúde.

Bastar-nos-ia ler as obras do Papa romano Leão XIII ou as de Henry George.

Os quais nada tem de comunistas...

Todavia os liberais, materialistas, ateus, etc continuaram não só a ridicularizar a velha igreja como a calunia-la inclusive.

Ainda hoje não nos deparamos com ateus virtuais ou de internet jurando de pés juntos que N Copérnico foi morto pela inquisição ou que Galileu Galilei foi torturado e queimado???

Pesquise quem o desejar...

E dará com a desonestidade, a perfídia, a safadeza, etc perpetuadas em pleno século XXI!!!

São os que dizem que todas as religiões são absolutamente iguais e que o pensamento religioso jamais evolui.

Que temem eles?

Por que preferem as formas mais primitivas e grosseiras de religiosidade como o pentecostalismo, o calvinismo e o islã?

Por que apreciam terçar armas apenas com as fés que se refugiam nas páginas de seus livros infalíveis?

Por que proclamam todas as formas criticas ou teológicas de religiosidade como traidoras?

Lamento ter de implodir sem misericórdia o mundinho limitado destes senhores oportunistas.

Para certificar que o espiritismo assumiu os pressupostos do evolucionismo biológico assim que Ch Darwin publicou a 'Origem das espécies'...

O próprio romanismo forneceu aderentes como o Bispo de Sura. Até Pio XII reconhecer há quase setenta anos que o evolucionismo adstrito ao corpo físico do homem é perfeitamente condizente com a fé.

No campo da igreja Ortodoxa satisfaço-me com declarar que um de seus fiéis, T Dobzhansky foi um dos arquitetos ideológicos da teoria sintética.

Não posso deixar de mencionar A Wegener como brilhante filho da igreja romana ou Agrícola, teólogo e pai da mineralogia...

Agora que temos do outro lado???

Refiro-me as formas religiosas ascendentes do pentecostalismo e islamismo.

O IMPÉRIO do criacionismo com seu padrão mágico fetichista de pensamento dogmática e intransigentemente afirmado em nome do livro!!! EM PLENO SÉCULO XXI!!!

Diante disto como se diz que todas as religiões são absolutamente iguais e igualmente toscas, vulgares e grosseiras???

Se algumas desligaram-se já do Criacionismo enquanto outras continuam a apegar-se fanaticamente a ele e a seus pressupostos?

Afinal a aceitação do evolucionismo em termos biológicos por parte da igreja romana, da igreja grega, do anglicanismo, do espiritismo ou do budismo IMPLICA RECONHECER QUE ESTES SISTEMAS RELIGIOSOS ADERIRAM AO CRITÉRIO DA DEMARCAÇÃO, reconhecendo o direito da ciência fornecer explicações válidas e verdadeiras a respeito do mundo natural.

Como negar que este passo seja um passo gigantesco face a pretensão dos fanáticos, segundo os quais a religião teria o direito de fornecer explicações a respeito do mundo natural e portanto, negando que a ciência possua um espaço seu?

Como negar que a atitude comum a Ortodoxia, ao anglicanismo, ao papismo, ao espiritismo e ao budismo seja amplamente revolucionária e saudável em comparação com o posicionamento daqueles que continuam encarando seus códigos religiosos como fontes infalíveis em matéria de conhecimentos naturais???

Implica admitir que algumas religiões, as mais evoluídas, conseguiram superar o falso dilema: RELIGIÃO x CIÊNCIA pelo simples fato de admitirem que não lhes cabe fornecer explicações sobre a dimensão material ou natural do universo e por concentrarem seus esforços em Deus, na Alma e no Destino da espécie humana.

Tornaram-se tais religiões em certo sentido mais espiritualizadas alijando-se dos mitos ancestrais, das fábulas, das superstições... e concentrando-se no objeto que lhes diz respeito.

O transcendente, o imaterial, o invisível, o sagrado, o divino, o incognoscível...

Tornando-se invulneráveis por assim dizer aos ataques dos cientistas, cujo campo de estudo restringe-se a materialidade ou a imanência.

Grosso modo uma religião que ensine a existência de uma Trindade ou da presença do Senhor no Sacramento, coloca-se fora do campo da ciência e para além de toda e qualquer crítica científica.

Do ponto de vista do mais estrito agnosticismo uma religião que se concentre em seu campo torna-se intangível. Uma vez que o agnóstico declara nada saber a respeito do que fuja a dimensão material da existência...

As religiões limitam-se a afirmar o que é gratuitamente negado pelo agnóstico: que nada podemos saber a respeito do que haja para além da condição material do ser... asseverando que podemos sabe-lo porque algo que lá se encontra quis revelar-se aos seres humanos.

Ora toda esta questão a respeito do conhecimento, suas fronteiras ou limites já não pertence a ciência 'positiva', mas aos domínios da metafísica ou da filosofia, que são bem outros.

Pelo que ficando a fé dentro de seus limites fica mais ou menos segura, para o desespero dos cientificistas fanáticos. Aos quais é demasiado facil ir ao antigo testamento ou ao Corão e elencar centenas de erros, equívocos e tolices em matéria de conhecimentos naturais, semeando pânico entre os fanáticos e fazendo maior ou menor estrago.

Agora nos terrenos da filosofia ou da própria religião nosso homem sente-se desarmado por falta de conhecimentos. Nem podemos negar que o principal trunfo dos cientificistas corresponda justamente ao padrão mágico fetichista de pensamento por parte daqueles que recusam-se obstinadamente a abraçar o critério da demarcação. É justamente a pretensão absurda dos fanáticos de pontificar a respeito duma ordem de conhecimentos que não lhes pertence e de invadir o espaço da ciência, que permite aos cientificistas e cientistas estabelecer uma contra crítica demolidora...

Resulta disto que a adesão ao critério da demarcação é util e salutar para os dois lados na medida em que permite que os discursos sejam elaborados com conhecimento de causa e propriedade; levando ambos os lados a uma trégua amistosa ou convivência pacífica, o que doutro modo seria impossível.

Este tipo de posicionamento tende a satisfazer as exigências dos elementos mais equilibrados de ambos os partidos.

Doravante o dilema fica cada vez mais deslocado para os extremos do cientificismo e do criacionismo ou seja daqueles que caprichosamente pretendem negar qualquer espaço a fé ou a ciência.

A evolução do pensamento religioso tende a colocar as coisas exatamente nestes termos, uma luta entre fanáticos. Luta em que nem os cientistas nem os religiosos moderados tomarão parte.



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