segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O lugar da Ética no espaço escolar> Instrução ou educação? Parte I


I - Condição extra escolar - O universo da ética fora da Escola.




Jamais se falou tanto de Etica quanto no tempo presente.

Fosse pela abundância do discurso seríamos levados a crer que estamos vivendo a Idade da Ética ou um florecimento da consciência humana no mais alto grau.

Apesar disto civilização alguma parece ter sido tão menos ética do que a nossa.

Assim se os assírios machavam suas mãos com sangue humano e também os maias e aztecas parece que a humanidade presente com suas mãos 'limpas' tem um coração de pedra - completamente indiferente as necessidades alheias - ao invés de um coração de carne. E isto nos parece bem mais grave (Sheley). Ultrapassamos a crueldade primitiva por meio da insensibilidade.

Pois se os antigos pareciam sentir prazer em torturar suas vítimas e desafetos, paradoxalmente não eram menos habéis em identificar-se com aqueles que sofriam...

Em nós homens do tempo presente sobejam as belas palavras e minguam as atitudes concretas.

"O homem que se gasta em palavras: raramente se gasta e ações" no dizer do Dr Gustave Le Bon

Tal o fundamento ontológico de crise porque passamos: Mais moral ou ético do que técnico, material ou econômico.

Toleramos vergonhosamente essa chaga chamada capitalismo e nos curvamos perante o ídolo do Mercado. Julgo no entanto que as profundezas do mal toquem as fontes mesmas de nossa consciência e caráter pelo simples fato de sobrepormos o TER ao SER.

Nós - E me refiro sobretudo e antes de tudo ao Cristão (Aquele que foi convocado a amar e a auxiliar, a servir e a perdoar, a beneficiar e a favorecer) mas (numa perspectiva naturalista) também ao socrático - aceitamos muito facilmente a dinâmica mecanicista e inumana do mercado e não soubemos resistir-lhe como deveríamos. Assim, graças a nossa indiferença e comodismo o Mercado estendeu seus tentáculos sobre toda face da terra e estabeleceu uma nova ordem, econômica, não humana.

E nós aquiescemos...

Aquiescemos...

Concordamos, cedemos, negociamos e acreditamos poder viver dignamente sob a tutela de um Mercado financeiro!

Evidentemente que temos de abordar - numa perspectiva econômica - os defeitos estruturais ou internos do sistema capitalista e expor claramente a falácia da auto regulação. É caso de necessidade! No entanto precisamos ir mais além, questionar e buscar saber por que nos identificamos tão apressadamente com este sistema e optamos por viver conforme suas leis apesar de conter defeitos tao notórios.

Até que ponto é, a aceitação do capitalismo e dos demais exemplos de cultura de Morte (nazismo, fascismo, comunismo, etc) corresponde a uma queda em termos de ideal, a uma crise de consciência e a um obscurecimento Ético e o que é que levou-nos a esse entorpecimento...

Acompanhemos para tanto os caminhos da Ética no curso da História.

Durante séculos de séculos, a cabo de milênios infindos, ao dealbar de Eras de eras permaneceu a Ética atrelada as crenças religiosas. Assim durante toda a Idade primitiva, assim entre as civilizações egípcia, sumeriana, indiana, chinesa, assíria, babilônica, fenícia, hitita, etrusca, etc em suma, até o florescimento da civilização helênica. Nicho de cultura em que pela primeira vez a reflexão sobre os valores foi desligada do elemento religioso - deixando de corresponder a um monopólio sacerdotal - para vir a ser objeto de reflexão ou de consideração racional sob os auspícios dum saudável naturalismo.

De fato a religião antiga ou a suposta religião revelada, esta permaneceu sob a tutela dos padres. Não a queriam os pensadores, pois o critério adotado por eles era o emprego da razão e não desejavam confundir as coisas. Tal a perspectiva de um Demócrito e de um Aristóteles. Alguns como Platão ainda tomavam empréstimo ao sagrado em busca de uma linguagem alegórica que os aproximasse mais da gente simples. Outros não. Admitiam o valor da religião, mas como algo distinto da reflexão filosófica, a qual agregavam a questão dos princípios e valores.

Foi um ensaio de emancipação que nem por isso deixou de atrair a atenção colérica e rancorosa de sacerdotes como Diopeites e da mentalidade conservadora representada a um tempo por Licon, Anito, Melito, etc

Seja como for o choque foi atalhado por uma interpretação simbólica ou alegórico dos mitos, pela falta de um aparelho repressor organizado e pela tendência da própria religião em tornar-se ritualista. Por fim a religião manteve a aparência externa dos ritos sancionada pela tradição da cidade e a Filosofia coube a reflexão sobre os atos humanos.

Tal revolução no entanto não representou mais do que um relâmpago a iluminar as trevas duma noite escura.

Assim após o colapso da Civilização antiga e a queda do Império romano, passou a ética, mais uma vez ao domínio da religião, se bem que sob uma forma mais avançada ou evoluída no caso o Cristianismo.

No entanto a medida em que o mundo contemporâneo de sia tornando mais democrático e pluralista impunha-se a separação e a elaboração de uma ética comum do ponto de vista puramente natural.

Importa saber que a construção desta Ética não foi e não é, por assim dizer, algo de fácil execução.

Especialmente se levarmos em consideração que da relação existente entre Ética e religião e da consequente negação da religião resultou a negação da própria ética por parte de não poucos pensadores modernos.

Concomitantemente sugeriu-se mais uma vez que a instrução ou a própria ciência seriam capazes de substituir a Ética ou de produzi-la. Sugestão que de certo modo já havia sido denunciada por Sócrates. Referi-mo-nos ao cientificismo segundo qual os princípios e valores ideais seriam determinados pela própria pesquisa científica.

Os gregos não conheceram o dilema religião e ciência ou religião e ateísmo forjando por assim dizer um teísmo racional ou deísmo naturalista destinado a dar suporte a ideia de uma lei universal e a uma Ética essencialista. Não cogitavam apelar a códigos supostamente sagrados ou revelados como os antigos hebreus, mas também não prescindiam de um legislador ou duma consciência universal enquanto fundamento objetivo do bem e do mal.

Podemos definir sua Ética - de modo geral e atendo-nos as escolas de Sócrates, Platão e Aristóteles, bem como as figuras de um Diógenes de Apolônia, Parmenides, Anaxágoras, etc - como não religiosa ou naturalista, teísta ou deísta (como queiram) e essencialista ou objetiva. Teleologicamente sua ética estava posta para a convivência harmoniosa no seio da Polis, para a unidade social e virtudes cívicas, isto a ponto de terem percebido e afirmado a pessoa, sem no entanto terem ousado coloca-la ao lado do Estado ou da Pólis. Haviam apreendido as noções de pessoa e liberdade mas sempre em estado de maior ou menor sujeição face as necessidades da Polis.

Assim para eles a lei natural compreendia um princípio absoluto (Transcendente/Imanente), uma dimensão social bastante clara e uma unidade pessoal destinada a observa-la.

A ideia de que os próprios indivíduos correspondesse a tarefa de legislar ou de criar leis válidas para si mesmos lhes parecia incompatível com aquele ideal de comunhão que era a Pólis e destinado quiçá a dissolver todos os liames da vida social sem os quais não podiam conceber a existência.

Por isso buscavam algo de comum, um elemento comum, um vínculo comum de que resultasse os fundamentos de uma lei comum a todos os homens. E este elemento redescoberto por nossos deístas durante o iluminismo era a Ideia de uma consciência ou mente suprema capaz de legislar tanto física, quando imaterial ou moralmente.

Os gregos jamais saíram disto e jamais cogitaram em produzir uma ética ateística ou materialista embora nem por isso sua ética fosse sobrenatural ou religiosa mas como já dissemos pautada na reflexão e portanto naturalista. Segundo os gregos a lei natural não precisava ser revelada por Deus ou pelos deuses porque estava no acesso da razão humana. Por isso não dependiam de sacerdotes ou de livros mas apenas e tão somente do exercício dialético, por meio do qual acreditavam ser possível alargar e aprofundar seus conhecimentos.

Tal o ponto a que chegaram e a síntese elaborada por eles.

Este ponto de equilíbrio no entanto foi como que quebrado ou fragmentado pelo homem moderno após sua drástica ruptura com a religião e a solução - da parte de alguns ao menos - pelo ateísmo e pelo materialismo. Já dissemos que alguns destes optaram por sacrificar a ética ou por coloca-la de lado. O que é tapar o sol com a peneira, na medida em que a Sociedade demanda, mais do que nunca por soluções éticas e que a falta delas corresponde a tremenda crise porque passamos.

Muito tem de discutido sobre como o materialismo e o ateísmo seriam capazes de fornecer-nos uma ética objetiva e essencialista capaz de servir de barreira as culturas de morte que nos cercam. Serão o ateísmo e o materialismo capazes de ultrapassar, em termos de ética, os limites do subjetivismo, do relativismo e do individualismo e de propiciar-nos um elemento comum e unificador no terreno dos princípios e valores ou teremos de nos contentar para sempre com opiniões individuais e preconceitos oriundos da cultura ou das culturas???

Claro que todas estas questões precisam ser levantadas e discutidas com serenidade.

Kant levantou todas estas questões e após ter 'demonstrado' que era impossível demonstrar a existência de Deus na "Critica da razão pura" retomou-a sem maiores problemas na tão odiada ou depreciada "Crítica da razão prática" enquanto fundamento do mundo Ético ou moral. E com os gregos admitiu ser impossível ou melhor absurdo postular uma Lei Universal ou natural prescindido de um Legislador inteligente. Do contrário, inexistindo uma lei natural ou universal, torna-se o indivíduo única lei ou padrão de ética para si mesmo. E estamos no terreno do individualismo crasso.

A um lado temos a ética objetiva e essencialista fundamentada na ideia de um elemento unificador, seja mente, consciência, energia, etc ao menos em parte Transcendente face ao gênero humano e a outro uma ótica individualista segundo a qual cada homem é padrão de bem e mal para si mesmo.

Haverá alguma solução intermediária entre estes dois extremos????

Entre a ideia de uma lei universal ou natural por princípio de coerência vinculada ao teísmo e a ideia, assustadora de uma ótica individualista houve quem buscando um meio termo postulasse a ideia de sanção social, Neste caso a lei a ser observada não teria seu ponto de partida nem num Deus supremo nem no indivíduo isolado mas no consenso social democraticamente obtido ou na sociedade.

É solução precária primeiramente porque existem diferentes tipos e formas de Sociedades, o que nos levaria a um imenso número de leis e o que seria permitido de um lado dos alpes já não seria permitido do outro... E a simples mobilidade do ser humano propiciaria intermináveis conflitos. Tanto pior se considerarmos o fato de que as Sociedades ou Estados não parecem infalíveis em matéria de ética ou moral. Substituído Deus ou o individuo pelo Estado temos preparado o caminho da estatolatria e do totalitarismo representados pelo nazismo, pelo fascismo e pelo comunismo. Aqui bom é o que beneficia o poder, a raça ou o partido e mau o que opõem-se as diretrizes e ambições do poder, da raça ou do partido! Face as quais as vidas humanas pouco ou nada significam...

Remete-nos esta ideia ou este critério de ética aos campos de concentração, expurgos, gulags, pogrons, extermínios em massa, etc

E se nos parece que o Estado possa ser orientador tão discutível quando o indivíduo em termos de ética.

O indivíduo arroga-se o direito de matar???? O Estado com mais razões ainda. O indivíduo alega ter o direito de torturar??? Certas sociedades ainda com maior empenho... E como a Sociedade ou o Estado comporta um número bem maior de indivíduos até o estrago acaba sendo maior.

Admitido e aceito que tudo é opinião individual e que o indivíduo é supremo critério em termos de Ética estamos no inferno de Hobbes e sem Leviatã que nos valha! Admitida a solução da estatolatria, converte-se a Sociedade mesma em divindade suprema e estamos nos domínios de Hitler com sua barbárie organizada...

Aqui todo esforço para ocultar ou disfarçar o problema ou sua gravidade é inútil.

Por considerações 'teóricas' ou intelectuais de vária lavra tem alguns homens combatido ferozmente o simples conceito ou ideia de Deus em termos naturalistas e por simples ódio a religião (Nem negamos que parte delas mereça este ódio). E eles nem podem, como os antigos gregos, separar a ideia de Deus da ideia de religião ou fé... E fazem-se paladinos abnegados do ateísmo, postulando inclusive que esta opinião ou teoria - por si só ou associada ao cientificismo - será capaz de produzir um tipo de consciência ética mais elevado.

Nós no entanto temos um demanda prática diante de nós e clamamos por uma solução eficaz.

Precisamos, repito, resgatar a antiga noção de Lei natural e comum (ou universal) ou de uma ética objetiva e essencialista capaz de condenar irremissivelmente todos os totalitarismos.

É portanto direito que nos assiste perguntar aos adeptos do ateísmo e do materialismo: Que tipo de ética vocês tem a oferecer-nos??? Serão vocês capazes de deduzir ou de extrair de seus postulados teóricos esta ética objetiva, essencial e unificadora???

Porque se nos apontam para o indivíduo na perspectiva de um Stirner ou de uma Ayn Rand tememos que o arguto Hobbes tenha já tirado das devidas conclusões. Nem podemos nos deixar iludir pelas conclusões românticas de um Russeau vivendo num universo volitivo deslindado por Freud...

Agora se algum liberal ingênuo nos aponta para o contrato social devemos considerar que este contrato, mesmo quando policraticamente implementado, permanece sempre falível. Sócrates não foi condenado pelos caprichos de um Mussolini mas pelo tribunal de Atenas segundo as formas policráticas de então! Jesus não foi condenado arbitrariamente pelo Sumo Sacerdote Caifás mas pelo órgão classista do Sinédrio. As leis de segregação racial vigentes em diversos estados dos EUA foram democraticamente baixadas! Democracia é bom no que diz respeito ao espaço do político, mas não pode substituir eficazmente o padrão da consciência implantado no universo pessoal.

Quantas vezes a objeção de consciência e a desobediência civil não representou o que havia de mais nobre e virtuoso. Enquanto as leis referendadas pela maioria mostravam-se opressoras???

Aqui uma conclusão salta a vista: As perspectivas puramente imanentes do individualismo e do estatismo ou socialismo não parecem resolver o problema ou oferecer critério seguro a vida ética. Daí dirigirmos aos ateus, materialistas e de modo geral a todos os adversários do teísmo naturalista esta pergunta que não quer calar:

O que vocês nos tem a oferecer de concreto em termos de ética????

Porque esta é a grande pergunta do tempo presente.

E temos de encontrar uma resposta para ela.

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