sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Religiões: Sintomas de vida e morte... A agonia do Cristianismo e o fim da civilização humanista I

Definições necessárias:

  1. Maniqueísmo: Ideologia que encara negativamente a matéria, o corpo, a nudez e a sexualidade.
  2. Moralismo: Ideologia que coloca a moral, ou os costumes individuais, acima de tudo.
  3. Puritanismo: Moralismo exacerbado.

Moralmente falando o Catolicismo jamais foi uniforme. Destarte podemos dizer que ao menos em parte não era um sistema moralista ou de moralidade estreita. Embora nele houvessem moralistas e um setor moralista. No entanto até e dealbar da Reforma protestante este setor moralista enquistado no Catolicismo não foi hegemônico.

A crítica posta pela reforma protestante no entanto foi em grande parte moralista e moralizadora.

Paradoxalmente nem Lutero nem Zwinglio eram moralistas. Lutero por sinal como 'solifideista' era anti nomiasta e contrário a própria lei moral, bem como a vida ética. Ao menos não salientava a existência de quaisquer vínculos essenciais entre religião e virtude e afirmava um salvação no pecado, jamais do pecado.

A maior parte da reforma no entanto segui a opinião, tanto mais saudável, de João Calvino o qual não só era moralista ou melhor puritano, como buscava a fontes de sua moralidade na cultura judaica ou seja na Tanak ou na Torá, do que resultou uma moralidade sectária e judaizante até o legalismo. E todo conteúdo dessa reformação lança raízes no terreno do maniqueísmo.

Nesta perspectiva eram os Católicos de modo geral, e em especial aqueles cujos costumes eram ainda medievais, encarados como mundanos e permissivistas pelo simples fato de beberem sobriamente, de ouvir música, de dançar, de praticar algum esporte, de vestir roupas consideradas demasiado 'curtas' ou coloridas, etc

E ai no calvinismo damos com as fontes do farisaísmo pentecostal e desta religiosidade externa cujo foco é a comida, a bebida, a sexualidade, o traje, etc

Agora se contemplamos atentamente a situação da igreja romana percebemos que desde os séculos XVIII e XIX, e mais ainda hoje, a balança vem pendendo para o lado do moralismo.

Pelo que temos de nos perguntar: Será isto bom???

Em termos de História e Sociologia a resposta já esta formulada: O florescimento ou assunção de uma religião qualquer da-se em termos teológicos ou especulativos e seu declínio e morte em termos de moralismo.

A igreja romana foi teológica no primeiro milênio desta era enquanto parcela do Catolicismo Ortodoxo e ainda após o cisma, durante quase toda Idade Média e mesmo alguns séculos após o advento da reforma justamente devido a polêmica travada com os protestantes. No entanto após o Concílio do Vaticano II optou por mergulhar ainda mais no pântano do moralismo... Desde então sua teologia entrou em crise ou eclipse e o moralismo assomou em todos os setores em que pese a resistência e a atuação de um setor marcadamente liberal.

E com que guarra os Católicos afetando lemingues cerram as fileiras do moralismo insípido de par com os ministros protestantes!

De fato eles não são capazes de perceber que esse reducionismo moralista implica o empobrecimento da religiosidade e sua destruição. E concentrando-se apenas na vontade, bem ao sabor do agostinianismo, vemos que o papismo abandonou por completo os setores do intelecto e da estética... bem como o da ética ou da doutrina social. Deixou de ser espírito e vida para converter-se em receita de bolo comportamental...

Falaciosa é a interpretação tradicional que apresenta a 'contra reforma' como um movimento de oposição ao espírito protestante, quando foi no mínimo um movimento de conciliação. A maior parte dos Católicos confrontados com a metralhadora bíblica do protestantismo (mosaica e paulinista) não tardaram por entrar em crise e fazer um dramático 'mea culpa'. Sob um dilúvio de citações imbecis tomadas a Torá chegaram a ponto de reconhecer que seus ancestrais não passavam de uns vis depravados.

E assumiram uma 'reformação moral' na perspectiva dos maniqueus e puritanos. Tal a perspectiva de Trento, da qual o papismo jamais viria a afastar-se nos quatro séculos subsequentes. Foi um acolhimento receptivo da crítica protestante e uma incorporação atenuada de princípios protestantes. Tal o motor da moralização que se seguiu. E a orientação foi o abandono das alegrias mais inocentes relacionadas com os sentidos, a ocultação do corpo e a adoção de um código sexual cada vez mais exato e estreito.

Desde então o papismo passou a insistir obstinada e desastrosamente em temos como: a perenidade do matrimônio, o patriarcado masculino, a monogamia, a heteronormatividade, a vinculação prazer sexual - procriação, a separação dos sexos na sociedade, a adoção de figurinos ou trajes 'sóbrios', a condenação sistemática da gula e da embriagues, a 'satanização' da música profana bem como das danças... O que de algum modo remete-nos a 'santa Genebra' do assassino e ditador Calvino com as centenas de leis, normas, regras e dispositivos de controle postos para a uniformização do comportamento externo, e consequentemente para a criação ou reprodução de cópias humanas.

Surpreende-nos que o papismo tenha engolido esta isca feita com confeitos tomados ao judaismo antigo e lançada pelo reformador francês. A bem da verdade os católicos não apenas engoliram como degustaram o confeito calvinista até o deleite...

Por volta do século XIX a igreja romana era uma instituição marcadamente puritana e os liberais em matéria de moralidade um seleto grupo de rebelados mantidos sob vigilância. No entanto ainda havia alguma vida teológica. Porque ao menos no setor doutrinal e ritual havia oposição face ao protestantismo. O puritanismo no entanto é sempre conciliador, de modo que sem perceber a igreja romana foi engolindo mais e mais linha até aproximar-se mais e mais do protestantismo e assimilar outros tantos princípios e valores seus. E aqui esta a fonte do relativismo ecumênico, da RCC e de todas as sucessivas desgraças que abateram a infeliz igreja romana.

A porta de entrada de todas as bruxas foi a absorção do moralismo puritano. Não foi em vão que a igreja romana converteu-se em baluarte da causa no século XIX e numa Colônia do protestantismo cem anos depois (1960). A maior parte dos Católicos assumiu um sentimento de culpa que não era seu e desde então, ao menos inconscientemente, passou a admitir que de certo modo ou de certa forma - por ter provocado a contra reforma e a reformação moral - que a Reforma protestante havia salvo a Igreja romana (!!!). Surpreendente conclusão!

Agora se é mesmo assim por que vossos papas não canonizaram os reformadores ou melhor os salvadores da Igreja ao invés de terem-nos excomungado e anatematizado???

Aqui os Papa infalíveis não tiveram gota ou pingo de bom senso ao excomungar homens providenciais, digo os heroicos reformadores...

Então eles vieram prestar bons serviços a igreja demolindo toda sua vida sacramental e o culto mariano???

Mas quem é que ensinou os neo Católicos que uma mesma fonte pode deitar água doce e salobra ou que uma mesma árvore pode dar figos e espinhos???

Perceba-se a que situação vexatória o moralismo conduziu a antiga igreja romana???

E ela não pode sair deste abismo hiante porque mesmo os decantados tradicionalistas assumiram no mais alto grau este ideário protestante, post reformado, moralista e puritano...

E como a igreja assume padrão de autoridade, veio o moralismo a tornar-se legal ou a institucionalizar-se. Desde então a resistência liberal adquiriu 'status' de marginalidade.

Curiosamente tal não se deu no seio da corrente rival, o protestantismo. Ja por ser um sistema subjetivista e individualista. O que possibilitou a sobrevivência da tradição luterana ou antinomiasta em alguns setores e diversas tentativas de conciliação entre a fé e a moralidade natural contemporânea, ao menos na Europa e EUA. No protestantismo, devido ao livre examinismo, tais setores não ficaram marginalizados.

Na igreja romana, desastrosamente, a emenda saiu pior do que o soneto pelo simples fato de não oferecer outras opções de 'moralidade' como o protestantismo. Desde o século XIX, logo ela que possuia um lastro de moralidade liberal ou como dizem hoje de 'imoralidade' e contra cultura fundamentado nas idades Média e Antiga, passou a ser identificada como o que havia de mais reacionário e atrasado na Sociedade européia.

Continua

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