sábado, 26 de setembro de 2015

Afinidade eletiva como conceito chave para a compreensão dos modelos culturais e tipo de civilização

É a afinidade eletiva que estabelece relações de solidariedade entre dois ou mais fenômenos culturais, ideologias ou instituições sociais, aproximando-os, unindo-os, ligando-os num só padrão civilizacional, como peças que se encaixam para formar uma só estrutura.

É uma espécie de simbiose que se dá no âmbito da cultura, das ideologias e instituições; a ponto de formarem um tipo característico.

A afinidade eletiva ocorre quando dois seres ou elementos "Buscam-se um ao outro, atraem-se, ligam-se um ao outro e a seguir ressurgem dessa união íntima numa forma renovada e imprevista." (Goethe apud Löwy, 1989, p. 15)

Trata-se dum termo muito mais arrojado ou refinado do que a teoria mono relacional e hierárquica de Marx em termos de infra e super estrutura.

Remete de alguma forma a crença simplória da simpatia natural. Caso a semelhança de Lowy, descartemos a priori qualquer tipo de correspondência interna, em termos de um elemento teórico ou duma orientação comum. Esta simpatia natural e orgânica só pode ser compreendida caso isolemos um elemento teórico comum.

É a presença deste elemento teórico comum, em ambas as instituições, fenômenos ou ideologia que possibilita a aproximação, a integração e a formação de uma estrutura destinada a afirmar-se e a persistir historicamente. Pois um elemento ou fator suporta a presença do outro e afirmam-se mutuamente!

Nem posso conceber como homens tão sábios puderam deixar de perceber que entre a mística protestante e o espírito do capitalismo existe um elemento teórico ou ideológico comum que é o individualismo. É o protestantismo individualista em sua busca pela salvação individual e repúdio formal face a teoria da salvação gregária ou solidária proposta pelos Catolicismos, inclusive pela igreja romana. Também em termos de liberalismo clássico temos a busca individual pelo lucro máximo até a emulação ou concorrência, em oposição ao ideal corporativo ou cooperativo. A empresa aqui é quase sempre em termos individuais.

Não foi apenas M Weber que encarou a afirmação do capitalismo como uma secularização do espírito protestante, o qual por sinal manteve a mesma orientação ou tendência individualista. Nem precisamos dizer que o capitalismo foi causado pelo protestantismo, mas apenas e tão somente que foi alimentado ou reforçado por ele e que sua existência anterior a rebelião protestante dava-se em termos de contenção pela poderosa estrutura da igreja Romana.

Para que o Capitalismo viesse a impor-se eram necessárias duas coisas: 



  • Um abalo capaz de fragilizar as estruturas da igreja antiga
  • A produção de um novo tipo de orientação ética ou valor que determinasse a cultura, substituindo a antiga por uma nova.

A reforma protestante satisfez plenamente todos estes quesitos, pois:

  1. Dividiu a Cristandade Ocidental em pequenos feudos
  2. Subordinou parte deles, numa perspectiva erastiana, ao principado secular
  3. Secularizou as propriedades e bens até então pertencentes a igreja, fazendo com que circulassem ou passassem a corresponde a um outro sentido
  4. Imprimiu um sentido individualista completamente novo a espiritualidade Cristã, em oposição ao sentido social, gregário ou solidário comum a igreja antiga.
  5. Cessou gradativamente de condenar o acúmulo irrestrito de bens materiais, até então apresentando como pecado de avareza.

Este programa de modo algum poderia ter deixado de produzir um forte impacto em termos econômicos, de engendrar uma nova ordem e de cimentar outro tipo de estrutura.

Pela mesmíssima razão podemos apresentar o ideal socialista como o espírito secularizado dos Catolicismos ou do Cristianismo ou como uma Ética Cristã sem Cristo.

Pois se o capitalismo pode afirmar-se em termos puramente materialistas ou econômicos, o socialismo jamais poderá faze-lo.

Permanece sempre como orientação ideal da Sociedade ou como uma ética secularizada cujo fundo é religioso.

Sendo materialista ou melhor positivista o capitalismo desconsidera por completo o conceito imaterial de injustiça. Apelando a teoria do relativismo cultural o positivismo não pode deixar de encarar a justiça ou a injustiça como emanações da consciência ou da vontade subjetivas. Não como algo concreto, objetivo ou normativo a que deva subordinar-se. Cientificista repudia o primado da Ética e jamais considerando 'O que deve ser', mas apenas e tão somente o que é ou existem em sua dimensão material.

Nem podemos deixar de reconhecer que este padrão de pensamento seja coerente e que permaneça estritamente fiel as exigências do materialismo economicista.

Os positivistas ou materialistas Ortodoxos repudiam a existência de qualquer sentido imaterial da vida ou na vida. Ele não pode encarar o que 'deva ser' ou o 'como deva' ser senão como idealismo subjetivista e, consequentemente como um padrão de pensamento metafísico e anti científico.

No entanto o Socialismo, com sua pretensão de adaptar a realidade material existente, aos pressupostos ideais da justiça, não pode deixar de ser uma metafísica e com ele toda Ética. 

O Socialismo é um discurso no mínimo polêmico em certos meios científicos polêmicos por suster o primado da Ética e consequentemente da Metafísica. Pois sempre que nos reportamos a Ética, reportamos ao que deveria ser e não ao que é. A ciência em termos materialistas ou positivistas conhece apenas aquilo que é... Ao solapar os fundamentos da teodicea ou da ontologia, Kant jamais pode imaginar que atingia igualmente os fundamentos da Ética e da Epistemologia.... nem posso discutir sobre os imperativos da justiça ou sobre a capacidade do entendimento humano sem passar do é para o 'como deve ser' ou do puramente material para o imaterial.

Assim se o século de Hume e Kant foi anti ontológico, o século XIX foi anti ético e o nosso anti Epistemológico ou gnosiológico; mergulhando de cabela no abismo do irracionalismo. Ainda aqui temos fases, temos elemento comum, temos afinidade!

Importa saber que os socialismos de modo geral, mesmo quando reduzidos a formas ateísticas ou materialistas, naturalizados, secularizados... tal e qual o capitalismo, remontam a um sentido ou orientação fornecida pela religião, aqui a Católica ou se preferem vetero Cristã. O Catolicismo antigo ou Ortodoxo, apesar de conceder um espaço bem definido a pessoa humana, trouxe consigo o sentido ancestral de comunidade, de grupo, de solidariedade; o qual apesar de sucessivas crises de identidade jamais veio a perder.

Trás além disso o sentido de visibilidade ou de materialidade - decorrente do mistério da Encarnação - que o protestantismo sacrificou, aderindo a pressupostos neo platônicos, para apartar-se do mundo real e de certo modo facilitar a afirmação de uma ordem secular não apenas autônoma, mas materialista.
A relação aqui não se dá como supôs Lowy entre Moral cavalheiresca e Catolicismo; mas em termos opostos e co relatos aos propostos por Weber, i é, em termos de Capitalismo Socialismo.

Assim a luta de morte travada entre Catolicismos e Protestantismo pelo espaço de quase século e meio ou mais, sucedeu-se a partir da Revolução Francesa outra luta de morte entre os Socialismos e o Capitalismo, a qual ainda parece estar bem longe de terminar.

Os dois princípios: solidariedade e individualismo eram já antitéticos no plano da espiritualidade, pelo que continuam a se-lo no plano da economia e da política para os quais transbordaram, resultando outros tantos conflitos.

Resta-nos concluir que o capitalismo, afirmando-se e reconhecendo-se no plano do puro materialismo  PODE PRESCINDIR JÁ DE UM ESPÍRITO, e portanto do apoio fornecido pelo éthos protestante, MESMO QUANDO TAL APOIO SEJA CONVENIENTE. O mesmo não pode ser dar no âmbito do socialismo pelo simples fato de não poder esgotar-se no plano da materialidade ou do como 'é'; prescindido de um espírito ou de um apoio espiritual sob pena de perder o fôlego e jamais realizar-se.

Carece o socialismo de um suporte espiritual, imaterial ou religioso segundo sua própria natureza. Foi a incompreensão desta verdade que resultou na falência de todos os socialismos materialistas e ateus. Não pode ele nem reproduzir nem assimilar os venenos do capitalismo sem sacrificar a si mesmo e corromper-se. Resta apenas inquerir qual deva ser este suporte. Se devemos resgatar algum Catolicismo ou escolher outro princípio.

A própria insistência com que o liberalismo econômico assesta suas baterias contra os Catolicismos, buscando desmoraliza-los já há mais de dois séculos, parece apontar-nos para o caminho mais acertado! O principal erro de todos os socialismos tem sido aderir a pautas comuns - com o capitalismo - ou formar frentes com o capitalismo. Nada há de comum entre Capitalismo e Socialismo. Por isso toda e qualquer tentativa de dialogo ou de negociação deve ser conscientemente repudiada.

Se antes do advento dos socialismos modernos o capitalismo preceituava a afirmação integral duma sociedade materialista e economicista, temos de ir na direção contrária e buscar por algum fundamento espiritual que alimente nossos corações.



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