quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Fundamentalismo e democracia

Democracia só é possível na perspectiva da horizontalidade.

É um reconhecer a capacidade do outro e falar de igual para igual.

Colocar-se num plano de superioridade é e sempre será essencialmente democrático. Exatamente por isso o fundamentalismo religioso é incompatível com as instituições democráticas.

Pois enquanto o cidadão comum elabora seu discurso a partir do elemento natural da razão o fanático alega falar em nome de deus e conhecer sua vontade unificadora.

Toma um livro qualquer, declara: 'Esta escrito' e resolve a questão.

Quanto aos que ousam pensar diferente e discordar de seu ponto de vista, classifica como possessos, dominados e orientados por um suposto espírito maligno.

Enquanto é próprio da democracia discordar e do pensamento humano expandir-se por meio de uma dialética para os sectários e adeptos do livro discordância equivale a heresia. Enquanto o cidadão inserido numa Sociedade democrática deve estar apto para dialogar ou discutir o fundamentalismo religioso condena toda e qualquer especie de crítica, afinal não se pode discutir com deus ou questionar aquilo que os líderes apresentam como sua palavra infalível. Nem se pode dialogar ou negociar com o espírito maligno ou deus do mal...

Em suma o fundamentalismo produz um clima essencialmente unificado, padronizado, totalizante em que a democracia é incapaz de sobreviver. Ele produz uma cultura essencialmente democrático e lança os fundamentos da teocracia com suas inquisições, sharias, djzias, etc É a negação da igualdade entre os que pensam ou creem distintamente e a afirmação da inferioridade. Face ao monopólio religioso, ao curral, ao rebanho, a massa amorfa o dissidente é e sempre será uma pessoa de segunda classe ou incompleta. Incompleta porque não crê, nem vive como deus quer ou determinado livro determina.

O raciocínio primitivo dos sectários manifesta-se assim: se deus, em sua palavra determina com exatidão o que devemos comer, beber, trajar, ouvir, etc a diversidade cultural esta em oposição a sua palavra. Aqui não há nem resta espaço algum para a pluralidade. Deus é um, sua vontade é una, seu livro é um... Portanto todos devem viver do mesmo modo e maneira, orientados por sua palavra. É a padronização, a despersonalização do ser humano; a mais refinada forma de profanação já concebida pelo ego!

Concebeu-a primeiramente o judaísmo antigo com seu monoteísmo feroz, alguns séculos antes desta Era. Em nome de jau a cultura judaica foi levada a diversas partes do planeta, exportada para diversas sociedades e apresentada como sacramento de salvação. Salvavam-se os homens pela adoção da cultura judaica e instituições mosaístas, fechando-se em guetos com o objetivo de contaminação pagã da pluralidade... E já não se podia comer carne de porco, ingerir certos alimentos, vestir tais peças de roupa ou travar tais relações sociais. Tudo segundo as normas e regras de uma determinada cultura apresentada como sagrada.

A princípio o judaísmo cogitou em afrontar e absorver o mundo antigo. De que resultaram um sem número de conflitos.

Manifestou-se o Cristianismo ou Catolicismo cuja ética mais refinada e o monoteísmo mais rico (Tendo em vista o 'interessante' dogma da Encarnação de Deus no mundo material) não estavam atrelados a qualquer cultura ou que eram mais adaptáveis as circunstâncias culturais, ou que foram carreados pela cultura superior dos gregos, e conquistou parte do mundo antigo.

Ficando o judaísmo privado de seus meios coercitivos materiais. Refugiou-se mais uma vez em guetos, buscando isolar-se face a contaminação pagã e a Filosofia. No entanto o contato, ainda que forçado e restrito, com a Sociedade profana dos cristãos 'paganizados' (Católicos) não pode deixar, a longo prazo, de produzir uma acomodação, um certo desprendimento das limitações da cultura, e, consequentemente um judaismo mais maduro já secularizado ou ao menos moderado. Judaísmo este que reconhece a não viabilidade de certos preceitos contidos na Torá, admitindo que não se trata duma lei eterna, imutável e absoluta em termos universais.

Em contato com o pensamento gentílico, os catolicismos, o modelo científico iluminista, etc foi o judaísmo capaz de assimilar muita coisa boa, de evoluir e de tornar-se menos casmurro. Abandonando por completo a ideia absurda de impor sua cultura como lei a todos os seres humanos ou desesperando de converte-los pacificamente. Quando a aspiração de reduzir os pagãos a força ou seja por meio de inquisições e sharias, sabe o judaísmo - melhor do que qualquer outro sistema religioso - não passar de rematada loucura. Relegado a rígidas tradições familiares o judaísmo ortodoxo avança somente neste plano restrito. Afinal só judeus seriam ou são capazes de encarar sua própria cultura como divina! Quem haverá de esperar outro tanto dos demais povos???

Desprovido dum aparelho repressor eficaz, o judaísmo estagnou. Acima de tudo o judaísmo ortodoxo. Teve de reconhecer-se e afirmar-se como uma religião étnica e abdicar de seus primitivo ideal Católico ou universalizante, inaugurado pelos profetas e assumindo pelo Catolicismo, cujos dogmas espirituais e invisíveis serão sempre mais atraentes mesmo quando aparentemente estúpidos! Até posso ser tentado a encarar a Trindade divina como uma entidade irracional. Mas sempre preferirei crer nela do que ser obrigado a deixar minhas barbas crescerem, a cobrir-me com determinado tipo de tecido, a abster-me de comer isto ou aquilo, a concordar com o estupro conjugal, a endossar o extermínio de homossexuais, etc Os Catolicismos são mais arrojados e humanos exatamente por serem abstratos, ao menos em certo sentido.

Ser fundamentalista é ter sua vida minuciosamente determinada por um livro. Aceitar e viver uma outra vida que não se quer. Ter a vontade esterilizada e o ser profanado!

O fundamentalista é uma pessoa amarga e rancorosa porque não teve dignidade suficiente para opor-se as forças tenebrosas que revindicam sua padronização. É precisamente por isso que ele odeia acima de tudo os resistentes, os corajosos, os oponentes; aqueles que ousam determinar livremente suas vidas. O fanático odeia os todos os dissidentes porque no fundo, no fundo gostaria de ser como eles, embora lhe falte coragem.

Eis porque ele deseja converter e convertendo impor determinada cultura.

Neste sentido religião alguma tem sido tão bem sucedida quanto o islamismo.

E por uma razão bem simples: O islamismo é o único sistema religioso da terra que não recua diante da afirmação do absurdo, do ridículo, do abominável, do monstruoso... em nome de seu livro. É o único sistema religioso que para além do judaísmo ortodoxo e do pentecostalismo logrou cauterizar a mente humana! O único sistema religioso que ousou apresentar a divindade como má, mesquinha, rancorosa face a toda crítica naturalista ou racional.

O judaísmo sucumbiu face as exigências da razão e da civilização; perdendo parte de sua modorra. O ramo desviado (moralmente) do Catolicismo (o papismo) civilizou-se. Mesmo o calvinismo e pentecostalismo não puderam - ao menos em parte - deixar de ceder aos imperativos éticos do Evangelho.

O islã não. Não há Evangelho que obrigue-o a amar, tolerar e respeitar seus semelhantes e após o triunfo da Ortodoxia acharita vindicada por Gazalli decretou a morte da Filosofia, não havendo 'razão' a que se curve!

Daí sustentar em alto e bom som a santidade, divindade e conveniência da sharia, a qual não passa de um aparelho repressor altamente sofisticado ou duma inquisição destinada a oprimir os 'fiéis' - em especial é claro o elemento feminino - e a exterminar os dissidentes e infiéis. Os ocidentais idiotas esperam que os muçulmanos civilizados questionem tudo isto: a castração de meninas, o estupro conjugal, a disciplina matrimonial, a homofobia, o adultismo, o escravismo, o imposto do infiel, a jihad, a murtad, etc

É querer tirar leite de pedra.

Os muçulmanos continuam e continuarão insistindo que tais preceitos estão contidos no Corão, na Sunah, nos Hadits, nos sahis, etc e portanto de são divinos e sagrados. Direis que tais preceitos são cruéis, desumanos e grosseiros e eles replicarão que não é dado a um mortal julgar deus ou sua palavra, mas apenas submeter-se a ela. Pois a divindade sempre será superior a percepção e a razão humanas! 'Sois falíveis, Alla é infalível.' vos ensinará qualquer criança maometana!

Percebe como o discurso aqui é vertical?

De cima para baixo...

Pois vosso contraditor fala em nome de deus, enquanto vós falais em nome da razão.

Como ousais esperar que tais pessoas abracem as instituições democráticas e o sentido da liberdade se sequer ousam pensar???

Na medida em que o islã, o pentecostalismo, o judaísmo ortodoxo eliminam o pensamento crítico reflexivo inviabilizam a produção de uma cultura democrática e põem em risco a existência deste tipo de forma.

Na mesma medida em que as religiões fundamentalistas exigem de seus adeptos uma obediência passiva, mecânica ou cega ao livro ou ao profeta, habituam o homem a obedecer. Treinam-no, adestram-no! E ele perde sua autonomia, livre iniciativa, criatividade; convertendo-se numa cópia. Este tipo de fé inquestionável produz homens em série...

O islã no entanto prolifera.

E prolifera como sempre levado pelas pontas das azagaias.

Prolifera porque a mulher dever obedecer o homem ou ser disciplinada!

Prolifera porque o homem deve obedecer o líder espiritual ou ser executado por apostasia!

Prolifera porque a criança, isenta de proteção legal não só pode como dever ser surrada sem piedade, especialmente ser questionar ou tecer criticas ao livro!

Prolifera porque os dissidentes, sejam xiitas (alidas ou imamitas), carijiitas ou mutazilas são oprimidos.

Prolifera porque os infiéis são perseguidos e exterminados.

Prolifera porque exerce violência, de modo criterioso e sistemático, contra tudo e todos: contra a mulher, os leigos, a criança, os heréticos, os infiéis...

Prolifera a ferro e fogo, por meio da violência, da força, agressão, da negação de direitos, dos preconceitos!

E proliferando vai, passo a passo, reproduzindo; onde quer que prolifere, os traços da sociedade árabe do VII século desta Era, que é sua Idade de ouro.

A civilização plural e democrática tem seus olhos posto para frente, fixados no futuro. Os fundamentalismos todos tem seus olhos fixados num passado remoto. São paladinos do reacionarismo!

Como um barco a deriva em meio ao mar iracundo, a civilização tem sido ameaçada por sucessivas vagas: a do judaismo antigo, a da reforma protestante (especialmente de matriz calvinista), a do islamismo! Mal se safa de uma levanta-se outras...

Agora temos diante de nós as ondas fragosas do islamismo e do pentecostalismo; uma oriunda do Oriente e outra do Ocidente e não podemos deixar de alertar os cidadãos sobre o risco imenso que corremos. Assistimos novamente a mais uma invasão de hordas bárbaras semelhantes as que puseram fim ao mundo antigo! Com a diferença de que no momento presente não contamos mais com uma igreja romana vigorosa e inserida no tronco do Catolicismo.

Diante disto só nos resta apostar na educação, na Filosofia, na Ciências e nas Artes como preservativo da cultura ancestral e pagã que legou-nos o Paládio da liberdade e a glória da democracia. Urge acima de tudo demolir o fetichismo, as superstições, as crendices e dar guerra sem quartel ao fanatismo seja pentecostal, islâmico, etc Afirmar a dignidade da pessoa humana, a soberania das leis e a objetividade de uma ética que complete a forma 'vazia' de nossas instituições democráticas.

Somos espectadores duma crise sem precedentes nos últimos séculos, Crise que tange aos fundamentos da cultura, da sociedade e da civilização. Agora o que nos devemos tornar é agentes: empenhados em sustentar o fundamento pétreo do laicismo. Fundamento sem o qual jamais haverá de existir ou subsistir uma sociedade mais justa e fraterna. Democracia jamais foi compatível com a dominação religiosa, o socialismo tampouco, o humanismo menos.

Lutar contra o fundamento religioso é hoje tão importante quanto lutar contra o Capitalismo. É luta pela cultura, pela civilização, pelo progresso; que deve ser feita em duas frentes.

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