domingo, 1 de novembro de 2015

As inquisições invisíveis...

Há muito tempo descobrimos já que não houve apenas uma Revolução francesa, mas diversas revoluções francesas... que não houve um Renascimento apenas, mas diversos Renascimentos... que não houve apenas uma Idade Média abstrata mas no mínimo duas I Médias, a alta e a baixa... assim sucessivamente.

Lamentavelmente os brasileiros sempre atrasados conhecem apenas a inquisição papista ou romana, ignorando todas as outras inquisições religiosas e seculares que a sucederam, especialmente as inquisições protestantes.

Graças a Internet no entanto vamos demolindo a todos os falsos ídolos com seus pés de barro...

De minha parte, como ex protestante, jamais pude deixar de questionar o pôrque deste silêncio sepulcral em torno das demais inquisições e desta insistência mórbida acerca de uma só delas, a saber, da inquisição papista?

Partindo que tal indagação cheguei a perceber nos Catolicismos, com Werner Jaeger, certa similaridade com o socratismo grego e com Max Weber, um certo conteúdo humanista, suficiente para exasperar a mistica secularizada em torno do TER ou do lucro máximo, bem como a mística comunista e todas as demais místicas ou religiões profanas que sucederam ao liberalismo econômico,

Todas as religiões profanas ou elementos da cultura de morte que sucederam ao liberalismo econômico, fosse a comunista, a nazista, a anarco individualista, a fascista... tiveram por objetivo comum minar as bases espirituais ou metafísicas do HUMANISMO, e portanto que pugnar contra o padrão do Cristianismo antigo, Católico ou episcopal, em que durante a Idade Média, por vicissitude dos tempos, o humanismo havia encontrado guarida.

Então era suficiente que alguns elementos esparsos do Cristianismo Católico arvorassem o nobre pendão do HUMANISMO ou da dignidade humana para que os adoradores do capital, do partido, do estado, da raça, do indivíduo, da ciência... se sentissem incomodados.

Por mais problemática que seja a fé da igreja romana e tortuosos os caminhos do neo catolicismo, não posso nem quero aplaudir a derrocada desta fé - e menos ainda dos demais Catolicismos (anglicano e Ortodoxo) - a qual por alguns instantes serviu de alimento ao credo mais elevado já concebido pelo intelecto: o credo humanista, pautado no respeito pela dignidade do ser humano e sua dimensão mais ampla ou social. É com cautela que observo a crucificação ou satanização da igreja romana como uma reação ao humanismo e sua derrocada como a derrocada do humanismo.

E não vejo como qualquer outro padrão religioso, a exemplo do islã ou do pentecostalismo, fixados como estão a doutrina fetichista do Livro, possam substitui-lo com eficiência. Muito pelo contrário a adoção de padrões fundamentalistas e teocráticos só tendem a piorar a situação de crise porque tem passado o mundo Ocidental e não a soluciona-la. Solução alguma advirá das religiões mais primitivas e grosseiras que folgam em repudiar o conhecimento científico e a liberdade humana.

Nem percebo que o sonho entretecido por Toynbee em torno de uma nova religiosidade sintética e avassaladora esteja prestes a se concretizar.

Felizes foram os antigos gregos por terem sido capazes de conceber com relativo sucesso um tipo de ética ou de humanismo secular. Não ateu, nem materialista mas naturalista certamente ou seja desvinculado de qualquer credo religioso... Vemos no entanto que a proposta iluminista, construída em torno do deísmo ou da religião natural, parece não ter alcançado o mesmo sucesso; e que nem mesmo o agnosticismo (para não mencionarmos o ateísmo e o materialismo) foi capaz de corresponder as aspirações éticas do gênero humano.

Disto resultou que os sucessivos credos materialistas: capitalismo, positivismo, comunismo, nazismo, fascismo, anarco individualismo, etc jamais mostraram muito respeito pelo fenômeno humano e que suas sucursais terrestres converteram-se rapidamente em imensos açougues... em que homens eram sacrificados como rebanhos e valiam menos do que porcos! Assim o mangueirão sutil do liberalismo, que como registrou Nordau supliciou e eliminou a tantos com o negar-lhes o essencial a manutenção da saúde, assim as revoluções e golpes comunistas e anarquistas com seus fuzilamentos e execuções sumárias, assim o nazismo com seus campos de concentração, o fascismo com suas prisões ou casas de correção, assim o positivismo ignóbil fabricando armas de destruição maciça e bombas... NÃO NOS ENGANEMOS POR UM INSTANTE: nenhum destes sistemas miseráveis deixou de oprimir ou se sacrificar seres humanos!

Apenas substituíram a 'roda' pela fome, pelas metralhadoras e baionetas, pelas bombas, pelos campos, pelos expurgos, pelos cárceres, etc mas continuaram ceifando vidas humanas como campos de trigo; sem pudor e sem misericórdia enquanto seus líderes, como perfeitos escribas e fariseus, representantes de uma modernidade podre, teciam as mais amargas filípicas contra a velha igreja de Roma, ora reconciliada em parte com o homem.

Justiça seja feita meus queridos porque a temida roda matou bem menos do que a fome, a fraqueza e a falta de medicamentos no paraíso vitoriano do século XIX, do que o Homolodor, do que os campos de concentração hitleristas, do que as sindicâncias fascistas, do que as revoluções anarquistas e comunistas...  Nenhum deste eventos aplaudidos por milhares ou milhões de sectários ideológicos matou menos do que a malfadada inquisição espanhola!

Alias Lutero sozinho matou mais camponeses (ele mesmo o admite) - cerca de 25.000 - do que a inquisição matara pessoas durante toda sua existência. Pois proclamará como todos sabem uma Fatwa contra os camponeses rebelados, como viria pouco depois a proclamar uma Fatwa contra os infelizes hebreus... Importa que o monstro Lutero seja sempre apresentado como herói, enquanto a igreja romana seja sempre apresentada como megera por aqueles todos que tremem e temem face a coerência e a virtude...

De fato ao cabo do século XVI as principais seitas protestantes: luterana, calvinista e zwingliana formaram suas inquisições e principiaram a rivalizar para ver quem supliciava mais anabatistas e feiticeiras, revertendo COMO DECLARA MAX WEBER, os progressos da Renascença, reascendendo fogueiras quase apagadas e mergulhando a pobre Europa numa poça de sangue! Tudo porque lá no meio da Bíblia inquestionável ou melhor do antigo testamento, estava fixada não só a crença estúpida e supersticiosa em bruxas e monstros, como a necessidade de lançar todas as bruxas ao fogo!

Daí o atilado Ch Wesley e o erudito Blackstone, face aos imperativos Bíblicos, sustentarem que a existência de feiticeiras constituía um dogma insopitável da religião Cristã. Isto em pleno século XVIII ou seja em meio da idade da Luzes, na época de Russeau e Voltaire e não no século XIII...

Foi inquisitorial e totalitária a reforma protestante até perder a confiança do povo e consequentemente o poder em meados do século XVIII. E suas inquisições foram obstruídas antes que as inquisições implantadas nos países Católicos, apenas porque, nos países protestantes não tardou para que os incrédulos alijassem os pastores e teólogos do poder, tal e qual eles haviam feito aos Bispos e padres papistas... por muito tempo ainda os pastores fanáticos insistiram na queima de bruxas e hereges, não podiam no entanto suplicia-los nos jardins de suas casas, pelo simples fato de tal iniciativa constituir homicídio e redundar em prisão!

Já no século XIX era tal o estado de divisão reinante entre as seitas protestantes, que dissidente algum cogitava mais em supliciar os outros pelo simples medo de também ser classificado como dissidente e ser supliciado também... também já não podiam matar-se uns aos outros como no século XVI. Estabelecendo-se um padrão de convivência e a paz civil.

Agora que as principais seitas conformistas dos séculos XVI e XVII - luterana, Calvinista e puritana - forcejaram por conter este fluxo de ideias por meio de aparelhos repressores, ah isto forcejaram! E não mataram menos pessoas do que o papismo...

Diante disto o que não se compreende é que haja nos livros de História um tópico inteiro dedicado a inquisição papista e alusão alguma a inquisição protestante ou ao emprego da força por parte dos reformadores, no tópico dedicado a reformação protestante. E tudo ali se passa como a reforma inaugura-se uma nova Era de paz e tolerância, o que de modo algum corresponde a realidade.

Da reforma a nossos dias a opressão tem sido continua, embora tenha assumido formas bem mais sutis. Por muito tempo alegaram os liberais, com um sorriso de escárnio nos olhos, que após 1800, o número de guerras e conflitos sucedidos no velho continente, estavam diminuindo progressivamente. Querendo dizer com isto que as guerras precedentes haviam sido fomentadas pela religiosidade e pelas monarquias. Isto enquanto as sociedades secretas urdiam outros tantos golpes destinados a derrubar as monarquias resistentes... os quais certamente não foram feitos com flores...

Apesar de seus golpes e revoluções liberais (Revolução só se tornou proibida ou má após assumir um caráter popular pelos idos de 1848) puderam os liberais rir gostosamente de 1800 a 1814 alardeando os imensos serviços prestados a humanidade pela maravilhosa economia de Mercado. Foi quando a máscara caiu por terra ou veio a catástrofe, tendo perecido duma só vez cerca de 20 milhões de mortos!!! A bem da verdade, em sua derradeira fase, o maravilhoso liberalismo não deixara de ceifar certo número de vidas humanas. Apenas não foram elas ceifadas na Europa mas na Ásia ou na África...

Numerário a que se juntaram em 1918 duas dezenas de milhões de europeus, metade dos quais civis! Isto sem contabilizar os danos culturais em termos de igrejas, museus, palácios, bibliotecas, pinacotecas, monumentos, etc arruinados!!!

Diante disto houve toda uma manobra destinada a responsabilizar apenas e tão somente os alemães... embora poucos tivessem a audácia de recordar que os alemães era em sua maioria luteranos, e consequentemente odinistas... Não é que não ousaremos absolver os alemães. A cultura alemã tornou-se problemática desde o alvorecer da reforma protestante... No entanto, não é menos verdade que a atuação dos alemães deva ser compreendida dentro de um cenário bem mais largo, de natureza econômica, e do qual a disputa por matérias primas e mercados fazia parte.

Que um e outro elemento pouco ou nada tenha a ver com o Catolicismo ou o humanismo é manifesto.

Outro não foi o sentido do entre guerras.

Pois a maior parte daqueles que haviam perdido a fé no mercado ou no liberalismo, ao invés de terem se voltado para o humanismo, seja por meio do Catolicismo ou da religião natural de Voltaire, aderiram em massa ao comunismo. É verdade que durante aquele período de crise e angústia alguns intelectuais abraçaram o espiritismo ou algum dos catolicismos. O comunismo e o anarquismo no entanto foram os sistemas que mais se beneficiaram ante a falência do sistema liberal...

Cerca de 1935 estava a Europa ideologicamente cindida em quatro províncias ideológicas: Liberal, fascista, nazista e comunista... do que resultou mais uma grande conflagração, desta vez com o saldo inacreditável de 75 milhões de mortos!!!

Agora se admitimos ter o liberalismo, com seus defeitos internos ou estruturais, lançado as massas humanas angustiadas, alienadas e entorpecidas, nos braços das ideologias rivais e de ter alimentado indiretamente todas estas culturas de morte, temos elementos de sobra com que julgar esta conjuntura! Como um corpo após a morte entra em necrose e dissolve-se, sendo devorado por bactérias que encontravam-se já em sua maior parte dentro dele, após a morte e putrefação do liberalismo em 1918, tivemos a liberação das bactérias e a proliferação das saprófitas; ou seja, do comunismo, do nazismo e do fascismo.

Nazismo, comunismo e fascismo são produtos naturais da decomposição do liberalismo econômico.

Embora após o fim da última grande guerra tenha sido aquele sistema recriado ou reelaborado, desta vez sob o patrocínio dos EUA ou seja numa perspectiva americanista. E nem pode o Velho mundo, 'salvo' do bolchevismo pela grande república puritana do Norte, deixar de converter-se em parte numa província cultural sua... tendo de pagar um enorme preço por sua 'salvação'. Nem podia aquela Europa completamente arruinada pela grande guerra fugir a Cila ou a Caribdis...

Importa saber que ela já havia percorrido todo um trajeto cultural e ideológico em termos de protestantismo, liberalismo, comunismo, nazismo...

E qual o saldo ganho em cada uma destas etapas? Uma rebelião dos camponeses, as guerras da França e uma guerra dos trinta anos... Uma Revolução Inglesa, uma Revolução Francesa e duas grandes guerras mundiais... Uma revolução Russa, o Holomodor e os campos de trabalho de Paul Pot... enfim os campos de concentração do Fuhrer...

Diante disto que representa a inquisição espanhola em termos de mortes?

Concretamente pouco, muito pouco...

Então me parece que o discurso em torno dela seja desproporcional.

Na medida em que as demais atrocidades nem são suficientemente divulgadas e menos ainda atribuídas a seus legítimos responsáveis.

Parece-me haver todo um esforço mais ou menos consciente com o objetivo de apresentar a velha igreja romana como espécie de boi de piranha ideológico...

Concentra-se o discurso em torno deste fato histórico, alias deplorável... e silencia-se a respeito de fatos históricos ainda mais graves.

Blindando-se assim certas instituições religiosas como o protestantismo ou econômicas como o mercado... as quais passam a ser encaradas pelas massas como inocentes, puras, santas e angelicais. Na medida em que seus pecados são ocultados!

Ao cabo deste processo as inquisições protestante, maccarthista, soviética e mesmo hitlerista ( a versão contemporânea de inquisição proposta pelos muçulmanos em torno da jihad, Djzia e murtad) acabam tornando-se invisíveis e a História distorcida.

Sim, sim é necessário abordar e divulgar a existência da inquisição papista, mas dentro de um quadro bem mais amplo EM QUE AS DEMAIS INQUISIÇÕES SEJAM IGUALMENTE TORNEM-SE VISÍVEIS. O que ainda não tivemos a oportunidade de observar.

Do contrário seremos sempre levados a formular nossa hipótese em termos de manipulação seletiva com propósitos ideológicos e culturais.



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