domingo, 1 de novembro de 2015

Sócrates encontra Bertrand Russel





Bertrand Russel: Cheguei a conclusão de que todo medo é mau. Porque não sou Cristão 44
Sócrates: Interessante. No entanto qual foi teu ponto de partida para chegar a tamanha conclusão?
Bertrand Russel: Acaso os homens ilustres não tem encarado o medo como algo vergonhoso? id
Sócrates: Os homens também tem encarado o ato sexual como vergonhoso e por isso decretado sua ocultação. Mas nem por isso fica sendo ele mau.
Bertrand Russel: Penso que o medo derive sempre da ignorância. Assim se tomamos a ignorância como um mal a ser superado não podemos tomar o medo por bem a ser desejado.
Sócrates: Não me parece que o medo derive sempre e necessariamente da ignorância. Acaso aquele que conhece a dor cessará de teme-la porque a conhece? Em que o conhecimento diminui o medo ou receio da dor?
Bertrand Russel: Este homem, que tem medo da dor, ignora certamente que em si mesma ela corresponde a um benefício na medida em que informa-o sobre alguma anomalia ou enfermidade presente no organismo predispondo-o a procurar o médico, a tratar-se e a obter a cura.
Sócrates: Pareces ignorar que algumas enfermidades dolorosas, mesmo quando diagnosticadas precocemente, excluem toda e qualquer esperança de cura ou mesmo alivio. Neste caso qual seria o benefício da dor?
Bertrand Russel: Exercitar a coragem ou a firmeza do caráter.
Sócrates: No entanto se este homem encontra-se a caminho da morte e da aniquilação, que benefício lhe traria tal exercitamento?
Bertrand Russel: Convenhamos então que a consciência da dor também produz medo, acaso seria tal medo bom?
Sócrates: Talvez devamos situar este gênero de medo como natural. A principio não ousarei classifica-lo como um bem, não vejo todavia como o possas classificar como mal.
Bertrand Russel: Queres dizer com isto que homem algum seja capaz de vencer o medo da dor:
Sócrates: Quero dizer com isto que os que venceram tal tipo de medo tiveram de conhece-lo, pois caso não o tivessem conhecido não o teriam vencido. Da mesma forma todos os que jamais lograram vence-lo. Todos os homens conheceram o medo da dor.
Bertrand Russel: Sabemos no entanto que alguns homens jamais conheceram a dor.
Sócrates: Todavia pela experiência comum puderam saber que se trata dum estado desconfortável, que é temido pelos homens e portanto indesejável.
Bertrand Russel: Deixemos de lado o problema específico da dor e convenhamos que a parte dela, os homens tem medo daquilo que ignoram.
Sócrates: Mesmo pondo de lado o problema específico da dor não poderia estar de acordo contigo?
Bertrand Russel: Mas por que caro Sócrates?
Sócrates: Os homens tem medo da pobreza mesmo quando cônscios de seus resultados, como temem do mesmo modo e forma a vergonha, mesmo sabendo do que se trate.
Bertrand Russel: Cessa de embromar oh Sócrates e declara logo onde queres chegar?
Sócrates: Quero dizer que os homens temem tudo quanto provoca desconforto a natureza, tando no corpo quanto na alma. Assim como a dor representa um desconforto ou incomodo para este corpo físico, certas circunstâncias externas como a miséria, a vergonha, a solidão, etc mesmo quando bem conhecidas não podem deixar de produzir certa dor ou desconforto na alma.
Bertrand Russel: Agora te peguei grande Sócrates! Pois se o medo da miséria, da vergonha e da dor devem ser superados ou vencidos e esta superação é um bem, deves convir comigo que tais medos devam ser classificados como males!
Sócrates: Eu sempre poderia responder dizendo que caíste na falácia romântica que tende a tudo encarar em termo de bens ou males absolutos, segundo o padrão binário de pensamento; e redarguir que entre o Bem e o Mal absolutos há uma gigantesca escala de bens e males maiores e menores. E já poderia dizer que o temor de algumas coisas é um Bem, mas que a superação de tais temores constitui um bem maior.
Bertrand Russel: Então ousarás declarar que tais medos correspondam a bens?
Sócrates: Sim, pois é justamente o temor a esta ou aquela circunstância imposta pela vida que te levará a envidar todos os esforços possíveis com o objetivo de evita-la. Não houvesse o temor dos naufrágios em que estado ficariam as peças dos navios?
Bertrand Russel: Julgo que ninguém lhes daria lá muita importância...
Sócrates: No entanto tanto mais perigoso é um mar e tanto mais aprestados são os navios que por ele circulam, achando-se cada peça em seu lugar e os cordames e as velas, tudo muito bem conservado.
Isto em virtude do que? Do medo...
E o medo impede que a desgraça de concretize!
Bertrand Russel: Parece-me que desta vez acertastes.
Sócrates: Assim ao curso da vida o homem previdente, temendo tornar-se miserável evitará o desperdício e fará economia. O que teme qualquer tipo de vergonha buscara viver virtuosamente, no exercício da temperança e o que teme a solidão tudo fará para acercar-se de bons amigos e rete-los. O que de modo algum fariam caso nada temessem!
Bertrand Russel: De acordo. Agora não te parecem que alguns medos ao menos estejam relacionados com a ignorância, e que esta categoria de medos ao medos seja nefasta?
Sócrates: Penso que te refiras ao temor do escuro, acalentado pelas crianças de pouca idade e do temor da morte.
Bertrand Russel: Exatamente. Pois nem sabemos o que haja ou não no escuro e para muitos a morte equivale a uma espécie de mistério.
Sócrates: Deves saber que não só as crianças pequenas imaginam que hajam monstros no escuro, em seus armários ou debaixo de suas camas; mas que também aos adultos ajuizados é molesto sair a rua durante a noite onde não haja iluminação pública ou ao menos uma archote.
Bertrand Russel: De fato sempre poderia haver um buraco ou uma pedra solta no meio do caminho, uma fera ou um ladrão.
Sócrates: A luz, em especial a do dia, torna visíveis os obstáculos e perigos que deves evitar. As trevas ocultam-nos. Pode ser que nada haja lá de perigoso, mas também pode ser que haja algo. Sair de casa e enfrentar as trevas do caminho é sempre uma aposta que envolve a sorte e portanto a incerteza ou a insegurança, a qual produz sempre algum desconforto na alma. Por isto o homem, mesmo adulto teme a escuridão, caro Russel, porque o risco ou o perigo, a aposta e a sorte, sempre incomodam o homem.
Bertrand Russel: Diante disto só lhe resta explorar o ambiente e perder o medo.
Sócrates: Ou encontrar um obstáculo qualquer e perder a vida...
Bertrand Russel; Pendo ter compreendido o que queres dizer...
Sócrates: A situação que precede a investigação, no caso do escuro, sempre envolverá o medo. E este nem sempre será ocioso. Pode ser que o homem por obra e graça do temor, conserve a vida, que é o mais precioso dos bens.
Conhecer neste caso, sempre implicará a possibilidade de conhecer algo de funesto ou pernicioso e ignorar por força do medo sempre implicará a possibilidade de conservar a vida ou a integridade. E não me poderás convencer de que vir a conhecer um buraco, um charco, uma áspide ou a um ladrão armado corresponde a um conhecimento bom.
Bertrand Russel: Que me dizes agora a respeito dos que temem a morte?
Sócrates: Se a morte corresponde a cessação do ser não há porque teme-la, quando ela vier não serei, enquanto eu for ela não terá chegado. Agora se corresponde a uma espécie de reencontro com os ancestrais que imbecilidade não seria temer tal reencontro... (Apologia de Sócrates - Platão)
Bertrand Russel: Queres dizer que não sabes que seja a morte?
Sócrates: Como poderia saber que é a morte se não sei que seja a vida? (Confúcio 'Analectos')
Bertrand Russel: Te direi o que é a morte caro Sócrates > Penso que, quando morrer, apodrecerei, e nada do meu eu sobreviverá. Porque não sou Cristão p 44
Sócrates: Diz-me cá uma coisa oh Bertrand, por que modo e maneira somos nós homens mortais capazes de conhecer a realidade?
Bertrand Russel: Ora Sócrates por meio do contato ou da experiencialidade.
Sócrates: Neste caso como poderias saber o que se sucede no momento da morte, acaso já morreste ou tiveste uma experiência de morte?
Bertrand Russel: Certamente não.
Sócrates: Então como podes afirmar que o conhecimento se dá por via de experiência e contra tua própria doutrina afirmar que saber o que se sucede conosco após uma morte que ainda não experimentaste?
Bertrand Russel: Acaso algum homem tornou do mundo dos mortos para declarar que sobreviveu?
Sócrates: Tua pergunta é demasiado delicada, mas, por mera aquiescência direi que não e peguntar-te-ei: A que propósito vem isto?
Bertrand Russel: Uma vez que falecido algum jamais manifestou-se declarando-se estar vivo, dou por certo que a alma morre juntamente com o corpo físico, isto se existe.
Sócrates: Sabes melhor do que eu que nada se pode de positivo do argumento do silêncio. Caso um morto houvesse se manifestado e demonstrado estar vivo, teríamos o direito de declarar que a alma sobrevive a dissolução do corpo. Agora face a hipótese segundo a qual morto algum jamais teria se manifestado aos vivos, jamais teríamos como sair da dúvida ou resolver o problema. Permaneceríamos em estado de ignorância ou dúvida.
Bertrand Russel: Uma vez que os falecidos não se manifestam aos vivos é perfeitamente lícito e justo inferir que não haja sobrevivência alguma.
Sócrates: És um bom fenomenologista. Eu no entanto não creio que a existência de qualquer tipo de ser, esteja na dependência de nossa consciência ou capacidade sensorial. Bilhões de estrelas que jamais foram percebidas por nós existem em si mesmas como existiam - em nosso próprio mundo - tantas e tantas coisas mesmo antes de terem sido percebidas e descobertas por nós. Tu confundes conhecimento ou manifestação com existência, de minha parte não posso deixar de encara-lo como uma espécie de antropocentrismo gnoseológico... os falecidos bem poderiam sobreviver e por qualquer causa por nós ignorada não se poder manifestar a nós ou comunicar conosco. Assim de uma fato não se pode deduzir outro.
Bertrand Russel: Ainda assim sou propenso a crer que de meu eu nada restará.
Sócrates: Assim tudo quanto aprendestes a cabo de tantas penas, esforços e sacrifícios reverterá ao nada?
Bertrand Russel: Não sou jovem mas amo a vida. Id 44
Sócrates: Penso que se amas a vida é porque ela corresponda a um bem.
Bertrand Russel: Decerto não poderia ama-la caso corresponde-se a um mal. Amar o Bem e odiar o mal constituem a suprema norma de virtude.
Sócrates: No entanto cogitas perde-la para sempre?
Bertrand Russel: A felicidade não é menos felicidade nem menos verdadeira por ter de chegar a um fim. Id p 44
Sócrates: Deixa ver se te compreendi - Amas a vida porque corresponde a um bem que te torna feliz?
Bertrand Russel: Concedo que a vida corresponda a um bem, assim a amo, e concedo que a posse da vida torna-me feliz enquanto via de acesso aos demais bens que me tornam feliz.
Sócrates: Ótimo. Concedes que a morte corresponda ao oposto da fruição da vida?
Bertrand Russel: Sim, parece-me exato que a morte corresponda ao contrário da vida.
Sócrates: Neste caso se a posse da vida corresponde a um bem, como poderíamos avaliar a morte ou cessação da vida senão como um mal?
Bertrand Russel: Julgo que pensamento e o amor não percam seu valor pelo fato de não serem eternos. P 44
Sócrates: Assim devemos aceitar que tudo quanto haja de mais elevado e nobre neste nosso mundo esteja fadado a destruição?
Bertrand Russel: É o que me parece.
Sócrates: E te parece que a verdade, o amor, a justiça, etc enfim que tudo isto tenha fim e desapareça por completo?
Bertrand Russel: É o que me parece.
Sócrates: Agora não te parece que tudo quanto dizes ser fadado a ter fim corresponda a virtudes, princípios e valores sobremodo belos e excelentes?
Bertrand Russel: Sim, a existência deste gênero de bens parece-me bela, sem dúvida.
Sócrates: Agora se reconheces em tais virtude alguma beleza, como poderias deixar de reconhecer em sua total aniquilação o triunfo da feiura?
Bertrand Russel: As coisas são como são...
Sócrates: No entanto se enquanto coisas existentes tu ousas avaliar tais virtudes como bens e a contemplar suas belezas, não vejo como possas deixar de classificar a destruição de tais bens como um mal e de tais belezas como feiura.
Bertrand Russel: Neste caso sou constrangido a admitir que a ordem geral deste universo seja feia e má Sócrates.
Sócrates: Uma vez que atribuis ao provisório e passageiro predicados de bondade e beleza com que nossas almas são atraídas para em seguida repudiar tacitamente a estabilidade e continuidade desta ordem de coisas não posso deixar de aquilatar teu universo como imperfeito e tua visão como desastrosa.
Acaso poderia eu deixar de considerar a inexorável aniquilação do Bom, do Verdadeiro de do Belo; e do ideal de sublimidade e perfeição, senão como uma catástrofe?
Bertrand Russel: É que não podes compreender o bem, a verdade e beleza a não ser como entidades eternas.
Sócrates: É que não posso encontrar verdadeiro Bem, verdadeira verdade e verdadeira beleza, enfim autenticidade senão no que seja duradouro, estável e eterno. É que não posso dar com um sentido de perfeição num benefício que desapareça e se converta em nada... É que não ousaria reverter o que há de mais precioso quanto a categoria do ser, ao não ser.
É que considero o bem, a verdade e a beleza dignos de existirem para sempre e este meu ideal humano é mais elevado do que este teu universo em que as formas mais preciosas da existência revertem ao nada...
É que tua concepção se me apresenta como má, feia, desastrosa e imperfeita.
Bertrand Russel: Pura questão de ponto de vista...
Sócrates: Pura questão de ponto de vista...






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