segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Progressistas, conservadores e reacionários - três pautas distintas

Para a maior parte do público brasileiro conservadorismo e reacionarismo são uma e mesma coisa face ao progressivismo.

Este pequeno ensaio tem por fim por os pingos nos is ou distinguir uma coisa da outra, demonstrando que entre conservadorismo e reacionarismo vai uma grande distância.

Para tanto principiemos a maneira de Mestre Sócrates, ou seja, pelas definições:

  • Progressismo ou progressivismo: doutrina segundo a qual a sociedade do futuro deve ser criada ou reinventada partindo do zero ou mantendo muito pouco do quanto já exista, sendo mais ou menos 'velho'. Encara com suma suspeição tudo quanto seja antigo, tendendo ao iconoclasmo ou a eliminação sistemática de tudo quanto seja tradicional. Toda uma mística é construída em torno do novo ou das novidades. Suspeita tanto da fórmula resgatar ou restaurar quanto da conservar. Podemos de algum modo relaciona-la com futuro ou futurismo.
  • Conservadorismo: doutrina segundo a qual a Sociedade Ocidental do tempo presente - constituída em torno das formas capitalistas de produção, da democracia meramente formal e do cientificismo - deva ser mantida ou conservada exatamente como é, pelo simples fato de corresponder a forma mais próxima da perfeição. Podemos de alguma maneira defini-la como um presentismo. 
  • Reacionarismo: O reacionarismo idealista, ingênuo ou romântico pretende restaurar as estruturas sociais do passado nos mínimos detalhes, tais quais eram. Pessoa alguma que tenha estudado a História em termos evolutivos seria capaz de endossar semelhante crença. As Sociedades fazem seus caminhos e fazendo seus caminhos ou percorrendo seus trajetos incorporam outros princípios ou valores formulando novas sínteses. Como dizia Berdiaeff, um retorno integral ao passado é sempre impossível e absurdo. Assim os reacionários críticos, tal como os progressistas reconhecem a crise do tempo presente e aspiram por demolir - e com não menos fúria - certas estruturas constituintes da sociedade do tempo presente. Seus, olhos no entanto (sem que desprezem totalmente o novo) estão voltadas para a riqueza experiencial do passado e estão persuadidos de que um reaproveitamento ou uma reciclagem de valores, um resgate ou uma restauração não só é perfeitamente possível como necessário. Trata-se portanto de reintegrar certos princípios e valores a sociedade do tempo presente visando reformula-la.

    Assim aqueles homens que se depararam com as ruínas dos antigos templos pagãos, como o de Diana ou o de Juno moneta, tomaram parte daquelas pedras, colunas, esculturas, lages, etc e com as mesmas pedras ou elementos produziram novas estruturas quais fossem igrejas, muralhas, palácios, residências... a forma escolhida foi distinta, eles não puderam nem quiseram reproduzir as formas antigas, mas os elementos empregados, devido a qualidade ou valor, foram os mesmos. Assim os reacionários críticos acreditam que podem mudar, alterar esta sociedade e produzir algo de novo a partir do antigo, ou de elementos que fazem parte da cultura ancestral. Neste sentido a plataforma do reacionarismo esta mais próxima da plataforma progressista do que da plataforma conservadora. De fato muito pouco da Sociedade do tempo presente, em termos de cultura dominante, ou de americanismo, merece ser conservado e podemos sem deixar de ser reacionários proclamar a necessidade de uma demolição mais ou menos radical. 
          Nossa divergência face aos imperativos do progressismo esta mais relacionada com o que se 
          deve fazer após a demolição e limpeza, do que com qualquer outra coisa. É a respeito da recons
          trução ou do futuro que divergimos e não do presente.



          Importa saber que os conservadores, relacionados com o mundo do capital, buscam desmoralizar ambas as frentes inimigas, a reacionária e a conservadora, empregando os mesmos meios ou as mesmas estratégias imorais. Grosso modo todo liberal é perito em publicas e denunciar os vícios do Comunismo, do Anarquismo e dos Catolicismos, e em ocultar seus próprios vícios e crimes.

          Assim sua linguagem conhece certas senhas ou lugares comuns quais sejam: absolutismo, inquisição, ignorância, miséria, expurgos, censura, partido... No entanto com quanto esforço e sacrifício seus teóricos contratados buscam desvincular as duas grandes guerras mundiais, com o saldo de quase cem milhões de mortos, da dinâmica imposta pelo mercado. Das matérias primas, dos consumidores... e precisam de fato fazer muita ginástica mental para mistificar em torno de algo tão claro ou manifesto quanto as fontes ou raízes financeiras de ambos os conflitos.

          Outro empenho dos paladinos e advogados da 'ordem' liberal consiste em ocultar, disfarçar ou esconder as desastrosas consequências sociais criadas pela adoção da plataforma liberal na Inglaterra vitoriana e bastante divulgadas no tal 'Livro negro do capitalismo', obra em que os fatos sobejam e as máscaras caem.

          Excepcionalmente bem pagos, os apologistas do liberalismo canalha procedem como certos promotores da 'causa dos santos' em Roma, escondendo todos os crimes, males ou vícios do cliente e atribuindo-lhe toda casta imaginável de bens. Para eles a Revolução francesa não cometeu excessos! Agora se cometeu-os foram os proto socialistas, com certeza! Nem houveram carbonários e outros revolucionários - todos liberais - tão sanhudos quanto nossos comunistas! E se o liberalismo jamais fez correr sangue aos borbotões é porque jamais teria matado alguém... como se não houvessem outras tantas formas sutis de abreviar a vida humana descritas com absoluta propriedade por M Nordau...

          Ainda aqui podemos estabelecer um paralelo entre o Cristianismo e as ideologias que o sucederam: Pois enquanto as igrejas romana e anglicana reconhecem os crimes do passado e pedem perdão a pobre humanidade... as seitas protestantes de modo geral, seguem negando seus crimes, 'protestando' inocência e alegando estar sofrendo perseguição por parte do diabo, do mundo, do inferno... ou seja tem o desplante de apresentarem-se como vítimas! Da mesma forma enquanto os comunistas e monárquicos principiam a reconhecer os abusos, excessos e crimes, dispondo-se talvez a pedir perdão, os liberais com a presumida arrogância de sempre continuam a apresentar o liberalismo como santo, imaculado, impecável e responsável por tudo quanto haja de bom na sociedade contemporânea.

         Eis o motivo porque os justos e os amantes da virtude vão se concentrando nos pólos do progressivismo ou do reacionarismo por terem se desesperado de conciliar os imperativos da ética e da justiça com os desmandos do Mercado. Separados pela visão do futuro, tendo em vista o que fazer, reacionários e progressistas parecem comungar em maior ou menor intensidade do mesmo sentido ético e imaterial, e transcendente, de justiça. Não eles não se contentam em ter aquilo que é ou lhes é dado, mas ousam cogitar no vir a ser ou no como deve ser, ou num ideal de virtude a ser concretizado.

        É todo um não conformar-se ou acomodar-se com o presente estado em que se acha o mundo ou a sociedade, um resistir um questionar. Uma recusa obstinada em conservar e manter aquilo que encaram como precário ou defeituoso. Uma reconhecida necessidade de mudar. As fontes podem ser distintas mas a aspiração idêntica.

        Por paradoxal que possa parecer a alguns progressivismo e reacionarismo estão mais próximos um do outro do que do conservadorismo. Pois quem deseja mudar é porque sente algum tipo de mal estar, enquanto aquele que deseja conservar nada sente, nada percebe, nada vê; enfim é um cego!

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