quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Tópicos de Filosofia grega - Ética: a virtude e o prazer; em busca da síntese.

Exposição



Segundo Aristóteles o homem existe para a felicidade: "A felicidade é o bem para que tendem todos os outros atos e o impulso intencional de nossas motivações." .Esta doutrina recebeu o nome de Eudemonismo, pois toma a felicidade por fim.



Ora esta definição comum em nada nos satisfaz uma vez que os próprios hedonistas admitiam ser a Felicidade o bem maior ou a destinação final dos atos humanos. Importa saber o meio porque tal fim era atingido ou aquilo que tornava o homem verdadeiramente feliz.



Aristóteles, aqui seguindo a Platão e a Sócrates, classifica os atos aptos para produzirem a felicidade como VIRTUOSOS. Para Sócrates, Platão, Xenócrates, Aristóteles, etc a felicidade esta diretamente relacionada com a ARETÉ ou virtude.
Consideravam ainda que existiam diversos tipos de virtudes e procuravam organiza-las hierarquicamente. Sócrates e Platão ao que parece colocam a Justiça em primeiro lugar. Já Aristóteles colocava em primeiro lugar a contemplação da verdade pelo intelecto ou a posse do conhecimento. 

Crisipo, Seneca e Epicteto, estoicos, indicaram igualmente que o fim último da criatura racional fosse a posse da felicidade. A qual segundo o fundador da Escola era atingida pela prática da virtude ("O verdadeiro Bem pode consistir apenas na posse da virtude!"), compreendida por eles como qualquer ação empreendida em coerência com a natureza (Cleanto de Assos). Agir naturalmente ou segundo a natureza era para eles, agir virtuosamente. Enfatizavam no entanto a posse da serenidade ou impassibilidade, mesmo diante de situações dolorosas ou trágicas.

Os estoicos não podiam encarar a dor física como mal supremo ou mesmo como mal, mas como adiaphora ou coisa neutra. A respeito da saúde, da beleza, da glória, da riqueza, da doença, da fealdade, da obscuridade e da miséria i é dos bens/males naturais ou transmitidos, costumavam declarar a mesma coisa. Esta proposição foi ao que parece tomada a Platão Espeusipo. Xenócrates parece ter sido o primeiro a classifica-las como bens inferiores ou de segunda classe, isto na medida em que eram virtuosamente administradas em comunicação com os bens superiores.

Crisipo opinava que as pessoas vulgares e hostis a Filosofia tomavam tais dadivas naturais por bens preciosos, acrescentando que o sábio apenas deles se servia com moderação, subordinando-os a uma direção virtuosa ou que não se deixava afetar por eles. 

Os cínicos mantiveram a opinião de Platão ou Sócrates. 

Já os hedonistas sustinham que a felicidade tinha sua causa na fruição do prazer.



Mas não estavam de pleno acordo a respeito de qual gênero ou categoria de prazeres estava posto para a aquisição da felicidade.

Assim Arístipo de Cirene, pupilo de Sócrates, afirmou que a fruição dos apetites carnais ou sensitivos como comida, bebida e atividade sexual constituíam o sentido da vida humana e que a dor, incluindo a dor física, correspondia ao mal supremo. Teodoro de Cirene e Exegias também assumiram este ponto de vista.

Escolasticamente cumpria verificar quais fossem os prazeres mais intensos e duradouros.

Epicuro também afirmou o prazer como sumo bem a ser desejado pelos mortais. No entanto sua ideia de prazer parecer ser bastante afim da ideia aristotélica de Felicidade, de modo geral ele associa este prazer espiritual ou felicidade não apenas com a ausência da aponia ou dor física mas sobretudo com a ataraxia, definida como imperturbabilidade da alma adquirida por meio do auto controle. O sábio estabelecia uma espécie de hierarquia de prazeres, fruindo cada qual deles com certa moderação até que já não podia ser atingido pelas circunstâncias exteriores a si.

A princípio Epicuro parece ter dado bastante valor a saúde corporal, posteriormente no entanto parece ter colocado a amizade acima dela, o que ainda aqui reporta a Sócrates.

Já o estóico Cleanto de Assos parece ter chegado as vias do maniqueísmo, classificando a fruição do prazer como "Oposta a natureza" e "Nociva" 



Desenvolvimento

O primeiro aspecto que nos chama a atenção aqui é a convergência de sentido entre Felicidade e Prazer.

Nem podemos deixar de encarar a Felicidade como algo agradável ou prazeroso.

Tudo quanto podemos dizer é que a Felicidade corresponde a um tipo de prazer tanto mais complexo e refinado. Um tipo de aestesis ou sensação difusa na pessoa como um todo e presente tanto no intelecto quanto no corpo físico. Uma espécie de prazer considerado pelo intelecto e consequentemente ampliado e aprofundado, chegando a constituir um 'estado de espírito' ou modo de ser.

Podemos defini-la ainda como um bem estar ou consciência de bem estar.

Seja como for nenhuma destas definições afasta-se demasiadamente da noção de prazer ou deleite.

A felicidade é sempre algo deleitoso, agradável ou prazeroso e nem podemos pensar doutro modo ou maneira.

Assim se compreendemos felicidade como prazer, a tão decantada oposição entre eudemonismo e hedonismo perde toda sua força.

Examinemos agora a questão dos prazeres.

Para que não tomemos a felicidade pelo que não é.

Antes porém convém analisar a questão da conformidade das ações com a natureza.

Isto porque da satisfação de algum instintos parece quase sempre resultar uma sensação prazerosa.

De fato os instintos parecem estar voltados para determinados fins, grosso modo para a contemplação de certas necessidades imperiosas ditadas pela natureza, a qual para estimular esta contemplação, decretou que a satisfação de tais necessidades correspondesse sempre a uma sensação prazerosa.

Assim após a satisfação de cada apetite resulta uma sensação deleitosa ou certo bem estar.

Do ponto de vista da natureza é o prazer grande benefício. Pois sem este tipo de sensação os organismos em sua fase mais primitiva e inconsciente, quiçá não se sentissem impulsionados a satisfazer suas necessidades essenciais, de que resultariam graves consequências. Nem podemos deixar que reconhecer que a satisfação dos apetites é benéfica tendo em vista a manutenção da vida corporal ou física, e que esta é condição 'sine qua nom' para o exercício da virtude.

De tais relações resulta que ao menos remotamente o prazer apetitivo, sensório ou corporal é um bem enquanto ponto de partida necessário para a posse de outros bens. É bem relativo, secundário e remoto mas mesmo assim um bem como anteviu Xenócrates. Nem se pode, dentro do quadro geral da vida, classifica-lo como Cleanto, ou seja, como um tipo de mal.
No entanto quanto a criatura adulta, desenvolvida, racional e livre também não podemos encarar a fruição dos prazeres apetitivos como o bem supremo ou a chave da felicidade. Cumpre advertir no entanto que de certo modo a felicidade esta relacionada com os ideais acalentados pela pessoa ou com a mente.

Assim para a mente carnal, limitada, vulgar, grosseira, primitiva, etc o ideal de felicidade poderá consistir na fruição dos prazeres apetitivos ou sensoriais e resumir-se em comer, beber e procriar; isto pelo simples fato de ignorar outras possibilidades ou tipos de prazer, quais sejam os de categoria intelectual ou ética. Nem todas as pessoas, por uma questão de formação, são capazes de deleitar-se ao contemplar uma quadro ou escutar uma sinfonia. São incapazes de frui-lo ou de percebe-lo porque não foram educadas para isto... e isto não faz sentido para elas. Concentraram suas energias nos apetites e assim só são capazes de captar os prazeres produzidos pela satisfação dos mesmos.

Quero dizer com isto que alguns tipos de pessoas podem ser sentir felizes ou auferir uma sensação de bem estar apenas com o beber, o comer e o transar; e nem podemos declarar que a felicidade delas seja menor ou inferior a que é sentida por nós ao contemplar um edifício de linhas harmoniosas ou a assistir um espetáculo teatral. Não há um aparelho com que se possa mensurar a felicidade. O máximo que podemos dizer é que somos capazes que fruir uma gama maior de prazeres, parte dos quais ignorados por elas.

E como a felicidade fruída por elas não contempla todos os aspectos do ser ou da personalidade - ignorando o racional e o ético - podemos cogitar que a nossa seja mais vasta e constante. Quanto a dor já atinamos ser boa em algumas circunstâncias. No entanto é certo que dela fugimos e mais ainda da enfermidade, a qual sendo crônica ou incurável não pode ser classificada como algo bom. Tampouco podemos concebe-la como um mal absoluto, mas apenas como um mal relativo caso não nos leve a praticar voluntariamente uma ação prejudicial ou danosa.

Uma coisa parece certa: aquele que aprende a fruir outras formas mais refinadas de prazer como a contemplação do belo (música, teatro, poesia, etc) ou a amizade parece ter encontrado meios com que aliviar os tais males relativos procedentes do corpo físico. E quando o corpo físico declinar terá feito boa provisão... queremos dizer com isto que bem poderá consolar-se da insensibilidade do paladar, da frigidez ou da impotência sexual ouvindo belas canções, compondo poesias, pintando, desenhando, esculpindo, exercendo voluntariado, etc Assim não ficará exasperado, como aqueles que perdendo tais sensações ficaram privados de todo e qualquer tipo de sensações prazerosas.

Eis porque é proveitoso ampliar desde cedo o sentido do prazer.

Por outro lado não podemos deixar de reconhecer que mesmo a fruição dos prazeres apetitivos numa perspectiva natural comporta certos riscos ou perigos que devem ser considerados por ocasionalmente exigirem de nós a abstenção, a contenção e consequentemente o treino ou adestramento, caso desejamos evitar o mal maior da dor, o desastre ou a ruína. Nem sempre a criatura racional poderá satisfazer os apetites alheio a quaisquer circunstâncias de carater externo, o que nos encaminha mais uma vez a questão da hierarquia dos prazeres e da temperança ou sobriedade.

Caso nos tornemos escravos dos apetites por força do prazer e do bem estar podemos sempre estar entrando por um caminho áspero. Daí a necessidade de certo auto controle, resistência ou autonomia; enfim certa dose de liberdade. Na qual pode estar nossa redenção ou melhor preservação.

Todos precisamos de água para beber e devemos bebe-la de tempo em tempo sob pena de perecer. No entanto caso tenhamos acesso a algum tipo de água contaminada faz-se mister evita-la e buscar por qualquer outra reserva ainda que sejamos prezas da sede. Em tais conjunturas os que por hábito resistirem e forem capazes de esperar por outra provisão, no caso saudável; terão escapado a morte ou a algum tipo de enfermidade dolorosa... é sempre mais vantajoso esperar um pouco mais e ingerir água pura do que água suja, mas isto dependerá sempre do hábito.

O mesmo se dá com o alimento.

Aqueles que passarem por situações de fome ou privação por um tempo determinado após o qual haverão de receber alimentos bons, muito lucrarão de durante o tempo da privação abstiverem-se de alimentos venenosos, deteriorados ou contaminados pelas mesmas razões acima expostas.

Por fim quem de nós haverá de negar que é melhor abster-se de transar do que transar com pessoas enfermas sem preservativo??? Expondo-se a contrair AIDS ou Hepatite...

Mesmo em caso de dúvida seria melhor abster-se.

Tendo em vista futuras situações de dor e morte.

Concluímos certificando que nem sempre a fruição do prazer e a decorrente sensação de felicidade ou bem estar corresponderá a um verdadeiro bem, uma vez que deste bem decorrerão males muito maiores! No caso apenas a abstenção ou a privação equivaleria a um verdadeiro bem.

Epicuro foi quem intuiu tais coisas ao declarar que era melhor fugir a excessos ou exageros quanto a satisfação dos apetites e a decorrente fruição do prazer durante a juventude, tendo em vista a conservação da saúde por mais tempo, especialmente durante a velhice.

Este pensador parece ter percebido que a concentração na fruição do prazer pelo prazer, desvinculada dos fins naturais a que tendem e a satisfação da necessidade, parece parece estar relacionada com a deterioração precoce do corpo físico ou com a perda da saúde e a consequente manifestação da enfermidade e da dor. Inferindo que a fruição dos prazeres apetitivos devia ser exercida moderadamente ou em conexão com seus fins. Assim dizia Sócrates o que come deve ter em vista não apenas o sabor mas antes de tudo a satisfação da fome e o que bebe ter em vista não o gosto mas a extinção da sede. Classificava os que bebiam sem ter sede e os que comiam ser ter fome, jungidos pelo gosto ou pelo paladar como escravos dos sentidos.

Não se trata aqui de negar o prazer na perspectiva de Cleantes e dos maniqueus, mas apenas e tão somente de situa-los no contesto mais amplo da existência e do fenômeno humano. O que se contesta aqui é do comer, beber ou transar encarados como sentido da vida. Assim a gula, a embriaguez ou a lubricidade e não a alimentação ou a sexualidade.

Em tais casos é necessário manter uma visão sóbria e equilibrada. E contemplar o homem como um todo!

Importa saber que não podemos confundir - como Aristipo, Teodoro, Exegias e os modernos - a posse da felicidade em sua acepção mais ampla e profunda com a fruição descontrolada dos apetites ou o prazer sensorial.

Podemos admitir que no contesto de uma vida virtuosa, ela corresponda a um bem de condição inferior, mas não ao bem superior ou a virtude, uma vez que esta só existe no plano da liberdade ou da escolha. Aqui apenas o celibato tocaria a virtude, caso fosse posto a serviço das virtudes superiores como a causa da justiça por exemplo. Mesmo enquanto opção livre esta 'virtude' jamais deixaria de ser um meio para tornar-se virtude em si mesma.

E sempre alguém poderia cultivar a vida celibatária tendo em vista consagrar-se a atividades viciosas. Como aquele que se torna-se celibatário tendo em vista amealhar mais dinheiro e juntar fortuna superior a dos demais.

É o que temos por hora a declarar sobre o prazer, o bem, a virtude e a felicidade.

Resta-nos agora examinar a questão da utilidade.





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