quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Tópicos de filosofia grega: adiaphoras ou bens naturais?

Uma das questões mais discutidas pelos filósofos gregos e romanos diz respeito a categoria de coisas a que classificaram como adiaphoras ou neutras moralmente falando.

Assim a saúde, a beleza, a riqueza, a fama, e seus opostos a enfermidade, a fealdade, a pobreza e a obscuridade.

Convém no entanto adiantar que se tratam de coisas diferentes; pois enquanto a saúde e a beleza e seus contrários não dependem da livre vontade, a riqueza conquistada e a glória adquirida pertencem a esfera da atividade livre.

Distinguamos portanto, da saúde, da beleza e de seus contrário a riqueza e a glória e seus contrários, reservando o exame destas duas últimas situações para outra ocasião.

Implica saber se saúde e beleza, enfermidade e feiura correspondem a algum tipo de bem, ou se são de fato coisas neutras, i é, adiaphora.

Para tanto convém esclarecer que até mesmo os adeptos da 'adiaphora', como Crisipo de Soli, admitiam que as pessoas comuns ou sem trato filosófico costumavam referir-se a tais condições dadas como a bens.

Não estamos querendo dizer com isto que tais bens possuam 'valoração' moral ou ética derivada da livre vontade. Não escolhemos nascer saudáveis, enfermos, belos ou feios. Tratam-se de condições dadas pela natureza e dela recebidas. Outro é o caso das enfermidades produzidas por qualquer tipo de excesso relacionado com a fruição dos apetites sensíveis. Estas podendo em certa medida ser evitadas podem vir a possuir uma conotação moral.

Por outro lado não é por pertencer a a esfera da natureza que tais 'elementos' deixam de ser bens. Bens naturais, comuns, remotos e condicionais. Naturais devido a seu caráter não volitivo. Comuns porque saúde ou enfermidade, beleza ou feiura correspondem a estados compartilhados por imenso número de pessoas. Remotos porque não pertencem a esfera superior da moral ou da ética e condicionais porque a ausência deles impede ou dificulta o acesso aos bens superiores ou o exercício da vida virtuosa.

Assim a vida ou a existência é bem primário ou primordial na medida em que concede acesso a todos os outros bens, a plena realização das potencialidades, a aquisição da virtude e a perfeição moral. Neste sentido, enquanto condição 'sine qua nom' aos demais bens não pode a vida deixar de ser encarada com um bem. Um bem de categoria ou caráter inferior, no entanto um bem. Em que pese ser mal utilizado por alguns.

Assim os apetites sensíveis são bens na medida em que concorrem para a conservação da vida.

Assim a integridade física dos sentidos também corresponde a um bem na medida em que nos permite entrar em contato com a realidade e conhece-la. Nem podemos deixar de encarar a falta da visão, da audição, do olfato, do paladar ou do tato, como verdadeiros males na medida em que servem de obstáculo a assimilação da realidade. Uma vez que o fim de nossa existência é a aquisição do saber a cegueira e a surdez não podem deixar de serem males por limitarem nosso acesso ao saber e assim a dor quando intensa e constante a ponto de dispersar a concentração dos sentidos e impedir o aprendizado.

Não se tratam de bens em si mesmos ou de bens absolutos; mas de bens na medida em que servem de acesso a outros bens. Assim de bens relativos. Pois sempre se pode fazer mal não apenas da vida e da saúde mas até mesmo dos conhecimentos relativos a natureza. Por isso que o conhecimento é bem relativo na medida em que esta de acordo com a natureza e não absoluto, pelo fato de sempre poder ser usado para causar dano ou prejuízo ao semelhante.

Tampouco podemos descrever a enfermidade ou a fealdade como males absolutos pelo simples fato de não nos poderem induzir a cometer injustiça ou prejudicar nossos semelhantes.

Antes a dor física em algumas situações tem tido o condão de fazer com que alguns homens descartassem a opinião materialista, aproximando-se do Uno e abraçando a virtude. Ora uma dor capaz de tornar o homem reflexivo e consequentemente melhor merece ser classificada como um bem. Porquanto de algum modo dispôs o sujeito ao sumo bem.

Nem podemos negar que qualquer categoria ou tipo capaz de aproximar os homens da perfeição moral, converta-se ela mesma num bem por conexão ou relação com o bem. Tudo quanto serve de acesso ao bem supremo, merece ser considerado bom. Assim as adiaphoras nada tem de neutras ou de inuteis, antes correspondem a algum tipo de bem quanto a ordem da natureza, e ascendem na escala do bem na medida em que aproximam o homem de seu fim mais excelente que é a posse da virtude.





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