domingo, 1 de março de 2020

Nótulas sobre o pensamento contemporâneo

- Como já dissemos nem Descartes nem Spinoza foram iconoclastas no sentido de negar por completo o passado ou o pensamento antigo. Criaram algo novo, novos espaços e setores, os quais todavia conectaram aquele passado. Tampouco Hume ou mesmo La Mothe Vayer, assim Montaigne criaram algo que fosse radicalmente novo, remontando sempre aos céticos do passado ou a tradição agostiniana. Kant é quem criou algo de novo ou um novo sistema, merecendo ser classificado como Copérnico ou Lutero da Filosofia. Foi ele que, buscando elaborar uma solução de compromisso entre o ceticismo e o dogmatismo, produziu o idealismo transcendental ou crítico condenando o exercício da Metafísica ou melhor da Teodiceia e buscando justificar o conhecimento derivado do empirismo, do que resultou a ideologia positivista. Buscou assim Kant evadir-se ao materialismo, ao espiritualismo, ao teísmo e ao ateísmo, lançando as bases do agnosticismo.

No entanto este mesmo Kant, enquanto pensador do conhecimento ou gnoseológico, fugiu a simples empiria e praticou a especulação metafísica. Resulta disto que não repudiou a Metafísica como um todo, e que fez um recorte, focalizando sua crítica na Teodiceia i é em Deus e por ext na imortalidade da alma, com o objetivo de apresentar tais problemas como intangíveis ao intelecto e assim como insolúveis. Agora por que fez Kant este recorte, fixando arbitrariamente (Onde achou ou quis.) as "Colunas de Hércules" da reflexão? Para dar competente resposta a indagação acima devemos ter em mente que esse tão aclamado Kant era Luterano - Jamais rompeu formalmente com essa fé - e que Lutero, irracionalista e fideísta (Agostiniano), tinha Aristóteles, a Filosofia greco romana, o pensamento clássico, a Teodiceia naturalista e a própria razão em conta de seus principais inimigos (Mais do que o Papa romano). Lutero queria tudo atribuir a fé e Kant seguiu-o, atribuindo o tema de Deus a religião, a fé ou aos livros religiosos, e dando todos os antigos gregos por perfeitos estúpidos. Kant foi um imitador de Pirro no sentido de buscar justificar metafisicamente ou filosoficamente um preconceito de origem religiosa, no primeiro caso o Luteranismo e no segundo o Busdismo... a dinâmica é a mesma - A Epoché continua sendo budista (Assim a ataraxia) e o fideísmo gnoseológico continua sendo luterano, sem que haja verdadeiro conteúdo filosófico em tais afirmações. No primeiro caso temos apenas uma mutilação arbitrária e no segundo uma fuga face a reflexão filosófica. (cf Kant e a Teologia)

- Quanto a linguagem ou expressão, bastante complexa, com que nos deparamos na obra de Kant há muita crítica injusta e destemperada. Que hajam graves contradições - Apontadas com habilidade pelo Pe Thiago Sinibaldi - em seu pensamento é assente e demonstrável, que tenha cunhado expressões ocas nos parece exagerado e injusto. Kant visava dar golpe de misericórdia na escolástica (A qual recusava-se a estudar - O que nos parece bem pouco filosófico). Para tanto foi a suas fontes mais remotas i é a Aristóteles (Campeão da Teologia natural) cujo vocabulário técnico, bastante complexo, adota e assume. Kant não tem culpa de que os modernos ou pós modernistas ignorem supinamente o aparato conceitual aristotélico.

- Resta dizer que quem é por Kant, esta em conflito aberto com tudo quanto o antecede, assim com Parmenides, Anaxágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Speusipos, Straton, Dikaiarkos, Xenócrates, Crantor, Zenon, Antioco, Cícero, Sêneca, Filiponos, Eurígena, Aquino, Scottus, Phleton, Ficcino, Pomponnazi, Telésio, Erasmo, Bacon, Descartes, Spinoza...

- Outro é o caso de Hegel, metafísico confesso, o qual prosseguiu decididamente na senda traçada por Leibnitz, construindo expressões ainda mais grotescas, pomposas e vazias (cf Schopenhauer)  Criou uma Filosofia de bolha de sabão ou bexiga, a custa de tais expressões sem sentido e disto resultou outro sistema bastante aclamado em torno do Estado, o qual a partir de um lento processo imanente identifica com o pensamento divino. Deste homem confuso e desorientado partiram todos os idealistas alemães como Fichte, Schelling e aqueles tão criticados por Marx na 'Ideologia alemã', cada qual apresentando uma versão própria da 'filosofia' e pagando tributo a um subjetivismo desbragado. A reação, como não poderia deixar de ser, foi a 'inversão' de Marx, i é, em termos já de materialismo/ateísmo ou de positivismo. Em certo sentido Hegel, pela via da compulsão, conduziu a metafísica alemã ao colapso e a morte, fortalecendo a posição dos kantianos e marxistas.

- Marx, não se satisfazendo com a metafísica materialista mecanicista dos iluministas franceses (Helvetius e De Holbach), adicionou alguns temperos hegelianos e a partir de uma análise histórico social, formulou sua doutrina do materialismo dialético. O preconceito materialista seja sob um ou outro rótulo, cegou-o e desviou-o para sempre de um são realismo. Ele jamais pode reconhecer, em pé de igualdade com as forças materialistas de produção, o potencial concreto das ideias fossem ou não religiosas. Concedemos que deparou com uma Sociedade materialista e economicista e com uma religiosidade - Representada pelo protestantismo - derrotada e servil... No entanto este encontro não justifica a generalização abstrata com que pretendeu, a partir desta realidade particular ou específica, explicar todo processo histórico, desde a História primitiva, incluindo a Antiguidade e a I Média. Fugiu aos limites do simples recorte e metafisicou.

A simples existência dos mártires Cristãos dos primeiros séculos ou da substituição do paganismo antigo pelo Cristianismo, a dinâmica do islamismo ou do Japão e China budistas e o significado do socratismo deveriam te-lo alertado a respeito de suas precipitações. Especialmente após Fustel de Coulanges - Antecipando Weber, Graves, Dawson, Butterfield e Voeglin - ter publicado sua monumental 'Cidade antiga'.

- Atenuando as críticas nem sempre justas e sensatas de Popper convém admitir que a obra de Marx possui dois aspectos: Um objetivo ou como dizem científico que é sua análise crítica do capitalismo mormente representada pelo Capital. Esta não apenas permanece válida como foi utilizada por J M Keynes. O outro aspecto parece fugir a sua orientação - Não a nossa! - materialista, pré positivista, anti metafísica, etc é seu apelo a uma normatividade ética ou ideal ou seu futurismo. Marx, ao contrário dos demais empiristas/materialistas ressente, ao fim de tudo, uma influência Socrático/Cristã. Pelo simples fato de não contentar-se com uma realidade dada (O que é) tida em conta de injusta, ousando crítica-la e substitui-la por uma outra ordem, a qual só pode ser derivada de princípios ou valores ideais. Disto resultou a Ideologia Comunista, a qual apesar de seus equívocos monstruosamente bizarros, foge ao conformismo anti ético e até cruel de seus críticos ateus, materialistas, positivistas e cientificistas. Ora os humanistas e Cristãos, mesmo discordando quanto aos métodos propostos por Marx e seus colaboradores, não podem acompanhar os ateus, materialistas, positivistas e cientificistas quanto a aceitação passiva de uma realidade ingrata ou injusta. E por isso, em que pesem os erros gravíssimos do comunismo, ousam declarar que a posição de parte de seus críticos é ainda pior e mais grave.

- Já aludimos diversas vezes ao erro de Freud. Como Marx ele fugiu aos limites do recorte e dando com uma realidade cultural ou particular, abstraiu do tempo do tempo e do espaço, elaborando uma metafísica pan sexualista posteriormente emendada ou reformada com base nas sensatas críticas elaboradas por seus ex discípulos. De modo que num determinado momento o próprio Freud - Sem jamais retratar-se formalmente - rompe com o paradigma sexualista e admite outros princípios de regulação. Sua abstração metafísica, como a de Marx, é grotesca. Não seu método ou o caráter relativo de suas constatações, menos ainda o resultado de sua crítica ao puritanismo/moralismo vigente. Claro que a partir de suas críticas parte da Sociedade passou ao extremo contrário, i é a um sexismo desbragado, com sérias consequências sociais, políticas e culturais. Em que pese este desvio continuamos buscando utopicamente por um padrão de equilíbrio em que a sexualidade humana seja aceita com naturalidade, mas, sem ser deificada ou exaltada acima de tudo.

- Darwin alias é anterior a Freud. Porém queríamos estabelecer uma conexão entre o erro de um e de outro. Darwin não pertence aos domínios da Filosofia ou do pensamento abstrato posto que pesquisador ou naturalista. Era ele um homem do empirismo. No entanto sua formulação teorética - já antecipada por Lamarck, St Hillaire e outros - não poderia deixar de incidir sobre todos os domínios do pensamento humano - Psicologia e teologia, passando pela economia e pela sociologia. Foi a partir dele que o naturalismo converteu-se num paradigma, mais do que a própria evolução. Assim ele coroa a obra de Copérnico, Agricola, Newton, Hutton e Buffon/Lamarck/St Hilaire, demonstrando que o corpo humano esta inserido na ordem natural e que também este homem vaidoso não passa de um animal, ainda que racional. Não é o centro do universo, tampouco o centro da terra e sequer o centro da vida. Destarte terá este homem de procurar sua particularidade gloriosa na capacidade perceptiva e racional para a reflexão e para a apreensão das verdades metafísicas. A Filosofia é que lhe trará o sentido especial que sempre buscou por caminhos errados. É este homem um dentre tantos animais, vagando sobre um grão de pó na periferia do espaço... E no entanto, como dizia Pascal nos 'Pensamentos', tem consciência de si ou pensa, enquanto que nem Júpiter, nem o Sol, nem Arcturo tem consciência de si ou capacidade para pensar. É um caniço, um verme, um grão de poeira ou uma átomo perdido na imensidão do universo, e ainda assim caniço, verme, poeira ou átomo pensante...

- Einstein, o qual jamais supos que sua teoria física da relatividade geral fosse gnoseologicamente relativa ou duvidosa, demoliu o mito do espaço absoluto. Tudo quando temos em nosso universo é uma relação entre corpos em movimento. Neste universo que se expande ou amplia tudo esta em movimento, pois o estado de repouso é relativo a certas situações vividas por nós humanos. Este computador bem pode estar em repouso com relação a mim... Move-se no entanto caso esteja eu num trem. Move-se com as placas tectônicas, com o planeta, com a galáxia, com o universo... Tudo é movimento. E o tempo uma propriedade deste universo em expansão. Por isso nosso referenciais de tempo são relativos a terra ou ao sol, não absolutos. Quiçá o aspecto mais interessante da teoria da relatividade geral não seja a teoria em si - Simples dedução com base nas experiências feitas por Morley em 1881 - mas sua expressão (Tomada a Descartes e Newton) em termos matemáticos cujo sentido e exatidão pouquíssimos intelectuais foram capazes de compreender.

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