segunda-feira, 30 de março de 2020

A crônica do insólito

Ignorando os apelos da OMS o grande rebanho humano sai as ruas, como se nafa estivesse acontecendo.

Não, não estamos nos tempos de minha avó (1918) - minha avó nasceu cerca de 1900 e vivenciou o flagelo da gripe espanhola - .
mas em 29 de Março de 2020. 

Em algum lugar de S Paulo, não nos ínvios sertões do Nordeste ou nas inóspitas florestas do Amazonas, mas - repito, na grande máquina ou locomotiva que ainda conduz o país... 

No Estado da tecnologia e da 'civilização', aqui mesmo.

E com que nos deparamos em tal cenário?

Em plena quarentena, face a sinistra ameaça de uma pandemia que na Europa resultou já em caixões...

Aqui na cidade em que moro - A qual não é pequena - tivemos duas festas de aniversário com ampla concentração de pessoas. 

Digo no bairro em que vivo (Que é bairro de classe média bem mérdia mesmo.). Melhor dizendo na rua ou quadra em que moro.

Uma dessas comemorações natalícias foi realizada ao lado de minha residência e outra exatamente atrás dela. 

Juro que não acreditei... 

Pois cá tenho mãe, quase nonagenaria, isolada... 

E cumpro o isolamento com absoluto rigor higiênico. 

Aliás por esterilizar-me e tudo esterilizar logo ao chegar a cada virei a chacota da rua e sinônimo de doido varrido.

Por aqui as pessoas continuam fazendo piadinhas com quem sai a rua de máscaras ou portando luvas, além de se aglomerarem nas feiras livres e filas dos mercados, como se nada estivesse acontecendo. Todos ou a maior parte de meus vizinhos ignoram supinamente as advertências oferecidas pelos meios de comunicação. Uma crença estúpida e vã faz com que acreditem ser invulneraveis ou imortais. É um desdém só  e parecem crer que os médicos e enfermeiros do mundo inteiro estejam fazendo drama ou brincando.

O nível dessa gente é assustador.

No instante presente considero-me privilegiado por ter convivido com minha avó materna (Falecida em 1989 com quase 90 anos.) e dela ter ouvido as narrativas sobre a assim chamada gripe espanhola, a qual nada teve de espanhola, embora tenha deixado a vida de cinquenta bilhões de seres humanos, um deles meu tio avô - Ceifado com treze anos! Foi algo que abalou minha família e de que minha avó, sua irmã, jamais veio a se recuperar por completo.

Tudo cessará na então dinâmica cidade. As pessoas caiam mortas, extenuadas pelas ruas, faltavam mortalhas, caixões, coveiros... Famílias inteiras pareciam em suas casas... Sobreviventes endoidecidos corriam para os matos... Escolas, Mercados e Quartéis eram transformados em hospitais de campanha, na verdade depósitos de empesteados prestes a morrer... Até seus últimos dias minha avó repetia tais relatos, pintando-os com as mais vivas cores. É não era ela mulher impressionável, mas uma 'matrona' de fibra.

Após minha conversão a igreja romana (Sou de origem protestante) aos dezessete anos, ouvi os mesmos relatos do idoso vigário H. de Moura, cujo avó e tio avô tinham sido intendente e delegado desde os 900 até a 1920. Era um tal de valas públicas, gente enterrada viva, carroças com dúzias de cadáveres, casas abertas com todos os habitantes mortos e já apodrecendo, cheiro de carne podre, cal...

Os idosos viviam relatando isto nos anos 70 e 80.

Vejam então que tragédia social representa a morte dos mais idosos... Pois são eles, já  dizia Platão, no primeiro livro da República, história, tradição e experiência vivas...

Os mais jovens não vivenciaram, jamais vivenciaram uma praga ou peste e por isso não creem, desdenham e se expõem... Por darem ouvidos a demagogos. Não a Ciência. Não a Historia ou mesmo a medicina. Brincam com a moira ou bailam a beira do abismo.

Apesar de Itália, Espanha e EUA terem já tragado os amargos frutos da peste, parte de nossos conterrâneos julgam ser incólumes. Não os ricos e prósperos, que fazem suas procissões - Pedindo para seus empregados e serventuários irem trabalhar de ônibus, trem ou metrô (E contaminarem-se e contaminarem os seus!), quando sao eles que dependem do SUS - isolados em seus carrões e que não terão de misturar-se, além de contar com a melhor assistência médica...

Mas os pobres, por pura e simples ignorância, como em 1918 - E lembre-se, aqui tivemos uma Revolta da vacina, século e meio após Ed. Jenner... Ou o que é mil vezes pior, instigados por pastores charlatães ou curandeiros sem consciência. De modo que se pudessem i é caso não fosse o STF lá estariam, em suas seitas, todos juntos, abraçadinhos, disseminando o vírus entre nós. Por acreditar que são uns imunes ou privilegiados...

Aliás há que ouse, em pleno ano de 2020, dizer que essa peste é um castigo divino... Quando podemos observar tanta gente boa tombar e tantos canalhas e delegados escaparem, inclusive devido a sua condição social privilegiada. Mas os fanáticos, no paroxismo do desrespeito e da leviandade dirão que tantos quantos morreram eram vilões ou que o Bom Deus castiga o inocente junto com o ímpio. Veja então, estimado leitor, de onde parte a blasfêmia...

Caso as pessoas encarem a praga como sobrenatural, tenderão a crer que a solução é da mesma natureza, e recorrerão de modo equivocado a prece, enchendo os templos religiosos. O que só fará aumentar as dimensões da catástrofe... A simples prudência aconselha os que fizeram sua parte a rezar em suas casas, trancados em seus aposentos, como recomenda Jesus, o qual disse: Vem a hora em que não adorareis nem neste monte, nem em Jerusalém, e... Não habita Deus em locais de pau ou pedra feitos pelos homens... Ao menos por amor ao próximo todos deveriam ficar em suas casas. A malícia humana porém...

Quando o próprio governante, partindo de necessidades econômicas, envia o povo as seitas com o objetivo de que sejam sequestrados pelos pastores e incentivados a violar a quarentena, chegamos ao cerne de um problema que é social.

Há toda uma nova e perigosa cultura fetichista seja criacionista, geocentrica, terraplanista ou intensa a vacina, tudo está conectado por um mesmo espírito irracionalista, anti intelectual e anti científico tomado aos EUA, e tal infraestrutura é religiosa.

Quanto à classe média, que é o meio em que vivo e com que estou em permanente contato, parece ter aderido a um cômodo ceticismo ou abraçado aquele mesmo conspiracionismo tosco que nos anos 80 e 90 levavam-na a divagar em torno de extra terrestres, atlantes, gnomos, etc Paradoxalmente imaginam que a imprensa é que esteja a conspirar contra o querido Mercado e a aterrorizar as pessoas, isto em tempos se internet, quando as notícias correm em tempo real...

Parece não haver limite algum para a imaginação e a fantasia...

Em 1918 houve conspiração sim. Aliás promovida pelo governo Norte americano, com o objetivo de manter a produção e assim salvar a economia, a bolsa, as finanças ou o mercado, e o resultado da ocultação urdida pelo governo pareceram, só lá nos EUA, meio milhão de cidadãos.

Eis a razão porque meus vizinhos e conterrâneos juntam -se para divertir -se e comemorar, quando deveriam estar cumprindo uma quarentena responsável em suas casas. Muitas das cenas inacreditáveis que estamos a assistir devem -se ao mau exemplo dado por governantes levianos, irresponsáveis e sem consciência, os quais menosprezam a vida humana.

Qual será o resultado deste delírio coletivo?

Muito provavelmente uma hecatombe maior do que aquelas que já estão em curso na Itália, na Espanha ou nos EUA, sociedade em que os recursos tecnológicos, financeiros e assistenciais são bem maiores do que aqueles dos quais dispomos. Caminhamos para a catástrofe.

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