quinta-feira, 5 de março de 2020

Nem a extrema esquerda nem o Brasil paralelo - Quando os extremos fogem a realidade e criam ideologias.

Não é segredo para ninguém que essa extrema esquerda que adora posar de 'crítica' - Assim Comunistas e Anarquistas de modo geral... tem posto guela abaixo, sorvido e até se deliciado com diversos equívocos históricos, mitos, fábulas e preconceitos toscos que os liberais ou iluministas tomaram a reforma protestante. Os reformadores por pura malícia ou ignorância inventaram, os liberais ou ilumistas absorveram e nossa esquerda radical transformou em dogmas indiscutíveis.

A questão aqui é que nem os reformadores nem os iluministas negavam ser dogmáticos... enquanto que os contemporâneos posam de críticos ou de emancipados, enquanto continuam repetindo as mesmas tolices inventadas a cinco séculos atrás.

Momento de crise devido a desagregação do Império romano e as incursões tanto nórdicas quanto islâmicas, foi a Idade Média, para o contesto da Europa ou do Ocidente, um momento de crise ou uma fase negativa, ao menos em parte - Assim a alta Idade Média. A baixa Idade Média foi já um momento de recuperação, alias culturalmente tão rico quanto complexo. De modo que não existe UMA Idade média - Como jamais existiu UM Renascimento, UMA Reforma, UMA Revolução francesa, etc - mas no mínimo duas. Uma bastante caótica, outra tanto mais organizada e consolidada.

Quando o protestantismo fez sua aparição, por obra e graça do sr Lutero lá mas Alemanhas os mesmos reformadores que classificaram o papismo ou a igreja de Roma como uma corrupção ou apostasia e seu próprio movimento como um feliz retorno só podiam avaliar socialmente o período anterior a sua querida reforma, associado quer ao catolicismo antigo ou ao papismo, como algo negativo, corrupto, maléfico, atrasado, etc Acontece que totalmente ignorantes em matéria de História e Sociologia, os reformadores e seus discípulos foram adiante, e partindo de uma monocausalidade ingênua, atribuíram todos os males da Alta Idade Média a Igreja romana ou ao papado. Que o papado tenha causado sérios distúrbios na Itália e alguns outros na Europa é indiscutível... Que tenha sido responsável por todos os problemas do tempo é proposição tão estúpida que faria tanto Marx quanto Weber emitirem sonoras gargalhadas!

É ignorar o significado já do colapso do Império romano já o aspecto das culturas - Germânica e islâmica - que circundavam aquele espaço, assediando-o e ameaçando-o.

Os que avançaram no sentido protestante, a exemplo do grande Gibbon - culpabilizaram o Cristianismo como um todo, a começar pelos apóstolos, mártires e pelo Catolicismo antigo, arrestando inclusive Jesus. Já escrevemos muito sobre o Cristianismo antigo em relação a queda do Império romano... Não é este o foco agora. O foco agora é a cultura antiga i é greco romano, e sua destinação futura. Que espaçou a aniquilação, que restou e porque restou... No Ocidente foram os monges irlandeses que preservaram grande parte do que temos. No Egito foram os monges Coptas que conservaram os restos da magnífica Biblioteca que o muçulmano Amru Al Ass mandou incinerar. No Oriente médio foram os monges e clérigos assírios e siríacos que puseram a cultura greco romana nas mãos dos Mutazilas! Em todos os lugares do mundo antigo foi a elite Cristã ou Católica, os Bispos, clérigos e monges que dedicaram suas vidas a copiar antigos manuscritos gregos e a salva-los da grande conflagração. Não, não puderam salvar tudo, e temos até muito pouco. No entanto o imenso tesouro que temos transmitido foi por eles. Não por Lutero e seus amiguinhos... Falo como admirador confesso da cultura clássica e demonstro minha gratidão para com esses elementos da Igreja antiga, ou da Grande Igreja, como costumava dizer Ernesto Renan. Sempre que leio Tácito ou Suetônio, Ésquilo ou Eurípedes, Fedro ou Êsopo, Epicteto ou Sêneca, recordo-me deles e de seus 'scriptoriuns' (sic).

Isso que sobrou foi vital para a recomposição e superação da Alta Idade Média. O que a antiguidade Cristã copiou lá ficou guardado nesses imensos armazéns de cultura antiga chamados mosteiros até os Renascimentos literário e Filosófico... Esperando pelos herdeiros ou sucessores, como Petrarca, Valla ou Angelo Mai.

Mas chega de eruditismo medieval. Há que se ler Ganchoff, Marc Bloch e após eles Le Goff, Dubois, Bede Jarreth, etc A bibliografia é imensa. E demonstra quanto a alcunha 'Idade das trevas' além de maniqueísta é forçada, enquanto produto da mente protestante fanatizada. Vá a Escócia e contemple - quem convida é Kenneth Clark - os restos desmantelados das janelas das grandes catedrais, com seus 'bordados' em pedra, destruídos ou vandalizados pelos emancipados reformadores. Claro que os vitrais você jamais poderá contemplar... Adivinhe por que???

Afinal os liberais e modernos digeriram também a 'Lenda negra' a respeito da colonização da América Latina, especialmente da hispânica. A versão corre até hoje lá nos EUA terra do Faroeste e do escalpo, após ter feito imenso sucesso na Inglaterra. Não estamos dizendo nem querendo dizer que não houveram conflitos entre colonizadores e povos indígenas ou que estes não tenham sido eliminados em diversas situações - Não sempre ou em todas!. Sabido é que os primeiro grupo de colonos estabelecido por Colombo em Ganahany era composto por indivíduos bastante brutais, a ponto de cometerem estupros e assassinatos; e é claro de terem sido eliminados e degustados pelos naturais...  Por outro lado, não menos inconsistente é o mito do bom indígena... Claro que os indígenas estavam defendo sua posição, assim a que era justa. Nem por isso o canibalismo havia sido inventado pelos conquistadores! Sua existência está já suficientemente demonstrada, inclusive quanto as Antilhas... E se os Maias ficam horrorizados sempre que seus ancestrais são apresentados como comedores de gente, agradeçam a padralhada... Pois lá estão os painéis de Bonampak...

O problema aqui é apresentar os europeus, sejam espanhóis ou portugueses, em sua totalidade ou mesmo significativa maioria, como movidos pelo lucro sórdido e sede de sangue. E Isto é o cerne da lenda negra, o qual desfigura todo um grupo humano... Apresentar todo colonizador como um assassino ou rapinante é desfigurar a História. Apesar das tintas com que Las Casas pinta ou descreve a situação a seu tempo não havia um único Las Casa no Novo Mundo... Mas alguns outros, todos movidos por sentimentos religiosos de grande nobreza ou pelo que hoje chamamos de Ética. E mesmo na Espanha havia deles, como o grande Vitória, patrono dos 'Direitos humanos', e Soto, Banez, Cano... os quais afirmaram em alto e bom som o direito dos naturais a vida, a justiça e mesmo a liberdade. Graças a influência deles a condição descrita por Las Casas foi bastante aliviada pela própria coroa. Disto resultando a preservação de um número considerável de vidas e a consequente mistura ou miscigenação, corrente do México ao Paraguai. Em todo este território as concentrações urbanas são majoritariamente formadas por mestiços, havendo grandes bolsões de povos indígenas no Interland, seja o da Guatemala, o do Equador ou o do Brasil. A única exceção diz respeito ao extremo Sul da América Latina, jamais densamente povoado por povos de culturas bem mais primitivas, estes aniquilados a partir dos 800... Num contesto ideológico bem distinto em que entram oligarcas, políticos 'liberais', caçadores Yankees, ingleses e alemães, etc

O que a esquerda radical aprecia afirmar a respeito da colonização do Brasil é exatamente isto, que português é sinônimo de bandido, criminoso, rapinante, assassino, estuprador; enfim de homem sem coração, alma ou consciência. O que aconteceu por aqui foi uma invasão seguida por uma guerra aberta e continua contra os naturais, até que fossem completamente aniquilados - Apesar dos traços característicos da maior parte da população brasileira, os quais apontam para a mistura ou miscigenação. Não entra aqui o caso da cultura, a qual tem dinâmica própria. Aqui falamos em vidas e pessoas. Insisto, houveram conflitos e mortos numa proporção que não podemos verificar e em que é demasiado difícil oferecer dados com precisão matemática. Não porém uma aniquilação de pessoas como nos EUA, sociedade em que não há traços de miscigenação ou sinais de presença indígena significativa após o genocídio realizado no século XIX!!! I é em plena Era da Civilização e dos direitos humanos...

Apesar disto para a extrema esquerda é bem isso: Todos os colonizadores eram invasores movidos pelo lucro sórdido, tal e qual os nossos capitalistas e empresários de hoje. Pessoas degeneradas, más, sem escrúpulos e dispostas a praticamente tudo. Tal e reedição da lenda negra criada pelos protestantes Ingleses, endossada é claro pelos Norte Americanos e divulgada pelos anglo saxões liberais ou iluministas... Observem o roteiro ideológico da 'coisa' e avaliem... Mas fica sendo certo porque se quer...

Aqui um extremo. Vamos agora ao outro...

Camões, o insigne Épico e poeta maior de nossa lingua amiúde descreve os portugueses em demanda do Oriente como heróis da fé e paladinos da Civilização, posto que lá iam para deslocar os infiéis, que há muito ameaçavam a Civilização com sua Jihad... É o poeta, todo poeta, homem idealista, que por vezes perde o sentido da realidade. Ademais o poeta fixa sua atenção sobre o belo e o heroico e não sobre o vil e corriqueiro. Camões todavia mostra ter pés no chão sempre que vincula parte dos marinheiros, ou melhor, comandantes e coroa, ao desejo de mercadejar com os indianos e de, adquirindo especiarias, multiplicar os maravedis. Não era apenas uma cruzada composta por santos ou homens de fé, mas também uma empresa comercial, destinada a obter lucros ou benefícios financeiros.

A versão ingênua e ufanista - Por isso Ideológica - do 'Brasil paralelo' ignora ou parece ignorar este aspecto ou a complexidade das intencionalidades envolvida nas grandes navegações - E assim na colonização do Brasil - supondo que todos ou ao menos que a imensa maioria fosse formada por intrépidos marujos, movidos apenas pela fé na Cruz, no Abençoado Redentor e na Virgem. Tudo quanto movia tais heróis seria a fé Cristã ou 'católica' (Leia-se romana). E tudo não passou duma epopéia de fé... Temos esta visão como igualmente forçada e fora da realidade.

Sim, certamente houve, durante todo este processo e especialmente em seus primeiros passos - No século XV - a aspiração religiosa de atingir a Meca ou a Arábia pela volta da África e bombarde-la, deslocando a atenção do Império Turco, que então assolava o Leste Sudeste europeu e avançava para o Norte. Não poucos nobres portugueses, presos a época e mentalidade das Cruzadas ocidentais - A empresa sem fim! - cuidavam atacar o islã em seu coração e desestabiliza-lo. Todavia o contato com os navegadores e negociantes italianos, fossem de Genova, Pizza ou Veneza, bastou para desviar a vontade de boa parte destes homens para o setor do lucro ou das finanças, apontando para o comércio dos temperos... A princípio os portugueses ou melhor a coroa, buscou associar os dois interesses, com o passar do tempo porém diversas mentes foram dominadas pelas necessidades e aspirações meramente econômicas, isto ao tempo em que foi descoberto o Brasil.

Desde então as necessidades e aspirações econômicas não cessaram de colidir com as aspirações religiosas ou éticas, colidindo com elas e eliminando-as inclusive. De modo que mais e mais, na medida em que o liberalismo econômico afirmava-se pela Europa pós reformista, a intencionalidade de nossos ancestrais foi assumindo um aspecto cada vez mais material ou financeiro responsável pela maior parte das tragédias ou desgraças que acometeram este nascente país - Roubos, sequestros, servidões, assassinatos, massacres, estupros, traições, etc de que temos exemplo no massacre dos tupis lá na Bahia e enfim o Capão da Traição, a destruição de Guaíra e de inúmeras missões Jesuíticas, etc Até que no século XVIII não era mais o grosso dos homens (Até então matriculados nas fileiras da companhia ou do seráfico padre.) atraído pela 'redenção das almas' ou pela catequese, mas pelo ouro e pelas pedrarias das Minas. Sim e lá nas Minas também se ergueram inúmeras igrejas, enquanto os negros e índios era forçados, a toque de chibata, a escavar as entranhas da mãe terra e enriquecer os outros. E tudo ali era já roubo e sangue... De modo que aquele heroísmo do infante D Henrique corrompeu-se e perdeu-se para sempre, e nada pode recupera-lo.

Quando o Brasil foi descoberto e colonizado já achavam-se em conflito ambos os sentidos, o religioso, legado por D Henrique e o financeiro, que predominou e chegou a ser materialismo. Nos séculos XVII apenas os Jesuítas, certo número de religiosos regulares e alguns leigos piedosos, incorporavam as virtudes do Cristianismo. Em meio a considerável número de degredados, desertores e piratas, de cuja cepa, em S Paulo, surgiu o mameluco, preador e escravizador de índios, logo chamado bandeirante. Ora este bandeirante, em seu furor assassino, não tardou a atacar aqueles que haviam fundado a Vila de S Paulo i é os Jesuítas, e a expulsa-los... E é o quanto basta para revelar a dinâmica desta História abreviada, resumida ou distorcida pelo tal Brasil paralelo.

Nada mais absurdo do que buscar uma monocausalidade intencional em eventos tão complexos como as grandes navegações ou o processo civilizatório do Brasil. Aqui e ali em diferentes tempos havia diferentes níveis seja de inspiração ou fé religiosa seja de motivação econômica, os quais frequentemente chegaram a entrelaçar-se, claro que em detrimento da fé e da Ética... Aqui o velho refrão 'Nem oito nem oitenta' deve refletir com exatidão esta realidade.

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