quarta-feira, 18 de março de 2020

Justificam os fins os meios?

Tema algum mais ético, premente e necessário.

No fim das contas a 'real polilitk' com a aceitação dos fatos e a fuga ao ideal, assim as razões de Estado que com ela se confundem e todo este universo dado remete ao mestre florentino. E no fundo da taça ou do cálice, após sorvida a poção, sobram alguns resíduos da máxima segundo a qual " Os fins justificariam os meios." compreendida sempre no sentido de que péssimos meios são justificam os fins ou o fim mais excelente.

O fim deste artigo é apontar a presença desta mensagem, codificada e defendida já pelo citado Maquiavel, já pelos positivistas advogados seus e toda gente da realidade dada ou da 'real politik'.

E bem poderíamos começar citando o caso de Andrômeda. Afinal nenhum dos súditos de Cepheo, temendo a fúria das ondas do mar, ousou tomar a moça por inocente e assim defende-la face ao decreto iníquo de Juno... Justo seria que a mãe dos deuses resolve se as coisas com Cassiopeia... Para toda aquela gente importava salvar a cidade ou o grupo, não quem fosse sacrificado...

Sempre temos sustentado a primazia da sociedade face aos interesses do indivíduo. O bem comum face ao interesse particular. O direito da cidade face as aspirações privadas. Isto em termos que ações livres, que não se choque com a justiça.

Há aqui um limite preciso no que concerne aos direitos e prerrogativas da Sociedade. Socialistas, trabalhistas, solidaristas, comunitaristas... Chamem-nos do que quiserem. Somos antes de tudo e acima de tudo humanistas e apóstolos da vida ética, jamais estatolatras ou totalitários.

Separados estamos não apenas de Maquiavel com sua 'real polítik' e suas razões de Estado, mas de Rousseau com sua soberania que ignora limites. Mesmo um Estado democrático ou policratico (Democracia direta), ou ainda popular deve conhecer limites e tais são os direitos inerentes a pessoa humana, os quais sequer pertencem aos domínios da política mas da Ética i é da Lei natural.

E podemos definir este posicionamento de um modo bastante simples - Os direitos da Pessoa humana não dependem de qualquer assentimento por parte do poder político, são essenciais e portanto padrões para a própria lei positiva. Nunca é demais repetir que leis iniquas ou anti éticas não são apenas inválidas mas criminosas. Deve a espinha dorsal do legalismo ser partida e quebrada sob impacto da Ética e duma Ética fundamentada no conceito de JUSTIÇA.

Uma abordagem recente do tema foi feita na Série 'The walking dead" naquele episódio em que o personagem Dale protesta contra a execução de Randall por pura e simples suspeita. Aqui a alegação é básica: Jamais se pode condenar um inocente ou fazer qualquer mal a ele sob qualquer pretexto, inclusive o bem estar do grupo.

Antes do assunto ser abordado no Walking dead já havia sido abordado com talento na 'Tempestade do século' de 1999. É este filme baseado na obra do merecidamente famoso Stephen King. A senha do vilão ou da entidade maléfica, o estranho Linoge é: Deem o que quero é irei embora! Mas que quer ele? Uma criança para levar consigo...

Deixará a pequena vila em paz ou seus habitantes com vida (A outra proposta seria morrerem todos.) em troca de uma oferenda inocente. Imaginando que em caso de sorteio um apenas dentre eles perderá seu estimado rebento e quevo rebento perdido será o do outro, eles encaram a condenação de um só inocente como a salvação de todos os outros e como era de se esperar aprovam este recurso...

Acho esse filme ou ao menos essa parte épica... Pois quase ninguém pensa ou quer pensar no inocente que será sorteado...

Todos inclusive o pastor, reunidos num templo, concluem que é justo causar dano a um inocente com o objetivo de beneficiar o grupo... Declaram e certificam ser justa uma injustiça caso favoreça a maioria e assim definem a justiça como algo relativo ao bem estar da maioria, mesmo quando implica prejudicar um ou mesmo alguns inocentes.

Que é isto senão assentir que os tais fins justificam os meios.

AGORA A PERGUNTA - ADMITIDA TAL PREMISSA ONDE CHEGARÁ A HUMANIDADE?

Passando da arte a vida ou a História temos a aplicação deste princípio em 1945 ou seja em Hiroshima e Nagazaki, cujo cenário todos conhecem.

Tratavasse da segunda grande guerra e apenas o Japão, graças ao xintoismo e ao culto tributado ao Imperador, seguia lutando contra o mundo. Sim, por falta de bombas haviam kamikazes ou pilotos fanáticos, que a semelhança dos Jihadistas islâmicos, estatelavam-se contra potenciais alvos...

Como os soviéticos de Stálin haviam chegado a Berlim primeiro e derrotado, e exterminado Adolph Hitler, os EUA, antecipando décadas de Guerra fria, aspiravam dar ao mundo uma lição de poder. O Japão era a vitrine perfeita e por isso o Enola Gay teve de lançar os tais artefatos, criados por Einstein e Heisenberg. Claro que se tratava duma missão secreta, a qual não deixou de produzir alguns interessantes casos de consciência.

Lançadas as bombas, devem ter morrido de imediato, em ambas as cidades, cerca de cem mil pessoas, algumas pulverizadas ou cremadas num instante... Nos próximos quatro meses o número de óbitos chegou a duzentos mil, aproximadamente. Estes foram vitimados pelas queimaduras, pelos esmagamentos, pelas fraturas e pela contaminação radioativa.

DIANTE DISTO, QUE PENSAR???

Primeiro que a maior parte das vítimas é constituída por civis inocentes ou seja por cidadãos que não estavam diretamente envolvidos nas operações militares. Mesmo em Hiroshima, onde haviam quartéis e soldados, o número de civis era consideravelmente maior. Já em Nagasaki eram praticamente todos civis, inclusive a histórica comunidade Cristã, estabelecida pelos jesuítas quatro séculos antes.

Desde o tempo dos gregos e dos romanos, ocorriam as guerras ou operações militares em campo aberto, sendo coisa de soldados. Muito raramente, como em Cartago e Corinto (146 a C), eram os civis em sua maioria exterminados. O castigo mais severo que os citadinos podiam esperar era a perda da liberdade ou a escravização, as vezes convertida em multa ou mesmo suprimida a pedido de algum artista ou intelectual.

Claro que haviam excessos e abusos. A realidade porém, de modo geral, foi como descrevemos.

Pouco ou nada mudou quanto a tão criticada Idade Media, na qual os conflitos se davam entre nobres e barões, não entre a gente simples dos feudos. Era coisa de técnica, executada entre elites guerreiras. É bem podiam os civis refugiar se por detrás dos muros dos castelos. Perdiam os bens, podiam sofrer fome, mas retinham suas vidas, ao menos pelos rogos do Bispo ou dos monges.

Claro que haviam abusos, violações e crueldades esparsas, não extermínio completo de civis inocentes e quanto a isto só me ocorre o saque de Beziers durante a Cruzada de Simão de Monfort contra os albigenses.

Tal a trajetória da guerra até a Idade Moderna, quando Hugh V Grotius, erigiu a imunidade dos civis em princípio Ético derivado do direito natural e converteu as guerras anteriores a Revolução Francesa e ao século XIX em tabuleiro de xadrez, i é, em coisa de soldados, alheia as cidades.

Quanto a possíveis exceções ocorre-me apenas o cerco de Drogueda pelo fanático Oliver Cromwell. Mesmo Richelieau permitiu que os calvinistas de La Rochella se expatriassem após a conquista da heróica cidadela.

Observem então o retrocesso secular... Representado pelo extermínio de civis ou de pessoas não envolvidas diretamente no conflito, enfim de inocentes e sem consideração de idade, sexo ou condição. Pois entre os aniquilados abundavam idosos, crianças, mulheres e mesmo deficientes; além de pessoas que se opunham a guerra e sofriam com ela... Toda essa multidão de gente alienada, inocente ou honesta foi antecipadamente condenada e sumariamente executada.

Observem e reflitam: Durante a primeira guerra mundial a cifra de civis mortos foi de 5% enquanto que durante a guerra da Sérvia, a cifra de civis mortos chegou a 95%, pelo simples fato da guerra sair de seu espaço, que é ou seria o campo de batalha e transformar-se em bombardeio a cidades ou grandes centros populacionais. Naquela ocasião - Da citada guerra - chegamos a ler num jornal reportagem em que um dos coordenadores da OTAN declarou que bombardearia as cidades mesmo que tal atitude acarretasse a morte de civis. E a tônica daquela guerra classificada como épica e humanista pelo Sr Vlac Havel foi levar o terror aos civis, embora se argumentasse que o caso era de se proteger o soldado 'externo' ou invasor. Linda causa - mesmo quando civis inocentes do 'outro lado' são despedaçados em quantidade.

Desde então um número cada vez maior de instituições civis de assistência têm sido bombardeadas em tais guerras, assim hospitais, orfanatos, asilos, etc Os senhores da guerra falam sempre em acidentes embora os riscos tenham sido assumidos premeditadamente... Encostados à parede falam em mal ou males necessários, civis devem morrer despedaçados porque as bombas lançadas sobre as cidades preservam o pessoal i é os soldados e garantem lucro as empresas que as fabricam.

Ainda que houvesse ali um único homem inocente e de boa vontade nossas conjecturas já seriam corretas, penso eu. Mas podemos multiplicar este homem por mil ou dez mil... Pois são crianças, idosos, enfermos ou deficientes sacrificados as dúzias a cada uma dessas guerras tecnologicamente sofisticadas da modernidade. É a questão sequer diz respeito à Vitória mas a economia.

O segundo aspecto aberrante é a forma como tal multidão foi executada -

Nas guerras e mesmo extermínios do passado o uso de armas brancas ou mesmo de tiro dava alguma mínima chance de defesa ou sobrevivência as vítimas. O que não mais ocorre desde meados do século XIX com a invenção da metralhadora e de modo cabal após a criação das armas de destruição maciça, como as bombas do século XX.

Tal e qual os Samurais é bastante provável que os soldados grego romanos e os cavaleiros medievais avaliada em negativamente esse tipo de armamento contemporâneo, pelo simples fato de impossibilitar a defesa, tornando-se cruel pela impessoalidade... Mesmo quando suas guerras fossem injustas eles não perdiam de todo o sentido da justiça.

O que quero dizer com isto é que toda aquela gente foi incapaz de lutar por suas vidas ou de defender -se. Foi tudo questão de botões ou de alavancas, com que se decide a aniquilação de centenas de milhares de vidas, obscuras e sem nomes... Elas sequer podiam fugir...

Mas houve ainda o aspecto da crueldade. Como no caso daquelas crianças que ficando presas aos escombros foram queimadas vivas.

Coisa bela como este homem contemporâneo é capaz de compadecer-se de Miguel Servet ou de Bruno enquanto permite que centenas ou milhares de criancinhas japonesas sejam queimadas vivas a fogo lento em 1945... Quiçá Torquemada e Calvino não fossem tão sádicos. Pelo que sabemos da inquisição papistas crianças jamais foram julgadas ou condenadas, o que era formalmente proibido...

No entanto aqueles irmãozinhos, cuja morte dolorosa foi descrita pela mãe semi doida eram japoneses ou xintoistas ou sei lá o que. E isto me faz lembrar a "TEORIA DOS SENTIMENTOS MORAIS" de Adam Smith, digo a passagem clássica em que discorre sobre os milhões se chineses mortos pelo terremoto e os sentimentos dos europeus...

Os Norte americanos, os maquiavélicos e toda gente boa das Razões de Estado, os positivistas não Éticos da 'Real polítik', os do direito positivo e puro - Toda cria de N Maquiavel busca ainda hoje justificar o extermínio de 45... Ah aqueles habitantes de Nagasaki já não eram homens como nós mas monstros... E cria -se todo um aparato mitológico, para que também possamos ser monstros e dormir tranquilos.

Mas eles enterraram chineses vivos?

Quem?

A lavadeira de Hiroshima? O velho primeiro de Nagasaki? Os gêmeos de quatro anos? A menina cega?

Não me oponham o japonês abstrato, fruto de generalizações falaciosas aos japoneses concretos. Alguns dos quais eram inocentes. É se houvesse um justo sequer??? Isso é Maquiavel e maquiavélico... Padronizar e rotular inimigo, arte da propaganda - E já se disse que a primeira vítima de qualquer guerra é a verdade.

Nada porém como Hiroshima e Nagasaki, e a piada segundo a qual os japoneses jamais se renderiam ou estariam lutando contra o mundo inteiro até hoje.

O máximo que se pode alegar em favor dessa atitude é que conduziria ao fim da guerra, poupando vidas... ou apenas dinheiro.

Não sei se de fato vidas seriam poupadas ou quantas seriam.

O que sei é uma coisa apenas: Sei que civis inocentes foram executados sem chance alguma de defesa.

Tem você aqui um fim sumamente louvável: O encurtamento de uma guerra. AGORA vamos ao meio: A execução de dez ou vinte ou cem mil inocentes sem chance de defesa.

É esse meio bom ou essa permuta justa?

Posso eu imolar um único inocente para salvar uma cidade ou país?

Sempre que contemplo minha sala de aula, com seus trinta alunos, costumo pousar minhas costas sobre qualquer um deles e me perguntar: Poderia eu, em dada situação, destruir a vida de um deles para salvar a sala inteira? E respondo quase que de pronto - Não, não, não... Afinal é questão de justiça. Um inocente jamais pode ser culpabilizado.

Mas todos somos imperfeitos e cometemos maldades...

Neste caso pode você matar qualquer pessoa???

A vida tanto é sagrada num quanto em cem.

Torna  -a digna a justiça, mesmo face a morte certa, por isso Sócrates disse que era melhor ser condenado injustamente do que justamente ou por ter cometido um crime qualquer.

O que devemos ensinar as gerações futuras é  Sócrates i é que a existência só vale a pena se digna ou justa, e que melhor é cessar de existir do que cometer um crime ou uma injustiça qualquer.

ENCERRO este artigo com as palavras do insuspeito J F Revel, pronunciadas na Academia, em 1999:

"Fins bons pedem meios excelentes. Acreditar que os objetivos mais nobres serão executados através de péssimos meios não passa de engano e ficção. Os meios sempre devem estar de acordo com os fins." Sobre a Virtude, citado de memória.


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