sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Notulas sobre o pensamento moderno

- Gostando ou não é o pensamento moderno é, ao menos em parte, filho da Teologia Escolástica ou uma secularização daquela Teologia. Como é igualmente filho da cultura bizantina, representada por Gemistos Phleton e demais emigrados. E filho em parte de um Renascimento literário autóctone. Claro que estas correntes nem sempre estiveram em sintonia.

- A meu ver o primeiro pensador moderno ou filósofo propriamente dito foi Pietro Pomponazzi, já por ter iniciado a crítica das fontes aristotélicas, buscando separar o elemento medieval do elemento original, já por ter examinado a questão da imortalidade da alma de um ponto de vista puramente natural e separado da fé religiosa. Situaria Telesio em segundo lugar pelo simples fato de Erasmo ter sido mais um literato e teólogo do que um filósofo propriamente dito. Ao tempo de Pomponazzi ou mesmo Telesio a reflexão Filosófica ainda não fizera sua aparição na França, que dizer então sobre a Inglaterra ou a Alemanha?

- Mesmo Maquiavel e Morus estão mais relacionados com a ciência política e a organização social do que com o exercício metafísico ou a abordagem propriamente Filosófica.

- Sobre Bacon se diz ter escrito sobre ciência sem ter feito ciência. Em geral os Filósofos da Ciência ou da Natureza não são cientistas, como os críticos não são literatos. Nem Descartes foge a esta regra. Isto coloca Da Vinci, Vesalius, Galileu, Harvey e Kepler a frente dele, mas não anula seus méritos ou os de Descartes. Dilthey, Kuhn e Medawar foram geniais, mas não se equiparam a um Darwin ou a um Einstein.

- Nem Spinoza nem Descartes foram Luteros ou mesmo Copérnicos da Filosofia, posto que não a demitiram até os alicerces ou buscaram reforma-la por completo. Descartes limitou -se a indicar os caminhos a serem seguidos pela Filosofia natural, proclamando em alto e bom som que eram distintos da Metafísica tradicional. Concedeu espaço a pesquisa científica moderna com seu método próprio, porém jamais repudiou formalmente a Metafísica. Spinoza e Descartes jamais negaram a importância da Metafísica ou disseram que não se deveria fazer Metafísica, o que aliás demonstra a genialidade de ambos.

- Montaigne, como Pirro após a fragmentação do Império de Alexandre e Agostinho após a queda do Império Romano, foi filho de sua época, época em que a França e o resto da Europa eram convulcionadas pela reforma protestante é as guerras religiosas. Daí seu desencanto face a razão e seu ceticismo, aliás incompleto ou fideista e tributário de Agostinho. Ceticismo e ideário dos tempos de crise, em que os homens deixam de confiar em si mesmos ou de acreditar em suas possibilidades. Daí sua ascensão em tempos de pós guerras e guerra fria, assim de colapso ecológico. O fim ou desagregação dos grandes impérios foi substituído pela reforma protestante e pelo capitalismo enquanto desafios a nossa racionalidade.

Pirro, Agostinho, Al Gasali e Montaigne eram ambos conservadores e quase certamente vim nos ideais éticos alimentados pela racionalidade ou pelo racionalismo socrático/platônico os elementos responsáveis pela fragmentação e conflitos sociais que tanto aborrecia-os. Eis porque conformavam se com a realidade dada, abdicando dos ideais, fossem quais fossem, em benefício da estabilidade politico/social. Preferiam o paradigma da Paz injusta ao da Justiça 'caótica'. Jean Bodin pensava exatamente assim...

- Leibnitz foi quem impulsionou remotamente o idealismo alemão pelo simples fato de especular desbragadamente, e fazer com que Kant enjoasse e vomitasse no século seguinte.

- Para muitos Locke remontaria a uma tradição empirista própria da Inglaterra, a qual remontaria aos tempos de Roger Bacon, Buridan, Bradwardin, etc Ele retomou a lição da 'tábua rasa' formulada por Aristóteles, não a inventou mas, contestou o inatismo dominante. NÃO nos esqueçamos que o inatismo de Chomsky é puramente estrutural e não formal. O empirismo se bem entendido diz respeito apenas as informações arquivadas na memória ou ao conteúdo, não as operações ou relações mentais.

- Hume aderiu com atraso a um pirronismo já assumido por La Mothe Vayer, Bayle e outros modernos (cf Luciene Febvre "A origem da incredulidade no décimo sétimo século") mas celebrizou se por atacar o paradigma da causalidade, já posto em dúvida por Arcesilas ou em todo caso pela terceira academia três séculos antes desta Era ( cf V Brochard 'Os céticos gregos'). Repetiu quase tudo quanto os céticos gregos haviam dito quiçá ignorando a réplica elaborada por Antioco de Ascalon. Foi em que disse desejar lançar ao fogo todas as obras obras Teológicas da Idade Media, por odio a Filosofia escolástica, acho isto bem pouco filosófico...

- Th Reid foi uma grande luz em meio as trevas modernas e contemporâneas.

- Os franceses do século XVIII criaram uma metafísica materialista mecanicista de fundo empirista que se antecipou ao positivismo. Essa construção, que muito influenciou o jovem Marx, é bastante discutível. Quiçá tentando demonstra-la La Mettrie morreu literalmente empanturrado ou de indigestão. De modo geral os iluministas, como Diderot, Voltaire, Rousseau, etc eram deistas e aborreciam o ateísmo. De Holbach, Helvetius e o citado La Mettrie no entanto parecem ter sido ateus declarados. Deste meio saiu Condorcet, o qual secularizando a escatologia Cristã concebeu um progresso infinito e um Paraíso terrestre viabilizados pelo conhecimento científico. Não podemos substimar este deslocamento enquanto ideologia.






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