sábado, 6 de maio de 2017

O sentido da Encarnação: Como Deus sendo absolutamente perfeito torna-se livre e solidário


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Como dissemos no artigo anterior Criação e Encarnação não implicam impossibilidades. Antes implicam uma necessidade interna ditada pela própria essência divina. Donde concluímos que se são absolutamente necessárias é que enriquecem a Deus, antes Deus só é absolutamente perfeito porque produz criaturas e faz-se criatura entre as criaturas... E como não pode ser imperfeito é constrangido por sua própria condição a criar e a fazer-se homem. Deus não podería deixar de faze-lo sem empobrecer-se e tornar-se 'inferior' o que é absolutamente impossível.

Resta saber se de algum modo pode Deus tornar-se livre de alguma maneira e como isto se dá.

Uma vez que corresponde a perfeição do ser criado ser livre ou optar conscientemente pelo bem ou o mal, segue-se que a natureza humana e criada é 'livre' por definição.

Despojado do componente de sua liberdade cessa o homem de ser humano e converte-se em alguma outra coisa qualquer.

Ser livre é parte integrante de nossa condição finita.

Consequentemente ao fazer-se verdadeiro homem e lançar-se no mundo dos homens, Deus torna-se livre ou capaz de experimentar concretamente situações de liberdade no complemento da natureza humana que assumiu e incorporou a si.

Por isso da mesma maneira como atribuímos a necessidade absoluta a natureza divina tendo em vista sua natureza interna coerente e sua perfeição, afirmamos em alto e bom som a existência de vontade dinâmica ou livre arbítrio verdadeiro na natureza humana de Cristo.

Se foi questão de desafio ou curiosidade não diremos. Nós nos contentamos em afirmar que ele aceitou esta nova experiência movido antes de tudo pelo amor, pela bondade, pela generosidade, pela filantropia, pela piedade, pela solidariedade enfim...

Foi - Aqui L Chestov - movido por tão nobres sentimentos que Deus optou por sair de si mesmo, por abandonar a estabilidade, a bem aventurança, o conforto o comodismo, e experimentar aquela situação de desconforto, sofrimento, dor e drama representada pela Cruz. Afinal como observou Raskolnikoff todos os mortais nascem já sob este signo.

O fato é que diante do drama de nossa existência não quis a divindade omitir-se ou permanecer na platéia observando e aplaudindo. O Deus dos Cristãos e aqui esta sua beleza ímpar, o Deus da Igreja Ortodoxa e da fé Católica não é Deus insensível as situações de miséria e por isso quis irmanar-se e identificar-se ao máximo conosco. Quis se Emanuel ao invés de ficar tudo observando de oitiva como o tal ser absolutamente transcendente dos judeus e muçulmanos...

Nada mais cruel do que assistir impassivelmente o drama de nossa condição sem fazer-se participante ou ator. O deus semita permitam-me dizer francamente é mero espectador. Esse fantasma descarnado não sofre e furtando-se de sofrer não é capaz de consolar os sofredores. No Deus encarnado entre os homens apenas, no Deus que assume o encargo de caminhar conosco, no Deus do Evangelho, neste apenas temos um companheiro. Um Deus companheiro, coisa maravilhosa esta!

Este Deus lança-se no mundo dos homens e aceita o desafio de ser livre em sua natureza humana.

Aceita o desafio da liberdade.

Como não pretendo discorrer sobre meandros de alta teologia, furtar-me-ei de abordar as decorrências da liberdade da pessoa única de Cristo Jesus. É assunto de alta teologia, indigesto e enfadonho para muitos e incomodo alias para a maior parte dos Cristãos, ao menos inconscientemente docetas, maniqueus, monofisitas, monotelistas... Sempre tentados a mutilar, reduzir ou obscurecer a natureza humana de Cristo. Sabemos no entanto que é verdadeiro homem e se não levamos esta certeza até o fim destruímos o padrão de nossa fé que é a Encarnação. Deus só se encarna de fato caso se torne integralmente homem, sem restrições.

Homem em tudo semelhante a nós menos no pecado.

Portanto homem quanto ao corpo físico com seus processos e necessidades e homem quanto a liberdade com seus dramas mais íntimos.

Temos de assumi-lo, é necessário.

Não da mais para manter a piedosa farsa, oriunda da mitologia, a respeito de natureza pré adâmica ou pré pecado diferenciada com seu corpo de luz ou impassível. Tudo isto não passa de um delírio insano!

Tudo quanto pretendo aqui, por meio deste breve ensaio, é deixar bem claro e bastante claro é que o Deus Cristão mergulhou de cabeça no grande drama de nossa existência, a qual consiste em optar entre o bem e o mal, o perfeito e o imperfeito, o melhor e o medíocre, o superior e o inferior... Encarnado teve a natureza de Jesus que tomar decisões, as quais certamente não foram nem um pouco fáceis.

Segundo o critério da fé e piedade teve de abster-se do mal e do pecado. Sendo homem entre os homens não pecou... O que certamente toca ao heroísmo. E mais uma vez revela-nos a 'ponta' deste drama. Podia pecar, certamente foi solicitado ou tentado (Ser tentando sem consentir não é pecar!), mas não cedeu e não pecou. Tomou as decisões mais certas e convenientes convertendo-se em ideal utópico de perfeição para os mortais e ensinando-nos sobre como devemos agir e viver. Ministrou-nos as mais elevadas lições de éticas não apenas com os lábios ou com a boca, mas sobretudo com aquele amor que converteu-o num exemplar vivo do Evangelho que pregava e num compêndio ambulante de todas as virtudes!

Não era boneco ou marionete, vazio de espírito e controlado pela divindade. Era ser livre que livremente aceitou morrer e sofrer na Cruz obedecendo a um desígnio eterno: Atrair, persuadir, convencer e recuperar o ser humano através da manifestação de seu carinho infinito. Aspirou morrer para demonstrar o amor, que nos amava, que estava junto conosco, que se preocupava conosco, com nossa situação e condição. Cruz é isto - Não punição absurda e sádica imposta por qualquer outro poder superior (Segundo a fórmula blasfema - deus mata deus para aplacar deus) - símbolo ou prova de amor e cuidado. Caso o martírio não fosse livremente aceito onde ficaria o amor? Caso não fosse voluntario mas imposto por um poder supremo como conservaria seu profundo sentido?

A natureza Humana sempre pode furtar-se a solução final e por isso pouco antes de ser suspensa - No exercício da liberdade e esmagada pela dor - rogou a natureza Divina: Aparta de mim este cálice, emendando-se logo depois: Conformo esta minha vontade com a tua! Mas instante antes havia hesitado e manifestado desconformidade (Provocada do medo causado pela experiência da dor), justamente porque era livre e não manipulado ou controlado pela divindade.

A natureza humana conserva-se sua integralidade e autonomia e Jesus sobe o calvário por livre decisão. Optou por tomar a Cruz ao invés de recebe-la. Não foi imposição foi decisão e esta decisão deve ter sido mais dolorosa do que a própria Cruz ou ao menos igual. Pela contemplação do futuro a experiência dolorosa da Cruz já se antecipa a mente do mártir e até podemos dizer que desde o primeiro instante em que se fez homem sentiu a presença e o travo da cruz antecipadamente e que sua vida foi em certo sentido um martírio lento e uma subida paulatina ao monte do Gólgota.

Mais a natureza humana deve ser abandonada a si mesma e ao sofrimento não para que pague qualquer coisa ou aplaque qualquer coisa, mas apenas e tão somente para chegar as últimas consequências do amor e mostrar para os homens mortais que amar concretamente jamais e fácil, que implica decisões, limitações, sofrimentos, dores, sacrifícios e o que é pior - Tudo livremente aceito e racionalmente considerado.

Adianta-se Jesus e dá um passo a frente face ao drama de uma existência livre posta entre o bem e o mal, a abnegação e o egoísmo, o comodismo e o sacrifício. Mas como podemos fazer o que é certo se estamos sós? Como obedecer a lei eterna ou ao imperativo divino? Como exercer a virtude? Olhando para a cruz e contemplando o exemplo dado pelo próprio Deus que se faz companheiro. Nada impossível, absolutamente impossível ou utópico se a brecha dessa senda foi aberta por Jesus. Se ele tomou a dianteira e foi a frente. Não, o Deus Cristão apenas, e tão somente ele não exige de nós algo que não tenha ele mesmo feito. Por isso assumiu a livre vontade e submeteu-se a lei eterna da consciência. Não se trata de um deus demagogo, que muito exige sem nada fazer... Mas de um Deus educador e presente.

Resta-nos por fim esclarecer como e porque este Deus se manifestou visível e fisicamente na carne, uma vez que estava já presente no mundo, não ausente e separado. Então temos de saber como e porque já estava presente no mundo!

O que deslindaremos no último artigo desta série.

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