segunda-feira, 15 de maio de 2017

Buscando superar o psicologismo freudiano e o sociologismo marxista; uma leitura marxista de Freud ou freudiana de Marx II





E Freud?


Bom assinalar que S Freud não era Sociólogo e nem mesmo tinha a pretensão de se-lo. Era médico por formação e psiquiatra ou psicólogo por opção. Sendo assim jamais negou a existência de um organismo social com a constituição que lhe é próprio ou tentou explica-la a partir de suas descobertas a respeito da mente e da personalidade humanas. 

Em suma Freud repudiou a existência de uma estrutura social para além das personalidades, apenas concentrou seus esforços investigativos no campo da formação da personalidade. Nem tinha como ser psicólogo e sociólogo ao mesmo tempo ou analisar simultaneamente a formação da psiqué humana e a estrutura dos diversos grupos sociais, tarefa ainda hoje especiosa.

Teve de especializar-se e de escolher um campo.

E o campo escolhido foi a Psicologia não a Sociologia.

Naturalmente que, caso consideremos o homem enquanto parte da sociedade, suas descobertas tem ou terão certas consonâncias no âmbito da Sociologia, desde que não seja, obviamente, uma sociologia sociologista, mas uma Sociologia aberta. O próprio Engels sempre recordado e citado, admitiu que em determinadas situações a super estrutura, digamos aqui a superestrutura mental, acaba interagindo com a infraestrutura de caráter material ou social, como queiram.

E de fato não precisamos ser psicologistas para admitir - Com Weber por exemplo - que o fator humano, pessoal, psicológico, motivacional... Pode também ele adquirir certa relevância em termos sociais, convertendo-se também ele num fator causal ou genésico ao lado doutros fatores propriamente sociais ou materiais. O que por sinal só vem a tornar a investigação sociológica ainda mais complexa.

A questão primordial aqui não é saber se as forças ou entidades psicológicas possuem qualquer potencial sociológico, interagindo com as demais forças sociais ou até servindo-lhes de contra peso, denotando como já dissemos maior complexidade.

A questão principal aqui toca, em parte ao menos, a limitação imposta a Freud pela realidade externa a si, no sentido de que - Sem jamais ter negado a sociologia - formulou suas hipóteses ignorando ou desconsiderando a contribuição da sociologia.

Queremos dizer com isto que, em termos de causalidade, parece não ter buscado vincular as situações, eventos e fenômenos psicológicos analisados por si, a determinadas organizações sociais.

Exemplifiquemos.

Freud - E isto vale certamente para Karl Marx, apontando as limitações de ambos - como todos nós foi também prisioneiro da cultura, da História, do momento; enfim do tempo e do espaço em que viveu e trabalhou. Tanto ele quanto seu 'parente' (sic) judeu, tiveram de trabalhar com uma realidade especifica (E portanto limitada) fazendo o que chamamos de recorte. 

O recorte em si é bom na medida em que nos permite penetrar e analisar determinada unidade histórico social, torna-se no entanto funesto na medida em que o autor põem-se a abstrair em demasia, convertendo suas descobertas numa metafísica universalizante em termos absolutos. Para compreendermos a 'Sociedade' abstrata considerada como um todo, teríamos de estudar todas as organizações sociais do planeta... O que Marx certamente não fez.

Assim Freud de modo geral analisou as relações sociais presentes em sociedades ocidentais contemporâneas ou em setores ocidentalizados de outras sociedades. Trabalhou com um modelo único de organizações sociais ou com um modelo unitário de relações familiares em que se dão os fenômenos por ele elencados e estudados.

Em suma o nicho escolhido pelo grande psiquiatra austríaco dizia respeito a Europa dos séculos XIX e XX com a estrutura familiar típica: Heterossexual, Patriarcal, Monogâmica, estável (ou indissolúvel), e sobretudo marcada por uma ideologia maniqueísta ou puritana caracterizada pela negação do corpo e da sexualidade.

Tal a limitação de seu trabalho. Porque não cogitou em possíveis variações sociais no tempo e no espaço.

Podia e pode S Freud falar com absoluta propriedade a respeito da realidade específica que estudou, i é das sociedades 'civilizadas' dos séculos XIX e XX, estabelecendo a partir de suas estruturas as decorrentes relações pessoais, até chegar a seus complexos: Assim o complexo edipiano, assim o complexo de Electra (sicut K G Jung - Para S Freud complexo edipiano feminino), assim o éthos narcisista, e sucessivamente.

Fácil é ao leitor inteligente, calcular que chegamos a 'raiz' ou fonte do problema. Freud numa perspectiva idealista ou demasiado abstrata, parece não ter vinculado as relações pessoais por ele analisadas com a estrutura social e sua variabilidade, talvez com o receio de que sua abordagem adquirisse um aspecto demasiado particular, e, segundo algumas 'escolas' não científico. Daí ter resvalado na tentação do universalismo, a que sua abordagem restrita não fazia jus.

O resultado final disto foi a afirmação, categórica alias, de que os complexos de Édipo e Electra (para nos atermos a espinha dorsal de sua teoria psicanalítica) equivaliam a entidades universais, presentes em todas as sociedades, para além das limitações espaciais e temporais, pelo que chegamos a um essencialismo psicanalítico.

Evidentemente que tais afirmações eram precipitadas, mas ele era Freud... Compreende-se portanto que tais alegações gratuitas - Por não terem partido de investigações concretas - foram engolidas por muitos. Convertendo-se numa espécie de metafísica, vinculando-se a uma espécie de natureza humana dada e atingindo o 'status' de 'pecado original'.

Perdurou o equívoco até que Bronislaw Malinowski e Margareth Mead - ambos antropólogos - foram a campo investigar outras formas de organização social. No primeiro caso os naturais das Ilhas Tobriand e no segundo os naturais de Papua Nova Guiné. A partir de tais pesquisas ficou evidenciado que os tais complexos clássicos do freudismo inexistiam em tais culturas, pelo simples fato de que a organização familiar e as relações homem - mulher eram outras, enfim totalmente diversas das que prevaleciam na Europa dos séculos XIX/XX.

Desde então ficou cientificamente demonstrado o caráter relativo dos fenômenos analisados por Freud enquanto produtos de uma conjuntura familiar particular ou epifenômenos da cultura. Da cultura européia do século XIX, maniqueísta, puritana e judaico Cristã (Ou melhor mais judaizante  - compreenda-se judaizante no sentido histórico de farisaísmo - que propriamente Cristã).

Tal a realidade mais remota que Freud não viu ou não quis ver e que diz respeito a conexão da pessoa ou da família no quadro mais amplo e variável da cultura ou da sociedade. Imerso em determinada Sociedade - Ocidental do século XIX com a característica rigidez moral - desenvolvera o homem tais e tais complexos, imerso noutro tipo de Sociedade... Portanto, o que Freud descobriu - E este sentido não torna sua descoberta menos importante - foram os resultados psíquicos de determinada estrutura social. E não elementos essenciais ou metafísicos onipresentes na condição humana...

Seu equívoco foi deixar de vincular a realidade deslindada por si, a organização social analisada.

Agora o que nos parece evidente é que sempre que determinada sociedade assumir tais valores: Normatividade sexual, patriarcalismo, monogamismo rígido, indissolubilismo e sobretudo o maniqueismo, assistiremos a construção e afloramento dos citados complexos.

Devemos reconhecer mais uma vez, que produzidos tais complexos, não deixam de interagir no plano da cultura, convertendo-se eles mesmos em forças sociais, certamente, dentro dum plano bem mais amplo.

Continua -

Próximo tópico: As realidades existenciais e psicológicas que Marx ignorou ou as fontes internas do capitalismo.

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