terça-feira, 9 de junho de 2009

Analfabetismo científico

Não compreendo como em plena era da inclusão digital, na era do mp4, mp5, mp sei lá o quê, na era do Ipod, pode haver analfabetismo científico.

Hoje a pedido do professor Domingos, falei sobre a inteligência animal para um terceiro ano do ensino médio (antigo segundo grau).


Muitos alunos não sabem sequer diferenciar instintos de inteligência e chamam a inteligência animal de instinto.

Expliquei o como e o porquê da inteligência animal, e apenas um aluno discordou de tudo quanto eu disse sem apresentar suas razões, disse que discordava porque ele tinha sua individualidade, como se isso fosse argumento para discordar tanto de alguém como de suas ideias.


Disse aos alunos que nós geralmente os consideramos inferiores a nós, devido ao pensamento religioso exposto no livro da capa preta (Bíblia) que diz que o homem foi "feito a imagem e semelhança de Deus" (Gn 1,26). Então, se eu homem sou a imagem de Deus, segue-se que os outros animais não o são. Sendo assim, posso dispor dos animais como eu bem entender. E pessoas há que matam filhotes de cães e de gatos afirmando que estes "não tem almas", na verdade desalmados são os que dizem isso.



Foi quanto bastou para eu ser chamado de ateu. (Não encaro isso como ofensa, eu me sentiria ofendido se me chamassem de crédulo.) Pois eles confundem Bíblia com Deus e vice-versa. E até explicar que focinho de porco não é tomada leva-se muito tempo. Quando lhes disse que o ser humano é produto da evolução uma parte dos alunos ficou revoltada, não queria aceitar sua condição de animal, não queria aceitar seu parentesco próximo com os chimpanzés.



Então expliquei que a inteligência humana é apenas uma evolução melhorada da inteligência de outros animais, e que nós fomos mais felizes por evoluir de tal modo, pois os primatas nossos parentes evoluíram de outra forma.

Não neguei que Deus tenha criado o ser humano, mas para os alunos, evolucionismo é sinônimo de ateísmo. Se Deus não criou da forma em que se encontra no livro da capa preta, equivale a dizer que Deus nada criou. Os alunos em sua maioria crêem piamente que Deus criou o homem tal e qual narra o Gênesis.

Então lhes perguntei que se Deus criou o homem como narra a Bíblia, por que cargas d'água criou o homem com o apêncice vermiforme que é um órgão que não tem função nenhuma? Não seria eu idiota se fabricasse um robô com peças que não servem para nada? A única forma de não chamar Deus de tolo é aceitar a evolução. Expliquei-lhes que o apêndice é um órgão que não serve para nada a não ser para causar a inflamação que pode levar à morte. Uma mocinha disposta a defender o criacionismo disse: "não serve para nada hoje, mas poderá servir no futuro, o senhor não entende os desígnios de Deus". (os desígnios desse deus que mais parece um beduíno saído dos desertos não entendo mesmo, nem faço questão de entender.) A mocinha ao querer defender o criacionismo fez apologia do evolucionismo, ao declarar que um órgão sem função hoje poderá vir a ter uma função no futuro, confessou abertamente a evolução mágica, bizarra, mas ainda assim evolução. Nesse caso há uma evolução, o apêndice no homem de hoje (que será do passado quando o apêndice "funcionar") não funciona, mas funcionará no homem de amanhã. Então são dois seres diferentes, porque num funcionará e no outro não funcionou.

Para rematar a aula perguntei para um aluno se morcego é ave ou mamífero, e este respondeu-me que era um mamífero, então disse-lhes que a "Bíblia infalível" afirma ser o morcego uma ave conforme eles poderiam conferir em Levítico 11,13-19.


É triste saber que um jovem de seus 17 anos de idade, no último ano do ensino médio, creia nos mitos do Velho Testamento. O terceiro ano do colegial, indica que o jovem está pronto para ingressar num curso superior. Bom, confesso, 90% dos alunos são analfabetos funcionais, então não se pode cobrar que tenham conhecimentos básicos de ciências.

Infelizmente os alunos preferem crer em seus padres e pastores do que em seus professores, esses líderes religiosos são os responsáveis por esse caos mental. Termino este artigo com as palavras do cientista e escritor Marcelo Gleiser: "Se o pastor ou rabino ortodoxo tem câncer e recebe terapia de radiação, ele deve saber que é essa mesma radiação que permite a datação de fósseis com centenas de milhões de anos. É hipocrisia aceitar a cura da radiação nuclear e ainda assim negar os seus outros usos". In Folha de São Paulo - Mais! Ciência página 3 - domingo 22 de fevereiro de 2009.

7 comentários:

CH disse...

De fato, crer é mais fácil do que pensar.

Mas adoraria perguntar a seus alunos se Adão tinha umbigo. Rs.

Abraços.

Anfilóquio de Fayum disse...

Carlos

É uma boa pergunta da próxima vez farei esta pergunta: Adão tinha umbigo?

CH disse...

Fernando,

Gostei da citação do Marcelo no fim de seu texto, tanto que a coloquei em um pequeno post em meu blog.

Ainda no assunto do seu post, talvez você se interesse em dar uma olhadinha nesse post aqui: Todos estão acima da bíblia

Ravick disse...

Esse analfabetismo científico é mesmo uma constante. Eu me pergunto se ele é causado mais pela 'onde protestante' de q falamos, ou se é o opsto


(O blogspot me pediu p digitar "gente" :o)

Anfilóquio de Fayum disse...

pergunto se ele é causado mais pela 'onde protestante' de q falamos, ou se é o opsto


Eu creio que por não terem conhecimentos básicos de ciências, as pessoas se tornam supersticiosas, vivem num mundo mágico e aí procuram lugares que as satisfaça é onde entra o protestantismo pentecostal.

Ernesto von Ruckert disse...

Concordo plenamente com este desabafo, pois em meus 40 anos de magistério não tenho feito outra coisa senão tentar abrir as mentes para a reflexão, a contestação, a verificação de tudo, mesmo o que eu diga, e não a simples aceitação com um "amém" de qualquer coisa que alguém fale. Só vou um passo adiante: porque não descartar de vez a idéia de Deus?

Francisco disse...

Você se espanta com o analfabetismo científico dos alunos de segundo grau??? Amigo, eu dou aulas para o segundo grau, muitos dos alunos que recebo, no primeiro ano, são analfabetos, sem nenhuma outra adjetivação necessária.