Como disse no artigo anterior Série de entrevistas, vou entrevistar figuras históricas que admiro e o primeiro dentre eles é Gregório bispo de Nissa, irmão de Basílio Magno. Para quem quiser saber um pouco de sua vida, há uma curta biografia do entrevistado aqui.
Diário de um Bobo da Corte -DBC: O que Vossa Caridade pensa do homem egoísta?
Gregório de Nissa: Penso que tal pessoa é um tirano duríssimo, bárbaro implacável, fera insaciável, que deseja as coisas boas do banquete apenas para si. É mais feroz que as próprias feras. O próprio lobo admite que outro lobo coma em sua companhia e, sendo muitos, todos tiram um pedaço da presa. O avarento insaciável não admite que ninguém da espécie humana participe de sua riqueza.
DBC: Crê na dialética? Ela é algo real?
Gregório de Nissa: Assim, em geral, tal situação é estruturada por contradições: servidão e senhorio, riqueza e pobreza, glória e ignomínia, doença e bem-estar físico e assim por diante...
DBC: O que diria aos escravocratas do século XIX no Brasil?
Gregório de Nissa: "Eu adquiri escravos e escravas". A que preço, diga-me por sua vida! Que achou você entre os seres, que valha tanto quanto esta natureza? Por quanto dinheiro estimou o preço da inteligência? Em quanto calculou o valor da imagem de Deus? Quanto deu pela natureza que foi feita por Deus? "Façamos - disse Deus - o homem à nossa imagem, como nossa semelhança".Muito bem, diga-me quem é aquele que compra e aquele que vende a imagem de Deus, o ser que deve imperar sobre toda a terra, o ser que recebeu de Deus, como herança, o domínio de tudo o que há sobre a terra? Semelhante poder só compete a Deus e estou para dizer que nem mesmo a Deus. "Porque os dons e a vocação de Deus são sem arrependimento" (Rm 11,29). Não é, pois, o caso de pensar que Deus queira reduzir à servidão à natureza, quando tendo nós nos tornado voluntariamente escravos do pecado, ele nos trouxe de novo a liberdade?
DBC: A natureza está mais para o individualismo ou para o comunismo?
Gregório de Nissa: MEU e TEU, palavras funestas, não tinham o mínimo sentido nos primórdios da vida. Como são comuns o sol e o ar, e tudo o que vem de Deus é graça e bênção comum, assim, do mesmo modo, oferecia-se voluntariamente a um qualquer a participação do bem e não se conhecia a paixão da avareza. Se alguém tivesse menos, não odiava a quem possuísse mais, porque de forma nenhuma existia quem tivesse mais.
DBC: Os ricos (e há remediados que pensam como os ricos!) pensam que a pobreza é departamento da assistência social e das ONGs, o que o senhor pode nos dizer a este respeito?
Gregório de Nissa: Ninguém diga ser suficiente que lhes seja dado de comer em alguma colônia, bem longe de onde vivemos, onde todos eles sejam internados. Este plano, com efeito, não é prova de compaixão e de misericórdia, mas uma ideia sutil e hipócrita, que visa desterrar esses homens para longe de nossas vidas. E não nos envergonhamos de como vivemos, quando temos porcos e cães morando debaixo de nosso próprio teto, quando o caçador não expulsa de sua própria cama o cachorro, quando o lavrador não se importa de beijar o novilho? Como se isto fosse pouco, o viajante lava com suas próprias mãos as patas de seu burro, limpa o esterco e lhe prepara cuidadosamente uma cama. E aquele que é da nossa mesma espécie, aquele cujo sangue é igual ao nosso, temos menor estima por eles do que pelos irracionais.
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Fonte: LEURIDAN, Juan. MÚGICA, Guilhermo. Por que a Igreja Critica os Ricos? Edições Paulinas, São Paulo, 1983.
3 comentários:
Interessante, Félix.
EI, notei que manténs um modo de falar característico nas respostas de São Gregório, vc a escreveu conservando o modo de falar da época, ou utilizou excertos de obras dele?
Abração! :D
As respostas são mesmo de Gregório de Nissa Ipsis Literis.
As respostas foram copiadas, eu adaptei as perguntas aos textos.
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