segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Uma omissão significativa ou Jesus Cristo, Evangelho, Cristianismo e a produção do conhecimento científico

Certa vez, estando eu discutindo com um cientificista, leitor do antigo Draper, declarou-me ele incompatibilizar-se com Jesus e com os Evangelhos por conterem absolutamente nada em termos de ciência. Como homem de ciência meu amigo sentia-se consternado face a tal omissão por parte dos nossos livros santos, os quais nem mesmo lhe pareciam belos. Jesus para ser significativo deveria ter elaborado um ou outro discursinho sobre ciências naturais. Mas... O Evangelho é isto, um completo vazio em termos de imanência, e ele não aborda o tema, o tema da ciência... E nosso Evangelho não pode pretender ser um manual de ciências a exemplo do Corão ou da Tanak. Decerto nosso Jesus focaliza a transcendência, e prioriza (Como Sócrates, Confúcio, Buda...) a Ética.

Após ter ouvido as queixas de meu amigo lembrei-me do terceiro Califa 'bem orientado' Ommar Ibn Khatib. Aquele mesmo Ommar que mandou Amr ibn al Ash incendiar a famosa biblioteca de Skandarya. Sucederam tais eventos ao tempo de Sofronius, Batrak de Jerusalém (Al Kudush) - O Basileus era Heráclito - Ubaidah, o infiel, havia cercado a cidade e exigia rendição. O Patriarca no entanto recusava abrir as portas a menos que o Califa viesse tomar posse da cidade e assinar o acordo. Claro que se qualquer outra cidade fizesse tal exigência teria sido varrida da face da terra. Jerusalém no entanto era considerada Sagrada pelos agarenos, os quais acreditavam que Maomé a visitará, montado na égua branca Al Borak... Tentaram passar Khalid Aal Wallid, a 'espada' pelo Califa, mas o plano não deu certo. Diante disto o 'piedoso' e justo Ommar teve de deixar Madinat e vir a Jerusalém. Diante dele as portas da cidade santa foram abertas e o acordo assinado, com certa vantagem para os Cristãos...

Até aqui a conquista.

Na qual há um pequeno episódio, que bem ilustrará a omissão dos nossos Evangelhos ou a lacuna imperdoável nos ensinos de Jesus.

Contam os cronistas infiéis que estando Ommar em Al Kudush durante a prece a que chamam Al Zuhr, o Batrak sofronius convidou o Califa a fazer suas preces no Santo Sepulcro. Ao que Ommar recusou educadamente, declarando não ser prudente faze-lo, uma vez que os muçulmanos seriam levados e imita-lo e quem sabe tomar a igreja e transforma-la numa Mesquita. Omitiu-se assim de ali rezar para não abrir precedentes a seus comandados.

Encaro nesta mesma perspectiva a omissão de Jesus ou dos Evangelhos em torno da ciência ou da imanência e encaro-a sobretudo como um ato ou tributo de respeito face a esse tipo de saber. O qual não pode nem deve ser confundido com a Revelação divina.

Não quis, nosso Jesus, dizer uma mínima palavra sobre este tema para que futuramente os Cristãos não misturassem as coisas e revindicassem para a divina Revelação o controle da ciência, invadindo assim sua esfera e eliminando sua autonomia. E por isso temos uma lacuna significativa, a partir da qual podemos dizer: A ciência é um saber natural, cuja liberdade temos de reconhecer.

Tome agora por modelo o antigo testamento.

Cuja origem sócio, histórico, cultural é bem outra e anterior não apenas ao Evangelho, mas ao surgimento da Filosofia e da Ciência. Aquele registro não podia furtar-se a elaborar ao menos alguns discursos em torno da imanência, exprimindo-se por meio de mitos e fábulas cujas origens remontam a antiga Suméria. A Tanak dos judeus, como o Corão dos muçulmanos, possui um conteúdo de imanência destinado a substituir uma ciência que ainda não fora construída...

Foi uma necessidade e os antigos hebreus não devem ser levados a mal por isto... Estavam em sua época ou tempo. O problema são os nossos 'bíblicos' ou fundamentalistas, os quais - Negando o raciocínio e a experiência - ousam afirma-lo em pleno XXI, i é após Copérnico, Galileu, Kepler, Agrícola, Newton, Hutton, Darwin, Wegener, etc ou seja após a afirmação da Filosofia e da Ciência após o fim da Idade Média. De certo modo o problema não é a Tanak, a Torá ou o Gênesis mas a leitura irrefletida de nossos 'cristãos' alienados e imbecis...

Mal orientados acreditam eles que as partes não proféticas dos livros judaicos seja iguais o Novo Testamento ou o Evangelho - Tal a doida doutrina da inspiração plenária, a que juntam outra pior, a da inspiração linear e mesmo a inspiração verbal... E diante da presença deste discurso pré científico, que envolve a imanência, na Tanak dos judeus, concluem que a Revelação divina possui um conteúdo científico e portanto que cabe sim a Religião, a fé, aos pastores, etc intrometerem-se nos domínios da ciência e julga-la ou controla-la.

Toda esta pretensão totalitária dos sectários fanáticos deriva exatamente disto: Que encontram um discurso pré científico voltado para a imanência nos escritos dos antigos judeus. Diante disto invadem ou negam, sem maiores cerimônias, os domínios da ciência ou do conhecimento científico, anatematizando todos os que sucederam a Copérnico e nos ajudaram a compreender este mundo natural, cujas leis, tão belas, fixadas foram por Deus, pelo Deus do Evangelho.

Como a tal bíblia fixou em suas mentes o paradigma do fetichismo, com seu deus interventor e sucessivas correções, eles não podem reter o conceito básico de lei natural que vai, em linha reta, de Copérnico aos dias atuais. Então a questão aqui não é Deus - O qual é perfeitamente compreendido pelos cientistas Católicos como aquele que concebe, conduz, dirige e orienta o processo natural - mas sempre o Gênesis - Encarado como manual de ciências ou Enciclopédia, ou a letra do Gênesis, sempre naquela perspectiva mágica, irredutível a causas segundas... A mente sectária das massas parece não poder captar ou assimilar algo tão simples.

Diante desta tragédia imagine só se Jesus de fato tivesse discursado sobre o mundo natural...

Como toda essa gente tosca, deslumbrada face as soluções simplórias da mitologia hebraica, não haveria de clamar e de dizer que esta certa e que o controle da ciência pertence a religião. Como não iam misturar e confundir tudo, em benefício do fundamentalismo, do totalitarismo credal ou mesmo da teocracia...

Nós no entanto, que somos sinceros, estamos autorizados a corrigi-las, repetindo até a exaustão que nosso Jesus jamais deu aulas de ciência a seus ouvintes ou seja que ele jamais invadiu o terreno da imanência, concentrando seus discursos no mundo invisível ou no mundo futuro. Do contrário, se o discurso da imanência pertence a Revelação nosso Evangelho esta INCOMPLETO. Todavia esta ele bem completo, justamente porque a predicação científica não pertence a fé religiosa, estando os domínios da fé e da ciência eternamente separados quanto a seus objetos, pelo que jamais se confundem.

Percebo assim - E espero que você, amigo leitor, também perceba! - que esta omissão denunciada por alguns cientificistas foi intencional e estratégica, resultando dela a possibilidade dos Cristãos mais instruídos estruturaram um discurso próprio honestamente favorável a autonomia da ciência e a liberdade da investigação científica face a qualquer revindicação de controle por parte dos sectários e fanáticos.

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