sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Objetividade ética - Critério humanista

Para mim humanismo não é mera questão de opinião ou ponto de vista, mas de objetividade essencial.

Justamente por não 'admitirmos' a objetividade essencial das coisas somos absolutamente levianos, acomodados, descompromissados, insensíveis.

Graças a essa brincadeira de muito mau gosto alimentada pelo ethos burguês chegamos a duvidar da existência do ser e consequentemente da existência da pobreza, da injustiça, da miséria, da opressão, da dor e do sofrimento alheio, como o qual nos acostumamos a conviver folgadamente. Não nos empenhamos efetivamente na construção de um mundo melhor, mais justo, humano e fraterno pelo simples fato de crer que tudo não passa de aparência ou ilusão.

Para quem vive bem é fácil crer que a experiencialidade da vida alheia, da vida real e vivida, seja ilusória ou aparente.

Quem sofre sofre e por isso não esta interessado no númeno ou na coisa em si imaginada pelos filósofos de gabinete, geralmente bem vestidos e alimentados.

Ser cético face a dor alheia não é ser pensador ou filósofo. Me perdoem é ser cruel, canalha ou psicopata.

O grito de angústia do outro me faz perceber seu sentimento como real.

Chagas purulentas, farrapos, comida podre, palafitas, pontes de madeira, lama podre... é inferno real sobre a terra e sou chamado a posicionar-me face a ele ao invés de ficar diletando...

Para mim a negação do mundo implicará sempre na aceitação do mundo tal qual é e portanto em colaboração e servilismo. Aceito a realidade do mundo para empenhar-me em transforma-la.

Foi da imoderação dos céticos que partiu a negação da Ética e da negação da Ética ou do cientificismo comteano todas as culturas de morte que assombram o Ocidente. E o ceticismo com seu utilitarismo, com seu pragmatismo, com seu emotivismo e sobretudo com o relativismo crasso não lhes opôs resistência alguma. Deixou-nos indefesos face ao liberalismo crasso, o fascismo, os militarismos, o nazismo, o comunismo, etc Batemos de porta e porta pedindo ajuda a essas ideologias necrosadas e não achamos resposta alguma, apenas opressão e sórdida opressão e esmagamento do homem!

O ceticismo metafisico lanço-nos neste báratro de estruturas econômicas ou sociais e nos perdemos por completo e chegamos a negação do outro. Negamos o outro pelo dinheiro, pela raça, pela pátria, pelo partido, pela categoria, pelo gênero... Rotulamos, etiquetamos, desumanizamos...

Tudo porque lá atrás, lá no passado, algum gênio do mal ou ídolo podre declarou que nossa ética sendo meramente subjetiva, relativa e irracional não possuía qualquer padrão ou critério satisfatório.

Objetiva era apenas e tão somente a ciência material e empírica, filha das provetas e tubos dos laboratórios.

Como a Ética não fraciona, não conta, não mede, não pesa, não prevê... passou a ser identificada com os costumes ou preconceitos legados pelo passado remoto ou como resíduo transmitido a estes tempos áureos de par com as superstições mais degradantes...

No entanto era necessário substituir a Ética por alguma coisa. A princípio escolheram a 'deusa' razão. Mas o racionalismo de Voltaire, Rousseau, Diderot, Maine du Biran, Jouffroy, Damiron, Cousin, Renan, etc continuava remetendo os homens a um Ser Supremo e Legislador Eterno. Derribaram-na e entronizaram em seu lugar a ciência, e em seguida o capital, a pátria, a raça, o partido, etc E um deus foi derrubando e devorando seu predecessor... Alguns deuses apenas definharam, outros ressuscitaram quase que miraculosamente; e chegamos a esta luta inglória entre 'pés de barro' que consome as energias do mundo ocidental enquanto o abutre do islã permanece a espreita. A espreita duma civilização, que a semelhança do antigo Império romano, fragiliza-se dia após dia...

Quando encaro a infeliz Europa infeccionada pelos germes cadavéricos do ceticismo, do relativismo, do subjetivismo e das culturas de morte, ocorre-me a imagem horrenda do menino etíope, esquelético, observado pelo abutre faminto.

E ai esta o abutre... Lá em Paris o islamismo, aqui o pentecostalismo, nos EUA o Belt Bible...

Talvez a única liberdade que tenhamos seja a de escolher o monstro porque seremos devorados.

No entanto como ainda não morremos, não demos o último suspiro, não soltamos a respiração, não fomos devorados, temos ainda esperança.

No vestíbulo ainda do inferno de Dante resta-nos ainda um pingo de esperança.

E acreditamos que o cidadão ocidental, superando os preconceitos americanistas e pós modernos (que são o câncer desta civilização moribunda), será cada vez mais de contemplar seu passado, seja ele medieval ou clássico, e reencontrar-se nele ao descobrir as fontes e o sentido de sua cultura original.

Nestes tempos há quem aposte em Marx, em Mises, em Rootbarth, em Stirner, em Lutero, em Calvino, em Nietzsche, em Durkeim, em Dawkins, em Trump... Nós esperamos decididamente em dois derrotados: Num envenenado e num fugitivo ou seja em Sócrates e em Aristóteles, aos quais bem poderíamos adicionar um revolucionário e contestador supliciado nos confins da Judeia. São nossas fontes de inspiração juntamente com o já citado Marx, Weber, Darwin e especialmente Mestre Freud.
A eles: Sócrates e Jesus é que tomamos nosso critério ou padrão de Ética: O homem, sua vida, sua dignidade e sua liberdade.

Pois quando discursamos sobre este homem discursamos sobre nós mesmos lançados que fomos na mesma condição.

Todos conhecemos de perto a dor e a aborrecemos. Todos conhecemos por experiência o prazer e o desejamos, embora não sob a mesma forma!

O problema aqui não é a busca pelo prazer ou a fuga face a dor.

O problema é o outro.

O outro e nossa busca pelo prazer. O outro e nossa fuga face ao sofrimento.

Podemos sacrificar o outro, que é semelhante a nós, tendo em vista a aquisição do prazer ou a eliminação da dor?

Podemos usar o outro para adquirir o prazer ou suavizar a dor?

Podemos por de lado o elemento humano e cogitar apenas na dor e no prazer como fenômenos abstratos?

Qual deveria ser nossa intenção, a intenção reta, a intenção pura?

Como identificar-se é reconhecer a semelhança e admitir que também o outro foge a dor e busca o prazer, a reflexão é pertinente.

Na vida vivida em que fomos lançados isoladamente conseguimos muito pouco e sempre temos laços de dependência mútua.

Assim se hoje os outros dependem de nós, amanhã bem poderemos depender deles.

E quase sempre esperamos algo dos outros.

E até calculamos o que devemos fazer para agradar os outros e ser favoravelmente satisfeitos.

Tendemos a confiar na reciprocidade.

É uma tendência natural esperar o melhor do outro, especialmente quando nos adiantamos e beneficia-mo-lo.

Quantas vezes não recebemos nada do que desejamos justamente porque nada demos e fizemos por merecer?

Neste sentido adiantar-se e beneficiar o outro - ao menos desde que não haja dano ou prejuízo para nós - parece ser a atitude ou critério mais sábio.

Pois se tratarmos os outros como desejamos ser por eles tratados e portanto sempre que possível for amável e benignamente, honramos a natureza comum.

Ademais na medida em que nossas atitudes forem sendo imitadas pelos demais e a corrente do bem tornando-se mais densa as chances de sermos nós mesmos beneficiados irão se tornando bem maiores. Trata-se portanto dum princípio que se levado a sério melhorará a vida de todos.

Da mesma forma, se esperamos que não nos façam quaisquer males comecemos abstendo-nos de fazer mal aos outros. De modo que nosso exemplo venha a ser imitado e o mal entre em declínio.

Evidentemente que este padrão de comportamento nos remete a espécie ou gênero humano em termos de solidariedade.

Ao fazer mal a mesma qualidade que esta no outro faço mal a mim. Pois pela razão, a liberdade, a vontade, a percepção, etc estou no outro e sou um com ele. E ao beneficia-lo beneficio a mim mesmo.

Assim nosso padrão ou critério será o homem ou melhor ainda a humanidade, a espécie humana; e tudo quando a favorece.

Agora quais os bens mais caros e preciosos ao homem?

Antes e tudo a vida! Condição primária para que tenhamos acesso a todos os outros bens oferecidos pelo universo. Não há como ter acesso ao prazer sem estar vivo.

Assim a Ética da pessoa valorizará antes de tudo a vida, e se oporá decididamente a morte, assim ao assassinato e assim a pena capital (embora aqui possam ser feitas algumas exceções).

No entanto esta vida deve valer a pena. Devendo ser digna para ser prazerosa.

E por dignidade devemos considerar antes de tudo a ausência de dor.

Sob pretexto algum seria lícito fazer o outro sofrer, assim profanar-lhe o corpo, mutilar seus membros e tortura-lo. É crime dos mais perversos e abomináveis digno apenas de psicopatas e povos bárbaros.

A integridade do corpo, seguem-se em matéria de dignidade humana a saúde, a alimentação, a vestimenta, a habitação e o lazer.

Abster-se-a o homem virtuoso de comprometer direta ou indiretamente a saúde, a alimentação, a habitação e o ócio alheios. Jamais poderá subtrair remédios, comida, bebida, roupa, brinquedos, etc aqueles que os tenham adquirido honestamente e deles façam uso.

Agora como tais bens costumam ser adquiridos pelo próprio sujeito as custas do valor auferido pelo trabalho que exerce, chegamos a questão da propriedade pessoal. A qual jamais deverá ser confundida com a posse dos meios de produção, esta sempre poderá ser questionada e ter sua legitimidade negada; aquela jamais. A propriedade pessoal é sagrada e inalienável e sua apropriação por particulares ou pelo Estado um crime abominável.

Por propriedade pessoal definimos os proventos obtidos por meio do trabalho. Assim o salário ou estipêndio, bem como todos os objetos ou coisas adquiridos a partir dele. Portanto se um imóvel foi comprado por um trabalhador com as economias advindas de seu trabalho temos propriedade pessoal e portanto intocável. O homem virtuoso jamais ousará apropriar-se de qualquer objeto adquirido as custas do suor alheio, assim não furtará.

Obviamente que isto não toca a questão da herança, do excesso, do acúmulo, etc mas apenas das propriedades e bens adquiridos com o suor do trabalho e USADOS pela família.

Claro que tudo isto nos leva a questão da justiça pessoa e social.

Em termos clássicos definimos a justiça como dar a cada qual aquilo que lhe pertence. Isto apenas é certo, correto e direito.

Aquele que trabalhou e produziu pertence ao menos parte da produção em termos de valor. Como aquele que plantou uma árvore e dela cuidou merece colher os frutos e degusta-los. E aquele que semeou o trigo e por ele velou pertence o direito de ceifa-lo e converte-lo em pão. E aquele que adquiriu a uva e transformou-a em vinho em seu lagar, a felicidade de bebe-lo.

O compromisso do homem com a justiça implica questionar sempre se as pessoas estão tendo acesso aos bens que ajudaram a produzir, e a analisar e a questionar a repartição dos bens.

Há por fim aquela Ética atinente a liberdade humana ou a auto determinação da pessoa e que diz respeito a suas escolhas. Implica admitir que as pessoas possam exercer o ofício que bem quiserem, acreditar no que quiserem (ou não), expressar-se como desejarem e determinar o que haverão de comer, beber, trajar, ouvir e com quem haverão ou se haverão de casar ou com quem haverão de transar... etc, etc, etc.

Como todos desejamos ser livre e determinar nossas vidas é perfeitamente compreensível do ponto de vista racional, que reconheçamos a liberdade alheia. Afinal na mesma medida em que aspirarmos dominar os outros, outros aspirarão dominar-nos. Então o menor é que respeitemos as liberdades uns dos outros numa perspectiva comum. Claro que a dimensão da liberdade tem um limite bastante preciso: A vida, a dignidade alheia e os imperativos da justiça. Grosso modo podemos dizer que a pessoa tudo pode exceto causar dano ou prejuízo ao outro.

Chegamos assim ao supremo critério de ética.

Se o padrão é o outro e aquilo que o outro teme é a dor ou o sofrimento, segue-se que posso fazer absolutamente tudo quanto me der na telha, desde que não atinja ou acometa o outro.

Por este critério temos o fim da moralidade enquanto costume arbitrário e a consagração de uma ética essencialista, humanista e racional.

E temos como saber perfeitamente que a norma: "Não vestireis ao mesmo tempo roupas de lã e linho." em termos de Ética não faz sentido algum pelo simples fato de que a associação dos dois tecidos não prejudica a quem quer que seja.

Dá mesma forma o preceito: "Proibido comer coscorões." torna-se igualmente irrelevante pelo simples fato de não tocar ou atingir a pessoa humana.

Já a recomendação para amar, beneficiar, respeitar e tornar felizes o maior número de seres humanos converte-se em imperativo categórico, num mandamento ou numa necessidade.

Promover o outro em todos os sentidos e sob pretexto algum incomoda-lo. Aqui temos uma regra de ouro.





Nenhum comentário: