sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Resposta as objeções de Hume - Uma ética essencialista/humanista

Este artigo tem por objetivo responder, de modo claro e sucinto, as objeções lançadas contra o essencialismo Ético ou realismo moral (subentenda-se ético) por David Hume e reforçar a defesa do padrão humanista.

A tarefa é de suma importância uma vez que segundo o há citado J Rachels "Pensamos que a escravidão corresponde a uma injustiça e que aqueles que pensem de modo diverso estejam errados... MAS NÃO É FÁCIL DEFENDER O PONTO DE VISTA DO SENSO COMUM."

Todavia em lugar de ESCRAVIDÃO - assumido o ponto de vista de Hume ou dos céticos - você pode ler qualquer coisa: Estupro, tortura, assassinato, pedofilia... que tudo continua sendo opinião defensável. Noutras palavras, as pessoas que discordam de nossa opinião negativa, a respeito do estupro, da tortura, do assassinato, etc não devem renunciar a tais desejos por estarem erradas, mas apenas e tão somente abster-se de coloca-los em prática tendo em vista sua criminalização pela lei e o risco de serem presas pela polícia e encaminhadas as autoridades.

Agora imagine amigo leitor que fariam tais pessoas caso as condições - assim o poder ou a posse das riquezas - as colocasse acima da lei ou as impedisse de serem descobertas ou pegas?

Noutras palavras, sendo incapaz de convencer ou de persuadir internamente o sujeito, a convenção social depende sempre de constrangimento externo ou força física para forçar o comportamento. A convenção supõem sempre a existência se polícia, comarca, exército e estado para manter-se e portanto de condições ideais. Em casos extremos de anomia, como revoluções, guerras, epidemias, catástrofes naturais, etc a moralidade cética da convenção desaparece e o homem converte-se em lobo do outro homem. Pois falta-lhe qualquer critério exterior a si mesmo e ao estado.

Não, não é fácil defender o ponto de vista do senso comum segundo o qual a escravidão ou o estupro correspondem a males essenciais e não a males relativos ou subjetivos. MAS CORRESPONDE A UMA NECESSIDADE IMINENTE ou teremos uma Ética ilusória e aparente.

Daí a necessidade de darmos uma resposta contundente aos problemas levantados pelo epistemólogo inglês -

Então vamos a eles:

  • Problema ontológico ou atinente ao ser: Será que existem fatos morais?

"Caso realizemos um inventário a respeito do quanto encontramos no mundo damos com pedras, árvores, átomos, estrelas, etc ... mas não encontramos o bem ou o mal, a justiça ou a injustiça, etc"

É evidente que aqui estamos diante do vezo materialista, e miseravelmente defendido pois certamente não chegamos a encontrar todas as entidades materiais que existem no universo. As quais existem mesmo sem que tenhamos qualquer conhecimento delas.

No entanto falamos bastante a respeito do bem e do mal, apenas não os localizamos em qualquer lugar ou ponto do universo. Justamente porque não se tratam de objetos, coisas ou elementos materiais.

Diante disto principiamos concedendo e sem maiores dificuldades que não existem fatos morais ou que a ética esteja dentro dos objetos ou das coisas enquanto parte deles.

O Juízo moral é julgamento que parte sempre de seres livre e racionais ou de seres humanos tendo em vista uma relação que encontra-se fora deles.

É um juízo que parte de princípios e valores existentes no interior do homem e direciona-se para eventos ou fatos que acham-se fora dele.

Isto por que os juízos verdadeiramente éticos, incidem sempre sobre as ações de outros seres humanos ou a interação entre seres humanos e seres humanos bem como a interação ser humano e determinado objeto.

É juízo, e portanto ato interno e mental, não externo e material, que incide sobre uma relação humana qualquer e não sobre objetos ou coisas. É juízo que tem por fim julgar as ações postas em prática por outros seres humanos.

Evidentemente que este juízo depende de um ser material, racional e livre para existir. Donde o juízo ético é fenômeno psicológico ou mental existente no ser humano e que tem por escopo levar este mesmo ser a posicionar-se face a atuação alheia igualmente racional e livre.

Portanto o que existem são fatos externos ou relações externas ciadas pelo homem, as quais são objeto de avaliação por outros seres humanos, avaliação que se dá a nível interno de consciência.

Quanto valorativamente avaliado por alguém é que as situações externas de relação adquirem um 'status' ético. Não se convertem em fatos éticos mas ficam sendo sempre atos humanos relacionais eticamente considerados. Assim a relação é sempre um fato e fato material: Pedrinho matou o gato, e o juízo moral, fenômeno mental e igualmente factual: Ana julga que Pedrinho cometeu um ato condenável. Este juízo imaterial existe verdadeiramente na consciência de Ana.

 “Pense-se em qualquer ação malévola: um assassínio premeditado, por exemplo. Examinemo-lo sob todos os prismas e veja-se se conseguimos a questão de facto ou a existência real para aquilo a que chamamos vício. Seja qual for o modo como a ação foi executada apenas encontraremos certas paixões, motivos, volições e pensamento. Não existe qualquer questão de fato neste caso." continua Hume
Se o fato é um assassinato, podemos defini-lo objetivamente como supressão da vida humana. É justamente este fato de suprimir a vida alheia que é objeto de juízo ético ou valorativo, não o modo ou a forma como a vida é tirada, mas por sinal o simples desejo ou intenção de suprimi-la. O malignidade incide sobre a ação externa, real e positiva de eliminar a vida alheia. Se a vida deve ser encarada como um bem e fonte de todos os demais bens, é evidente que sua eliminação corresponde a um mal...



  • O problema epistemológico - Como identificar os tais fatos morais?


"Em ciência distingue-se a existência de coisas pela observação e experimentação, ou talvez através da inferência a partir de observações e experiências. Em matemática há demonstrações. Na vida comum confiamos na percepção comum. Mas os factos morais não são acessíveis através de qualquer um destes métodos familiares..."

Uma vez que os fenômenos avaliados pela ética são sempre fenômenos humanos de relação, todos são perfeitamente observáveis e acessíveis aos sentidos.

Assim "Hitler mandou massacrar seis milhões de Judeus." ou "Eduardo Cunha mentiu sobre as contas existentes na Suíça." são fenômenos de relação, pois Hitler matou alguém e Cunha mentiu a Alguém. 
Aos atos relacionais segue a avaliação ética em torno de determinados princípios e valores. A confecção ou elaboração de um juízo ético pela consciência.


  • O problema da motivação ou da intencionalidade.


    Segundo Hume enquanto a razão é um princípio neutro, a Ética é levada a influenciar a vontade. Donde se segue que sua fonte é o sentimento ou a emoção e não a razão. As regras da moral não procedem da razão.


    Curioso que os kantianos, neo kantianos e 'modernistas' continuem a reproduzir as lições psicológicas fornecidas por Hume cem anos antes de que a Psicologia se converte-se em ciência.

    De fato a teoria dos setores compartimentados e coordenados da mente ao menos em certo sentido, baixou a sepultura com a psicologia clássica e ainda que não tenha sido completamente substituída pela psicanalise teve de ceder lugar a reformulação elaborada por Kofka e Kohler nos termos tanto mais realistas e complexos da gestalt.

    Aqui Kant deitou e rolou e mesmo Aristóteles concedeu sem maiores dificuldades que a razão deve ser exercitada ou educada para não ceder levianamente aos apelos da vontade. Sem no entanto declarar que os sentimentos são sempre e necessariamente irracionais. Tal o problema análogo da Intuição, que já foi definida como operação racional inconsciente e por isso mais acelerada.

    Agora consideramos que o juízo ético tem por objeto as ações alheias.

    Digo das ações livre e conscientes. Pois o que não foi realizado consciente e livremente não possui qualidade ética.

    O que julgamos são as atitudes alheias com base em determinados princípios e valores.

    Importa saber se tais princípios são arbitrários e irracionais, enquanto resíduos de cultura ou resultado de convenção, ou racionais enquanto tomados a vida.

    Nós somos pela racionalidade dos princípios Éticos bem compreendidos.

    Agora por que bem compreendidos?

    Chegamos aqui ao nervo da questão que é a distinção entre Ética e moral.

    (Nós mesmos empregamos ambas as expressões como equivalentes, seguindo o senso comum ou opinião popular)

    Lamentavelmente muita poeria tem sido lançada sobre o tema com o premeditado intuito de obscurece-lo.

    Mas ficaremos com a definição corrente e mais divulgada: A moral diz respeito a costumes, ex: Tirar o chapéu diante dos mais velhos, descobrir-se a mesa, usar garfo e faca, não chamar nomes, evitar usar roupas curtas ou expor certas partes do corpo, etc

    E CONCEDEMOS QUE A MORAL É CONVENCIONAL, CAPRICHOSA, ARBITRÁRIA E IRRACIONAL...
          Por isso que não estamos abordando o tema da moral ou dos costumes, o qual para nós é abso-
          lutamente irrelevante.

          O que estamos a discutir aqui são conceitos éticos ou seja princípios e valores expressos pelos             termos: Bem e mal, certo e errado, justo e injusto; e assim pelas virtudes do bem, da verdade, 
          da justiça, etc E por certas ações humanas atinentes a vida e ao trabalho: assassinato, roubo,
          traição, mentira, etc É a respeito de tais conceitos, virtudes e ações que falamos e não sobre 
          costumes ou modos externos de ser.

          Assim se avaliamos as ações humanas por meio de determinados princípios e valores que a 
          reta razão afirma como excelentes, nada mais justo e ainda racional, que mover a vontade para
          por em prática as mesmas virtudes e valores. Pois o princípio da coerência também emana da
          razão.

          Ademais se consideramos que este ou aquele princípio procede da reta razão, é perfeitamente             normal que busquemos consagrar-lhe todos os aspectos da personalidade e assim a afetividade.
          Assim o que é racional é bom e o que é bom deve ser amado. Por isso vemos com absoluta na-
          turalidade a virtude atrair os sentimentos e os sentidos fixarem-se na virtude. Nada mais con-
          forme a natureza do que a razão despertar o afeto, o amor, simpatia, e trazer jungido a seus
          pés o império da vontade.

          Os homens buscam viver eticamente justamente porque estão convencidos de que os princípios
          e valores que norteiam a ética são racionais, reflexivos, essenciais, verdadeiros e não arbitrários
          como as normas e regras impostas pela moral.

          Por fim é a Ética lei universal presente na consciência humana com o objetivo de regular a
          vontade livre direcionando-a para aquilo que é bom e virtuoso. Dai seu caráter normativo - 
          I Kant diria de "Imperativo categórico" - e não meramente descritivo e a gosto dos positivis-
          tas. Uma Ética meramente descritiva seria simplesmente impossível uma vez que sua tarefa é
          a elaboração de juízos de valor, de juízos ideais sobre aquilo que deve ser. 

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