quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Problemas de democracia pura ou direta - Era Políbio um sabotador?





Quando penso no impacto ou melhor no incomodo ou no pavor produzido pela ideia de democracia direta em certas mentes o único equivalente que me ocorre é a afirmação do Jesus Revolucionário em oposição ao rabino embiocado da tradição conformista...

Em certas rodas emancipadas discorrer sobre a democracia direta é ofício tão amargo quanto discorrer sobre o Jesus 'Evangélico' i é feminista, socialista, não homofóbico, etc num ambiente sectário...

Isto porque vivemos numa civilização oficial ou aparentemente democrática!

No entanto para muitos nosso enfoque ainda corresponde a um tabu ou a uma utopia e não poucos desmiolados ensaiam relaciona-lo com Marx, Engels ou o odiado espantalho do Comunismo. Quando estamos falando em Clístenes... outra lingua, outro departamento.

E no entanto a evolução atinente aos meios de comunicação e transporte bem como criação da Internet torna essa realidade tão perseguida não apenas possível mas perfeitamente viável e o Demoex constitui apenas um exemplo neste sentido.

O mundo virtual é que haverá de franquear acesso ao universo da democracia direta tornando possível sua construção.

Não é que antes sua construção fosse impossível.

A construção da democracia direta jamais foi impossível.

Ser indesejável ou inviável a qualquer título não comporta impossibilidade.

A construção era possível porém em termos bastante restritos ou diminutos, resolvendo-se desde o tempo dos gregos na cidade/estado, e até podemos dizer que a cidade/estado era a 'cruz' da democracia direta.

Pois a afirmação da cidade estado dependia - e sempre dependerá - da demolição do macro estado ou do estado nação.

Aparentemente nada mal até aqui.

Destruamos o macro estado ou o estado nação.

Acontece 'coisa meiga' que não existe apenas um estado nação ou macro estado abstrato, mas praticamente duas centenas de países ou de estados nações espalhados pelo mundo.

Qual deles você espera destruir primeiro?

A indagação é pertinente porque quando você destruir o primeiro macro estado ou estado nação e decompo-lo em dezenas ou centenas de comunidades regidas segundo o princípio da democracia direta, deve estar pronto para aguentar o repuxo dos países vizinhos, os quais de imediato tentarão submeter as pequenas cidades/estado buscando aumentar seu próprio território e poder.

Assim ao aniquilar um estado nação sempre podemos estar alimentando um estado nação ainda maior ou um Império. Trotsky bem sabia que um estado cuja economia seja diferenciada e bem sucedido tende a produzir alterações no Mercado global. Daí a necessidade de por meio da força desmontar qualquer pais ou sociedade socialista ou de economia alternativa e não integrada. A implantação de um novo modelo econômico não capitalista deverá acontecer em esfera global pelo simples fato de que o capitalismo é global. Do contrário os países dominados por esta ideologia não hesitarão atacar aqueles que se desviarem... Em certo sentido é a mesma dinâmica que toca as cidades/estado ou as pequenas comunidades auto geridas.

Ou o modelo das cidades/estado será universalmente adotado ou malogrará sucumbindo a ambição dos demais estados, dos estados imperialistas. Em certo sentido os países ou macro estados anulam a força ou o poder um dos outros e intimidam-se mutuamente pela relativa proximidade do tamanho. No entanto entre os macro estados e as cidades/estado a disparidade chega a ser assombrosa e a ameaça de dominação real.

Triste mas real, criem uma reserva indígena autônoma em qualquer lugar do mundo, reconheça e afirmem sua independência e não dou um ano para que não venha a converter-se em base e província dos EUA. O mesmo argumento vale igualmente para a criação de comunidades auto geridas ou das cidades/estado segundo o modelo grego.

O que nos leva ao historiador Políbio, o qual bem poderia ser classificado como sabotador da democracia pura ou absoluta, sujos méritos não reconhece, propondo uma solução mista (vide artigo anterior). Não Polibio mesmo sendo grego não apreciava a democracia direta. Pois conhecia melhor do que ninguém a experiência grega.

Certamente não fora a democracia que produzira a cidade/estado. A cidade/estado certamente precede a democracia e lhe serve de cenário. E ela nem fora um problema até o momento em que as ondas do Imperialismo oriental, no caso persa, chegaram as praias do mar Egeu.

Até o século VI a C viviam os europeus, inclusive os gregos, isolados dos mundo 'civilizado' em seus rincões paradisíacos. O mundo oriental no entanto 'girava' já há vinte e cinco séculos, desde os tempos dos Sumérios e Egípcios e desde os tempos de Sharukin senhor de Agadê ou do grande Faraó Tutmósis III buscavam tais povos dominar uns aos outros e unificar o governo sob o 'Imperium'. Pouco antes dos Persas os ferozes assírios - comandados pelo fabuloso Sardanapalo (Assurnabipal) haviam consagrado todas as energias de seu pais a este ideal e depois deles, por algum tempo, os babilônicos de Nabu kuduri Usur. 

No entanto se qualquer algum deles teve conhecimento sobre a existência da Península balcânica e seus habitantes, certamente que jamais pretendeu conquista-la. Sobretudo tendo um Egito ou uma Caldeia assim tão perto... Aquilo sim compensava pelo substrato de riquezas ou mesmo de cultua acumulada. Não a Grécia com suas montanhas e terras infecundas, alias igualmente pobre em termos de cultura.

Dia veio no entanto em que o Império posterior ao Babilônico acabou estendendo suas fronteiras orientais até o Indo e as Ocidentais até a Lídia (na Ásia menor), pátria de Creso, e em fim a um grupo de cidades jônias situadas a borda do Mar Ocidental. Apesar de terem esboçado alguma resistência tais cidades foram logo adicionadas pelo Império, o qual havia por assim dizer chegado a seus termos. No entanto Império algum atinge seus termos enquanto haja terra para ocupar ou reino para conquistar. E para a infelicidade dos gregos peninsulares a China achava-se bem mais distante de Susa ou de Persepolis. De modo que a opção mais viável era a Grécia peninsular, isto no dealbar do quinto século a C.

Quando o poderoso Império Persa lançou suas cobiçosas vistas sobre a pequenina Península balcânica, ela já se achava coalhada de pequenas cidades rivais umas das outras. Em Atenas, uma das maiores e mais promissoras a democracia fora estabelecida por Clístenes há quase vinte anos, assim em outras tantas cidades embora algumas ainda correspondessem a monarquias e outras fossem comandadas por algum tipo de aristocracia. No entanto a democracia era a ideologia do momento e propagava-se como uma epidemia através dos apóstolos enviados por Atenas o que não deixava de produzir sedições e certo tumulto...

No entanto os atenienses obtiveram a vitória em Maratona. Quando a Dário foi repousar com seus pais pouco tempo depois.

Todavia, desde aquele momento Xerxes, mais prevenido e menos entusiástico, não pode mais retirar suas vistas da Grécia. No entanto, ainda mais uma vez, Atenas e seus parceiros obtiveram arrasadora vitória em Platéia e Salamina. Desde então o Império dos Persas recolheu-se e limitou-se a observar o campo rival.

De fato os belicosos atenienses haviam contido o gingante persa, mas de modo algum abatido-o e não podiam os gregos separados em pequenas cidades estado cogitar em conquista o Império Persa. Diante disto sucedeu a boa parte dos cidadãos gregos, inclusive a parte dos atenienses, a ideia de unificar politicamente o pais.

Somente unificada poderia a Grécia conquistar o Império Persa e livrar-se duma vez para sempre daquela ameaça que jamais cessará de espreita-la.

Além das divergências em torno do regime e da forma políticas, a ideia da unificação converteu-se num elemento a mais de desarmonia entre os gregos e assim as arbitrariedades e ambições imperialistas de Atenas e disto resultou o que havia de pior para os gregos: A oposição e a guerra (e portanto a vulnerabilidade e o desguarnecimento) ao invés da acalentada unidade, cada vez mais distante.

De fato a Guerra do Peloponeso foi um evento desastroso que não deixou de repercutir em muitas consciências. Os gregos já sabiam e a muito tempo que a prática da democracia num contesto politicamente unificado seria impossível, todavia, foi o conflito entre as cidades que tornou este tema por assim dizer muito mais agudo, convertendo-o numa espécie de dilema.

E o dilema foi posto nos seguintes termos: Unidade Política ou Democracia?

Seguiu-se um debate que prolongou-se por quase setenta anos.

Entrementes as lutas fratricidas entre as cidades prosseguiam e dentro de diversas cidades as turbações causadas pela sucessiva troca das formas de governo. Era um pandemônio e muitos cidadãos achavam-se extenuados. Outros tantos cidadãos temiam por um ataque iminente dos persas. Apenas a sorte ou seja as condições igualmente precárias do Império impediram que a Grécia fosse conquistada durante o século IV a C.

Foi quando apareceu Alexandre.
Alexandre era bárbaro pelo nascimento posto que macedônio i é não grego. No entanto fora educado por Aristóteles e por isso culturalmente grego e em certo sentido herdeiro das tradições helênicas. Tal e qual seu pai, homem de visão, Alexandre percebeu que assim que o Império se recuperasse, logo na primeira oportunidade conquistaria a Grécia e daria cabo da cultura grega. Era um risco potencial e só poderia ser evitado caso a Grécia somando forças atacasse e conquistasse o Império.

No entanto, devido as cidades/estado e ao regime democrático a unificação de dentro para fora era impossível. Separados pela democracia e pelos limites de suas cidades os gregos jamais chegariam a qualquer acordo. Foi quando o príncipe Alexandre, filho de Filipe, um macedônio, um bárbaro, um profano, decidiu conquista a Grécia e unifica-la de fora para dentro, a revelia de seus cidadãos.

Que Alexandre tenha deliberado conquistar a Grécia e unifica-la não nos deve surpreender. Alias se ele não o fizesse os persas o fariam.

O que nos deve surpreender e pede explicação é a pouco e quase nula resistência esboçada pelos gregos, inclusive pelos atenienses, zelosos defensores das tradições democráticas. Para Alexandre conquistar a península foi quase como colher um fruto maduro. Entrou pacificamente na maioria das cidades quando não foi aclamado por seus habitantes. Em Atenas não foi demasiado diferente apenas Demóstenes disparava seu verbo solene em favor do liberalismo político e da democracia! E que verbo! Em situações bastante raras o verbo revestiu-se de formas tão belas até a sublimidade. Todavia como não é dado a palavra e mesmo a beleza disputar com a realidade das coisas, venceu o partido de Ésquines. E o bárbaro Alexandre foi aclamado como libertador e herói no santuário da democracia.

Para alguns foi a suprema profanação, para outros no entanto a conquista de Alexandre e unificação política constituiu de fato um progresso. Parafraseando o apóstolo Paulo diriam alguns que a democracia antiga ou grega das cidades/estado precisava morrer, a semelhança do grão de trigo, para germinar, brotar e renascer com maior vigor nas sociedades futuras.

Então o significado dos gregos em geral e dos atenienses em particular terem acolhido tão benevolamente ao príncipe macedônico coloca-se nos seguintes termos: Ou mantinham a democracia, as cidades/estado, a divisão e o conflito, e ficavam vulneráveis face ao colossal império persa, pondo em risco a totalidade de sua cultura e visão de mundo (admitindo-se que os persas submetessem a península) ou sacrificavam parte desta cultura, a saber a democracia e a existência das cidades/estado, deixavam-se conquista e unificar por um príncipe helenizado (ou culturalmente grego) e davam cabo do odioso Império Persa.

Claro que a maior parte dos homens ponderados optou pela segunda alternativa: Sacrificar a democracia para salvar o restante da cultura. Poucos dentre eles mostraram-se dispostos a manter autonomia das cidades, mesmo sabendo que era condição 'sine qua nom' a democracia não podia subsistir. Como num avião que perde altitude alguma coisa tinha de ser lançada fora para aliviar o peso e naquela conjuntura a melhor coisa a ser lançada fora era a rivalidade existente entre as pequenas cidades e juntamente com elas a democracia. Viabilizar uma democracia direta em larga escala é o que os antigos gregos não podiam com os rudimentares meios de transporte e comunicação que possuíam. Se ao menos contassem com rádio, TV, Internet... Mas não contavam. Uma democracia de proporções maiores do que uma cidade era inviável, utópica e até prejudicial por jamais poder estender-se para além da cidade e fazer frente aos grandes reinos e Impérios bárbaros.

Desde então ficou o conceito de democracia sob sua forma pura, legítima ou direta associado ao espantalho da 'cidade/estado' e como tal sujeito as mais severas críticas por parte dos pré cientistas políticos, dentre os quais Políbio, para quem a forma romana, impura e mitigada de democracia, existente dentro de um sistema misto era bem mais atraente pelo simples fato de poder ser posta em prática numa escala mais ampla. Pois o Senado romano é aristocrático e representativo, apresentando-se já a solução inglesa da representatividade proposta por J Locke. Antes da Internet um ideal de macro democracia relacionado com um estado nação ou macro estado, devia ser necessariamente representativo. Ainda hoje imitamos mais aos romanos do que aos gregos, embora já possamos imitar os gregos e retomar seu ideal de democracia direta ou pura.

Portanto mais do que vil sabotador, Polibio foi um critico realista, salientando os obstáculos naturais a democracia direta, segundo as circunstâncias daquele tempo e a História da antiga Grécia, que conheceu como poucos. Assim se aspiramos pela implantação da democracia pura e direta no macro estado convém analisar e ponderar sobre a crítica estabelecida pelos antigos.


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