sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O positivismo, o ceticismo, a estatolatria e a objetividade da Ética

Eis que retornamos, pela enésima vez, ao tema da Ética.

Pelo simples fato de acreditarmos, com Sócrates, no primado de Ética e, consequentemente em sua objetividade.

A guiza de introdução a este artigo, segue um pequenino resumo da problemática, na perspectiva histórica elaborada por James Rachels 'A questão da objetividade em Ética' (o resumo é livre):

A questão da objetividade em Ética não é nova mas tão velha quanto a própria Filosofia.

A própria 'missão' de Sócrates, incluia fazer oposição cerrada ao relativismo Ético e sustentar a essencialidade do tema.

Foram os céticos que pela primeira vez identificaram a Ética e a moralidade com a cultura, as leis, os costumes ou convenções sociais.


Na 'República' de Platão, Trasímaco esboça a opinião segundo a qual o bem e o mal não passam de palavras vazias destinadas a reforçar a opressão dos fracos por parte dos fortes. As leis não passam de expressão da vontade do mais forte e cada qual busca sempre seus próprios interesses.

Disto decorre não haver qualquer fenômeno ético em termos de essência, nada há na natureza das coisas que que torne uma ação boa e outra má.


Daí Pirro de Elis asseverar que 'Nada é honesto ou desonesto, justo ou injusto, bom ou mau, tudo quando existe é convenção, preconceito, opinião e nada mais.'


Mais um passo além foi dado pelos céticos modernos, como Hobbes, para quem os juízos morais nada refletiam além do gosto ou das preferências do individuo.

No entanto o campeão dentre os negadores da vida Ética outro não foi que o cético David Hume, o qual identificou os juízos éticos com eventos traumáticos e complexo de culpa.
Até aqui reprodução livre do texto de Rachels

Há ainda aqueles que desde da antiguidade - como Aristipo, Alexandre e outros - teem identificado o bem com o prazer, físico ou sensível inclusive, e o mal com a dor ou o sofrimento.

De que resultaram as escolas utilitarista. Aqui o bem estaria relacionado com aquilo que é útil, segundo Benthan, ao indivíduo; e segundo Mill, a espécie humana. O foco do pragmatismo de W James também é a utilidade do ato sem consideração de 'conceitos' ou 'teorias'. No entanto o julgamento de um fato parte sempre de princípios e valores, conceitos e teorias; mesmo quando tomamos o interesse da humanidade como padrão, estamos afirmando o homem, sua vida e sua dignidade como padrão e portanto formulando uma teoria humanista.

Hume por ser cético completo e solapar a credibilidade de nossas experiências e do conhecimento científico pôs muita gente em guarda e jamais obteve aceitação geral nos domínios da Filosofia.

Houve no entanto, quem partindo dos preconceitos anti racionais e anti aristotélicos de M Lutero, tomasse a peito adoçar ou suavizar a doutrina de Hume apresentando ao mundo um semi ceticismo bastante arrevezadinho e coberto com vernizes idealistas. Este homem foi I Kant.

Em sua 'Crítica da razão pura' elaborou Kant uma crítica metafísica (porque epistemologia é especulação e não demonstração empirica) anti metafísica e sentenciou que apenas os conhecimentos empiricamente demonstráveis eram aparentemente verdadeiros. Aparentemente porque jamais ultrapassamos o 'fenômeno' e chegamos a imaginária 'coisa em si' (a qual do ponto de vista realista inexiste pelo simples fato de que as coisas ou objetos materiais esgotam-se na própria materialidade perceptível e manifesta, dada restando para além dela). Kant introduz uma coisa em si nos objetos e afasta para longe de nós a verdade objetiva. Quanto a metafísica nega por completo sua possibilidade.

No entanto na 'odiada' razão prática, busca refazer o caminho percorrido e estabelecer um padrão ou critério de moralidade. Pois não acreditava ser possível a humanidade sobreviver sem Ética, apesar de que a verdadeira Ética é sempre essencial e portanto metafísica.

Ao menos aqui Kant não parece ter sido coerente, como havia sido Hume e haveriam se ser seus próprios continuadores e os positivistas. Para os quais a Ética não passava de convenção social, opinião, palpite, preconceito, lei, cultura; enfim de algo meramente subjetivo ou emocional, para além de toda verificação e objetividade. E jamais fazia sentido buscar uma Ética universalmente válida e verdadeira.

Abandonando os 'senões' do pietista alemão, seus sucessores materialistas, agnósticos, ateus, cientificistas e positivistas do século XIX, em nome da ciência e do progresso afirmaram em alto e bom som o fim ou a morte da Ética. Em seu lugar e no lugar de Deus Legislador (não me refiro ao deus 'revelado' das religiões mas ao Deus naturalista dos Filósofos ou dos deístas) entronizaram a deusa razão. Embora reconhecendo que a deusa razão tinha braços curtos e não podia julgar em termos de bem e mal, vício e virtude, justiça e injustiça... Mais além entronizaram a deusa ciência e atribuíram-lhe os mais belos oráculos e profecias sobre o futuro dourado e paradisíaco da humanidade emancipada da religião e da Filosofia.

Vejamos no entanto que é que aconteceu.

Partindo da negação da Ética ou da objetividade 'moral' pelos positivistas no século XIX, um de meus comensais, imaginou e consequentemente opinou que o enunciado positivista fora amplamente libertador permitindo que cada individuo fizesse o que bem entendera ou ao menos que se opusesse as arbitrariedades do moralismo. Evidentemente porque há éticas ou morais falsificadas e opressoras!

Curiosamente a solução positivista a respeito do comportamento humano não tomou esta direção crítica, contestatória, individualista ou personalista; mas curiosamente a direção oposta.

Pois a exclusão da essencialidade ou da origem transcendente da Ética humanista, além de leva-los - como já dissemos - a identificar a Ética com as convenções sociais, as leis ou a cultura vigente em cada grupo, levou seus mestres a afirmarem o dever da pessoa conformar-se com tais convenções ou de adaptar-se servilmente a cultura. Ao contrário dos 'marxistas ortodoxos' e 'anarquistas' que da relatividade cultural concluíram pela crítica e a contestação os positivistas concluíram pela conformidade ou pela assimilação. Cidadão útil era o que reproduzia os princípios e valores comuns a seu círculo social e que colaborava ativamente com ele.

Extirpado o fórum da consciência e a aquisição de princípios e valores por via reflexiva, passou este nicho a ser ocupado pela sociedade ou pelo estado. Pelo que o estado converteu-se em fonte ou árbitro dos princípios e valores. Desde meados do século XIX a nação, a sociedade, a classe, a categoria, o grupo, a cultura, etc tomou o lugar de Deus e da consciência pessoal enquanto padrão de princípios e valores, o que nos leva a doutrina da completa submissão da pessoa humana ao estado, ao totalitarismo ou a estatolatria enfim e todas as culturas de morte que não foram pelos caminhos do individualismo crasso (anarco individualismo/stirnerianismo) foram pelo extremo deste caminho implementando as mais tristes servidões: Fascismo/nacionalismo, militarismos, nazismo e comunismo (o qual jamais exerce crítica face ao órgão divino do partido ou a cultura proletária).

Enfim, foi a morte da Ética em termos de objetividade, essencialidade e humanismo que conduziu a Europa e grande parte do mundo ocidental a crise de civilização porque estamos passando, a qual é desde já um perda de critério, de padrão, de consciência, de sentido e de referencial. E adiantamos desde já que esse referencial objetivo, essencial e divino é o homem, sua vida e sua dignidade!

Continua -

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