terça-feira, 22 de abril de 2014

O trauma da escola ou a redução do lúdico

Foi em 1928 que Otto Rank deu a público sua obra já clássica "O trauma do nascimento"...

Descrevendo o impacto exercido pelo mundo externo sobre a mente do recém nascido.

Ficou por ser descrito o 'Trauma da escola" ou o impacto exercido pela escola tradicional e paralítica sobre a mente do educando recém matriculado e a ulterior relação deste ser humano com o ato de aprender.

Isto para não nos estendermos a respeito do impacto que a gradativa extinção do lúdico ou do lazer tem exercido sobre a vida humana ou civilizada.

Se é que podemos chamar esta sociedade - que é guiada pelo estro do liberalismo econômico - de civilizada. Nem diria com o Dr Freud que a civilização produz a neurose, diria que culturas puritanas ou maniqueístas engendraram traumas e complexos; e que o economicismo moderno tem seguido pelo mesmo caminho e produzido vasta gama de neuroses...

Nem podem aqueles que adotam o lema do 'Tempo é dinheiro' admitir que os homens percam tempo com distrações, brincadeiras, pilherias, jogos, etc

Destarte para que os homens dediquem o máximo de tempo possível a produção e distribuição de riquezas, estabeleceu-se uma regime de vida frenético e a ditadura do relógio. Relógio que nos tempos do deus milhão ou do capital passou das torres das vetustas catedrais as paredes das escolas e fábricas e enfim aos pulsos dos alunos e operários... desde então perdeu a vida sua espontaneidade - como sói em ambiente campestre - para tornar-se regrada e consequentemente estressante ou como diríamos em termos psicológicos: neurótica.

Pois o mesmo homem que trabalha já não tem tempo para viver.

Um não pode usufruir das coisas boas e simples da vida porque deve ganhar dinheiro ou melhor o pão para a boca. E outro não deseja usufruir das coisas boas e simples porque deseja e quer acumular mais e mais capital...

Um é esmagado pela pressão econômicas das 'necessidades' imediatas e urgentes e o outro enfeitiçado pela necessidade artificial de juntar ao infinito, como se jamais houvesse de morrer...

Assim diante das exigências do sistema muitas coisas devem ser eliminadas ou reduzidas: assim a figura da morte ou a noção da temporalidade/finitude tão cara aos filósofos; assim o espaço do lúdico.

E este último começa já a ser reduzido na Escola; enquanto preparação para a dita vida real em termos de mercado de trabalho.

Deve este homem estar preparado para trabalhar e ganhar dinheiro... e não para brincar ou distrair-se.

Assim na medida em que este homem cresce e passando da infância a adolescência, e da adolescência a idade adulta; e avançando em seus estudos, o espaço do lúdico vai sendo cada vez mais diminuído até quase que a completa extinção ou melhor até ser identificado com a indisciplina e criminalizado.

Compreendo indisciplina como falta de controle ou de respeito, não como movimento ou senso de humor.

Seja como for acabou prevalecendo a tese - uma meia verdade válida apenas até certo ponto - segundo a qual a idade das brincadeiras ou do lúdico corresponde a infância ou no máximo a adolescência, ficando a idade adulta reservada ao seriedade em termos de trabalho e compromissos semelhantes. Em geral nossas crianças dizem: a infância deve ser alegre porque a fase adulta será chata...

E assim o é, sob certos aspectos chata e irritante; insuportável a ponto do homem adulto muitas vezes entrar em angústia e desejar dar cabo da própria vida, vida que não vale mais a pena ser vivida. Porque tornou-se tediosa e entediante.

Evidente que esta divisão fechada: tempo ou fase do lúdico e fase ou tempo da seriedade, além de ser oportuna; é cultural enquanto construção da sociedade e não natural ou real. Grosso modo não há um tempo para o lúdico, e a necessidade do lúdico, da distração, do jogo, do lazer, das brincadeiras acompanha-nos por toda existência.

É verdade que os chipanzés ao contrários dos bonobos iniciaram bem antes de nós esta redução. Mas a que preço??? Pois como nós os chipanzés são não poucas vezes violentos e agressivos; enquanto os bonobos são quase sempre dóceis e pacíficos... Que dizer de nós que avançamos ainda mais na senda da neurose???

Chegamos então a escola.

E percebemos intuitivamente que se trata dum lugar destinado a sacrificar o encanto e a beleza; então nos sentimos incomodados e muitas vezes esperneamos... ou impressiona-mo-nos de tal maneira a ponto de jamais esquecer aquele instante!

De fato ao chegarmos no jardim de infância a maioria de nós arma o maior berreiro. Mas apenas porque não deseja separar-se da mamãe ou do papai e não porque teme qualquer coisa... afinal o parquinho, com seus brinquedos ali esta, bem a vista. E no dia seguinte já nos sentimos numa espécie de paraíso...

Quando entramos na primeira ou na quinta série no entanto, a coisa muda de feição. Pois já não damos com o querido parquinho ou espaço de diversão; E DE ALGUM MODO SABEMOS QUE ALGO NOS FOI TIRADO PARA SEMPRE.

Penso que esta constatação intuitiva seja não apenas marcante mas negativa. A escola dos maiores principia já a ser desagradável em seu primeiro instante...

Apesar disto temos uma só professora, espécie de 'tia' e o lúdico não é removido por completo... pois ela ainda deseja e nós pintamos; e as vezes até cantamos juntos cada vez mais raramente. No entanto quando chegavamos a quarta série a 'tia' advertia que as coisas não tardariam a mudar; que teríamos de escrever muito, que teríamos vários professores...

Mas não falava que o movimento seria associado a indisciplina e penalizado. E que já não haveria vestígio sequer de alegria ou contentamento naquelas palestras ou discursos intermináveis.

A escola bancária ou paralítica deveria ser, era e é uma experiência a ser vivida na carne e sentida no espirito.

Eis-nos chegados a quinta série e escrevendo já a caneta...

Naquele tempo era uma expectativa pelo simples fato de que viríamos a ter mais de um professor. Em certo sentido nos sentíamos até importantes... sem imaginar o quanto de humano, de pessoal e de afetivo seria sacrificado com este sistema de rodízio.

Em menos de uma semana no entanto todos estavam bem a par do que era a escola dos adolescentes e adultos, do que era o estudo, do que era o processo de ensino aprendizagem...

E tudo podia ser definido com uma única palavra: DESAGRADÁVEL...

Querem outras?

Chato, fastidioso, maçante...

DESDE ENTÃO TODA UMA CARGA NEGATIVA RECAÍA SOBRE UM DOS ATOS MAIS IMPORTANTES DA VIDA HUMANA: O ATO DE APRENDER!

Penso todavia que associar este ato a ações como lavar e passar roupa, cozinhar, esfregar o chão, tomar remédio amargo, etc não seja lá a melhor saída.

Pois lavar, passar, cozinhar, etc constituem atividades as quais não podemos fugir ou as quais estamos obrigados a realizar.

Coisa distinta porém é aprender inglês, matemática, física, química ou biologia. Conhecimentos sem os quais podemos passar mal, mas passamos ou sobrevivemos.

Acredito eu que o ato de aprender deva ser associado a estímulos positivos; sob pena de jamais contagiar a maior parte da clientela. Afinal quem haveria de entusiasmar-se por esfregar o chão ou ter de tragar emulsão de Scott???

Injeção anti tetânica é necessária, mas não contagia a quem quer que seja... e temos de ser constrangidos por nossos pais.

Agora o ensino deve estar associado a impressões e sensações agradáveis ou ser prazeroso PARA CONVERTER-SE NUM HÁBITO OU NUMA MOÇÃO INTERNA uma vez que nossos pais não estarão conosco eternamente...

Daí a necessidade de manter o lúdico e a atividade atrelados ao processo de ensino aprendizagem. Sob pena de tornarmos nossos esforços improfícuos e toda nossa boa vontade estéril...

E de conhecer qual seja nosso principal inimigo: A AULA CONFERÊNCIA OU DISCURSIVA imposta pelas dimensões gigantescas de um currículo que esta voltado para o mundo do trabalho OU MELHOR PARA AS NECESSIDADES ARTIFICIAIS DO MERCADO e não para a vida ou para a formação HUMANA.

Assim o objetivo deste currículo desperta ojeriza em nossos jovens pelo simples fato de estar dissociado da realidade vivida por eles ou distante enquanto a metodologia tradicional promove o desencanto por marginalizar a atividade e ser 'chata'...

Nem podemos nós educadores conscientes deixar de por o dedo no fundo da ferida e de questionar este papel reprodutivista, acrítico e conformista; e comodista da própria escola enquanto posta a serviço de um Mercado ou de um mundo do trabalho que a princípio deveríamos avaliar e quem sabe transformar.

Escolas que mais parecem casernas ou fábricas... mas que escolas são estas???

Escolas em que a Sociedade não é pensada ou questionada mas mecanicamente copiada... que escolas são estas???

Escolas nas quais, apesar do discurso O ALUNO, a criança, o adolescente não é o foco. Tendo sua condição, sua vontade, seus desejos, etc VIOLADOS!!!

MAS NÓS NÃO LEMOS EM PESTALLOZI QUE A CONDIÇÃO DO EDUCANDO DEVE SER RESPEITADA???

E em todos os pensadores de Comenius a Tardif; passando por Decroly, Dewey, Ferriere, Bovet, Claparede, Antipoff, Wallon, Piaget, Vigotsky, Rogers, etc que todo processo educativo deve estar centrado e fundamentado na criança???

Então porque retiramos dela o que mais aprecia, o lúdico? Ao invés de criar associações agradáveis e prazerosas que plasmem o hábito de aprender e possibilitem a auto educação ao largo da vida...

Por que condenamos o movimento e até mesmo a alegria??? Convertendo nossas escolas em verdadeiros campos de concentração ou depósitos de gente???

Domenico de Massi dirá ainda mais???

Por que não perguntamos a este adolescente ou mesmo a esta criança sobre o que deseja aprender?

Mas a criança e o adolescente dirá: NADA!!!

DIRÁ SIM, SE JÁ ESTIVER ESTRAGADO PELO MODELO PRIMITIVO DE ESCOLA QUE TEMOS!!!

Doutra maneira dirá que quer aprender isto ou aquilo porque faz parte de sua vivência, sendo significativo para ele.

Agora o que o currículo exige não desejará aprender porque não está relacionado com sua vivência e mundo; mas com o mundo do trabalho ou mercado!!!

Mas como haverão nossos jovens e crianças de interessar-se pelas necessidades imperiosas do mercado ou pelo mundo do trabalho???

Talvez as crianças e adolescentes julguem melhor este mundo do que nós... ou melhor do que aqueles que ja se adaptaram a ele.

Alias talvez não sendo inseridas a fina força na CULTURA imposta pelo Mercado; tentassem alterar suas relações e mudar alguma coisa.

TOCAMOS NO NERVO DA QUESTÃO - CERTOS ADULTOS DESEJAM QUE NADA EM ABSOLUTO SEJA MUDADO EM SEU MUNDO NEURÓTICO...

E por isso encontraram na escola um poderoso mecanismo ou instrumento com que cooptar as mentes em formação convertendo-as em escravas do sistema.

Assim determinando o conteúdo e a dimensão do currículo e oferecendo aos educadores uma estrutura material ou ambiente deficiente, os líderes impõe a adoção da escola tradicional, bancária e paralítica; cujo fim é impor este modelo cultural e reproduzir o sistema econômico vigente...

O resultado de tudo isto é que para muitos o estudo adquire uma conotação desagradável, jamais vindo a converter-se num hábito. Talvez esta produção de adultos traumatizados e frustrados em termos de estudo até seja conveniente, tanto aos demagogos quanto aos senhores do mercado, na medida em que propicia a formação e perpetuação do que conhecemos por massa de manobra e toda casta de pessoas alienadas.

É o ensino imposto desta forma - tradicional, paralítica, bancária, discursiva e desagradável - por pessoas que desejam que ele não de certo.

Nossa tarefa enquanto educadores é por a luz todas estas mazelas, resgatar em máximo grau o papel do lúdico e oferecer em nossas salas o maior nível possível de autonomia ao educando; só assim estaremos nadando contra a corrente, contagiando alguns e implementando a verdadeira Revolução. As sementes que lançarmos hoje germinarão no porvir!!!



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