segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Quinhentos anos de reforma protestante - Uma perspectica crítica

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Embora para nós os quinhentos anos da Reforma protestante completem-se apenas em 2021, pelo simples fato de estarmos sendo cobrados, não nos podemos deixar de manifestar, ainda que com três anos de antecedência.

Afinal ao contrário do Catolicismo, do islamismo ou mesmo do espiritismo não é ou foi o protestantismo uma Revelação transcendente cujo conteúdo tenha sido imediatamente comunicado pelos céus. Daí a composição problemática da Reforma com o Cristianismo Histórico, afinal o Livro é Resultado da Revelação e não a Revelação em si mesma. A Revelação divina na perspectiva puramente Cristã é fruto ou produto da Encarnação e não de um livro. Cristianismo é Deus que se faz homem e não livro. É A RELIGIÃO DA ENCARNAÇÃO e não uma religião do livro como o judaismo ou o islamismo. A oposição entre o Catolicismo, estribado no anúncio oral do Mestre, e o Biblismo principia aqui.

Do mistério da Encarnação procedem antes de tudo a pregação, a igreja e a tradição; as quais antecedem ou precedem o Evangelho Escrito. E já digo e adianto que as escrituras dos judeus ou antigo testamento não vem ao caso, pelo simples fato de não constituir a Lei dos Cristãos. Daremos ouvidos aos protestantes ou bíblicos quando toparem com o Sermão do Monte ou com as Bem aventuranças na Mikra. Até lá nos firmaremos no Evangelho como algo Novo, específico e diferente ou como vinho novo que não cabe em odres velhos.

Ulteriormente, após inúmeras hesitações, adotou ou assumiu o protestantismo uma via mística ou sobrenatural, mas de teor puramente subjetivo, segundo a teoria individualista da inspiração interna, invisível, intransferível e inverificável; tanto que poderia ser alegada por qualquer credo religioso, como algo caprichoso e arbitrário, que foge a evidência objetiva ou a demonstração.

E no entanto este Lutero de 1517 ainda é perfeitamente papista ou Católico bem como o Lutero de 1521. Durante todo este tempo não cogitou o homem romper com a igreja e protestou submissão filial ao papa romano até o derradeiro instante da excomunhão. Foi ao calor das disputas com Eckius - o qual buscava reduzir seu oponente ao absurdo - e ao sabor do improviso que o protestantismo foi sendo muito naturalmente fabricado sem que Lutero sequer cogitasse ser dirigido, guiado ou iluminado pela divindade. Era agostiniano e como tal não temia o absurdo, consequentemente canonizou o irracionalismo e o absurdo chegando a apresentar a razão como um puta. Para ele o Cristianismo não precisava fazer sentido e nossa esperança era certamente louca...

Começa a criar o protestantismo em 1521... principiando pelo Biblismo e pelo livre exame. Sem cogitar que estava enveredando pelos domínios naturais da técnica exegética ou da especulação interpretativa, e desviando-se por completo das já citadas fontes do Cristianismo histórico, o qual certamente não surge como uma técnica exegética naturalista ou como interpretação de qualquer coisa, mas com a manifestação visível de Deus na carne ou na natureza humana.

Sucede no entanto que o papismo para firmar-se havia contaminado a tradição ancestral. A tradição latina, desde o ano 1080, era uma tradição papista ou papal. S Fócio e S Miguel Cerulário, já haviam denunciado esta manobra. Os ocidentais no entanto separaram-se das antigas igrejas apostólicas de lingua grega, e resolveram seguir seu próprio caminho. Destarte quando Lutero veio ao mundo já não havia na igreja ocidental quem fizesse caso das críticas levantadas pelos gregos 'cismáticos' meio milênio antes, ou quem conhecesse as legítimas tradições.

Em semelhante conjuntura, a admissão dos concílios latinos e portanto da tradição, implicava admissão da monarquia papal e ninguém estava disposto a concordar com os 'odiados' gregos. Lutero foi posto contra a parede e numa posição desconfortável, a qual impedia-o de apelar a tradição ou de usa-la em seu favor. Ao contrário dos bizantinos refinados ele jamais chegou a cogitar numa crítica histórica das tradições e como típico alemão, achou por bem cortar o mal pela raiz e eliminar o critério externo e objetivo da tradição. Creio que foi uma solução ditada pelas circunstâncias e não algo refletido.

Seja como for devia ele substituir a monarquia papal, os concílios e a tradição dos padres por alguma outra coisa.

Tal o problema.

A imprensa acabava de ser inventada meio século antes, e considerável número de Bíblias, já em latim, já em vernáculo circulavam por toda a Europa, sem que no entanto a mágica do Livro tivesse sido quebrada numa Sociedade majoritariamente analfabeta.

Como qualquer um de nós, que imaginamos nossos ancestrais com celulares, aviões ou automóveis, cogitou Lutero, que o livro impresso sempre estivesse em posse dos cristãos ou em suas mãos, e por isso tomou a 'Bíblia', no mínimo com sessenta e seis livros, i é, uma verdadeira Biblioteca, como padrão de verdade. Em momento algum ele, Lutero, cogitou na universalidade da mensagem Cristã e em culturas iletradas. Em momento algum imaginou as condições das sociedades letradas antes da invenção da imprensa. E o anacronismo converteu-se em pecado original da nova fé.

Desde então a mitologia protestante tem imaginado qualquer versão ou tradução da 'Bíblia' palestinense, baixando prontinha, de capa a capa dos céus. Eis como encaram a JFA aqui no Brasil... Outros imaginam como tendo toda ela sido escrita por Jesus ou por algum apóstolo de Gênesis a Apocalipse. Havendo inclusive quem, levado pela fantasia, imagine Jesus ou os apóstolos com um livro debaixo dos braços ou folheando Bíblias!!! Ademais, eles sequer fazem caso da distinção existente entre Antigo e Novo Testamento, imaginando o dito livro como uma espécie de Corão.

O problema no entanto não se restringe a origem, conteúdo ou a acessibilidade da Bíblia, mas sobretudo a sua capacidade enquanto veículo suficiente da divina Revelação. Ao que parece Lutero desconsiderou supinamente a incapacidade de um livro para dar sentido ou interpretar-se a si mesmo. Por isso que o sola do Biblismo ou da suficiência da Bíblia é falacioso... Na medida em que precisa de um intérprete humano ou do livre exame. A Bíblia não lê a si mesma, não se examina, não se interpreta, não dá sentido a si mesma; mas recebe seu sentido dos homens ou do leitor.

Tal o problema fundamental do protestantismo, o qual é uma interpretação e uma I. subjetiva. Já o Cristianismo surge como Revelação sobrenatural, objetivamente estabelecida nos domínios da História pelo mistério da Encarnação. Jesus não vem com livro ou em livro mas com a carne a palavra; e ao invés de ter escrito um livro ou manual de religião comissiona doze homens e lhes confere autoridade para ensinar em seu nome, tais os apóstolos que enviou como vigários ou embaixadores a todas as nações da terra. E a este grupo de apóstolos autorizados deu o nome de Igreja e prometendo-lhe certos auxílios espirituais de modo a que cumprisse fielmente sua missão de conservar imaculadamente o depósito da Verdade que lhe fora comunicado.

Mesmo quando hoje lemos o Evangelho Escrito, percebemos a constatamos que a instituição divina do apostolado e a existência da Igreja, precedem a existência do Evangelho escrito. Pelo simples fato de que foram os nossos Evangelhos escritos por apóstolos e discípulos, logo escritos na Igreja e para a Igreja. De modo que antes do primeiro a ser escrito, no ano 47, não faltará autoridade a Igreja por doze anos! Sendo regida pela tradição oral ou pela pregação mantida pela autoridade apostólica.

Consciente ou inconscientemente ao antepor a palavra escrita a Igreja, a autoridade apostólica, ao anúncio oral ou a tradição Lutero cometeu um terrível equívoco do qual os protestante só podem sair por meio da judaização ou seja alegando - na perspectiva mitológica de um Corão Cristão - que o antigo testamento é um compêndio ou manual de fé Cristã. Inda que não haja ali sinal do Pai Nosso ou da Eucaristia... Historicamente, por ódio a tradição legitimamente Cristã, o protestantismo fez volta ao parafuso, e canonizou as tradições mortas dos rabinos e fariseus, as quais haviam sido condenadas pelo Verbo Jesus, e judaizou, sabatizou e foi do iconoclasmo ao unitarismo.

Tragicamente a crônica do Biblismo ou do protestantismo é crônica de sectarismo judaizante - de predestinacionismo, de iconoclasmo, de zwinglianismo, de sabatismo, de unitarismo, etc até a negação total do Cristianismo ou de sua especifidade, até os confins de um teísmo natural ou do islamismo, nos quais desembocou, ao menos culturalmente.

Tornando agora a questão da Bíblia e do livre exame ou do elemento humano, em termos de interpretação, duas possibilidades extremas ou antagônicas e radicais apresentaram-se ao protestantismo nascente. Primeiramente a adoção de uma técnica puramente naturalista e a princípio objetiva, via que conduziu a nova fé diretamente ao liberalismo ou seja a negação do sagrado, inclusive no que tange ao Novo Testamento e ao Evangelho. Desde Reymarus, Semler, De Wette e outros foi a versão que prevaleceu na Alemanha luterana e posteriormente em toda a Europa protestante. Começaram assim por deificar a Bíblia até que a especulação veio a demolir o próprio Evangelho e abater a Encarnação do Verbo. E se é certo que os liberais protestantes, dando continuidade ao movimento iniciado pelos judeus e papistas, merecem o aplauso de todos por terem ousado repudiar os mitos e fábulas do antigo testamento não é menos certo que ultrapassaram os limites da fé nicena ou atanasiana mostrando-se permeáveis a diversos preconceitos materialistas ou deístas.

Por obra e graça desta liberdade estranha ou do livre exame com toda sua carga subjetiva este mesmo protestantismo que principiou erguendo-se contra a igreja antiga, tornou-se, em seus próprio berço, valhacouto do naturalismo, do agnosticismo, do materialismo, do deísmo, e pasmem, até mesmo do ateísmo, haja visto os pastores que formularam a teologia da morte de deus, segundo a qual, esta deus morto, tal e qual fora proposto por F Nietzsche , o qual por sinal, tendo sido filho e neto de pastores luteranos, concluiu que existiam apenas interpretações subjetivas e de modo algum o que convencionamos chamar verdade.

A partir daí o protestantismo europeu ou envelhecido a cabo dos séculos ou ao cabo de sua trajetória evolutiva, foi perdendo todo seu vigor e credibilidade em termos sociais e sido paulatinamente abandonado pelas classes mais instruídas, as quais foram tornando-se abertamente incrédulas ou irreligiosas, até o ateísmo, e sem necessidade de máscaras ou disfarces. Ao cabo de todo século XX as principais nações protestantes da Europa foram tombando, uma a uma, no abismo da negação religiosa e absorvidas até meados dos anos cinquenta pelo papismo, e, após o Vaticano II, pelo comunismo e mais e mais pelo islamismo.

A outra via ou segunda via posta ao protestantismo já no referimos. É a do misticismo subjetivo ou da inspiração profética. Segundo a qual o leitor, comentarista ou intérprete da Bíblia, inda que semi analfabeto, despreparado e iletrado revindica 'humildemente' para si mesmo as luzes do espírito santo, apresentando-se como guiado ou dirigido por deus, as vezes no sentido mais vulgar alegando ter sido visitado por ele, te-lo visto e ouvido. Todavia, de modo geral, os partidários desta solução, limitam-se a apelar a uma certeza interna ou intuição, insistindo que estão convencidos de que foram escolhidos por deus para restabelecer a verdade eterna, dando continuidade a obra iniciada por Lutero, o qual tem dezenas de pretendidos continuadores, escolhidos por deus... É evidente que esta solução vai pelos caminhos demência ou da imbecilidade, sem que no entanto deixe de contar com vultoso número de adeptos entre nossas massas incultas, mormente quando fazem-se passar por taumaturgos ou milagreiros.

O próprio Lutero num determinado momento de sua carreira, e tendo em vista combater os profetas de Zickwau, que eram anabatistas delirantes, parece ter sutilmente enveredado por este caminho, e isto até o ponto de ser apresentado como profeta dos alemães e declarar que seus dogmas haviam sido comunicados pelo céu, quando na verdade haviam sido elaborados naturalmente no auge da polêmica com os representantes do papa ou fabricados por Andraeas Bodstein, o Dr Karlstadt, a princípio seu colaborador mais entusiasta braço direito, e em seguida seu supremo desafeto. Já antes de Lutero, Karlstadt havia revindicado para si mesmo a qualidade de profeta. Lutero no entanto encarava-o como profeta do diabo suscitado pelo inferno na medida em que Bodstein, sacando consequência após consequência, a partir duma lógica cerrada e inflexível, ia demolindo cada artigo ou dogma da antiga fé.

Curiosa a semelhança existente entre Lutero e S Freud, na medida em que, num primeiro momento, 'excomungavam' seus críticos para posteriormente adotar seus pontos de vista e negar que o tivessem feito. O quanto Freud fez com Adler e Jung havia Lutero feito quatro séculos antes com Karlstadt, sob diversos aspectos legítimo pai da doutrina protestante. Basta dizer que foi este ex Dominicano que concluiu pelo anabatismo, pelo simbolismo eucarístico, pelo cânon palestinense do A T, pelo casamento dos clérigos, dentre outras coisas... Tendo sido as duas últimas assimiladas por Lutero, não sem certa resistência.

O fato é que os dois comentaristas, interpretes, examinadores ou leitores da Bíblia, apesar das alegadas audiências com o espírito santo, jamais puderam entender-se ou mesmo deixar de encarar um ao outro como apóstolo do Diabo. O que prenuncia uma divergência ainda maior a ser travada entre Lutero, Zwinglio e Calvino os quais tampouco puderam entender-se apesar da alegada clareza da Escritura (imagina se não fosse clara!) e dos adjutórios sobrenaturais...

O fato é que com ou sem espírito santo, os reformadores e protestantes, ao cabo de meio milênio, jamais foram capazes de entender-se a respeito de crenças tão importantes quanto o batismo infantil, a presença do Senhor no Sacramento, a Liberdade humana ou mesmo a divindade de Cristo, cindindo-se em centenas ou milhares de seitas, e vindo essa calamitosa situação a agravar-se cada vez mais, até o escândalo. Afinal os mesmos protestantes vivem jurando que as escrituras podem ser compreendidas até mesmo por uma criança ou por um analfabeto... E no entanto acham-se em oposição uns aos outros a propósito de cada passagem ou versículo. E não há nem sombra de Unidade ou uniformidade entre eles. Sinal de que, com ou sem inspiração, o método não funciona. Digo o método do livre exame.

Ademais quanto a inspiração é fácil compreender como os protestantes fazem uso dela, palmilhando a mesma trilha que Lutero. Cada individuo limita-se a declarar que sua seita é a verdadeira, que deus mesmo disse isto para ele ou que sente em seu coração e que todas as demais seitas de inspirados são inspiradas pelo capeta. Incrível aqui é que sendo fanático ele sequer cogite estar equivocado ou que sua seita seja inspirada pelo capeta... Cada sectário pensa invariavelmente assim. A postura arrogante é sempre a mesma - ninguém aqui considera a simples possibilidade de estar equivocado - mudando apenas o nome da seita. Tampouco os tristemunhos mugidos variam: Aqui um tremedor, dançarino ou malabarista uivando e saltitando declara que o dia do Senhor é o Domingo e mais além, na Adventista da promessa, o mesmo 'espírito' com os mesmos trejeitos, alega que o dia do Senhor é o sábado... Na presbiteriana reformada o 'espírito' entre gritos e cambalhotas referenda o 'dogma horrendo' da predestinação, o qual é negado em profecia na metodista... Na Brasil para Cristo o celibato é apresentado no 'espírito' como instituição divina e na Batista como selo da Besta inventado pelo papa... Tantas profecias quanto cabeças, as quais não bastam para salvar o protestantismo da pulverização doutrinária...

Destarte com ou sem fetichismo ou misticismo, permanece a obra iniciada por Lutero, fragmentada e em situação de conflito. Uma seita denunciando e combatendo a outra como herético em que pese a 'liberdade' outorgada... Cada seita perdida nos rincões do universo alegando ter encontrado mais um fragmento perdido da revelação... Cada pastor ou profeta arvorando levar adiante a sempre inacabada reforma de 1521, 1530 ou 1546... Cada inspirado jurando ter dado com mais uma invenção do Papa ou de Constantino... Cada pregador dizendo ter recebido 'uma nova luz'... Cada fundador de seita crendo ser o único a ter encontrado a 'pérola de grande valor' oculta na Bíblia... E a multidão de interpretações, opiniões, hipóteses, teorias, comentários, ponto de vista, crenças, dogmas aumentando cada vez mais, e a confusão avolumando-se ao cabo destes quinhentos anos.

Em que pese este Lutero e cada um de seus sucessores e rivais, como Zwinglio e Calvino terem considerado suas respectivas reformas como definitivas e acabadas. Os neo protestantes todavia chegaram a concepção de uma reforma em gotas homeopáticas segundo a qual deus revela-se parcimoniosamente aos mortais, introduzindo sua verdade no erro e associando a luz as trevas. Havendo inclusive que, partindo da doutrina da corrupção total da natureza, tenha concluído que a própria verdade ou revelação divina corrompe-se novamente na mesma proporção em que é reformada ou restaurada, daí não ser a igreja reformada, mas reformanda ou em perpétua estado de reforma, a qual jamais acaba!!! Destarte após quatro ou cinco século ao invés de introduzir-nos no reino da verdade eterna, a reforma protestante introduz-nos é no Reino de Heráclito, com seu 'Panta rei' agora sob a forma de um devenir doutrinário... Por uma mágica subjetivista converteu-se nosso Cristianismo no rio do pensador efesino, e quando julgamos estar em posse de um artigo de fé comunicado por Nosso Senhor nos achamos diante do erro... e quando julgamos ter identificado o erro ei-lo convertido em verdade...

Diante disto como crer???

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