sexta-feira, 24 de novembro de 2017

O tabu do totem - Uma resposta a S Freud VI O COMPLEXO DE LAIO

Em nosso último artigo buscamos identificar as fontes sociais do incesto ou do complexo edipiano e, a guiza de fator predisponente, apontamos a separação precoce dos filhos do sexo masculino com relação a mãe nas culturas primitivas. Admitindo que a alienação precoce filho/mãe impede a consolidação do 'apego' definido como laço afetivo estável e duradouro, deixando consequentemente, de impedir a construção de uma tendência erótica ou sexual.

Sem embargo disto, admitimos que este fator por si só não seja suficiente para consolidar tal tipo de construção, qual seja a aspiração pelo incesto ou o complexo edipiano. Nem vemos que parta ele da criança ou do bebê e tampouco da mãe. Sem negar que certas atitudes assumidas por algumas mães possam reforça-lo ou consolida-lo. Seja como for nós não enxergamos nem a mãe, nem o bebê como possíveis fontes deste complexo.

Sendo assim qual o fator predisponente ou a fonte do complexo edipiano?

Para chegarmos a uma resposta satisfatória qualquer consideremos antes de tudo a relação marido mulher antes da gravidez e particularmente após o nascimento do bebê.

Temos aqui uma relação dual de cumplicidade em que a totalidade das atenções da mulher ou da esposa são para o marido.

Até o dia em que a mulher é fecundada e acha-se grávida.

Entrando nesta relação um terceiro elemento, que é o bebê.

Consideremos agora a ação dos hormônios e o estado da mulher grávida.

Desde a fecundação todas as atenções e cuidados da mulher convergem para o bebê. Na medida em que aflora um instinto de maternidade. Instinto que segundo Winnicott faz com que a mãe recapitule psiquicamente sua experiencialidade enquanto bebê e que a partir daí adapte-se as necessidades do novo ser que veio ao mundo e que dela depende.

Consideremos ainda que - e nossa fonte aqui é Montagu 1969 p 63 - que nossa gestação, a gestação dos humanos, é dupla, completando-se apenas cerca de dez meses após o parto - período que leva o nome de Gestação externa - quando a simbiose e a própria identificação do bebê com a mãe, vai cedendo espaço a autonomia. Autonomia que é paulatinamente reforçada na medida em que a mãe vai cometendo 'falhas' e se desadaptando, até que a criança apegue-se a outros objetos pertencentes a realidade externa e construa sua identidade.

Quanto a período de gestação externa ou simbiose a 'mãe suficientemente boa' (Winnicott) é, sem sombra de dúvida, a que melhor de adapte as necessidades do bebê, o que não deixa de ser, até certo ponto, complexo. Implica isto o que chamamos 'dedicação integral', concentração, atenção, fixação... E portanto desprendimento quanto aos demais objetos externos, inclusive o marido. Não deixando a natureza de colaborar neste sentido. Pelo simples fato de que os hormônios responsáveis pela ativação da libido são drasticamente diminuídos. Durante esta fase a mulher cessa de ter interesse pelo sexo.

Agora imagine só, leitor inteligente e atilado, a situação do homem i é do marido.

O qual de uma hora para outra cessa de ser o centro das atenções da esposa. Na mesma medida em que estas desviam-se para o bebê.

A questão aqui não se restringe a sexualidade apenas, mas certamente a afetividade também. A qual não deixa de ser atingida e alterada pelas circunstâncias, por mais que a mulher busque administrar tal situação com sabedoria. Afinal os cuidados, a atenção e o afeto terão de ser divididos.

Diante disto é praticamente natural que a quase totalidade dos homens passe a encarar o recém chegado filho como uma espécie de intruso ou rival, ao menos inconscientemente. Os casos em que esta 'construção' mental atinge a consciência e aflora são vultosos e não poucas vezes dramáticos. Chegando o progenitor a odiar a prole.

Tanto pior caso o bebê pertença ao sexo masculino. Em tais condições a alegria ou satisfação da mãe ao alimentar o filho - Tendo o seio sugado por ele - ou a simples higienização da genitália do bebê levam o pai a misturar as coisas, conferindo a tais atos um sentido sexual ou erótico que inexiste. O pai, privado do exercício sexual, tira conclusões fantasiosas e passa a nutrir ciúmes pelo próprio filho, chegando a encara-lo como amante da esposa. É ele, o pai, que constrói em sua mente, a relação incestuosa ou edipiana.

Construído este tipo de relação fantasiosa nos domínios da mente, impossível que não passe a ser, de um modo ou de outro, expresso pelo comportamento, pelas palavras, pelo gestual, pelas atitudes - alias hostis com relação ao bebê - etc Extrojetado enfim...

Dentre as inúmeras situações possíveis que podem resultar deste tipo de relação temos de considerar novamente o recurso, contraproducente, a ama de leite ou babá. Aparentemente o recurso a babá parece ser perfeito na medida na medida em que alivia a situação da mãe possibilitando que possa, atender, o quanto antes, as solicitações do marido ciumento ou inseguro. A bem da verdade a inserção da babá ou ama de leite entre mãe e filho, reduzindo o contato entre ambos e impedindo a consolidação de laços afetivos estáveis e duradouros tende a alimentar e a reforçar quaisquer tendências incestuosas introjetadas pelo menino, o qual assumirá o caráter que lhe foi atribuído pelo pai, passando a desejar sexualmente sua própria mãe. Temos aqui a tragédia do complexo edipiano.

Já nas famílias pobres temos a situação da mãe que deixa o filho pequeno com a avó, a tia ou irmã mais velha - Com a qual construíra laços de afeto ou apego inibidores - para ir trabalhar. A situação da mãe que deixa o filho no berçário da creche, etc Em todos estes casos em que os laços de afeto são transplantados para outro objeto, abre-se espaço para a expansão ou consolidação do tipo incestuoso introjetado pelo pai ciumento na mente do filho.

Ao contrário do que se pensa e julga, em tais situações, a melhor solução é a manutenção da convivência mãe e filho durante estes primeiros anos - se possível até os seis ou sete anos de idade - e a decorrente construção e consolidação de um laço de afeto inibidor. Vindo o pai, a ser, necessariamente incluído, nessa nova categoria de relações, a partir do décimo mês de nascimento da criança. Na medida em que a criança vai se desprendendo da mãe e desenvolvendo sua personalidade - enquanto ser distinto que é - faz-se mister que o pai recobre seu posto de esposo, passando a receber parte do afeto da esposa, resultando disto, naturalmente, o restabelecimento da vida sexual do casal. Quero dizer que as coisas devem acomodar-se, se preciso for com o auxílio de um bom psicólogo ou terapeuta.

Importa que o vínculo mãe e filho não seja bruscamente quebrado sucedendo a alienação e indiferença por imposição do pai ciumento. Por outro lado a recusa da mãe em desapegar-se gradativamente do filho não seria menos danosa, na medida em que sua atitude possessiva e dominadora, sempre poderia ser interpretara equivocadamente pelo esposo e consequentemente pelo filho, reforçando a longo prazo todas estas fantasias. Aqui, o desenrolar subsequente da personalidade do filho poderia ser afetado seriamente. Afinal a mãe suficientemente boa deve criar o filho para a liberdade e a autonomia, orientando-o para elas. Aqui o desapego, sabiamente administrado nas fases ulteriores, é tão importante quanto ao apego afirmando e mantido durante a fase da gestação externa. Afinal não é nem pode ser o filho uma eterna simbiose de sua mãe.

Nem deve a mãe suficientemente boa, deixar-se impregnar pelas fantasias do marido a ponto de efetivamente substituí-lo pelo filho. O filho precisa de afeto, atenção, cuidado, dedicação... precisa ser acolhido, protegido, amado, etc Mas nem por isso é o marido. Ainda aqui é melhor saída é tentar administrar atenções e afetos com sabedoria e permanecer aberta a 'restauração' do marido em seu posto ou lugar.

Penso que nossa opinião tenha sido expressa com suficiente clareza. A confusão entre amor filial e amor conjugal tem seu princípio mais remoto na personalidade fragilizada do marido ou pai que se sente abandonado ou enciumado. É Laio que introjeta suas fantasias na mente de Édipo e as vezes ma mente da própria Jocasta. Temos portanto um 'complexo de Laio' na base do complexo edipiano, o qual para afirmar-se dependerá das circunstâncias ulteriores ou de 'como' o casal em questão administrará a situação, se quebrando bruscamente os laços afetivos em construção entre a mãe e o filho - pela introdução de uma ama de leite ou babá - ou consolidando-os. Consolidando os laços de afeto ou o apego teremos por consequência o 'efeito Westermarck' i é a total ausência de aspirações incestuosas. Quebrados os laços de afeto, teremos o terreno amanhado e pronto para o florescimento das fantasias introjetadas pelo pai na mente do filho, enfim o que Freud classificou como complexo de Édipo e ao qual conferiu uma dimensão universal inexistente.

Neste sentido podemos e devemos definir o apego, a presença e os laços de afeto como elemento responsável pelo bloqueio da construção das relações edipianas, as quais certamente, indicam certa ruptura quando a estabilidade afetiva ou mesmo ausência de conteúdo afetivo. Noutras palavras, o afeto é que imunizaria a criança face a aspiração incestuosa.

Resta declarar que numa Sociedade qualquer em que as necessidades econômicas restrinjam arbitrariamente o contato entre mãe e o filho durante seus primeiros anos de vida tende a potencializar a construção de relações nos moldes edipianos e os efeitos decorrentes em termos de neuroses... Uma Sociedade qualquer que sobreponha as necessidades do lucro ou do capital as necessidades afetivas das pessoas jamais poderá deixar de ser essencialmente neurótica.


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