terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Epistola a Casto Inholaru sobre o sentido da Inquisição romana

Paz, graça e bem

Nada mais polêmico do que o tema da Inquisição romana e por extensão das inquisições. Digo isto porque nos seculos XVI e XVII também as seitas protestantes - luterana, calvinista e zwingliana - tiveram suas inquisições bíblias, tão ou mais violentas do que a inquisição do papa.

Exatamente por isso protestante algum tem idoneidade moral para tecer críticas a igreja romana, isto pelo simples fato de que sua religião começou a matar, assassinar e macular-se com sangue humano e inocente já no berço. Lutero é assassino matador de camponeses e anabatistas cujas mortes abençoou e estimulou, por isso que o berço da fé protestante é berço sangrento e impuro. Se a religião professada por eles matou - E Calvino fez queimar um Servet a lenha verdade na praça Champel - como romana, se seus reformadores foram tão carniceiros quanto o papa romano, se tiveram suas inquisições calem-se e cessem de formular juízos HIPÓCRITAS. Tirem a trave do olho de vocês antes de soprarem o cisco da igreja rival, cujo proceder vossos ancestrais imitaram!

Quando um protestante aloprado entra nesse negócio de inquisição papal não posso mesmo deixar de rir...

Deixem as críticas para quem em tese não matou: Deistas, cientistas, espíritas, pacifistas... Afinal, o liberalismo matou, o comunismo matou, o fascismo matou, o anarquismo matou, o nazismo matou... Não cabendo aos apoiantes dessas ideologias assassinas julgar o condenar as matanças do papa e de sua igreja mas calar como os protestantes.  Se você adere a um padrão de força seja coerente e não critique os demais partidários da violência apenas porque discordam de suas ideias, afinal o método é o mesmo.

Feitas estas ressalvas inicio minha analise.

Dirijo-me em primeiro lugar aos poucos gatos pingados que aplaudem entusiasticamente a Inquisição e que porventura aspirem ve-la restabelecida.

Uma coisa é compreender um fenômeno religioso ou social, outra justifica-lo e outra mais grave ainda aplaudi-lo e aspirar por sua restauração.

Nós ficamos no plano da compreensão, e somente quanto ao plano da natureza.

No artigo sobre os direitos humanos e a fé Crista editamos os decretos dos Santos Doutores a padres sobre o emprego da violência por parte da religião. Apresentando os testemunhos de Orígenes, Tertuliano, Lactâncio, Arnóbio, Hilário de Arles, Waso e enfim de Bernardo de Clairvoux, o assim chamado oráculo das Gálias e de toda Europa, o qual em pleno século XII declarou que a matança dos dissidentes feita pela populaça é condenável e incompatível com o espírito Cristão.

Ajuntamos agora outro fato, omitido no artigo anterior por falta de oportunidade e espaço. Referi-mo-nos a condenação a morte, por parte do César, de Prisciliano, líder herético espanhol, procedente de Avila. A pena capital havia sido solicitada por dois Bispos toscos: Idacio e Itácio. Morto Prisciliano, o primeiro a condenar sua execução foi o ilustre S Ambrósio de Milão, pilar da Ortodoxia! Ele já havia condenado Teodósio Cesar a penitência por ter massacrado alguns súditos em Saloniki, e vedado seu acesso aos mistérios, evidenciando a autonomia e soberania do sacerdócio fiel a Lei de Jesus Cristo. Agora exigiu e conseguiu a excomunhão dos dois Bispos, obtendo aprovação de toda Igreja espalhada pelo mundo. Lá de Constantinopla ecoou a voz retumbante de S Crisóstomo:

AQUELE QUE DERRAMA O SANGUE DE UM HERÉTICO COMETE PECADO INEXPIÁVEL!

Tal a lei e tradição da igreja, o que nos impede de justificar ou de aplaudir a execução dos heréticos.

Admitida a alegação de que o caso dos cátaros era social e portanto especial, justificando a coerção física segundo o princípio da guerra justa tudo quanto podemos dizer é que após a eliminação dos tais cátaros o tal tribunal, perdendo sua função legítima devería ser suprimido. Mesmo porque Waldenses, franciscanos espirituais, patarinos, flagelantes, etc jamais usaram de força física ou empunharam armas contra a igreja ou a Sociedade, menos ainda numa dimensão social. De modo que não cabe recurso a inquisição ou a força em tais casos, sob qualquer pretexto.

Outro é o caso dos protestantes, cujos lideres a semelhança da igreja romana, recorreram ao poder do braço secular contra a igreja, impondo sua reforma a força de armas ou a ferro e fogo. No entanto como havia naquele meio um espírito ideológico em movimento os Doutores Católicos mais atilados como Francisco Fervadentius, Gebebrardo de Aix, Nicolau de Lisieaux, Lindanus, Hervetius Gentilis, etc advertiram a Igreja de que o emprego da força seria contraproducente, como de fato foi.

Pois se o sangue dos mártires é semente e força do Cristianismo, o mesmo sangue também pode ser semente e força da heresia, fabricando-lhe falsos mártires.

O martírio deve ser reservado aos filhos da igreja, na dimensão pessoal. A paz aos dissidentes que aspirarem pela paz e respeitarem nossa opção livre.

Se a tolerância doutrinal é um pecado a tolerância pessoal, civil e social é virtude essencialmente Cristã.

Nem Jesus empregou a violência com propósitos religiosos. Jamais torturou ou matou em nome de Deus ou da religião, e tampouco seus apóstolos e os Padres que sucederam aos apóstolos. E quando a religião e a fé eram atacadas pelo império romano pagão, as armas que empunhavam eram as da coragem e da paciência, eles optaram por morrer ou deixar-se matar ao invés de terem optado por matar seus opressores segundo declara Tertuliano na 'Apologia' e já seu número era significativo.

Muito pelo contrário os mandamentos de Jesus são favoráveis a paciência, ao amor, a paz, a mansidão, ao perdão, a liberdade - Por isso quando foi concitado pelos Zebedeus a fulminar a cidade obstinada de Samaria, não só recusou-se a proceder assim, como exclamou: Não sabeis porque espírito sois guiados. Porque eram dominados pelo espírito do mundo que é violência e falta de fé.

Ele mesmo podia ter fulminado toda casa de Israel com o sopro de sua boca, mas entregou-se como manso cordeiro para ser supliciado por eles em nome de suas ideias.

Pode e deve o Cristão participar da legítima defesa da Sociedade ou do Grupo, quando socialmente atacado por inimigos externos. Tal o caso da guerra justa.

Mas não pode, sob qualquer pretexto, usar da força com o intuito de defender ou de 'impor' a fé. Porque nossa fé e livre, e produto da persuasão.

A força da Igreja é sua santidade, suas obras, sua ação social. É divina e procede dos céus.

O islã conquistou o universo a ponta do alfange, matando; os Cristãos conquistaram o universo por meio do martírio, morrendo por sua fé. Pascal.

A fé se defende por meio da argumentação e do martírio, jamais da espada ou do alfange.

Aquele que mata, inclusive em nome da fé, comete apenas um crime e um crime contra a fé e a religião, maculando-as.

Admitir que a religião deva ser imposta pela coerção externa ou física implica admitir que não possui qualquer grandeza ou força interior. Mas sua força é justamente interior, espiritual, ideológica e por isso dispensa o recurso da espada ou da força física.

A religião tem por si a verdade que é o seu escudo e o escudo mais poderoso. Avançara mesmo que todos os poderes do cosmos conspirem contra si, isto se for fiel a sua doutrina que é amor, justiça, liberdade e paz.

As portas do inferno não prevalecerão contra ela, tal a promessa do Verbo, que não precisa de divisões humanas, mas da abnegação e da boa vontade de seus fiéis servidores.



Do ponto de vista natural -



Para compreendermos a Inquisição do ponto de vista da natureza e permanecer na adesão da fé imaculada temos de admitir que a Igreja não é moralmente infalível. E portanto que sua infalibilidade restringe-se a esfera da doutrina e a generalidades da Ética (princípios e valores).

Como não admito a infalibilidade moral da igreja e portanto que a Inquisição corresponda a um ato divino, ela não toca a Revelação ou a fé e não atinge, segundo creio, a pureza e fidelidade da igreja para o que foi constituída.

Minha questão com a igreja não são picuinhas como inquisição e dragonadas, disse certa vez Ernesto Renan, mas a legitimidade do Quarto Evangelho. Minha luta é teológica.

Concordo plenamente com ele.

Rompi com a igreja romana e passei ao Catolicismo Ortodoxo não por causa da inquisição, das dragonadas ou das bruxas e sim por causa da Infalibilidade papal, das penas eternas, do agostinianismo/gracismo e do expiacionismo. O que não diminui em nada minha admiração por certos aspectos da teologia e da espiritualidade latinas. Foi a igreja romana que retirou-me do cativeiro Bíblico em que jazia...

Em termos de natureza as fontes da Inquisição podem ser atribuídas a elementos exógenos como as invasões bárbaras e o caráter atrasado, grosseiro e primitivo dos povos germânicos. Foi em parte reflexo da crise da educação e da cultura. Em que a própria tradição acabou sendo lesada e obscurecida. O segundo elemento, ativo; foi introduzido pelo convívio com os judeus e muçulmanos na península ibérica. No caso dos judeus temos por resultante uma supervalorização do antigo testamento e das instituições mosaicas (não Cristãs) i é um processo de judaização e no caso do islã a assimilação de elementos como a jihad, a djazia e a murtad. Partindo esta elaboração sincrética da Península Ibérica.

Tais as fontes não Cristãs da Inquisição: O caráter agressivo e tosco dos invasores germânicas e a adoção de elementos e instituições judaicas e muçulmanas por parte dos invasores recém convertidos na Península Ibérica.

Este espírito jamais foi autenticamente Cristão. Corresponde a algo estranho ou que vem de fora. Não ao sentido Católico de vida e as fontes da nossa tradição.



- Possíveis atenuantes


Outros possíveis atenuantes foram a necessidade de legalizar os linchamentos espontâneos realizados pelo populacho, dos quais resultavam efeitos ainda mais graves e perniciosos.

Ao institucionalizar o julgamento dos heréticos a igreja revestiu-o de certas formas jurídicas que em determinadas circunstâncias atenuavam os estragos promovidos pelo simples instinto de destruição ou vingança; embora devamos reconhecer que nem sempre fora assim. Problema já dissemos foi a gente ilustrada da igreja, ou parte dela, conformar-se definitivamente com semelhante recurso a ponto de considera-lo divino. Esta foi a tragédia... Quem em determinado momento, alguns psicopatas matriculados nas fileiras da igreja gostaram de não apenas supliciar mas o que é pior torturar.

Claro que numa situação social em que um dentre doente era extraído com golpes de martelo e uma hemorragia pensada com óleo fervendo ou ferro em brasa, o impacto da tortura não era tão profundo como entre nós ou entre os antigos gregos e romanos, cuja civilização era mais adiantada.

Problema é continuar falando em tortura após a neo escolástica espanhola do século XVI ou após as criticas acuradas de Beccaria, Verri ou Alfieri. Problema é justifica-la e preconiza-la em pleno século XXI, isto sim é sobremodo grave e danoso.

Outro fator que não pode ser desconsiderado é a cooptação e uso da inquisição ( e como já dissemos da religião de modo geral) a princípio tribunal religioso ou credal, pelo poder político ou pelos diversos estados 'Católicos' como repartição de estado e aparelho repressor. De que temos amplo exemplo na Monarquia espanhola, na M portuguesa e em pequenos principados italianos, onde os opositores políticos e críticos do governo eram sempre acusados de heresia e enviados a inquisição com alguma queixa especiosa e ordem para que fossem eliminados...

Eis uma situação que a que a Igreja, se bem que enfraquecida pela falsa reforma, jamais podería ter aceitado e com a qual jamais poderá tornar a sonhar. Pois implica sujeitar-se como meio aos interesses do poder político e profanar a sua própria condição de mestra e orientadora em termos de Ética.

Católico algum em sã consciência poderia ou pode contentar-se com uma submissão passiva por parte da igreja face a qualquer poder político sem consciência ou com uma igreja convertida em polícia, aparelho repressor ou mera repartição de estado destinada a santificar suas ações criminosas. Quando cabe-lhe justamente a tarefa diametralmente oposta de denunciar os abusos cometidos pelo poder e de corrigir os estados pretensamente Cristãos exigindo que seus dirigentes respeitem como sagrada a dignidade da pessoa humana.

Não aspiramos certamente por uma igreja que substitua o grupo social ou tome suas rédeas, segundo a receita teocrática do islã e do pentecostalismo; mas por um Estado cujos cidadãos, na medida em que professem a fé Católica inspirem todas as suas ações sociais, políticas, econômicas, jurídicas, educacionais, etc nos princípios e valores inculcados por esta fé. E que esta mesma fé seja para eles lei, espírito e vida enquanto determinante de um sentido capaz de humanizar a política.

É em termos de coerência e de inspiração ideal que falamos e jamais de controle direito do P público pelo sacerdócio cujas funções são peculiares e exclusivas. O que queremos é que a fé Católica ou melhor a ética dos Católicos seja transferida para o plano político e que os políticos e cidadãos Católicos procedam sempre como Católicos comprometidos com o amor, o bem comum, a justiça, a fraternidade, a solidariedade, a verdade, a probidade, etc E que jamais negociem em torno de tais valores por mero cálculo ou falta de fé.

Porque se temos fé, e temos esperança e temos caridade temos a espada mais afiada e penetrante, a espada do espírito, do espírito que confere forma a matéria, do espirito que produz e altera a cultura, do espírito que transforma as sociedades e produz civilizações. Então não precisamos de qualquer braço secular ou cada quebrada. Não precisamos de coerção física para a adesão da fé. Não precisamos de qualquer inquisição e deploramos que tenha sido necessária se necessária foi, aplaudindo sua abolição como uma avanço essencialmente benéfico a causa da verdadeira religião!



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