terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Epístola a Casto Inholaru sobre o crime, a punição, o poder e a autoridade

Graça e paz.

Li tuas conjecturas e ideias sobre a criminalidade e a punição, a qual, segundo acreditas deve ser rigorosa a ponto de aterrorizar os maus para conte-los no respeito.

Julgas evidentemente que um forte aparelho repressor e um estado policial serão suficientes para manter a ordem. E toda tua argumentação esta voltada para a ordem.

Concordo contigo que a ordem e a paz sejam bens altamente desejáveis e a anomia um estado de coisas absolutamente indesejável.

Exatamente por isso devemos inquirir qual seja o verdadeiro fundamento da estabilidade social, da paz e da ordem, se as armas e o constrangimento físico ou a justiça.

Com Confúcio e Platão sustento que o fundamento mais sólido da ordem e da paz seja a justiça e que toda a situação de injustiça, cedo ou tarde, degenerará em conflito aberto inda que sobejem espadas, lanças, baionetas e metralhadoras. A paz social não virá por meio delas.

Por isso Emanuel Mounier refere-se a uma desordem estabelecida ou a uma ordem injusta mantida pelo estado. O qual há alguns séculos foi cooptado pelos ricos i é por banqueiros, empresários, milionários parasitas os quais tem se utilizado criminosamente dele com o objetivo de oprimir os trabalhadores e manter sua condição privilegiada.

Uma sociedade ou estado dominado pela mentalidade capitalista ou liberal economicista jamais satisfará as exigências mais rigorosas da justiça, mas produzirá injustiça como o estrume produz cogumelos e ampliará a desigualdade social e miséria ao infinito (Henri George) e o fim de tudo isto será a canonização da ímpia doutrina do Darwinismo social, ateística, materialista e essencialmente anti Cristã.

É esta corrente neo pagã que identifica os pobres com vagabundos enquanto o Evangelho percebe-os como injustiçados, oprimidos, explorados e consequentemente como seres angustiados.

Não, não é possível estabelecer uma ordem justa e desejável e ao mesmo tempo manter o capitalismo ou a ideologia do acumulo ilimitado de bens, do lucro máximo, da avareza, do salário de fome, etc Se desejamos a paz e a estabilidade social devemos principiar destruindo as raízes deste sistema, ainda que possamos (ao contrário do que dizem os comunistas) manter algumas de suas formas. Mas não o seu espírito essencialmente capitalista e adversário de tudo que é Deus e especialmente da concepção Cristã de existência.

Para que tenhamos uma nova ordem e afastemos o espectro da crise civilizacional devemos pugnar pela destruição do sentido ou ideal capitalista de vida, e por extensão dos falsos princípios e valores insuflados pelo americanismo.

Não pode o Cristão Católico servir ao Mercado que é o deus Mamon, devendo por-se a serviço do homem cuja condição nosso Deus assumiu com o objetivo de libertar plenamente de todas as servidões: alienação face ao divino, do mal, do crime, do vício, do pecado,da injustiça, etc O Cristão Católico ao contrário do protestante é chamado não a uma fé teórica apenas, que o conduza a uma salvação magico fetichista, mas a uma fé prática, viva, ativa, significativa e portanto a virtude, a santidade, ao bem, ao amor, a justiça e a tudo quanto seja divino, pelo que sua redenção começa já neste mundo onde vive, sendo seu dever contribuir para transforma-lo paulatinamente num paraíso.

Certamente que o Reino de Deus não é deste mundo. É princípio que parte do mundo eterno e superior, de Deus mesmo. Mas que com Jesus Cristo, por meio da encarnação desce a este mundo, manifesta-se nele e nele é implantado enquanto semente de mostarda destinada a germinar, como fermento na massa de pão destinada a levedar, como consciência destinada a expandir-se. Da mesma maneira como Deus encarnou-se neste mundo, o reino de Deus, procedente dos céus e do mundo espiritual deve encarnar-se neste mundo.

E como se encarna?

Por meio das santas e boas obras, da correção da vida, da ruptura com o mal e o pecado, da penitência concreta, da santidade, da perfeição; enfim pela assimilação do caráter de Jesus Cristo e imitação dos exemplos por ele deixado. Tal o caminho indicado por um S Francisco de Assis para quem o Mestre, mas do que um Salvador, foi também e talvez acima de tudo um modelo de conduta. Somos retirados de nosso estado de alienação para a construção do Reino de Deus no mundo e o caminho consiste em viver como Jesus viveu. Tal a lei dos Cristãos, a sunah de Jesus.

Aqueles que postulam apenas e tão somente uma salvação mágica no além como fruto da fé mutilam, falseiam e pervertem a instituição Cristã.

Ao contrário do protestantismo o Catolicismo é uma fé que penetra e ilumina todos os setores da vida humana comunicando-lhes sentido e imprimindo-lhe direção. Não é uma religião puramente doutrinal ou intelectual apenas mas antes e acima de tudo uma fé Ética i é destinada a regular as relações inter pessoais e o comportamento humano. Imaginar o Catolicismo como uma fé ou teoria somente é mistifica-lo. A tradição testifica que os Catolicismos sempre ofereceram marcada resistência a esta concepção reducionista proveniente do protestantismo. A ideia naturalista (sobre diversos campos da existência) passou do protestantismo (para quem o matrimônio era questão de polícia) ao liberalismo econômico, e deste ao comunismo, ao anarquismo e ao fascismo; cujos adeptos acreditam que podem pensar o homem, a ética, a virtude, a justiça, etc SEM RECORRER AO EVANGELHO E A TRADIÇÃO DA IGREJA. Esta concepção que alija Jesus Cristo, não é apenas artificiosa, mas amplamente sacrílega e blasfema.

Tudo no Catolicismo reporta a Cristo e ao Evangelho.Tudo quando seja humano e diga respeito ao fenômeno humano.

Atividade humana alguma seja ética, econômica, jurídica, educativa, etc pode permanecer ou ficar alheia ao influxo do Santo Evangelho e da religião Católica, a qual sem controlar diretamente tudo, tudo deve inspirar segundo seus princípios e valores: assim o direito natural, a essencialidade dos direitos humanos, a sacralidade da vida e da condição humana, a doutrina social, etc Tais os elementos reguladores da ação humana, segundo a religião Católica compreendida como lei e vida.

Entro em acordo contigo a respeito do rigor das leis e punições, desde que a sociedade seja regulada pelo princípio Católico da solidariedade, da justiça social, da igualdade de oportunidades e da promoção da pessoa humana. Para tanto devemos abolir por completo a desordem capitalista e substitui-la pelo ideal de uma sociedade fraternalista.

É o que temos?

Nem de longe!

O que temos hoje é uma sociedade capitalista afirmada com a anuência e colaboração ativa do protestantismo com seu ideal semi naturalista e reducionista de fé. O que temos é uma org social essencialmente anti Católica. Um modelo destinado a impedir o ideal Católico de consumar-se, concretizar-se e encarnar-se; e pelo simples fato de que o Catolicismo opõem-se a obtenção de lucro sórdido classificando-o como pecado de avareza. O fundamento desta sociedade materialista é a avareza condenada pelos profetas antigos da lei, por Jesus, pelos apóstolos, pelos Santos Doutores e Padres, pelos escolásticos, por S Francisco, S Antonio e toda tradição Franciscana, temos uma civilização pecaminosa, segundo a perspectiva Católica e ela deve ser moralmente reformada e corrigida a luz do Evangelho.

Removido o sentido, espírito ou éthos capitalista e instaurada uma nova ordem, uma ordem inspirada no S Evangelho, uma ordem humanista, uma ordem Cristã e Católica, a qual satisfaça as exigências do bem comum, da justiça e da liberdade; vigorando oportunidades iguais para todos e uma emulação contida e equilibrada, a partir dai podemos discutir sobre as punições, antes não. Num contesto como o atual, num contesto acatólico e anti católico em que a condição humana assumida por Jesus Cristo e abatida e profanada pelos poderes do capital não!

Resolvido o problema econômico da ministração da justiça e restabelecido o antigo sentido de vida, passamos a discussão.

Claro que mesmo numa situação ideal de justiça e relativa igualdade social (a nivel de oportunidades) certos procedimentos jurídicos essencialmente humanos, racionais e cristãos permanecem válidos: A presunção de inocência, o habeas corpus, a inviolabilidade física do cativo, o direito a um julgamento com contraditório e ampla defesa feito pelo magistrado segundo a forma da lei, etc

Permanecendo irremissivelmente condenadas pela tradição da Igreja: a arbitrariedade autoritária que se sobrepõem as leis, a tortura, a usurpação do juízo por policiais e outros subalternos, etc

Nem podem aqueles que adoram um Deus 'criminoso', morto em virtude de abuso e erro judiciário e torturado defender tais procedimentos. Tendo Deus ao encarnar-se assumido o gênero humano como um todo ou nossa condição, santificou os corpos de todos os homens (em especial dos batizados e profitentes) aumentando ainda mais sua dignidade e conferindo-lhe um status sobrenatural. De modo que em termos de corpo humano, todo abuso recai sobre o corpo do Cristo e ele, do mesmo modo como sente fome e sede, e frio, nos miseráveis, continua a ser torturado nos torturados e todo torturador é torturador do Cristo, e todo assassino é assassino do Cristo. Daí S João declarar peremptoriamente:

EM ASSASSINO ALGUM PERMANECE A VIDA ETERNA! I Jo

Desde que o Deus Cristão adquiriu um corpo de carne todo pecado ou crime cometido contra o corpo humano, seja assassinato ou tortura adquire o caráter de sacrilégio. E todo torturador sendo sacrílego, deve segundo a lei canônica da igreja manter-se afastado dos sacramentos da vida e sequer tocar os vasos sagrados e alfaias que se tornam impuros e contaminados ao contado de suas mãos manchadas com sangue. E se o sangue é inocente seu pecado é inexpiável e digno de exclusão e penitência até o fim da vida.

Portanto para que a punição mereça ser tida em conta de justa e equânime todo processo legal deve ser religiosamente observado, imaculadamente observado, sob pena de contaminação.

Em terceiro lugar, segundo a doutrina de Tomas de Aquino, exige-se que os atenuantes e agravantes dados pelas circunstâncias sejam sempre considerados. Assim se alguém comete algum crime movido pela miséria ou carência, o escolástico declara que este crime é atenuando pelas circunstâncias. A contrário daquele que comente o mesmo crime em situação de saciedade e conforto, o que é bem mais grave e sendo mais grave perde punição mais rigorosa. Por isso o político que desvia dinheiro público do erário comete um pecado sempre muito mais grave - ou hediondo - do que aquele que rouba uma quantia sumária premido por sua condição. O mesmo Doutro certifica ainda que aqueles que cometem crimes movidos pela necessidade, não são verdadeiros criminosos, pois a necessidade esta acima de toda lei e não conhece lei alguma. Assim aquele que rouba comida para não morrer de inanição, pois obedece a um instinto disposto por Deus, devendo ser absolvido! É a doutrina humanista de Tomás de Aquino e num Catolicismo semi protestantizado faz muita falta.

Portanto as condições externas e sociais do infrator sempre deverão ser consideradas pelo magistrado. Inclusive se foi criado com seus pais ou assistido por uma org familiar qualquer. Pois esta provado que a inserção da criança ou do jovem numa estrutura familiar qualquer é importante para a construção da afetividade e da personalidade normal. Portanto isto também deve ser averiguado e considerado. Assim quando o Capitalismo com seu regime de trabalho insano, retira pai, mãe ou responsáveis do lar comete verdadeiro pecado social. Mais do que tudo e acima de tudo é o regime de produção e a forma do trabalho que separa ou aliena os membros da família, deixando o menor desamparado ou sem afeto, e predispondo-o a sérios danos emocionais.

Por isso a questão da normalidade e da personalidade, bem como do crime, da justiça e da punição não se resolve dentro do sistema capitalista.

O primeiro adversário da convivência humana, do entendimento, do auxilio mútuo e das estruturas familiares é o Capitalismo, é ele que isola e incute o veneno do individualismo, fonte de todas as neuroses, no santuário da pessoa, profanando-o.

Temos de considerar enfim, após termos considerado a condição social do infrator, sua sanidade mental ou a estabilidade emocional de modo a saber se pode ou não ser considerado responsável por seus crimes. Pois segundo a doutrina escolástica a responsabilidade procede da liberdade e a liberdade do entendimento racional do sujeito. Dai Tomás de Aquino certificar que um alienado mental não sendo livre não poder ser responsável por seus atos e portanto punido sob qualquer pretexto. Nem preciso dizer que toda jurisprudência posterior o tem seguido e feito da sanidade mental ou da estabilidade emocional a pedra de toque ou fundamento de toda punição corretiva.

Queres punições rigorosas?

Também as quero, desde que passemos os crimes e infrações pelas quatro peneiras acima:

  • Uma organização social justa e fraterna pautada nos princípios e valores Cristãos tomados ao Santo Evangelho e portanto a supressão da 'ordem' capitalista. 
  • Consideração da situação sócio econômica do infrator. 
  • Consideração do histórico familiar do infrator. 
  • Constatação de sua sanidade mental e estabilidade emocional por quem compete i é os psicólogos

Tudo isto dentro do quadro geral de um processo no rigor da forma da lei, e incontaminado de quaisquer abuso e apenas ao fim do qual a culpabilidade seja decretada, jamais antes.

Pois se torturas para obter a evidências de culpa que não possues sempre podes estar torturando inocentes, o que é abominável aos olhos de Cristo. Daí a pertinência do direito científico e da matéria da prova criminal. É por meio da douta investigação e não do sadismo, que as evidências da culpa devem ser inferidas e já digo e declaro que a tortura é contaminada em seu princípio e juridicamente inválida pelo simples fato da dor e do meio da dor enfraquecer a faculdade do juízo. E a vítima sempre poderá admitir culpa e confessar falsidade para escapara a dor e a tortura. Por isso é um recurso aplicado apenas por bárbaros e cidadão algum podia ser legalmente torturado entre os gregos e romanos segundo declara Cícero. Torturavam os escravos e os bárbaros porque encaravam-nos como homens inferiores ou sei homens, mas o Catolicismo não admite a existência de homens ou etnias inferiores; afirmando a igualdade absoluta e de todos os homens e etnias. As diferenças existentes procedem da cultura e da educação e sempre podem ser alteradas.

Certamente que a ideia de punições rigorosas, com significativo tempo de reclusão e trabalhos forçados tendo em vista a reparação do dano causado são ideias dignas de consideração e aproveitáveis; desde que fundamentadas numa realidade social distinta da nossa. Não nos opomos a ela abstrata ou metafisicamente mas considerando uma realidade anti Cristã, anti  humanista, anti justicionista e produtora de alienação, angústia, neurose, enfermidades mentais, etc Inserir o rigor da punição num sistema pagão, materialista e economicista só viria a agravar as situações de injustiça, o que consistiria em mais um crime. Nos tornaria solidários para com o capitalismo, e os católicos não podem ser solidários com um sistema que abençoa e estimula o pecado da avareza.

Procurei expor a ti a teoria Católica, a única aceitável para os Católicos, em termos de crime, lei e punição. Ou acatamos o espírito da igreja ou compactuamos com o espírito bárbaro e feroz do protestantismo tomado ao antigo testamento...











Nenhum comentário: