quarta-feira, 23 de março de 2011

Do relativismo

O relativismo está presente em todos os campos da vida humana, e o relativismo embora pareça algo inofensivo é uma ideia nociva. O relativismo afirma que não existe a verdade ou como disse Nietzsche: "Não há fatos apenas interpretações". Cada um da versão do bem entender dos fatos de modo que os fatos deixam de existir porque são afogados num oceano de interpretações.


Ontem senti na pele o mal do relativismo quando estava lecionando para um 2º colegial e estava falando sobre a Revolução Industrial e tive que recorrer aos fatos históricos. Uma das coisas que eu disse foi que a revolução industrial foi fruto do capitalismo e do protestantismo calvinista. Algumas pessoas sentiram-se mal com os fatos que revelei acerca de suas igrejas. Enquanto eu criticava a Igreja Católica Romana tudo bem, essas pessoas me apoiavam, mas quando revelei o que eles não queriam ouvir saíram-se com essa: "Isso é questão de interpretação", "essa é uma interpretação sua" e "o senhor não interpretou direito".


Para minha felicidade sempre gostei da filosofia, da lógica e da arte de argumentar e travei um debate. Disse a aluna que os textos que eu havia lido contra o livre-arbítrio eram de Lutero e o texto sobre a predestinação ao inferno (doutrina que Calvino inventou que Deus deseja e manda pessoas para o inferno mesmo que sejam boas e santas) era de João Calvino. E que eu não havia interpretado nada, apenas tinha lido o texto ipsis literis, isto é literalmente. Disse-lhe também que não se tratava de um texto literário ou exegético, mas de um texto doutrinário, de catecismo. Veja só como se resolvem as coisas! Algo não me agrada porque me atinge direta ou indiretamente, então o que faço? Aplico a "lógica" nietzscheana: "Não existem fatos apenas interpretações". Mas afirmar tal sandice é dizer que a verdade não existe ou que cada tem sua verdade, mas se cada tem sua verdade segue-se que ninguém a tem. Porque a minha verdade é contrária a verdade de fulano e a verdade de beltrano contradiz a minha e assim por diante. Falta aí um pouco das lições de Parmênides que disse: "Nenhuma coisa pode ser e não ser sob uma mesma ótica".

Disse a aluna que documentos não se interpretam se aceitam porque eles apenas atestam fatos, o que ocorreu. Disse-lhe ainda que segundo essa "lógica" certas pessoas negam que tenha havido o holocausto, e que elas poderiam afirmar tranquilamente que Hitler e os nazistas não mataram ninguém, isso é apenas uma questão de interpretação. Para você o Hitler é um santo, mas para outro é demônio, tudo depende da leitura que você faz.

Da mesma forma que eu fui questionado por minha aluna com o sofisma nietzscheano (ela nem sabe quem foi Nietzsche) qualquer cientista pode ser questionado de forma que tanto a Teoria da Evolução pode estar certa como o criacionismo pode estar certo, pois tudo não passa de questões de interpretações.

Hoje se faz mais do que nunca se faz mister o ensino de filosofia, de lógica para fazer as pessoas pensarem de forma coerente ao invés de pensarem porque integram tal ou qual instituição. Não querer encarar a verdade é sinal de imaturidade de infantilismo. Triste essa realidade essa a de Nietzsche com seu relativismo e a de Protágoras com o seu famigerado: "O homem é a medida de todas as coisas".

Um comentário:

J.L.Tejo disse...

Um fato é um fato- senão, sequer fato é. Mas sobre ele, há as inúmeras interpretações.

Um copo de 500ml, que contenha 250ml, pode estar meio cheio ou meio vazio, conforme a ótica, o interesse, o "point of view".

Acho que é bom que seja assim. A visão unívoca -nas artes, na política, na religião- é o que leva ao abuso.