domingo, 14 de dezembro de 2008

Até o advento da imprensa os livros eram artigos de luxo



Os livros sempre foram artigos de luxo na história da humanidade, isto é, até o advento da imprensa. Os livros eram caros porque eram manuscritos, eram cópias feitas à mão, e na idade média eram os monges quem copiavam os livros e os enfeitavam com iluminuras. As vezes a cópia de um livro poderia demorar até anos, e isso dependia da qualidade do papel, da tinta empregado, se era escrito por um monge ou se havia revezamento. Tudo isso encarecia a obra. Jacques Verger diz em sua obra, Os livros na Idade Média:

"Sem refazer aqui toda a história do livro medieval, convém antes recordar que sua confecção e circulação são sempre cercadas por múltiplos obstáculos que lhes tornavam difícil o acesso.O primeiro e principal obstáculo era de ordem econômica. O livro custava caro. Esse custo vinha, antes de mais nada, do preço do suporte. Um livro requeria grande quantidade de pergaminho (de acordo com o formato do livro, obtinha-se de dez a dezesseis folhas por pele) e o pergaminho era um material oneroso. A difusão do papel chiffon, ocorrida na Espanha desde o século XII, na França no XIII, permitiu baixar o preço. Mas é somente no século XIV e, sobretudo, no XV que o uso do papel se difundiu largamente no domínio do livro manuscrito. Com igual superfície, calculando-se a partir de documentos franceses, o papel podia tornar-se cinco vezes mais barato que o pergaminho no século XIV e até treze vezes mais barato no século XV, graças à melhoria das técnicas de papelaria e à multiplicação das oficinas de papel. Mas em outros lugares, especialmente na Alemanha, a diferença foi, sem dúvida, menor.De qualquer modo, o ganho sobre o preço total do livro permanecia relativamente limitado, na ordem de 10 a 20% somente em relação às obras em pergaminho. A relativa modéstia desse ganho permitiu a esse tipo de livro guardar uma posição suficientemente sólida, visto que muitos letrados parecem ter tido um preconceito desfavorável contra o livro de papel, julgado, ao mesmo tempo, menos nobre e menos sólido, sobretudo para os textos importantes e para obras pelas quais o dono se apegava, desejando transmiti-las aos descendentes.Na realidade, o fator principal do elevado preço dos livros era o custo da cópia. Os bons copistas eram raros. No final da Idade Média, os scriptoria monásticos haviam perdido o essencial de sua importância e a maior parte dos escribas seriam, doravante, artesãos profissionais que se encontravam principalmente em grandes cidades, especialmente aquelas que abrigavam uma clientela importante, quer dizer, as capitais da nobreza e as cidades universitárias. Mesmo deixando de lado o caso dos livros de luxo ornados de miniaturas, verdadeiras obras de arte destinadas sobretudo aos prelados, aos grandes senhores e aos reis, a confecção de livros tomava tempo. Os bons copistas trabalhavam lentamente> por volta de duas folhas e meia por dia, em média. Por outras palavras, em um ano, um bom copista produzia apenas cinco livros de duzentas folhas; ou ainda, se preferirmos, para chegar a fornecer mil livros deste tipo em um ano, não se poderia ter menos de duzentos copistas trabalhando o tempo inteiro. Nas cidades universitárias, onde mestres e estudantes tinham necessidade de muitos livros, mas dispunham de limitados recursos financeiros, procurou-se reduzir a um mínimo o preço de revenda dos livros: pequenos formatos, linhas apertadas, escrita mais cursiva, multiplicação das abreviaturas permitiam economizar o pergaminho ou o papel, sempre ganhando um pouco de tempo de cópia. A adoção do sistema de pecia, que acelerava a rotação dos exemplares a serem reproduzidos, permitia igualmente melhorar a produtividade dos escribas, sempre preservando a qualidade dos textos postos em circulação".

O autor continua e nos ensina que: "Nessas condições, acredita-se que muitos escolheram uma solução bem menos onerosa — mas que não garantia mais a correção dos textos transcritos —, que consistia em encomendar a qualquer copista "amador" — um capelão necessitado ou um estudante pobre, por exemplo — a cópia do livro desejado.O problema do preço real dos livros medievais é uma verdadeira pedra no caminho dos pesquisadores. (...) Algumas conclusões relativamente seguras, entretanto, impõem-se (deixo aqui de lado os livros de luxo das bibliotecas principescas). (...) Inicialmente, os preços dos livros eram extremamente variados. Os mais caros, geralmente as grandes Bíblias ou os volumes glosados dos Corpus Iuris Civilis ou do Corpus Iuris Canonici, custavam uma dezena de livras de Tours (para tomar uma unidade de medida francesa). Mas existiam, ao lado disso, inúmeros pequenos volumes, por vezes sob a forma de simples cadernos soltos, nos quais se anexavam "anotações" de cursos, alguns fragmentos de questões disputadas, de sermões, de breves tratados práticos etc. eram vendidos por algumas poucas moedas.Em seguida, os preços parecem haver variado praticamente do simples ao dobro, conforme se tratassem de livros novos ou livros de segunda mão. O mercado de livros de segunda mão era, com efeito, muito ativo, especialmente nas cidades universitárias, onde ele era alimentado pelas obras colocadas à venda por estudantes em necessidade ou deixando a universidade, por aqueles que emprestavam sob penhor, pelos colégios se desvencilhando de seus exemplares repetidos, por herdeiros liquidando a biblioteca de algum tio cura ou cônego, etc.Pode-se em tais condições, estabelecer o "preço médio" do livro medieval? (...) Talvez seja interessante notar que em Paris, por volta de 1400, o "preço médio" de um livro correspondia aproximadamente a sete dias de "salário e pensão" de um notário ou secretário do rei; nessas condições, vê-se que qualquer personagem (ora, há que se recordar que os notários e secretários do rei eram em Paris, no final da Idade Média, com os conselheiros do Parlamento e os professores da universidade, os principais donos de bibliotecas privadas) praticamente não teria podido, mesmo considerando a compra de livros em um quarto de seus proventos — hipótese evidentemente otimista — adquirir mais de duzentos e cinqüenta volumes em vinte anos de carreira. Na realidade, a mais importante das bibliotecas privadas parisienses cuja composição conhecemos, aquela do escrivão do parlamento Nicolas de Baye, nessa época, em 1419, permanecia bem abaixo dessa cifra teórica, com 198 volumes dos quais uma parte foi adquirida por doação ou herança".

O que era uma grande e boa biblioteca naqueles tempos? Segundo Verger: "Entre os próprios homens de saber, as coleções de livros possuíam importância variável. A biblioteca de um estudante, ainda que abastado, não ultrapassava praticamente, em média, uma dúzia de volumes: os livros de estudos fundamentais, de um lado, uma ou duas coleções de textos religiosos, de outro. Seus professores, que tinham necessidade de uma pequena biblioteca pessoal para preparar seus cursos, eram um pouco melhor aquinhoados e possuíam, para além das "autoridades" de base, um determinado número de comentários e tratados modernos; isso representava, no mínimo, cerca de trinta livros. Contudo, alguns mestres, mais ricos ou de espírito mais curioso, possuíam bibliotecas que alcançavam ou até ultrapassavam uma centena de volumes. Foi igualmente com essa cifra média de uma centena de volumes que se organizaram as bibliotecas de homens do Parlamento de Paris por volta de 1400. Tais cifras não eram sensivelmente ultrapassadas, a não ser nos casos de verdadeiros bibliófilos (como o escrivão Nicolas de Baye ou, cinqüenta anos mais tarde, Roger Benoîton, antigo notário e secretário do rei que manteria orgulhosamente o catálogo comentado de 257 livros de sua coleção pessoal), ou de personagens que haviam acedido a altas funções (...)".

E os livros eram preciosos tesouros como se pode ler no texto que se segue do mesmo autor: "Os proprietários de bibliotecas consideravam-nas verdadeiros tesouros e as tratavam com o maior cuidado. O valor de um livro era, para um homem de saber, simultaneamente simbólico e material. Cuidadosamente conservados dentro de um cofre ou armário, os livros proclamavam a ciência de seu proprietário. Freqüentemente adquiridos junto a livrarias de universidades, por vezes despachados com altos custos de Paris ou de Bolonha, os livros eram indissoluvelmente ligados aos estudos e aos diplomas. A entrega de um livro ao candidato não era um dos gestos rituais das cerimônias de doutorado? Por outro lado, toda biblioteca de alguma importância possuía um alto valor de mercado. Ela representava uma forma de entesouramento, um capital tanto intelectual quanto financeiro que se pretendia legar aos seus herdeiros, se eles empreendessem seus próprios estudos, fosse num colégio, fossem em alguma igreja. Os juristas sempre se bateram para que os livros não fossem computados quando os oficiais do imposto vinham avaliar seus bens móveis; a seus olhos, esse privilégio não era apenas uma apreciável vantagem fiscal — porque não era raro que tais livros representassem, em valor, a metade ou mais do capital imobiliário — mas também o reconhecimento público da nobreza do seu saber e das atividades que eles exerciam a título de sua competência intelectual. Não mais do que as armas do cavaleiro, os livros do doutor não deveriam recair nas malhas do imposto".

Verger diz que entre o século XIV e XV tanto as bibliotecas de reis como de igrejas e mosteiros não chegavam a dois mil livros: "Primeiramente, as bibliotecas principescas. Na altura da morte do rei da França Carlos V (1380), sua "livraria" do Louvre contava com pouco menos de 1300 volumes; no século XV, o duque de Bourgogne Filipe, o Bom teria tido uma biblioteca com cerca de 880 livros. POr seu turno, os papas de Avignon enriqueceram sem cessar suas coleções de livros. Eles possuíam mais de dois mil quando morreu Urbano V, de acordo com um inventário de 1369. (...) As bibliotecas dos príncipes e dos pontífices eram abertas ao público? Seu catálogo preciso deixa supor que pelo menos os familiares do soberano, seus visitantes distintos e seus conselheiros políticos tinham acesso a elas.Vinham, em seguida, as bibliotecas das catedrais, dos mosteiros e dos conventos. Tratava-se, em geral, de antigas coleções que, excetuando-se as dos religiosos mendicantes, não foram especialmente enriquecidas no final da Idade Média, mas haviam sido extremamente importantes (mais de 300 volumes em Notre-Dame de Paris em finais do século XV, 486 na catedral de Reims em 1462, e mais ainda nos mosteiros: por volta de 1450-1460, havia cerca de 1600 volumes em Saint-Denis ou em Claraval na França, 1100 em Monte Cassino na Itália, 800 em Melk na Áustria, etc.); a conservação dos manuscritos mais antigos lhes era bem assegurada. Seria lá, como constataram os humanistas italianos "editores" de autores antigos, que teríamos a maior chance de descobrir manuscritos particularmente veneráveis, remontando, algumas vezes, à renascença carolíngia. Mas de resto, tais bibliotecas eclesiásticas eram, sobretudo, ricas em textos religiosos e em livros litúrgicos que não eram necessariamente úteis para os homens de saber. Aliás, nem se sabe ao certo se elas eram completamente abertas a outros leitores que não fossem os cônegos e frades que serviam essas igrejas ou aqueles mosteiros".

Pois é, naqueles tempos a ciência ainda engatinhava, os livros eram escassos e caros, e se cuidavam dos livros como se cuida de tesouro. Eu sou bibliófilo, sim amo livros. Que contraste! Hoje os livros são baratos e todos (ou pelo menos muitas pessoas) tem acesso aos livros! Imagine dileto leitor se Carl Sagan vivesse na Idade Média e que tivesse sido aceito com todo o seu conhecimento científico, quem poderia comprar um livro manuscrito dele? Um rei? Um chanceler? Um bispo? As pessoas reclamam que não tem dinheiro para comprar livros, porque são caros? Então por que não vão aos sebos, brechós e bazares da pechincha? Já vi livros bons e raros sendo vendidos por R$ 1,00. Quanta inveja eu não causaria aos antigos e pudesse voltar no tempo com minha modesta biblioteca!!!!

Naquela época livros eram fortunas, hoje são lixo!!!!! Não valem nada. Quem se muda de casa, trata-os de jogar fora, falo isso porque já vi cenas como essas quase que diariamente. Quando uma coisa dessas aconteceria na Idade Média? Um dia passeando, notei que dentro do saco de um lixo tinha um livro, não agüentei de curiosidade e abri o saco e lá estava um livro de Michel Foucault. Tristes tempos esses em que se jogam no lixo livros de filósofos, sociólogos, psicólogos e de cientistas no lixo.

Hoje, muita gente reclama que a Santa inquisição queimava livros, mas ninguém percebe como se jogam livros no lixo hoje, como carrinheiros enchem suas carroças com livros que vão ser rasgados e prensados. Naquela época queimavam-se livros porque se consideravam obras perigosas, hoje os livros não são considerados perigosos, simplesmente são desprezados, ignorados e vão para a inquisição do Ferro Velho e do lixão!!!

A Idade Média nunca ignorou os livros, nisso são superiores a nós!

Os textos de Jacques Verger se encontram neste site: http://escritoriodolivro.com.br/historias/idademedia.html

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