sábado, 27 de outubro de 2018

O pai e o avô do Leviatã... e o Cristianismo II - A Inglaterra hobbesiana...

 


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Homem algum produz ideias a partir do nada... As ideias de um homem são resposta sua a problemas existentes no meio em que vive. E como o homem busca superar ou solucionar o problema podemos compreender as coisas em termos de 'oposição' a um dado modelo social...

Já vimos como as coisas se passaram com Platão. Cuja obra maior é por assim dizer, uma reação face a anomia produzida pela corrupção do ideal democrático. Sem querer justificar Platão ou concordar com ele podemos tentar compreende-lo e não apenas a ele mas a Hobbes, a Rousseau, a Marx, a Freud, etc Com certeza, a busca desta compreensão tornará nossa inteligência mais sólida!

No entanto se em Platão damos com alguém que delineia um possível futuro, em Hobbes damos com alguém que em certa medida ao menos reporta ao passado e a um passado não muito distante. Uma vez que Hobbes escreve cerca de 1651 mas nasce em 1588. Portanto meio século após a morte de Henrique VIII. De fato após o pequenino Portugal converteu-se a Inglaterra no primeiro Estado unificado da Europa e logo num Estado total ou absoluto, como Portugal jamais fora ou seria. Sem ter sido feudal teve Portugal seus cavaleiros a combater os Mouros, teve a Igreja romana com sua poderosa hierarquia e teme inclusive cortes e liberdades municipais. De modo que o poder do soberano luso estava longe de ser absoluto...

Willian no entanto, após conquistar aquela Ilha, exigiu juramento de submissão a cada senhor. Tampouco havia o municipalismo romano ou como querem, a Djemaa árabe, naquele pais. A velha nobreza fora em parte dizimada pela recente guerra entre as duas rosas. O quanto restava fora de controle na Inglaterra as vésperas da reforma protestante eram as universidades, as guildas e acima de tudo a toda poderosa Igreja romana, com seus mosteiros espalhados por todo pais, de modo que o poder do monarca, inda que substancioso, não era absoluto ou ilimitado. De fato por poderoso que fosse, especialmente após o fim da guerra das rosas, Henrique VII sequer podia sonhar com o poder que um dia seria acumulado por seu segundo filho.

Antes de prosseguirmos sejamos justos. Henrique VIII jamais foi protestante ou reformador como declaram ridiculamente algumas publicações romanistas. Separando-se de Roma ele jamais rompeu com a fé Católica e se mandou dissolver os mosteiros é porque eram a um tempo fiéis a Roma papal e a outro imensamente ricos. Teólogo, jamais compactuou com os princípios canonizados por Lutero ou Zwinglio os quais encarava como hereges pestilenciosos e não hesitou em remeter os luteranos e zwinglianos ou protestantes de modo geral,a fogueira. Uma anedota refere que folgava amarrar um protestantes e um romanista no mesmo poste e incendia-los juntos. Diante disto não poucos concluíram que na verdade não passava de um incrédulo, o que por sinal é bem possível. Formalmente foi o que os papistas costumam classificar como cismático, o que aproxima-o de nós Católicos Ortodoxos... Tudo quanto ele fez foi aproveitar-se das condições provocadas pela reforma para separar a Igreja inglesa da igreja Romana, sem que com isto altera-se nimiamente sua estrutura. E permaneceu não apenas Católica quanto a fé, mas episcopal e hierárquica.

Teólogo como já dissemos ele certamente estava muito bem informado a respeito de Justiniano e dos demais basileus que tentaram usurpar o poder eclesiástico em Bizâncio. Tais seus modelos. E foi mais bem sucedido que eles, obtendo do clero inglês, com algumas poucas exceções, uma submissão reverente. Submetendo a Igreja nacional converteu-a em repartição de Estado, tal e qual descreve Hobbes no Leviatã. Desde então teve sua inquisição espanhola. E pode controlar não apenas as guildas e universidade como o Parlamento, convertendo-o em quintal seu. A partir daí exerceu um poder absoluto e inconteste, e tantos quantos ousavam objetar qualquer coisa perdiam a cabeça.

Sintomático que tenha feito passar mais leis pelo Parlamento do que todos os seus predecessores. Ele de fato tudo aspirava controlar. Assim sua filha Maria, a sucessora desta Isabel e por fim Tiago I, teórico absolutista. Todos estes monarcas avançaram na direção apontada por Henrique, embora Isabel tenha mostrado mais prudência ou pudor. Seja como for, desde Henrique as leis inglesas atribuíam tal poder ao monarca.

Enquanto os reis absolutos comandaram a Inglaterra contaram com o decidido apoio da Igreja Anglicana ou Anglo Católica e com a oposição marcada de dois grupos bastante ativos: Os romanistas, representantes da antiga religião e os protestantes, já calvinistas, já anabatistas chamados de modo geral não conformistas. Ambos os partidos assacavam constantemente as fileiras anglicanas buscando desfalca-las e obter a hegemonia. Os romanistas temiam a preponderância dos sectários não conformistas e os sectários não conformistas temiam a influência dos romanistas. Os anglicanos ou realistas eram considerados aliados dos protestantes pelos papistas e dos papistas pelos protestantes embora de modo geral fossem por si mesmos. Segundo diversos autores o grupo anglicano era mais político do que religioso e muito pouco sincero e comprometido, enquanto que os extremistas - de um lado e do outro - eram movidos por convicções fortes.

O quanto de pode dizer a respeito daquele tempo e do que aconteceu é que os anglicanos, que até então formavam o Centro, foram sendo paulatinamente conquistados pelos papistas e pelos protestantes, disto resultando um profundo desequilíbrio. O rei, a corte e a alta nobreza pendiam cada vez mais ao partido do papa, a burguesia ao calvinismo e pelo menos parte dos mais pobres ao não conformismo. Até que o próprio anglicanismo viu-se cindido entre as duas correntes: Alta ou anglo Católica e baixa ou puritana, reproduzindo-se a mesma cisão fora da Igreja oficial. Cerca de 1625 achava-se a Inglaterra cindida entre as duas facções extremistas. A partir daí romanistas e anglo Católicos a um lado (realistas) e sectários ou revolucionários do outro iniciaram as hostilidades que levaram a Guerra civil ou a assim chamada Revolução, contando Hobbes com cerca de trinta e sete anos. Esta situação prolongou-se até no mínimo 1660 - i é seja por cerca de trinta e cinco anos - ou, segundo outros até 1688, ou seja, até a deposição do rei Jaime.

Foram cerca de sessenta anos de turbulência e instabilidade. Período muito semelhante aquele que fora vivenciado por Platão de 404 até sua morte, em Atenas. Até o advento da Reforma protestante achava-se a Europa espiritual ou religiosamente unificada, enquanto separava-se politicamente. Após o advento da Reforma, interpretado por muitos como a decadência do Cristianismo ou ao menos do Cristianismo ocidental ou latino, a separação entre as nações europeias tornou-se total, i é a um tempo religiosa e a outro política.

Particularmente no que diz respeito a Inglaterra, o advento da Reforma protestante propício as circunstâncias necessárias para cimentar a Unidade Política e respaldar o Absolutismo. Pois o sagaz Henrique VIII, tornando-se 'cismático' (sic) sem tornar-se protestante, logrou, pela espada ou pela força extinguir as dissenções religiosas e manter o reino espiritualmente unido em torno do trono e do anglicanismo episcopal, o que foi um golpe de mestre. A bem da verdade Henrique VIII tirou proveito da politicagem que envolvia o papado aquela época, a qual desagradava inclusive parte dos Católicos. No entanto a partir do momento em que os tutores de Eduardo introduziram os princípios protestantes no pais os próprios Católicos fossem romanos ou anglicanos tornaram-se mais comprometidos. Desde então um grupo opoz-se tenazmente ao outro.

E este estado de oposição entre consideráveis minorias Católica e Protestante amortecidas por um anglicanismo ou episcopalismo formal jamais cessou. Isabel no entanto, reeditou com sucesso a solução de compromisso de seu pai, apelando já a espada, já ao patriotismo... E mais uma vez obteve a conciliação entre os partidos, embora não na mesma medida que seu pai, alias mais intolerante. Henrique certamente encarava os extremistas papistas e protestantes como fanáticos, enquanto estes encaravam-no como um incrédulo ou oportunista, o que talvez não fuja a verdade. Izabel era do mesmo tipo, conciliatória e sagaz, quiçá descrente.

No entanto durante todo seu reinado e durante os dois que se seguiram os 'comprometidos' ou crentes foram não cessaram de concentrar-se nos 'extremos' debilitando cada vez mais aquele centrão anglicano e predispondo a sociedade ao conflito iniciado em 1620. Desde então as facções Católicas - Romana e anglicana - congregadas sob o signo do realismo, e protestantes, chegaram as vias de fato, e a Inglaterra conheceu o inferno. Praticamente todo século XVII foi isto.

Alguém que, imaginemos Th Hobbes, ama-se a paz e a tranquilidade odiaria viver na sociedade Ateniense do seculo V, na sociedade romana do século I a C ou do século V d C, na Sociedade europeia dos séculos X e XI ou na Inglaterra do século XVII... Conhecendo a fundo as causas das situações problema enfrentadas por estas Sociedades nosso homem construiria soluções na direção radicalmente oposta. E como cada uma delas remete a dissolução e ao conflito nossos críticos promoveriam a unificação e a paz, pagando tributo a autoridade.

Platão incriminou a democracia e por isso delineou um estado despótico, em que os vigilantes exercem rigoroso controle sobre os demais setores da Sociedade, comandando-os. Hobbes face a turbulência promovida pela religião chegou, muito provavelmente a uma incredulidade que a seu tempo não era prudente assumir. Recriminou não apenas o protestantismo por ter canonizado o livre exame - Método que brilhantemente relacionou com a discórdia e a confusão doutrinal - mas o próprio sentido universal ou Católico da fé Cristã, o qual encarou como uma finalidade política e anti estatal inadmissível.

Hobbes deve ter pensando do Cristianismo o que a maior parte de nós hoje pensa sobre o Mercado. Que equivale a uma espécie de besta fera a ser enjaulada. Para ele a anarquia social de seu pais era fruto de uma religiosidade ou fé que fugira ao controle. Portanto Hobbes só pode conceber o Cristianismo como uma instituição submetida ao poder estatal ou seja nos mesmos e exatos termos que Henrique VIII ou Isabel reinados cujo histórico ele bem conhecia e para os quais suas vistas estavam voltadas, como que para uma Era de ouro.

Escrupuloso Hobbes tende a desconfiar, em menor medida, de todas as comunidades ou associações não políticas ou intermediárias, dando por certo que elas debilitam o poder do soberano, ameaçando, consequentemente a paz. A existência de guildas, universidades, colegiados, etc só pode ser admitida quando estritamente necessária e a guiza de concessão ou seja enquanto algo autorizado pelo soberano. De 'per si' não teem tais comunidades direito a existir. Frente ao Estado, corporificado no soberano, existe apenas o indivíduo, nenhum outro tipo de entidade.

Agora como justificar metafisicamente tal estado de coisas?

Diante do que testemunho no curso da primeira metade do século XVII, concluí Hobbes que o homem seja um lobo, um predador, uma fera; sempre disposto a devorar o outro homem. Como o Freud da maturidade ou da velhice, o totalitário inglês, postula que o homem é dominado por um impulso de agressividade. Onde estiver mais de um indivíduo a tendência será o conflito, não mero conflito classista, como queria Marx. Para o autor do Leviatã o conflito é individual e inevitável...

E no entanto este homem, e damos com Freud novamente, agressivo, aspira pela paz e pela tranquilidade.

Como chegar até ela?

Por meio do contrato as partes, tendo em vista este bem maior, que é a paz, devem abrir mão de suas liberdades e entregar-se a tutela de um soberano forte. Uma vez que todos sejam controlados com mão de ferro pelo soberano e nivelados pela submissão, o conflito generalizado cessará.

Encarado deste modo não é o Leviatã algo mau ou indesejável, mas algo verdadeiramente bom e desejável, enquanto caminho único para a aquisição da paz social ou da estabilidade. Da submissão ou obediência ao Estado e suas leis é que advirá o equilíbrio. Da servidão voluntária resultará a harmonia. A partir da qual a pessoa humana poderá cultivar suas habilidades. Já o exercício do que chamamos liberdade produzirá inevitavelmente a discórdia ou a guerra, a qual impedirá que o homem de realizar-se enquanto tal. Aqui uma espécie de denominação comum face a Platão: Qualquer situação de liberdade ou democracia resultará, necessariamente, em anomia, anarquia ou conflito. Diante disto a alienação da liberdade e o recurso a autoridade absoluta são requisitos exigidos por uma sociedade bem ordenada.

Por ai se vê que podemos discordar de Hobbes mas de modo algum duvidar de sua sinceridade ou negar a coesão de seu pensamento.

Nem podemos estar totalmente certos de que em situações sociais semelhantes as que ele ou Platão vivenciaram discordaríamos deles. A menos que nos presumamos mais habilitados ou inteligentes...




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