sábado, 27 de outubro de 2018

O pai e o avô do Leviatã... e o Cristianismo I - Ao fim da Idade Média...


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Mesmo quando repudiamos a origem divina do papado e reconheçamos a origem humana do Patriarcado - surgido pela primeira vez em Alexandria, sob Heraclas -  ao contrário dos fanáticos e sectários não podemos deixar de admira-lo ao menos quanto a certo aspecto. Apesar de estar em contradição com ele, o papado jamais deixou de reconhecer ou de afirmar a universalidade ou a Catolicidade da religião Cristã, enquanto instituição irredutível em termos de política ou de unidade nacional. E isto a ponto de identificar sua própria igreja particular, de Roma, com a mesma Igreja Cristã e Católica, da qual o romanismo fizera parte até 1054 ou até 1336... evidentemente que a identificação é absurda posto que a parte não pode ser o todo, nem uma igreja apostólica particular corresponder a Catolicidade.

A confusão foi terrível mas pior ainda teria sido substituir de pronto a noção de Catolicidade ou universalidade da divina Revelação por um espírito nacional ou sectário. Isto a igreja de Roma não fez... Verdade seja dita.

Direi mais. Apesar de sua origem humana e de seus crimes - porquanto o papado certamente cometeu crimes terríveis (a Reforma cometeu ainda mais - palavras de um ex protestante) - bem como dos delírios acalentados pelos curialistas em torno de uma asquerosa monarquia direta ou teocracia ao menos por um instante alguns teóricos do papado, como o Cardeal Nicolas de Cusa e o teólogo Francisco Suarez elaboraram uma solução engenhosa no sentido de dar aplicação ao 'jus gentium', setor específico da Lei natural. Este 'just gentium' é que esta na base de nosso direito internacional e a própria corte internacional de Haia sequer poderia existir senão como decorrência ou desenvolvimento destes conceitos elaborados primeiramente pelos estóicos, reassumidos pelos juristas romanos e incorporados formalmente pelo pesamento Cristão, especialmente com Aquino, Cusano, Vitória e Suarez, até chegarem a Hugo Grotius posto que Grotius é pensador racional ou essencialista. O relativismo cultural ou o direito puro/positivo jamais resultariam em algo semelhante a uma legislação universalmente válida. O direito internacional não pode abrir mão de tais pressupostos...

Nem nos importa aqui a trajetória ou o sentido deste direito, mas a construção de mecanismos, universais, que permitissem sua aplicação.

Naturalmente que após a afirmação dos diádocos e epígonos semelhante ideal tornou-se impossível aos gregos. Atendo-se cada nação ou pais a sua lei, positiva, por assim dizer. E nem se cogitou num tribunal internacional. Outra a condição do Império romano. Posto que centralizado na figura do Imperador ou daquele que possuindo o 'imperium' controlava o exército e administrava o poder, conferindo-lhe mais e mais um aspecto pessoal e arbitrário, não era o Imperador tolo e tampouco seus conselheiros. Assim se ele buscava introjetar em todos os súditos, por meio da religião um espírito se submissão as instituições romanas e, por meio da educação, formar esse espírito; nem por isso ignorava como os povos e nações eram ciosos quanto a suas leis e costumes. E o Império era isto: Ao menos em sua perifeira uma mosaico de estados, nações e culturas, alguns por sinal, bastante venerandos como o Egito, a Síria e a Grécia... Buscar impor a lei romana, derivada da cultura romana a todos estes povos seria uma política desastrada, coisa que os judiciosos romanos jamais intentaram fazer... E já sabemos porque este Império atravessou tantos séculos. Afinal os decretos imperais, via de regra, limitavam-se a regular a coleta de impostos, abstendo-se de imiscuir-se em questões de ordem religiosa ou cultural, exceto no caso dos cidadãos romanos ou dos italianos propriamente ditos. Era a palavra do Imperador a Lei seja em Roma, na Itália ou no que tange aos cidadãos romanos... Em outros lugares apenas o básico ou sumário sobrepunha-se a Lei positiva...

E no entanto, ao menos em algumas situações, precisava o poder romano ou o Imperador, julgar alguns cidadãos ou mesmo estrangeiros quanto a tais questões ou questões co relatas. O que levou os juristas, na esteira dos estoicos, a buscar um elemento comum nas legislações dos diversos países ou nações. Tais as fontes do 'jus gentium', aplicado pelo Imperador ou em nome do poder imperial. Tal noção, no entanto, ao menos por algum tempo, morrer com o Império ou após sua dissolução. Até reaparecer no dealbar da baixa Idade Média ou ao tempo de Aquino, pouco mais pouco menos. Na medida em que a Europa vai entrando em contato com diversos povos, nações e culturas ou constituindo-se ela mesma em diferentes nichos políticos, reaparece a demanda em torno de uma Lei comum ou de um 'jus gentium' alias assente nas Institutas. Mormente após a descoberta da América ou a redescoberta do extremo Oriente, torna-se tal necessidade imperiosa e é claro que os eruditos vão as Pandectas ou ao direito romano em busca de respostas ou de soluções.

Os subsídios intelectuais ou doutrinais estavam a mão.

O problema dava-se no domínio da praxis. Quem ou que instância, após a queda do Império Romano e a remoção da figura Imperial, seria capaz de julgar, não pessoas ou indivíduos, mas unidades políticas, países, estados ou nações em conflito. Quem haveria de julgar ou de disciplinar as guerras por sinal mais mortais e catastróficas na medida em que os Estados se iam unificando e tornando maiores? Atualmente se nos ocorre um parlamento supra nacional uma espécie de Liga das nações ou de ONU. Aquele tempo no entanto...

É possível que ocorra a alguém a figura do Imperador, titular do Sacro Império Romano Germânico desde Carlos Magno, coroado pelo Papa romano desde 800.

E no entanto este Império de nome ou de papel só teve alguma força enquanto os países ou nações da Europa eram pequenos ou cindidos em diversos senhorios influentes, que limitavam o poder do soberano. Na medida em que vão surgindo unidades maiores e centralizadas em torno de um senhor poderoso a autoridade do Imperador se torna ainda mais vaga ou teórica e até podemos dizer que sua autoridade se vai limitando aquele Mosaico de principados chamado Germânia (o qual englobava a atual Aústria)  com as pretensões italianas... Portugal, Espanha, França e Inglaterra foram se desprendendo dele ou permanecendo fora no decorrer do tempo. O que limitava bastante a possibilidade do Imperador julgar os reis, uma vez que ele mesmo constituia uma parte interessada.

A partir da inviabilidade manifesta de se atribuir semelhante incumbência ao sucessor de Carlos Magno, da demanda prática que se impunha - percebida bastante claramente por Francisco Vitória - e da redescoberta do 'jus gentium', alguns teólogos forjaram a primeira solução moderna que ao menos de longe reporta a uma ONU e consistiu ela em atribuir essa arbitragem, a respeito das guerras e conflitos travados entre as diversas nações europeias ao Papa ou Patriarca de Roma, cuja autoridade legitima - ao menos quanto ao patriarcado - estendia-se a maior parte do Continente. Tais sugestões foram nomeadamente elaboradas por Cusano e Suarez tornando-se clássicas sob Joseph de Maistre, isto numa Europa religiosa ou confessionalmente cindida em diversos credos, e de cuja cisão alias, decorreram pavorosas guerras. É Maistre um retardatário ou reacionário ingênuo. Uma vez que após o advento da reforma protestante o recurso a arbitragem papal se torna absolutamente inviável. Como se deduz a partir dos conflitos religiosos citados e de outros conflitos que se vão tornando mais comuns e graves.

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