terça-feira, 2 de outubro de 2018

"A comunidade dos homens" - Dialogando com os cristãos Laloup e Nelis ou Capitalismo, Comunismo e Social Catolicismo


Estou lendo "A comunidade dos homens" de Laloup Nelis, Herder SP 1965. Livro escrito por Católicos leais e honestos, fiéis a Doutrina Social de sua Igreja, alias patrimônio comum a todos os Cristãos Católicos e inclusive a nós Ortodoxos. O imprimatur foi dado pelo piedoso Mons Lafayette e não por Bukarin ou Bulganin como poderiam imaginar os comunofobos cujos cérebros foram lavados pela propaganda norte americana e protestante... Há ainda Nihil obstat apensado por Mons Magalhães e portanto, antes que qualquer neo católico ignorante e protestantizado vomite suas baboseiras, trata-se duma obra que nada sabia de Marxismo, Comunismo ou Teologia da Libertação.

É obra não apenas romana ou papista mas comum a toda tradição humanista Católica seja romana, anglicana ou Ortodoxa. Um padrão de pensamento assumidamente encarnacionista, que não se deixou contaminar pelo solifideismo protestante ou tocar pelo misticismo descarnado, neo platônico, idealista, espiritualizante... que sempre assombrou a Igreja de Cristo.

Sabem os herdeiros de Malines que, como disse Aquino: "Não se fala de Deus a quem tem dome.". Isto pelo simples fato do homem não ser um anjo ou espírito descarnado, mas ser material que se realiza no mundo físico, mundo em que seu Senhor e Deus encarnou-se, com o objetivo de socorre-lo.

Assim, confessam eles que, desprezar ou ignorar a dimensão material da existência é perder a consciência quando ao mistério central da nossa fé.

Não eles não são, por modo algum, Comunistas, embora reconheçam com justeza que Católicos e Socialistas possam colaborar em torno de alguns objetivos comuns e como nós mesmos temos repetido a exaustão, o critério desta possível colaboração, como da ação política Católica só pode ser  DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA, jamais - como pressupõem o 'podre' e falsário Paulo Ricardo - o moralismo, que é um critério protestante. Nem é para admirar-se que em sua vã Cruzada contra os 'Comunistas comedores de criancinhas este sacerdote mau associe-se precisamente aqueles que negam a presença do Senhor no Sacramento, que apresentam a Mãe de Cristo como mulher ordinária e que, fideístas, folguem não possuir  qualquer doutrina social...

São perfeitamente Católicos como todos os Católicos sociais ou conscientes desde décimo nono século, cujo número diminuto eles deploram. E assim buscam honrar o legado daqueles Católicos que jamais engoliram a poção liberal... E é exatamente aqui que o livro se torna interessante, denso e profundo. A medida que insinua um 'Mea culpa'...

E iniciando este 'Mea culpa' ou esta análise realista principia declarando que desde os 1700 e tantos ou desde os 1800 parte dos Católicos - certamente contaminados pelo solifideismo protestante, dizemos nós na esteira de J Maritain - buscou compromissos com o liberalismo econômico ou capitalismo. Não, não foram poucos os Católicos que souberam resistir a atmosfera tóxica do individualismo, do idealismo, do romantismo e do liberalismo econômico; apegando-se ao misticismo da religião DOMINICAL, individual ou famílias, praticada pela família no lar e sem qualquer consciência social em termos de solidariedade ou fraternidade. Associaram assim a fórmula evangélica do 'orar a portas fechadas' (Insuficiente se isolada do contexto) a certo formalismo cultual e mutilaram por completo o espírito totalizante do Catolicismo.

Foi um reducionismo aviltante. Durante certo lapso de tempo, apesar de Leon Harmel (cujo exemplo foi grandioso justamente pelo isolamento) e alguns outros heróis, os patrões e senhores Católicos procederam tal e qual os senhores protestantes, oprimindo, sem misericórdia, seus irmãos batizados e membros de Jesus Cristo em nome de uma lei natural que os moralistas de antanho haviam definido como AVAREZA... E diante disto que fez a autoridade eclesiástica? Nada... Nada fez a Igreja ou a hierárquia para contér a opressão odiosa! Não emprenhou-se a Igreja em punir e castigar aqueles dentre seus filhos que cometiam tão grande injustiça! E assim, apesar de advertências puramente verbais, quando feitas, a injustiça proliferou como a lepra. E desta grave omissão, face a Hidra Liberal, surgiram é claro, Comunismo e Anarquismo, além dos Socialismos naturalistas.

O Cristianíssimo N Berdiaeff, outro adversário implacável do marxismo, define a questão com absoluta precisão: O Comunismo veio para fazer o que nosso Cristianismo não havia feito! E por que não havia feito?  Porque parte de seus profitentes estabeleceu laços de compromisso com o Capitalismo, sistema materialista e economicista por definição. Sistema cujo éthos é a avareza...

Diante de um novo mundo que não era o seu e que não correspondia a seus planos, diante deste novo mundo protestante, diante deste mundo materialista, economicista e insano não soube a velha igreja o que fazer e ficou paralisada. Alguns Católicos, diz com razão o matreiro G Corção em 'O século do nada' fizeram muito. No entanto este muito foi pouquíssimo e a ação social Católica totalmente desproporcional. Era o papismo a única força mundial capaz de pela ação travar os avanços do liberalismo econômico e imprimir outros rumos a História da humanidade... Se houve uma força capaz de coibir os abusos do Mercado, de doma-lo e de submete-lo a si foi a Igreja Romana. O supremo escandâlo é que ela não o fez, aceitando uma ordem de origem protestante e infensa a seus valores. A causa disto é patente: Certos compromissos estabelecidos entre os neo Católicos e o Capitalismo nascente, um colaboracionismo incorente e monstruoso enfim.

A questão que se coloca não é alguns Católicos, como Kolping, Descurtins, Mermillod e Von Keteller adiantaram-se a Marx e Engels... A questão crucial é, quão poucos Católicos acompanharam a estes heróis e quão pouco apoio receberam das autoridades no sentido de reduzir os maus Católicos, como se sucede ainda hoje. A Igreja tem falhado sucessivamente em coibir os liberais infiltrados em seu seio, os quais alias, ousam apresenta-la como favorável ao sistema que abraçam... De fato a Igreja produz e edita Encíclicas (desde Rerum Novarum) cujo conteúdo anti liberal é manifesto. E no entanto que continuam fazendo, até hoje, os maus Católicos, obstinados e alheios a DSI? Livre examinam e livre interpretam as tais Encíclicas como querem, acomodando-as so sistema querido... e continuam vivendo como bons ateus ou protestantes, oprimindo seus irmãos. A miséria aqui é a inércia de uma Igreja que nada faz de concreto.

Assim um anarquista e mais de um comunista escreveram que caso a doutrina social de Igreja saísse do papel e fosse posta em prática haveria uma mudança colossal em termos sócio econômicos. Os mesmos autores no entanto alegam que a Igreja nada visa além de enganar ou iludir seus filhos, uma vez que não leva seus próprios decretos a sério e não os faz por em prática. Ela não obriga os Católicos a conhecerem e a porem em prática a DSI, alias dever e direito seu. A Igreja brinca ou se omite e os Comunistas, Anarquistas e Naturalistas levam vantagem. Apesar dos Católicos sociais, tudo isto tem sido uma leviandade... pelo simples fato de que eles jamais deixaram de ser uma ínfima minoria, embora bastante ativa. Ínfima minoria é o que não se espera da maior religião ou igreja do planeta. O que dela se espera e compromisso e engajamento. A DSI enquanto Ortopraxia, exigiria, por parte dos Católicos - em especial de seus líderes - um empenho tão grande e um compromisso tão firme quando o Credo ou a Ortodoxia doutrinal.

Lamentavelmente caiu a igreja, levada pela polêmica protestante, no vício intelectualista ou meramente doutrinal, o que - paradoxalmente - preparou-a para o solifideísmo e as formas descarnadas de fé. Se por um lado foi altamente meritório ela ter assumido a defesa da razão ou da capacidade intelectual do homem (Serviço inestimável por ela prestado) por outro foi uma grande miséria ter ela esquecido das obras em sua dimensão social tão cara aos apóstolos e as primeiras gerações que reformaram o mundo antigo. Em dado momento, após o advento da reforma protestante, olvidaram os neo Católicos o sentido de Lei de Jesus Cristo tão caro a seus ancestrais.

Naturalmente que quanto a forma professada é a religião assunto pessoal ou familar relacionado com a opção livre. Liberalismo religioso NÃO É NOVIDADE, mas preceito afirmado pelos apóstolos e padres da Igreja face as injunções indevidas do Império romano. Agora por ser opção pessoal e livre não deixa de injetar no profitente o sentido do convívio ou da fraternidade, enquanto parte do espírito do Catolicismo. Nem pode haver Catolicismo sem íntimo contato social, vital e espiritual; o qual converte seus membros e membros de uma grande família. Quem são os Cristãos? Pergunta um pagão na Apologia de Minúcio Félix - "São pessoas que estimam-se antes mesmo de se conhecerem umas as outras!" Enfim pessoas que tinham noção de alteridade e solidariedade, e que colocavam os irmãos acima do lucro e dos bens materiais... Cidadãos que se preocupavam concretamente com as almas e corpos uns dos outros e buscavam o autêntico bem comum. Por isso rezavam: Pai NOSSO, jamais Pai meu...

No entanto após a reforma sucede-se uma intelectualização que vai assumindo formad cada vez mais teóricas, meramente cradais, idealistas, até o misticismo descarnado, o isolamento, a indiferença e a alienação. Veja a miséria: O Egoísmo torna os neo Católicos insensíveis face aos sofrimentos dor irmãos... E passam a viver em cidades e num ambiente urbano, não apenas como se são se conhecessem, mas como se se estranhassem ou odiassem. E o apelo verbal ou teórico ao amor converte-se em voz no deserto... Fala-se em tradição. Mas você não pode transferir esta vida ou esta realidade para a Idade Média, a qual nada tinha de liberal... A Idade Média não podia conceber o que fosse auto regulação do Mercado ou este enfeudamente do setor econômico enfiado em sua torre de Cristal. Para os sábios medievos, herdeiros da tradição antiga e imemorial, era a econômia uma atividade humana - não rigorosamente exata ou calculada - e assim como a jurisprudência ou a política sujeita ao primado da Ètica. Este foi e é o pensamento e sentir da Igreja... Não o pensamento liberal.

Assim a questão não é material, como cogitaram Marx e seus críticos. Tudo isto é vão e ilusório e a crítica de Marx, se leva a algum lugar e eletriza, não é contudo a mais profunda ou a que coloca o dedo no fundo da ferida... Surpreendentemente a crítica mais profunda parte desta igreja 'leviana' servida por homens tão volúveis... Tomemos a definição, refinada, de Sombart - É o Capitalismo um éthos ou um espírito, uma forma de consciência enfim. E este é seu fundo como veremos, aquilo que o torna venenoso e intolerável ao Cristão. Marx, materialista não o pode aceitar... Para ele tudo é encontro de capitais com técnica, do que resulta a posse privada dos meios de produção e o regime assalariado, ficando este 'mau em si mesmo'. Os Marxistas condenam inexoravelmente a posse pirvada dos meios de produção e o regime assalariado, e para eles isto fica sendo capitalismo...

Ora, a Igreja, com Sombart, não vê as coisas desta maneira. Por isso infinitos autores Católicos bem intecionados, analisam as coisas por este ângulo e absolvem precipitadamente o Capitalismo, declarando que nada há de essencialmente mau na posse privada dos bens de produção e no regime assalariado. Os Católicos creem sinceramente que esses meios ou métodos materiais são Cristianizáveis ou que se tornam bons, desde que animados por uma Ética Cristã de respeito a pessoa, e chegamos ao citado Leon Harmel...

Mas a Igreja usou, paradoxalmente, o olhar de Marx, que é equivocado, e que não nos dá a essência do sistema. Temos de buscar por ela...

Que é o espírito animador do lucro máximo, do acumulo irrestrito de bens materiais, do capital, dos juros, da plus valia senão a já citada avareza, fruto do egoísmo, um pecado mortal enfim??? Damos ai com o espírito corrupto... Alias um sacerdote insuspeito - Meinvielle - já analisou este sistema em termos de matéria e forma, aplicando o método de Aristóteles. Sem endossar todas as suas teses, concluímos que o Capitalismo torna-se inaceitável face a perspectiva Católica, por sua forma ou impulso que é uma avareza que chega ao materialismo chão.

Neste sentido temos de admitir que o Capitalismo, cuja estrutura material é aproveitável é em si mesmo um pecado e uma execração. Não é o Capitalismo que resta, o que resta é um MERCADO, um Mercado RELATIVAMENTE livre - e portanto não Liberal nos termos clássicos - e voltado para as necessidades humanas. O Mercado existe em termos de natureza, se organiza, reorganiza e assume forças distintas, variadas, exóticas... que devem ser penetradas e animadas pelo espírito Cristão ou pela Ética da Igreja. Podemos falar sem temor não em qualquer conciliação com o Capitalismo - cujo éthos deve ser eliminado pela ética Católica em termos de solidariedade, fraternidade, alteridade - mas num Socialismo de Mercado ou num Mercado voltado para a qualidade de vida das pessoas.

Falando num Mercado relativamente livre e portanto, ao menos em parte regulado pelo corpo social estamos falando em Capitalismo ou em Liberalismo Clássico??? DE MODO ALGUM, pelo simples fato de que o Capitalismo ou o Ideal de Capitalismo implica a auto regulação, opondo-se seus teóricos a toda e qualquer medida - por ínfima que seja - de regulação externa, assim social e política. Para eles a econômia corresponde a um existir a parte, com suas próṕrias leis, a algo independente enfim, a algo em que não se deve mexer, para que funcione bem. Portanto, postulando não a eliminação do Mercado, mas um controle relativo, em benefício da comunidade, não estamos assumindo ou sancionando o discurso Capitalista. Tal o discurso da Igreja, expresso pela DSI e a primeira certeza que se nos manifesta ao examina-lo é que se não é Comunista, Liberal ou Capitalista não é.

De fato a Igreja sempre primou pela defesa das liberdades, a exceção daquela que visa julgar a fé - i é o livre exame protestante... E foi brava em seu combate ao determinismo teológico dos calvinistas. Assim ela não pode negar que certa medida de liberdade seja benéfica as relações econômicas. No mesmo sentido assume, e com razão, a defesa da propriedade como natural. O que é absolutamente certo em se tratando da propriedade pessoal - seja de consumo ou de produção (assim a pequena empresa familiar nos moldes chineses) - e funcional. Sem no entanto deixar de condenar o 'jus abutandi' e afirmar sua finalidade social, em conexão com o bem comum. A doutrina aqui é excelente e o vício é a falta de compromisso para com ela...

Seja como for não é a Igreja tola ou ingênua, e se a princípio mostrou certo pasmo face a nova realidade, por meio de Leão XIII na Rerum Novarum admitiu a necessidade de uma regulação externa ou política do Mercado tendo em vista a promoção humana, a justiça social, a erradicação da miséria, etc E admitiu, é claro, que esta intervenção partiria do Estado. O que ela não examinou aquele tempo é em que medida o estado, passando a ser dominado ele mesmo - como dizem Laloup Nelis na obra citada - pelo poder econômico (dos trustes e cartéis inclusive) cessando de ser uma instância neutra ou isenta para converter-se em órgão da plutocracia e cimento de uma ditadura completa. Essa crítica vale para todos os socialistas estatólatras ou dirigistas sejam fascistas, nazistas ou comunistas... Mas admitiu a regulação estatal, embora ela mesma desconfiasse daquele novo estado que se tornava liberal...

De fato a Igreja, ainda aqui as relações e doutrinas mostraram-se problemáticas e cheias de nuances. Pois se a um lado não podia admitir os pressupostos do liberalismo clássico sem atraiçoar suas tradições a outro temia favorecer já um Estado em vias de se tornar liberal que a havia despojado de suas instituições, já a proposta de Estado futuro e ditatorial dos Comunistas... Um e outro tipo de Estado assustavam-na seja porque não os podia controlar ou inspirar. Limitou-se ela a condenar, e era inelutável, o liberalismo crasso, sem deixar de fulminar, igualmente, o autoritarismo estatólatra, o dirigismo absoluto e o totalitarismo pagão... Nesta questão de política ela nada precisou de muito claro. Leão XIII, conciliou-se com as exigências da democracia - um progresso a seu tempo - mas de uma democracia liberal ou burguesa. Essa mesma democracia foi muito resistente, como parte dos neo Católicos, as novas orientações propostas pela DSI e houve mesmo quem se escandalizasse - como os grandes apologistas pagãos adversários do Cristianismo - face ao empenho 'leonino' para com as exigência da justiça.

Os neo católicos por sinal não só forcejaram por de lado qualquer sentido de justiça relacionado com a condição econômica, como falsearam a doutrina evangélica da caridade, supondo que esta fosse voluntária ou livre, quando é norma, regra e lei para os Cristãos. No entanto Von Keteller e o sínodo de Mayence já havia acenado com a demanda da justiça em 1848. E após a Rerum Novarum e os estudos sociais em torno do tomismo, realizados em Malines e Liége sob o empenho de Mercier (de que resultaram os soberbos Cadernos sociais) consolidou-se mais e mais esta posição em termos de DSI, tornando manifesta a falta de sinceridade dos neo católicos liberais.

A partir de algum tempo no século XX, especialmente após a abominação ecumênica ou o surto de protestantização - e consequentemente de individualismo e assunção da pseudo cultura americanista - puzeram-se os neo católicos liberais, em assomo de desonestidade, a atacar e agredir indiscriminadamente os demais Cristãos, herdeiros do Catolicismo social, e isto a ponto de trata-los por comunistas i é exatamente como preceitua a cartilha Norte Americana de inspiração protestante, logo descarnada, idealista, individualista e puritana... Claro que a Teologia da Libertação assumiu posturas equivocadas, a ponto de poder ser classificada como uma degeneração ou uma queda em termos de idealidade. O que não justifica, de modo algum, que os Católicos socias e fiéis a DSI sejam igualmente agredidos, atacados e insultados quando representam a consciência social da Igreja, consciência de que eles, liberais, apostataram a muito, opondo-se ao sentido da Encarnação do Senhor.

Escandalizaram-se com razão do autoritarismo bolchevista, e assim dos autoritarismos Fascista e Nazista. E reduziram toda e qualquer oposição ao liberalismo crasso ou ao capitalismo a tais formas de dirigismo estatal, editando e reeditando o falso dilema - Capitalismo/Comunismo, dilema a que a DSI tenta escapar... E por esta via chegamos aos Socialismos heterodoxos - heterodoxos para o Comunismo por terem absorvido elementos já liberais, já anarquistas, já Cristãos...

Num primeiro momento buscam os neo católicos, como todo liberal desonesto, fingir que ignoram a existência de tais ideias ou grupos. Supondo, como acabamos de dizer, que tudo se resuma no binômio maniqueísta - Capitalismo bom X Comunismo mau... Agora quando um Católico instruido e leal ousa pronunciar a odiada palavra 'Socialismos' fazem uma grande bulha declarando que o Católico não pode ser socialista, gritando e batendo o pé. E fazem uma tremenda guerra ou batalha com palavras... Afinal se não se pode ser Comunista ou Socialista só podemos ser Capitalistas, concluem triunfalmente sem sequer analisarem a possibilidade de uma solução puramente Cristã ou Católica.

Para nós toda essa questão de palavras, tão cara a eles, faz bem pouco sentido. Os Católicos do Século XIX chamavam a si mesmos de Sociais (o que já se opõem a individuais ou a liberais) ou mesmo de socialistas (apud Brunetière 1904). Assim na Bélgica durante as primeiras décadas do século passado com Verstraet e na Alemanha com H Martens (apud Laloup Nelis p 199). A condenação oficial foi editada a posteriori e tendo em vista os Socialismos Naturalistas que chegavam ao materialismo, ao ateísmo e ao anti clericalismo. Claro que os Católicos não podiam aderir a princípios naturalistas.

Seja como for os Católicos, ressalvando os direitos essenciais da pessoa humana, continuaram afirmando a primazia do corpo social, particularmente em seus campos, como política e economia. É irrelevante que tenham assumido diversos nomes ou títulos: Sociais, trabalhistas, humanistas, personalistas, solidaristas, comunitaristas, cooperativistas, distributivistas, etc, etc, etc Cada um destes termos encobria uma solução que se opunha as pretessões do liberalismo crasso, cada um deles era uma negação do Capitalismo, cada um deles representava uma afirmação do comum... pois todos comportavam restrições externas ao Mercado.

Agora, claro que apartando-se dos socialismos extremistas e virulentos, que se escoravam no despotismo - comunismo, nazismo e fascismo - os Católicos, em demanda por soluções cada vez mais práticas e concretas, só podiam aproximar-se destes socialismos heterodoxos tributários não apenas dos anarquistas e liberais mas também de uma herança cultural Católica ou duma tradição inconsciente. Esta fuga comum, tanto dos socialismos hetedoroxos quando da DSI face ao dirigismo estatizante foi o ponto de encontro entre as duas correntes. Não só os socialismos todos, desfigurados pelo liberalismo, reportavam (opus cit) a uma Ética Católica, como o Catolicismo compreendia um Socialismo religioso, como a totalidade das religiões antigas a exemplo dos antigos Sumérios ou dos antigos Incas.

Concretamente este ponto de encontro foram as cooperativas, os sindicatos, as sociedade de apoio mútuo ou caixas, as quais podemos adicionar corporações, montepios, etc Quanto a uma ordem mais ampla a democratização econômica ou ao 'múltiplo' gerenciamento de empresas e fábricas, o qual contava com a participação do governo local, dos empregados, dos administradores e consumidores. Todas estas diversas formas sugeridas por Herr, Jauŕes, De Man, Deat e muitos outros foram já inspiradas no passado comum, já apreciadas pela mãe Igreja.

Agora a propósito destas formas de Socialismos autoritários ou despóticos, sempre citadas pelos liberais e com o costumeiro azedume, devemos considerar que nem este autoritarismo é fruto do socialismo - uma vez que a monarquia absoluta, a ditadura, etc são anteriores a ele (quanto a suas formas modernas) - e tampouco o socialismo filho do autoritarismo, isto pelos simples fato dos socialismos heterodoxos sempre terem se mantido fiéis a alguns pressupostos essenciais dos liberalismos (do pessoal, do religioso, do político...) ou incorporado tradições anarquistas e Católicas. Podemos interpretar Socialismo e Autoritarismo como fenômenos históricos paralelos que num dado momento vieram a se encontrar, excluindo qualquer relação essencial ou ontológica. Alias Autoritarismo e Religião também se encontraram... Mesmo Liberalismo e Autoritarismo, produzindo plutocracia, imperialismo, opressão dissimulada, etc

Para encerrar esta longa e fastidiosa exposição gostaria de abordar um tema repisado por alguns autores mas que ainda não encontrei na obra de Laloup Nelis. Refiro-me a demolição da ordem social Católica pelo liberalismo triunfante. A Igreja sempre buscou beneficiar concretamente a pessoa humana, inclusive a igreja romana, e em seus piores momentos. O Catolicismo antigo ou Ortodoxo cobriu o mundo inteiro com Escolas, Asilos, Hospitais, dispensários a exemplo do Nozokomion de S Fabíola ou da Basiliada de Cesareia... O dilúvio islâmico no Oriente e germânico no Ocidente converteram esse esforço titânico em ruínas fumengantes! No Ocidente, ao menos desde Carlos Magno este esforço foi retomado e mais uma vez a Europa Ocidental foi coberta por escolas, asilos, hortas comunais, orfanatos, etc No entanto a desagregação da unidade política e a afirmação do feudalismo - com seus conflitos - fez reverter, mais uma vez, tudo isto...

Após as cruzadas e os renascimentos, mais uma vez, a Igreja assume a direção dos negócios e vai reedificando as antigas instituições, geralmente em torno de algum mosteiro. Mais uma vez as pontes, caminhos, albergues, escolas, bibliotecas, etc vão sendo reconstruídos. Em Bizâncio, o sistema de proteção social assume uma proporção e eficiência jamais vistas até então. No entanto Bizâncio é destruida pelos turcos enquanto a Reforma estoura no Ocidente. Cobett refere-se a destruição da rêde de proteção mantida pela Igreja romana na Inglaterra e a destruição das Bibliotecas, dispensários, escolas, hospitais, etc Doellinger faz um levantamento colossal dos estragos produzidos pela reforma na Alemanha e elabora um inventário das instituições tragadas por esse movimento. Os mesmos estragos reproduzidos na França, Bélgica e Holanda ainda não foram devidamente elencados e descritos, no entanto podemos dar por dezenas de milhares as instituições demolidas. Hipoteticamente, com a afirmação da reforma, o Estado ou a comunidade secular, assumiria tais cuidados, os cuidados sociais... Ao menos de imediato muito pouco foi feito e ao que parece o Estado secular moderno jamais conseguiu equiparar-se a igreja antiga... Ficando a maior parte dos homens socialmente desamparados, ao menos nas novas sociedades...

Quanto as sociedades que retornaram ao modelo católico ou papista as dificuldades não foram menores. Pois já o estado secular, apelando sempre a uma possibilidade de cisma ou reforma, impunha restrições a ação da Igreja. De modo que desta vez as instituições foram criadas muito lentamente, e consolidando-se, mais e mais, um deficit social. No entanto, o quanto fora criado e estava sendo novamente gerido pela Igreja foi novamente abalado, ao menos na França, pela grande Revolução e da destruição de toda essa rede de assistência monacal - já ineficaz - até a formulação das primeiras leis trabalhistas foram cem anos de miséria extrema (assim de 1850 a 1890) e temos de perguntar sobre o quanto ela beneficiou os paladinos do liberalismo. Quanto aos outros países europeus assistiu-se a uma espécie de campanha politica com o objetivo de despojar a igreja das antigas instituições de beneficência. O que temos a dizer sobre isto é que a transferência foi falaciosa e que parte das instituições antigas - que já eram insuficientes - foi mais uma vez eliminada, produzindo um deficit social imenso. Claro que todas estas catástrofes sociais resultaram num desamparo generalizado e criaram um exército de pessoas dispostas a trabalhar sob quaisquer condições... Então temos de perguntar sobre até que ponto a demolição do aparato social foi intencional e correspondeu a certos interesses - Interesses de quem???

Temos de perceber que a ação social da Igreja, antes fecunda foi travada sob todas as formas pelo liberalismo, o qual estava a criar o seu exércido de reserva ou sua hoste de párias a serem explorados. A igreja de modo ou de outro os protegera - Pau na Igreja... As críticas dos Comunistas e Anarquistas só se tornam e se fazem justas na medida em que os neo Católicos comprometidos com o novo modelo não estiveram a altura de seus ancestrais, descuidando de recriar as antigas instituições de proteção a pessoa e mostrando-se indiferentes e insensíveis face a nova realidade produzida pela política liberal. A nova ordem, do século XIX, já não encontrou Católicos dispostos a investir no homem ou para a vida eterna, mas Católicos avarentos e acomodados, dispostos a investir apenas ou especialmente no Mercado e a geri-lo tal e qual os protestantes i é explorando aquele grande exército de reserva e ignorando as mais elementares exigências da justiça.

E esta situação tornou-se tão dolorosa a ponto dos neo católicos apresentarem os sofrimentos que eles mesmos impunha, voluntaria ou livremente aos operários, como meritórios... Decretando que eles se conformassem com ser explorados por seus próprios irmãos e que depositassem suas esperanças apenas no além túmulo. Diante deste quadro terrível me pergunto sobre o quanto esta religião oportunista ou conveniente não favoreceu a revolta, a incredulidade, o materialismo e o ateísmo??? Pois uma coisa é declarar que os Cristãos devem aceitar os sofrimentos que sejam inevitáveis enquanto resultados de forças naturais e outra, anti cristã e monstruosa, consiste em declarar que devem aceitar ser explorados e oprimidos, por aqueles que deveriam ama-los e praticas a justiça i é por outros Católicos.

Na medida em que os proprietários e patrões Católicos achavam-se autorizados não só a oprimir como a exigir passividade por parte dos oprimidos, claro que a Sociedade apóstata cindiu-se em classes e que esta cisão, escandalosa, refletiu-se no clero! Laloup Nelis admitem-no honestamente.

Assim se a resposta do protestantismo foi nula a do Catolicismo foi vergonhosamente frágil, em que pese afirmar-se ele como uma religião de obras e em sintonia com a Encarnação de Deus. E da fragilidade desta resposta surgiram outras como o Comunismo, o Anarquismo e o Socialismo. Face ao liberalismo hipócrita que busca manipular e História e ocultar o problema, esses sistemas tiveram o mérito de denuncia-lo... Devo declarar por fim que ter de manter algo porque funciona - o Capitalismo - se me parece a mais miserável e estúpida das soluções e isto pelo simples fato do homem sempre ser capaz d aprimorar o que faz ao invés de contentar-se com o que tem. Por isso, esse contentamento artificial e artificioso, sempre nos lábios, dos defensores do sistema me parece essencialmente pernicioso, mais do que qualquer outra forma de comodismo. Ainda aqui temos de explorar outras possibilidades e a doutrina social da Igreja romana me parece bastante fecunda neste sentido.





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