segunda-feira, 16 de julho de 2018

O recuo da Revolução nas teorias sociais de vanguarda

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Segundo certa 'Escola' Jesus teria anunciado a manifestação imediata ou premente do 'Reino' de deus a seus seguidores. Estes, a seu tempo, teriam efetuado uma releitura, no sentido de aplica-la a 'segunda vinda' de seu líder, mas mantido a premência... da qual Paulo seria um típico representante.

No entanto a medida em que as gerações envelheciam ou morriam e o 'Senhor' não voltava, a igreja elaborou um novo tipo de padrão escatológico dedicado a prolongar o período intermediário entre sua fundação e a parousia. A interpretação, julgo eu, é bastante discutível senão artificiosa, serve no entanto como exemplo para mostrar o que aconteceu com a teoria revolucionária no interior do marxismo e do anarquismo.

Pois se Marx sempre se distinguiu por certo sentido de realidade, e por uma tendência a concepção etapista - a que chegou por fim - seus correligionários nem sempre se mostraram tão cautelosos, a ponto de crerem, na esteira da tradição jacobinista/individualista (de Voltaire?) que fosse possível adiantar o processo histórico. Sabe, aquela coisa de 'História feita por grandes homens ou por gênios' típica de Carlyle??? Bem isso...

Naturalmente que em alguns momentos Marx também entusiasmou-se ante a possibilidade de que a aquele fosse o momento decisivo. Assim em 1848, assim em 1870. No entanto, após o estrondoso fracasso da Comuna, tornou-se bem mais cauteloso.

De fato o desenvolvimento de sua teoria de Revolução parece conter o germe do quanto será elaborado por Engels, Kautsky e mesmo Gramsci e Bernstein após sua morte, numa linha de raciocínio coerente e lógico que apenas os sectários mais intransigentes são capazes de negar. O pensamento de Marx surge num contexto claramente jacobinista, insuflado pelo blaquismo, com sua ideia de insurreição, e é claro que o marxismo teve de ultrapassar o blanquismo como expressara Engels no prefácio de 1895.

A partir da superação do Blanquismo, em 1895 surgirão duas correntes rivais. A social democracia e o leninismo. Este no entanto esta mais próximo daquele Sorel, porque Lênin afeta arrogante desprezo, mas de cujas obras se nutriu. A autêntica tradição marxista ou a 'sucessão apostólica' parece estar mais próxima da social democracia, a qual se apresenta em Engels sob uma forma bastante equilibrada ou crítica, mas que virá a conhecer outras formas, tanto mais ingênuas é certo.

Importa saber que a solução insercionista ou social democrática, é Engels que no-lo diz (e isto é prenhe de significados), já se apresenta de forma antecipada no famoso Manifesto, onde deparamos com um estímulo a luta pelo sufrágio universal. O mesmo Engels, a continuação, declara - Lassalle tomou o princípio e levou adiante. Apropriou-se de um princípio afirmado historicamente por Marx e Engels em 1848. Engels pode registra-lo sem problemas em 1895 porque Marx já estava morto e, devemos ser claros, Marx nutria por Lassalle uma espécie de inveja que o levava a perder a razão, chegando ao insulto...

Em 1870 Bismarck, tendo em vista certos objetivos, estabelece o sufrágio universal na Alemanha recém unificada e os socialistas de modo geral, inclusive os marxistas, encaram esta alteração política como uma chance ou oportunidade para aproximarem-se do poder. Formam partido e elegem August Bebel, um marxista ortodoxo. No mesmo ano congregam-se em Gotha e subscrevem um programa. Antes que o ano termine Marx subteme o programa de Gotha a uma crítica até hoje bastante citada nos meios marxistas.

Marx arrelia contra a inserção ou contra a social democracia. Buscamos o sentido de sua crítica... E, ao que tudo indica, parece ser sua antipatia insuperável face a Lassalle, falecido já a dez anos. No entanto, em que pese a Crítica tão aplaudida, após algumas emendas destinadas a dissipar certos ares de nacionalismo, Marx dá seu placet  - compreenda-se que Marx não é um São Francisco de Assis corrido por Fr Elias e que nada se faria sem ele em termos de comunismo ou socialismo alemão! - e o partido socialista alemão se torna uma realidade. Dez anos depois e dois anos após sua morte, a filha Eleanor, admitirá que Marx publicou aquela crítica por ódio ao rival falecido e que nos últimos anos de sua vida inclinara-se a social democracia.

Engels o sabia e por isso, com a devida cautela, toma o mesmo caminho.

Importa saber como Marx veio a encarar a Revolução na última década de sua vida. Formulou-se a teoria de Revolução em termos inequivocadamente etapistas ou realistas. O Capitalismo desenvolvendo-se produzindo contradições internas criaria as condições necessárias para a Revolução e sem as quais a Revolução não aconteceria. A História ou melhor a produção econômica é responsável pelas condições dadas, a partir das quais haverão os homens de atuar. Sem as condições dadas conjuração alguma provocada por um ou alguns indivíduos produzirá qualquer coisa... De modo que a Revolução Marxista, embora não seja institucional ou legal, tampouco será violenta ou hecatômbica como a Revolução francesa. Não será nem pacífica mas também não será sangrenta... Neste caso como se dará?

Marx acreditava que do máximo desenvolvimento do capitalismo resultaria um tipo de composição social jamais visto - A um lado um pequeno grupo de grandes capitalistas e a outro uma multidão imensa de proletários. Neste caso a revolução seria pacífica, pois o exército colossal de trabalhadores, cooptados e formados pelo partido comunista, simplesmente removeria esta diminuta elite de parasitas e assumiria o controle. E os mortos não passariam de algumas centenas ou no máximo de alguns milhares de resistentes. Marx no entanto sabia muito bem que essa diminuta minoria de senhores ou nababos haveria de comprar ou de manipular outro significativo contingente de seres humanos, os lupem proletários - ou as massas alienadas - e que estes lutariam por eles.

A questão dessas massas manipuladas pelos milionários e políticos é ainda hoje atual, mas parece não ter preocupado demasiadamente Marx. Teria sido ela a principal responsável por concilia-lo com o insercionismo? Eis o que não sabemos. Digo que a questão das massas manipuladas, numa conjuntura revolucionária, é bastante atual, pelo simples fato dos revolucionários entusiastas ou patológicos, encararem tais massas como carne de canhão... Renunciando a qualquer esforço mais sério no sentido de educa-las, apenas porque semelhante projeto significaria protelar a querida revolução, e há aqui um certo menosprezo pelo elemento humano que não percebo ser compatível com a nobreza da tarefa assumida.

Seja como fora é certo que Engels acabou pronunciando por uma solução não totalmente desprovida de certo sentido humano, a 'violência defensiva', aproximando-se do conceito tradicionalmente Cristão de guerra justa. Claro que para os humanistas os conceitos de Revolução necessária e guerra justa devem hipostasiar-se face as exigências da justiça. O que torna a Revolução em tais casos, tão desejável quanto uma cirurgia. Outro é o caso de entusiasmar-se por uma cirurgia, em termos quase místicos. Quando imaginamos ou concebemos a solução revolucionária, como única e final, como um medicamento amargo, uma cauterização ou uma cirurgia, a que não se pode fugir, penso que estamos no plano da realidade. Quando vibramos com ela ou com seus excessos, chegamos a psicopatia. Talvez, para muitos, esta linha parece tênue. Nós acreditamos que seja real.

Percebam que com Marx a Revolução recua até o máximo desenvolvimento do sistema capitalista e portanto da urbanização, quando as condições necessárias são dadas pelo processo histórico, independentemente das ações humanas ou individuais. O que, ao tempo de Marx, supunha um prazo de tempo mais ou menos longo para diversas sociedades como as mediterrânicas ou a russa. De fato Marx acreditava que Inglaterra e Alemanha eram as sociedades mais propícias a Revolução num prazo mais curto. Portanto a Revolução não era para já como imaginava Bakunin...

A propósito de Bakunin e dos anarquistas temos de compreender que o sentido de Revolução em Proudhon tampouco parece ser jacobinista, blanquista ou draconiano. E ele se refere amiúde a Alexandre, Júlio César e outros conquistadores como tipos de revolucionários por terem produzido, um e outro, a partir de suas conquistas, condições favoráveis a circulação ou difusão de ideias, que a longo prazo haveriam de alterar a realidade social. Assim S luis fica sendo revolucionário porque organizou as Guildas medievais como observa Nisbet 'Os filósofos sociais' 1982 p 367 "É impossivel não concluir que Revolução no pensamento de Proudhon, não passa de uma palavra destinada a designar qualquer mudança social importante, decisiva e irresistível." ib ibd


Tal e qual costumamos dizer Revolução Cristã, Revolução socrática, Revolução sexual, etc

Assim se Bakunin, influenciado pelo psicopata e demagogo Nechayev, por quem alias era apaixonado, passa a apresentar a 'propaganda pelo fato' nos termos terroristas de um Thomaz Muntzer e a apregoar o veneno, a corda, o estrangulamento, etc Temos que o tema tão querido aos atuais anarcóides, aparece apenas esporadicamente no Kropotkin maduro, o qual na velhice aproximasse definitivamente de L Tolstoi e de uma solução ética em que percebemos um eco do Evangelho. Longe de embarcar na canoa furada de Maquiavel, pouco antes de passar a eternidade, o patriarca dos anarquistas eslavos, ousa erguer sua voz contra o todo poderoso Lênin e condenar o recurso ao fuzilamento, a tortura e outros meios anti humanos porque se queria levar a Revolução a cabo, manchando a nobre doutrina do socialismo (A expressão é de Kropotkin).

O emprego sistemático da violência numa perspectiva individualista - condenado pelos mesmo pelos blanquistas e sorelianos - por parte de J Most, O Henry, Ravachol e outros não passou duma fase na vida do próprio Bakunin, e a respeito do qual não achamos consonância quer em Proudhon, quer em Kropotkin. Neste caso por que os anarquistas ou parte deles teriam adotado semelhante método a não ser por questões de ordem patológica que nos remetem a psicopatia. Que haverá de ideológico em explodir ou fuzilar civis inocentes numa praça qualquer??? O anarquismo teve de pagar o justo preço por isto e seus paladinos - apos terem ceifado a vida de mulheres, idosos e crianças - de serem levados ao cadafalso, além de terem fornecido a burguesia amplo repertório de fantasmas com que povoar o imaginário das massas alienadas, precavendo-as contra quaisquer mostras de justa indignação face ao sistema. Foi um método contraproducente, embora aplaudido e louvado por alguns 'bostinhas' de nosso tempo...

A corrente rival - face a social democracia - que desenvolveu-se no marxismo recebeu o nome de leninismo, por ter sido elaborada por W Lênin na Rússia. Lênin, a princípio fora pupilo de Plekhanov, o qual na juventude, confabulará com Engels e assimilara o etapismo. Foi Plekanov que os Nayrodnyia objetaram dizendo: "Por que para chegar no paraíso comunista temos nós de passar pelo inferno capitalista?" questionando o sistema evolucionista linear. Pois bem, Lênin acabou afastando-se de seu mestre por chegar a crer - contra Marx - que a Revolução podia acontecer sem que o capitalismo se desenvolve-se ao máximo na Rússia. A Revolução devia acontecer agora ou já, o que supunha uma tática distinta tanto da propaganda pelo fato de Bakunin quanto as conjurações Blanquistas. Engels já havia indicado o árduo caminho no prefácio de 1895, mas Engels, como Marx, dava tempo ao tempo. Lênin não... Daí ter tomado o conceito de elite guerrilheira as obras do anarquista francês Sorel. Foi esta tática vanguardista que lhe permitiu, contra as advertências de Marx, 'adiantar a História' e implantar sua querida Revolução (em termos jacobinistas) num país predominantemente rural recém saído da feudalidade.


A custa de indizíveis sofrimentos e crueldades, prolongou-se esta estado, anômalo, de coisas, até 1989, quando caiu. Possibilitando a canalha liberal economicista, declarar que a solução socialista, de modo geral, estava morta e sepultada. A parte honesta dos próprios marxistas no entanto teve de concluir pelo erro cabal de Lênin, i é, de pretender fugir as condições dadas e apressar o processo histórico. Claro que semelhante advertência só faz sentido dentro da ótica marxista em que eles, que se dizem marxistas, se situam. Eu fico com os Nayrodnyias e com certas correntes anarquistas que encaram a passagem das antigas formas para o capitalismo ou para o tecnicismo como absolutamente desnecessárias e indesejáveis.


Resta-nos dizer que após Marx e Engels terem preparado o caminho Kautsky, Adler, Rosa, Gramsci e outros, ao menos em algum momento de suas trajetórias chegaram a cogitar se o domínio do Parlamento pelos socialistas através das eleições não corresponderia a 'Ditadura do proletariado' ou não seria seu ponto de partida? Para os leninistas cada um deles - e muitos outros - mereceu ser classificado como revisionista, o que para nós significaria traidor, renegado ou herético... Bernstein no entanto foi que, rompendo com todas as convenções, estabeleceu o babovismo/blanquismo como ponto de partida do jovem Marx, sendo capaz de traçar toda a ulterior evolução de seu pensamento até a morte de Engels, concluindo por uma política parlamentar que, em que pese as advertências de Engels e os exemplos de Bebel e Guesde não deixou de ser contraproducente e degradante, devido as alianças ou pactos imorais e as lutas pelo poder. E alguns disseram que o homem há que entrar no cenário da política institucional para sujar os pés...


Claro que a opção/ação social democrata precisa de uma alta doze de criticidade, tal e qual fora sugerida por Engels. E que de modo algum elimina a possibilidade ou mesmo a necessidade de uma Revolução ou de uma guerra justa tendo em vista satisfazer a demanda da justiça. O que não nos leva a, esgotados todos os recursos possíveis (como a desobediência cívil, a greve geral, etc ) ao delírio místico em torno da violência desbragada ou a ignorar os riscos implicados em tal opção. Pois como temos dito e repetido em diversas ocasiões, a revolução é como um remédio amargo, uma cauterização ou uma cirurgia, e quem a olha com encantamento só pode ter sérios problemas de ordem psicológica. Nós não excluímos a Revolução, mas tampouco encara-mo-la como receita de bolo ou bula de remédio, a exemplo dos jacobinistas. Nem será ela capaz de eliminar todos os nossos problemas. Mesmo uma Revolução, para ser bem sucedida, exige que as massas sejam transformadas em povo consciente e levadas a cabo por ele, devendo vir de baixo para cima. Assim a Revolução, também ela, deverá ser preparada com décadas de antecedência e não realizada a esmo. Mesmo Lênin sabia que um mínimo de organização e de coordenação era absolutamente necessário. Então já sabemos porque todas as conjurações anarquistas, mesmo a conjuração espanhola, falharam estrondosamente.


No próximo artigo tentaremos examinar a teoria revolucionária sob a perspectiva da ética e da própria liberdade.




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August Bebel

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