Aqui chegamos a De Mann, e o deixamos para o fim apenas por ter concentrado sua crítica numa destas culturas de morte, o comunismo ou marxismo ortodoxo. Grosso modo De Man não nega o Marxismo, aprofunda-o. Parte dele e ultrapassa-o dialeticamente. Não toma Marx e Engels como escrituras canônicas e inspiradas, dialoga com eles, buscando isolar-lhes dos defeitos, para consolidar-lhes os méritos.
Os marxistas não levam isto a bem. Pois animados por uma mística secular ou por uma religiosidade inconfessável não podem admitir que Marx ou Engels, como seres humanos que eram, se tenham equivocado. Para eles criticas Marx ou Engels equivaleria a criticar o Evangelho para um Cristão, a criticar a Torá para um judeu ou a criticar o Corão para um muçulmano, equivaleria enfim a uma heresia... Do contrário os marxistas dialogariam com Marx tal e quam dialogamos com Platão, Cícero ou Agostinho... Entre eles no entanto Marx é citado como autoridade, em termos de 'Magister dixit' tendo inclusive sucessão apostólica, ao menos para os leninistas... Lembrem-se das carinhas e do culto a personalidade tão característico entre eles como a devoção aos santos entre os Cristãos. É todo um Vaticano em miniatura, digo o partido comunista russo, com seu CC, politburo, etc i é Rota romana, santo ofício, papa, cardeais... No entanto, como os 'católicos' integralistas estão acostumados a saber rsrsrsrsrs tomar soluções políticas a modelos religiosos não é nem um pouco recomendável...
A primeira dentre as conclusões sacadas por Man é que o marxismo só é válido enquanto teoria econômica, o que sabe a Herr, Jaurés, Andler, Bauer e toda escola de Franckfurt...
Outra constatação sua, que sabe a Grayling e que chega a ser obvia é que o Marxismo corresponde a ética ou ao ideal Católico secularizado. Tornou-se - o socialismo antes do comunismo - vingador de um ideal Cristão que a igreja, em determinado momento havia abandonado. Como fora também, em certos casos, herdeiro de um ideal tanto mais apurado de democracia (popular, direta, semi direta) sacrificado pela burguesia vitoriosa. Dito isto De Man recorrer ao argumento clássico e irretorquível segundo qual o socialismo realizou-se apenas nas velhas sociedades cuja cultura era Cristã, e digo mais Católica. Pois como salienta Sombart pais protestante algum - até a Escandinávia já descristianizada dos anos 30 - assumiu esta pauta, especialmente os EUA, que a ela se mostraram refratários, passando a comandar a resistência anti socialista (cf Sombart 'Por que o socialismo não floresce nos Estados Unidos'?)
De Man responde com simplicidade declarando que: É do Cristianismo que procede este sentimento de igualdade acalentado pelas massas; da época feudal, com o equilíbrio entre direitos e deveres... De fato fora este Cristianismo e não o arreio dos cavalos, como quer o Dr Noel, que havia convertido o escravo ja em homem livre ou em servo, mesmo quanto limitara-se em afirmar a plena igualdade religiosa entre os homens, verdade jamais admitida pelo paganismo antigo, para o qual os escravos eram escravos ou seres inferiores mesmo face aos deuses e em tudo quando concernia a vida religiosa. Pois este homem não pode ser igual face aos deuses sem que se torne igual a todos os homens! Ademais os escravos sempre se poderia atribuir outras funções aos escravos, e nada implicava a necessidade absolutas de liberta-los!
"Os móveis da convicção socialista não são criação do tempo presente, tem seu ponto do partido num passado remoto."Tão remoto quando chega a um Urukagina de Lasgash ou, numa perspectiva Cristã, a Orígenes, Cipriano, Justino... ou ao tempo em que os Cristãos tendo vida em comum tudo partilhavam uns com os outros; ideal assumido perpetuamente pela instituição modelar dos mosteiros. Em que os heróis da fé vivem vida sóbria ou regular, servindo de exemplo a toda comunidade, com o objetivo de lembra-la de que estamos de passagem neste mundo, e de que acumular corresponde a um objetivo sórdido e egoísta, a avareza.
O socialismo já existia antes de qualquer movimento operário e antes mesmo do surgimento da classe operária. E mesmo Henry Beer, autor insuspeito, teve de dedicar uma sessão em sua 'História do socialismo' ao Catolicismo antigo, chegando a citar Jerônimo de Stridon e Ambrósio cuja condenação a acúmulo é mais severa do que a condenação lavrada pelo comunismo. Assim Benoit Malôn no 'Socialismo integral' (1891) vol I, decida um capítulo inteiro ao Catolicismo antigo e seu conteúdo social. E mais recentemente o erudito Luiz Francisco F. de Souza em sua obra monumental "Socialismo uma utopia Cristã". Assim o florilégio patrístico intitulado 'Por que a igreja condena os ricos' editado pela casa Paulinas...
Já Tasso da Silveira, o crítico literário Católico ventilará a hipótese de que os russos haviam abraçado equivocadamente o comunismo devido a um marcado sentimento de justiça, introduzido pelo Cristianismo tradicional ou Católico Ortodoxo. E salienta que tal fora a fonte do jovem Maxim Gorki cuja pregação socialista, tão benéfica ao comunismo, jamais deixou de ter acentos Cristãos e profundamente humanos. Lembremos ainda que esse mesmo Gorki não hesitará em reprochar a Lênin seus métodos desumanos e maquiavélicos...
"Não foi por mero acaso, que os primeiros militantes do movimento NÃO HAVIAM SIDO OS OPERÁRIOS DAS FÁBRICAS, mas os obreiros semi artesãos da pequena indústria tradicional ameaçada: tipógrafos, gravadores, marceneiros, chapeleiros, relojoeiros, etc" continua o Dr De Man acrescentando o apoio dado pelos intelectuais ou funcionários públicos. Marx e Engels, como Bakunin e Kropotkin, Caffiero e Kautsky, Ruskin e Owen, etc, etc, etc Noventa por cento dos ideólogos socialistas pertenciam a classe alta, a nobreza ou a média burguesia e não a classe predestinada do proletariado. Daí ser já no princípio e se ter tornado um socialismo cada vez mais reformista ou pequeno burguês, como dizia Marx e cujo ideal era sempre parar a História ou faze-la recuar, o que Marx, progressista entusiasta, de modo algum admitia. O choque foi inevitável e para Marx o socialismo pequeno burguês converteu-se no mais odioso inimigo, por não compreender que o capitalismo devia seguir em sua marcha proletarizadora... No entanto aqueles homens queiram defender suas posições, e nem eram eles que oprimiam os proletários. Curiosamente Marx, postou-se ao lado daqueles que oprimiam os proletários e ameaçam os ofícios tradicionais, sendo, a seu tempo, encarado como traidor por eles.
O que a ideologia Marxista jamais logrou explicar foi como a consciência social dos proletários, apareceu primeiramente no setor médio ou pequeno burguês, e por que este setor não reproduziu a ideologia capitalista imposta pela ordem dominante??? Talvez como hoje, tenha havido mais adeptos da ideologia capitalista entre operários idiotas do que entre os odiosos pequeno burgueses, dos quais partiu a primeira reação ou esclarecimento.
Max Nordau, nas mentiras convencionais já aludia a esta maior sensibilidade do homem instruído e culto face as condições de injustiça, opressão e miséria. Constatando ser mais fácil o homem iletrado e ignorante suportar uma carga maior de exploração e que o funcionário publico ou o intelectual exasperava-se facilmente ao testemunhar a prosperidade do homem vulgar ou medíocre. Assim a indignação que levou a tona o velho ideal socialista não parte de proletários narcotizados mas da angústia interna ou moral de que é vítima o trabalhador intelectual, via de regra pequeno funcionário público mal remunerado. Nietzsche inclusive não pode deixar de perceber a inveja que corroía este homem desde que observava o capitalista emborcar uma garrafa de vinho do porto. O que Nietzsche não aquilatou foi que aquela inveja era justa, justa pelo simples fato de no mais da vezes aquele capitalista não passar de um charlatão fraudulento ou de um vil bajulador, enquanto que aquele, intelectual era honesto, virtuoso e capaz; enfim superior. O que nos leva a duvidar de que a atividade econômica guiada pelos movimentos do mercado favoreça a excelência e não a vulgaridade ou a mediocridade. Pareto também parece não ter levado em conta este problema e verificado se suas elites superiores eram verdadeiramente competentes em máximo grau ou as mais merecedoras.
Não adiante tentar fugir a esta verdade intuida por Platão e considerada por Gramsci:
"Os intelectuais estão na gênese da civilização. No mundo atual desempenham um papel bastante importante já que teem posse de parte do estado ao menos. Não são nem proletários nem capitalistas e me parece até que sejam mais hostis a burguesia do que os proletários, já que estão menos dominados por necessidades aquisitivas imediatistas." Lefranc 349
"Assim se para criar uma nova cultura, apenas os operários poderiam obter sucesso, apenas os intelectuais poderiam concebe-la." id ibdO que nos leva ao dia posterior a revolução i é a tomada de poder, e a resolução dos problemas administrativos. Tão presentes no pensamento de um Bauer, de um Herr, de um Andler ou de um Blum... quanto relegados ao acaso por nossos anarcotiticas ou anarcotontos espontaneístas e irracionalistas. De fato suas conjurações ou revoluções mais celebradas foram pro vinagre como a de Paris e a Espanhola, uma e outra devido a defeitos de coordenação interna; e caso saíssem vitoriosas não podemos ter certeza de que disto não adviessem ainda piores males para a população, devido a falta de planejamento i é a leviandade.
A obra de Man segue elencando os vícios, que não são poucos, do Comunismo e como Sorel ele não pode deixar de apontar para o dogma materialista mecanicista. Que conduziu o grosso dos epígonos e diadocos de Marx a social democracia.
Ainda aqui a abordagem de De Man é significativa.
Quanto aos trabalhadores rebelados identifica ele um complexo de inferioridade face a realidade econômica e não um ódio essencial. Tudo quanto parte dos trabalhadores aspira ou deseja são compensações afirmativas por meio de leis. Identificam-se com o reformismo ou com um capitalismo limitado pelo poder político (Social democracia), com um socialismo de mercado ou estado de bem estar, que segundo creem permitirá que cada qual ascenda segundo o mérito. Sentem-se desfavorecidos pelo regime de herança, pela educação desigual, pela democracia representativa, etc e por isso aspiram por uma igualdade de oportunidade ou ponto de partida, a partir da qual a desigualdade relativa se torne justa. O que nos lembra a doutrina de Bakunin.
Ao que parece o grosso do proletariado não aspira por uma igualdade absoluta que nivele a todos ou pelo paraíso marxista sem classes. Contenta-se com o assim chamado socialismo pequeno burguês satanizado por Marx, aspira que do lado de cá a proletarização seja revertida e que tudo desemboque numa ampla classe média, não mais média é claro. Sonham com o oposto a proletarização e a expressão concreta deste sonho seriam as leis trabalhistas, a educação pública para todos, uma democracia mais participativa. Querem condições iguais para seguirem adiante, algo que não seja nem comunismo nem capitalismo ao menos o capitalismo do Laissez faire.
Destarte quanto mais reformas são implementadas e quanto mais o capitalismo é limitado ou contido, tanto mais os trabalhadores contentam-se com a situação. Tanto mais o bolo é levado a partilha por força da lei e os trabalhadores inserem-se no sistema tanto mais conformam-se com sua condição. Tanto mais é o capitalismo freado e sua marcha contida, a reação trabalhista vai perdendo sua força. E fica sendo o socialismo reformista ou trabalhista o principal 'obex' no sentido de se atingir o paraíso comunista por meio do inferno capitalista, os trabalhadores e o povo de modo geral, se não querem ver o Capitalismo desenvolver-se - exceto nos EUA e nas sociedade infectadas pelo americanismo - tampouco aspiram destrui-lo por completo. Inclinam-se como já foi dito a uma terceira via entre Comunismo e Capitalismo ou a algum tipo de socialismo ameno.
Aos marxistas restou apenas a atitude especiosa de fazer causa comum com os Capitalistas, lutando sempre pelo 'quanto pior melhor'. Devem destruir todas as situações de equilíbrio e produzir situações de conflito com o objetivo de chegar ao paraíso prometido. Caso declarem abertamente que é necessário deixar livre o curso do Capitalismo para que se desenvolva ao máximo e produza as condições históricas necessárias a revolução, se converterão em chacota. Caso assumam sua 'simpatia' pelo capitalismo selvagem chegarão ao ridículo... Tudo quanto nos resta fazer é escolher entre as duas tradições: A social democrata, que nos levará ao reformismo e a uma estabilidade que os marxistas no fundo execram ou o Leninismo, cujo idealismo implica adiantar o impossível i é a revolução, desconsiderando, do mesmo modo, o ulterior desenvolvimento do Capitalismo. Poucos são os que desejam assumir o ritmo de Marx ou caminhar com ele, e uns apostam na contenção do capitalismo enquanto outros apostam no adiantamento da revolução; e tratam-se ambas as partes por heréticas, como os protestantes que discutem sobre o que sucederá antes, durante e após a segunda vinda de Jesus... A situação é parecida.