sábado, 2 de dezembro de 2017

O humanismo de 'Assassinato no expresso do Oriente'

 Resultado de imagem para filme assassinato no expresso do oriente


Confesso que não sou fã de romances policiais.

De uma tia, já falecida, ouvi dizer que sua mãe obrigara-a a ler todas as obras de Aghata Christie para que se tornasse mais esperta, uma vez que era uma mocinha bastante ingênua.

Apesar disto, jamais lí qualquer livro de Doyle, Aghata ou Simenon; Sherlock Holmes, Poirot e Maigret não fazem parte de meu círculo de Amizades, sou mais um Dostoevsky, um Mika Watari, um Robert Graves ou um Gore Vidal e minha predileção é pelo romance histórico.

No entanto quanto os poucos romances policiais que li - li alguns de 'segunda classe' - consegui desvendar o mistério antes do final...

Neste fim de semana todavia fui convidado a assistir a mais recente obra de Branagh 'O assassinato no expresso do Oriente' e como nada me parece melhor, aproveitei a oportunidade e fui. Afinal, tendo nascido no ano seguinte, não poderia ter assistido a gravação homônima de Lumet (1974).

Nada direi sobre a trama em si, afinal não seria de bom tom, estragar o prazer de quem ainda não leu o livro ou assistiu o filme.

Limitar-me-ei a declarar que Branagh é daqueles bons e raros diretores que se mantém fiéis ao livro fonte, abstendo-se de deturpa-lo. Haja visto 'E o vento levou' de Mitchel alterado em 1939, 'O egípcio' de Mika alterado em 1954... Isto quanto aos filmes que assisti após ter lido as obras nas quais os diretores declaram terem se inspirado.

Branagh como disse prima pelo respeito as obras que declara gravar.

Neste caso por que assistir ao filme se já lemos o livro?

Porque ao ler o livro imaginamos enquanto que ao assistir a um filme qualquer, vemos e ouvimos, experimentando outros tipos de sensações.

Assim todo filme fiel é como que um livro 'encarnado' ou corporificado, o que reporta a uma outra dimensão, a dimensão dos sentidos.

Temos aqui um caso de assassinato, ocorrido no expresso, o qual reporta a um outro assassinato, este último marcadamente sádico e cruel.

Uma curiosidade. Quanto a este último assassinato Agatha Christie tomou por ponto de partida um drama da vida vivida - O sequestro e assassinato do filhinho do aviador Norte americano Ch Lindenbergh, o qual comocionou o mundo inteiro no comecinho dos anos trinta.

Uma vez que a composição de primeira classe achava-se fechada Poirot é levado a concluir que apenas um dos doze ocupantes daquela composição poderia ter cometido o crime em questão. Temos portanto doze suspeitos, um mais peculiar que o outro.

A sempre bela e deslumbrante Michelle Pffeifer como a socialite Norte Americana Caroline Hubbard.

O impecável Derek Jacobi como Ed Masterman, o mordomo.

Willem Dafoe como um professor nazista.

As divas Daisy Ridley e Lucy Boynton.A fantástica Judi Dench encarna com perfeição a princesa Natalia Dragomiroff. Por fim a Johnny Depp coube representar o finado sr Ratchett

Portanto, como se vê, temos aqui uma constelação de astros e estrelas, um elenco tarimbado.

Detalhe curioso é a diversidade de nacionalidades, raças e até mesmo de classes sociais incluída nesta primeira classe cujo destino final é Calais. A tensão nacionalista, racial e classista é marcante durante boa parte do filme.

Afinal temos ali um médico negro de origem norte americana e um hispânico muito bem sucedido em seus negócios...

Temos governantas, nobres, secretários, policiais e até mesmo uma freira...

Cenário ideal para que os conflitos aconteçam e multipliquem-se.

E é claro, cenário em que todos se tornam suspeitos em potencial.

Penso que a maioria dos amigos vão adorar acompanhar Poirot em suas conclusões... passo a passo... até o fim.

Bouc principiara dizendo, logo no começo do filme, que numa viagem de trem pessoas que jamais se viram ou verão novamente tem uma única coisa em comum, seu destino... Tudo nesta trama tenderá a demonstrar o contrário...

Importa saber que no fim e por fim o 'criminoso' (Mas será 'o' criminoso mesmo???) é descoberto...

Nem poderiam as coisas darem-se doutro modo estando ali, no 'Expresso do Oriente' o maior detetive do mundo, Hercule Poirot... Dandi ou janota belga cuja perspicácia jamais falha.

Aqui um dilema - Poirot, em tese ao menos, deve entregar tal pessoa a polícia, ou melhor dizendo, a forca. Conclui no entanto não estar diante de um criminoso vulgar, o qual, por assim dizer, mata por motivos banais ou pueris. Há por trás daquele pequeno drama uma drama bem maior...

Bem, o que se espera de uma senhora inglesa nascida ainda na Era vitoriana é que o sentido das formalidades legais predomine, e que o detetive, entregue o criminoso as autoridades, sem fazer qualquer caso da justiça, afinal, como tantos costumam repetir 'Lei e lei' ou ainda 'Dura lex sed lex'. Surpreendentemente é o que não acontece. Pois Poirot adotando um critério ético de justiça, mostra-se humano. Aqui, sem ser comunista ou anarquista, Agatha Christie mostra-se muito mais revolucionária...

Ao parar na derradeira estação foi a composição invadida por um desconhecido, o qual após ter assassinato, por motivos pecuniários sem dúvida, ao sr Harchett evadiu-se sem deixar pistas... Eis o que Poirot diz a polícia, a qual se dá por satisfeita...

Teria sido este o ocorrido??? Do contrário, que motivos teriam levado nosso homem a dize-lo???

Situações há em que a justiça se faz e é feita em cabines de trem, quartos de hotel ou aposentos de uma residência, não nas cortes judiciárias... Situações há em que devemos compreende-lo - como Hercule Poirot compreendeu-o.

Há nisto excelência, elevação e humanidade.

Nenhum comentário: