terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Reconsiderando o 'conceito tradicional' de deidade II

Fenômeno imensamente curioso este - Os Catolicismos ou a Ortodoxia Cristã produziu uma teologia sistemática coerente e consistente partindo da Encarnação do Verbo, mas jamais arvorou criar uma teodicea 'Cristã' em sintonia com o mistério central de nossa fé, permanecendo sempre atrelado a uma teodicea judaica ou melhor rabínica, muito próxima da teodicea - se assim podemos dizer - islâmica (claro que me refiro a extinta Mutazzila) e impermeável ao sentido da imanência.

E no entanto a concepção Cristã ou Católica de Deus é algo totalmente distinta da concepção semítica, pois aqui a transcendência esta drasticamente apartada do mundo material dos fenômenos e ali em comunhão com ele ou inserida. O deus judaico/muçulmano é ente descarnado, imaterial, puramente espiritual, simples, invisível e separado do mundo que produziu. O Deus Cristão se fez homem de carne e osso ou Emanuel, entrou no mundo material, assumiu-o e incorporou-o.

Eis duas ideias ou concepções diametralmente distintas - ali um deus separado de sua criação e aqui um Deus presente em sua criação. Diante disto a pergunta que se faz é: Por que a teodicea não acompanhou a teologia Cristã fazendo o mesmo percurso? Por que permaneceu a teologia Cristã acoplada a um teodicea não Cristã ou judaica? Afinal será que os Cristãos não tem o direito de rever 'sua' teodicea a luz da Teologia da Encarnação, produzindo uma teodicea Cristã? Por que esta parcela do vinho Novo deve permanecer enfiada nos odres velhos do rabinismo?

Por que ainda não estouramos os odres velhos do rabinismo para dar larga expansão ao vinho novo do Evangelho comunicado pelos céus?

Se um dia a teologia acompanhar a teodicea acabaremos nos braços do unitarismo como parte das seitas protestantes/judaizantes. O outro caminho a ser feito é no sentido da teologia do processo ou do panenteismo.

Lamentavelmente parte dos Católicos tem sido impedida de chegar a estes termos por três palavrinhas contidas no Santo Evangelho e muito pessimamente compreendidas -

Pneuma O Theos
Espírito é Deus
Deus é espírito Jo 4,24

Diante desta passagem da Inspiração, não poucos tem lido:

"Deus é PURO espírito ou espírito PURO." querendo dizer que é apenas espírito e que nada contém de material. O que nos levaria a transcendência absoluta.

De fato a igreja em diversas publicações, inclusive em catecismos, bem como os kardecistas e os protestantes, tem descrito Deus como 'Espírito puríssimo'

Atentemos porém que este Jesus, que sempre exprimiu-se tão bem e tão claramente não diz  que Deus é 'apenas' ou 'somente' espírito. Do contrário teria dito com a igreja: É Deus puríssimo espírito. Poderia te-lo dito, mas... Não o disse?

Teria sido pois a igreja mais exata e mais prudente do que seu divino fundador e Nosso Mestre Jesus Cristo? Aqui, por mais que amemos a Santa Igreja, temos de responder que não, afinal não poderia ela ser superior a seu fundador e arquiteto que lançou-lhe os fundamentos.

Destarte, se não definiu a Deidade como espírito puro é porque sabia que este universo e a matéria estão presentes nesse espírito como meios dispostos a ação ou que a dimensão da materialidade coexiste eternamente com Deus sem ser Deus ou confundir-se com ele. Com Tertuliano, Orígenes, Lactâncio e Arnóbio podemos nos referir impropriamente a este meio ou aspecto da divindade como a um corpo. A expressão no entanto é inexata e simbólica porquanto é a deidade incorpórea, embora haja nela um elemento material, com o qual se relaciona e vivifica. Do contrário teria dito com Zenão de Citium 'Nous O Theos' i é 'Deus é a mente' St Epifânio 'Adv Haeres' 3.2.9 - 1.146 tendo por implícita sua corporalidade.

Atribuir outro sentido a este texto é transformar o divino Mestre em neo platônico. Você sempre poderá definir o rio, o mar ou os oceanos como água - O Mar é água ou é líquido, sem com isso negar os peixes, as algas e muito menos o sal, pois prevalece a água. O deserto sempre poderá ser definido como uma extensão de areia, sem que excluamos espinheiros, cipós e insetos e mesmo lagartos. Uma porta de madeira compõe-se de pregos e não poucas vezes de um visor feito com vidros. Uma roupa de tecido contém botões e um sapato de couro cadarços de pano.

Muito mais significativo para nós é o que Jesus podendo ter dito não disse:  "Deus é PURO espírito' querendo significar que é espírito incorpóreo, mas não 'puro' como querem os neo platônicos e transcendentalistas.

A própria igreja Ortodoxa presume um sentido pré existente e eterno na Encarnação do Senhor, o qual não se restringe a sua vontade ou a seus planos, o que nos remete as relações Espírito matéria enquanto sombra ou ensaio desta Encarnação ulterior sucedida no tempo e no espaço.

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