domingo, 24 de setembro de 2017

Uma entrevista polêmica sobre Ética, ciência, vegetarianismo e cobaias.

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Após termos espicaçado os mistagogos comunistas e os sectários cristãos daremos a público um Diálogo que tivemos há algum tempo com os cientificistas e os carnívoros -

Interlocutor - Boa tarde professor.
Eu - Boa tarde jovens, sejam bem vindos.
Interlocutor - A primeira pergunta diz respeito a ciência ou melhor dizendo ao conhecimento não aplicado, corresponderá ele a algo neutro ou a um bem?
Eu - Na medida em que tanto a busca pelo conhecimento quanto sua aquisição correspondem a uma demanda da própria condição humana ou do intelecto não podemos deixar de encarar tais atividades como boas em si mesmas.
Interlocutor - Mesmo que não haja aplicação para este tipo de conhecimento em questão?
Eu - Grosso modo todo conhecimento teórico tende a converter-se, com o passar do tempo, em conhecimento aplicado i é em técnica. Independentemente disto a primeira aplicação de qualquer conhecimento obtido e enquanto conhecimento teórico, é satisfazer a curiosidade humana ou saciar nossa sede de saber. Sabemos para que? Sabemos para saber, porque somos antes de tudo curiosos. Um homem qualquer cujas necessidades básicas estejam satisfeitas não tardará a elaborar diversas perguntas a respeito da realidade que o cerca e elas surgirão naturalmente. A ciência tem sua origem nessa condição de inquietude peculiar aos seres humanos.
É justamente a ciência aplicada e apenas ela capaz de poluir o conhecimento.
Interlocutor - Poluir o conhecimento? Que vem a ser isto?
Eu - Poluímos o conhecimento de diversas maneiras, mormente quando tornamos este conhecimento aplicável e aplica-mo-lo indignamente. É o uso que o homem faz deste ou daquele objeto que o torna bom ou mau. Todo e qualquer objeto produzido pelo homem, seja ele uma faca, um rifle ou uma bomba, é bom em si mesmo enquanto produto do engenho humano. Seu uso ou emprego pelo homem numa determinada conjuntura é que poderá ser bom ou mal. Assim fará bom uso da faca para cortar legumes ou descascar frutas e um mau uso caso venha a agredir outro homem. Fará bom uso do rifle caçando ou protegendo-se dos animais selvagens e um mau uso na guerra fuzilando inocentes. Fará bom uso da bomba detonando montanhas com o objetivo de construir estradas e um mau uso lançando-as sobre cidades e estraçalhando civis inocentes. Todo e qualquer objeto pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal.
Interlocutor - De maneira que a técnica sempre estará sujeita ao abuso?
Eu - Efetivamente, toda técnica esta sujeita a abusos pelo simples fato de seu uso corresponder a determinado fim. Caso o fim seja bom o uso será bom, caso o fim não seja bom teremos o abuso.
Interlocutor - E como poderíamos distinguir o uso do abuso. O uso da técnica, para ser bom, deve estar a serviço da condição humana e respeitar a dignidade do ser humano. Deverá promover o homem jamais avilta-lo ou abate-lo. Caso o efeito do uso desta ou daquela invenção acarrete dor, mal estar ou prejuízo aos seres humanos, estamos diante do abuso. O uso implica em beneficiar o ser humano ou em minorar seus sofrimentos. Assim o emprego deste ou daquele objeto numa guerra injusta ou agressiva deve ser encarado como mau.
Interlocutor - Apenas isto?
Eu - Não. Há diversas outras situações em termos de produção de conhecimento que suscitam nossa reflexão em termos de ética, de princípios e de valores, de bem e mal.
Interlocutor - Podería fornecer alguns exemplos?
Eu - Certamente. Julgo que antes de tudo devemos indagar se os meios investigativos empregados pela própria ciência - enquanto instância relaciona diretamente como a produção do conhecimento - são bons ou maus.
Interlocutor - Julgo não ter captado o sentido desta última pergunta.
Eu - A pergunta levantada reporta ao método científico em si mesmo e indaga se acarreta prejuízo, dor ou sofrimento a qualquer forma de vida.
Interlocutor - Ah compreendo, refere-se a testes e pesquisas feitos com doentes ou condenados, especialmente quando não autorizadas?
Eu - Naturalmente que é um dos aspectos da questão, mas não o único. Propositalmente não me referi a seres humanos, mas a formas de vida e a quaisquer formar de vida.
Interlocutor - Captei. O professor esta se referindo aos animais ou melhor dizendo aos animais que são empregados como cobaias nos laboratórios.
Eu - Exatamente.
Interlocutor - Há quem diga que o emprego de animais como cobaias é indispensável ao progresso científico.
Eu - Houve e há quem diga que as guerras são necessárias ou indispensáveis ao equilíbrio social de uma determinada sociedade como há quem diga que o regime de livre mercado seja indispensável. Uma coisa é ser indispensável e outra, totalmente distinta é ser apresentado como indispensável. Oxigênio e água são elementos indispensáveis a vida humana mas há quem afirme o cigarro, o alcool ou mesmo o chocolate como indispensáveis...
Ademais em termos de ética não se pergunta de algo é necessário - tanta coisa má é descrita como necessária - mas se é justo, certo ou correto.
Interlocutor - Desenvolva.
Eu - Obrigado. Será mesmo que não podemos continuar produzindo ciência sem cobaias ainda que num ritmo menos acelerado?
Interlocutor - Eis um questionamento a ser feito.
Eu - Mormente quando a redução deste ritmo corresponde a uma exigência ética.
Interlocutor - Parece-me convincente.
Eu - Acompanhe-me. Via de regra, a maior parte de nós, é ensinada a considerar o consumo de carne vermelha como necessário ou mesmo indispensável a conservação da vida e da saúde. Parece-me no entanto que a existência de vegetarianos ou de pessoas que limitam-se a consumir carnes brancas neste planeta aponta-nos para uma solução contrária. Seja como for somos ensinados a crer que devemos ser carnívoros para sobreviver. E como nossa cultura é carnívora não costumamos a questionar seriamente este ensinamentos. E como a carne é apetitosa.
No fundo o que queremos é saborear um bife suculento. Por isso não questionamos a cultura carnívora.
Seja como for aqui bem cabem algumas perguntas: Será mesmo impossível que a humanidade como um todo ou ao menos parte dela sobreviva sem devorar mamíferos ou bovinos? Quem sairia perdendo caso boa parte da humanidade cessa-se de consumir carne vermelha? Acaso parte do discurso vigente não teria sindo elaborado tendo em vista as exigências econômicas do mercado? Há gente querendo lucrar com a venda de carne não? E nesse sentido o consumo faz-se necessário, devendo ser estimulado.
Interlocutor - Jamais me haviam ocorrido tais perguntas?
Eu - Geralmente não costumamos a elaborar perguntas capazes de incomodar-nos. O ser humano não costuma ser bom nisto.
Interlocutor - Supondo que o consumo da carne vermelha não seja necessário a manutenção da vida?
Eu - Neste caso somos obrigados a nos perguntar sobre o pôrque de saborearmos a tal carne vermelha e julgo que a resposta oferecida seria mais ou menos assim: Consumo carne vermelha porque gosto ou porque me agrada e porque não prejudica a quem quer que seja.
O engano aqui é manifesto pelo simples fato do Boi ou do Porco não poder falar.
Afinal não vejo como possa qualquer um deles sentir-se beneficiado ao levar um baita golpe na testa e ter a vida suprimida pelo homo sapiens.
Não nego que em estado de natureza tanto o boi quanto o porco ou qualquer outro animal tivesse de conseguir sua própria comida e de escapar de seus predadores, é fato. No criadouro ou na fazenda por outro lado são alimentados e cuidados pelo homem. Sim, mas para terminarem no abatedouro e sem aquela mínima chance que lhes é oferecida pelo meio ou pela mãe natureza.
Interlocutor - Quem sabe se a média de vida de um animal criado em cativeiro não seja até maior do que em estado de natureza? Estado em que poderá morrer de câncer inclusive, caso atinjam uma idade mais avançada.
Eu - Claro que há variáveis e algumas até consoladoras para os consumidores de carne vermelha... Quanto ao câncer a alegação talvez seja plausível com relação a um seleto número de indivíduos idosos, já quanto a média de vida de um animal criado num cativeiro integrado aos moldes capitalistas de produção e ao lucro máximo, acho no mínimo discutível. Seja como for devemos admitir que a criação - em comparação com a caça - sendo controlada evite a extinção da espécie. Que os animais criados pelo homem sejam os mais prolíficos na face da terra me parece fora de dúvida.
E no entanto aquele que considera normal devorar um animal em tais circunstância raramente ou quase nunca o abate com suas próprias mãos, considerando este tipo de ação 'infamante'. A quase totalidade dos que consomem carne vermelha não realiza o trabalho sujo. Hoje certamente bem menos sujo devido ao abate humanitário, o qual corresponde certamente a uma das mais belas aspirações humanas. Apesar disto para muitos dar uma marretada nos miolos de um boi ainda seria tabu. Neste caso, se você não tem coragem suficiente para abater por que consome???
Interlocutor - Boa pergunta.
Eu - A bem da verdade consumimos carne vermelha de grandes mamíferos porque gostamos ou porque nos agrada, mas justificamos alegando uma hipotética superioridade. Tal o caso das cobaias. Criamos cobaias e usamos cobaias em laboratórios porque julgamos ter este direito e julgamos ter este direito por sermos superiores. Bem, no caso do consumo há um atenuante, o abate humanitário. No caso da cobaia a produção de dor e sofrimento é intencional.
Interlocutor - Tal distinção jamais me havia ocorrido, agora quanto a tomar o que é agradável como critério em matéria de juízos éticos sempre me pareceu problemático.
Eu - Me parece bem mais do que problemático. Afinal a quem sinta prazer em matar, torturar, estuprar, humilhar, oprimir, etc
Interlocutor - De modo que o agradabilidade não produz direito.
Eu - Nem poderia e por isso editamos outra justificativa, segundo a qual somos superiores aos animais.
Trata-se dum discurso - caso estabeleçamos sua arqueologia - antes deslocado do que discutível e que foi produzido antes mesmo de que a ciência viesse a ocupar o espaço que ocupa na sociedade contemporânea. Discurso segundo o qual o homem não seria um animal mas uma criatura a parte ou diferenciada de todas as outras. O que reporta necessariamente ao mito do gênesis ou a criação fetichista do mítico Adão, apresentando como dono ou proprietário de todos os animais.
Interlocutor - No entanto desde Darwin...
Eu - Sim, sim, desde Darwin foi o homem integrado a natureza e apresentando como um animal, inda que racional por apresentar cercas capacidades em termos de abstração. É no entanto um mamífero e primata, aparentado com os demais mamíferos, cujos genes trás em si.
Grosso modo nossa única superioridade face aos demais mamíferos nossos parentes é a de elaborar pensamentos tanto mais complexos ou raciocínios o que paradoxalmente conduz-nos a questionamentos éticos em termos de princípios e valores e a uma vida ética. Somos consumidores de carne e matadores de mamíferos capazes de questionar o consumo de carne, pelo simples fato de sermos capazes de nos identificar com nossos parentes mais próximos. Temos consciência de que as formas mais complexas do reino animal, em especial os mamíferos são bastante sensíveis a dor, e mais ainda, somos perfeitamente capazes de nos colocar no lugar deles e de nos compadecer. Portanto nossa única e decantada superioridade equivale justamente a um padrão de consciência tão refinado a ponto permitir que problematizamos nossos alimentares...
Somos superiores porque capazes de submeter nossos hábitos alimentares a um escrutínio ético, coisa que certamente mamífero algum, enquanto espécie é capaz de fazer.
Interlocutor - Já sei porque as vezes me sinto canibal...
Eu - O fato é que poucos de nós estão dispostos a levar adiante ou as últimas consequências este tipo de reflexão. Por isso batemos o pé e declaramos ter o direito de torturar uma pequena cobaia, um macaco, um gato ou mesmo um cão ou um cavalo. Mas de que decorre este suposto direito? Temos de beneficiar nossa espécie!!! Sim, mas parasitando outras? É lógica de lombriga ou ancilóstomo não de um ser racional. Somos superiores... Só se for em sadismo...
Sei que a reflexão sobre o uso de cobaias é desconfortável.
Injeção também é, mas também é necessária.
Em que somos superiores as pequenas cobaias ou aos animais que acometemos em nossos laboratórios infringindo toda sorte de sofrimentos?
Interlocutor - Em poder ou força?
Eu - Acertou em cheio. Não torturamos as cobaias porque exista qualquer direito natural que nos autorize a faze-lo mas apenas porque queremos e podemos. A lógica dos experimentos científicos com o objetivo de beneficiar nossa querida espécie, é o direito do mais forte. Nada mais venenoso... Direito do mais forte é tese que reporta ao darwinismo social, a Nietzsche e enfim a Hitler e ao nazismo. Não fazemos isto ou aquilo porque é justo ou direito mas apenas e tão somente porque podemos e queremos. Tal a origem de todas as agressões, conflitos e guerras de conquista e dominação. Como as cobaias são mais fracas do que nós, como os animais são indefesos...
Certamente não temos diante de nós um bom caminho.
Por outro lado, caso levássemos a ética a sério, proibiríamos o uso de cobaias sob quaisquer pretextos, mesmo que disto decorresse uma diminuição no ritmo da pesquisa e produção científica e isto pelo simples motivo de que o supremo valor de uma Sociedade humana não pode ser a produção científica ou a aquisição do conhecimento, mas o respeito por todas as forças de vida. Implica admitir uma escala de valores e o primado da ética, coisa de os cientificistas não podem admitir.
Eis uma via porque a ciência é contaminada na fonte convertendo-se ela mesma em abuso.
Felizmente há diversas áreas da pesquisa científica que não fazem uso de cobaias. Neste caso a investigação em si mesma é, como já dissemos, sempre um bem.


FIM

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